Sexta-feira, 15.02.13

Se o futebol fosse um jogo de perfeição absoluta, como defendia o inimitável Gianni Brera, todos os jogos acabariam empatados a zero. O esforço do ataque seria anulado pelo trabalho da defesa e a partida de xadrez seria eterna. Cruyff falou sempre da necessidade do erro para que o golo exista. E se a cultura futebolista actual parece estar determinada em retirar de uma vez por toda o mérito a quem marca, a verdade é que há erros colectivos e individuais que são impensáveis em jogos de alta tensão e máxima importância. No Santiago Bernabeu, o Real Madrid começou a perder por um erro tremendo não de um, mas de quatro jogadores diferentes. A anatomia do erro é também o espelho de uma equipa descoordenada.

 

Comecemos ao contrário.

Cristiano Ronaldo eleva-se quase três metros no ar. Levita, esperando que a bola, centrada de forma perfeita por Angel Di Maria cruze o ar até encontrar a sua cabeça. David De Gea pode estirar-se, Patrice Evra pode simular reagir, mas são meros espectadores, personagens secundários de uma execução perfeita, de um dos golos do ano, a prova de que Ronaldo é, para o bem e para o mal, um dos futebolistas mais completos da história do futebol, capaz de correr como Bolt, saltar como Jordan e rematar com a violência de um míssil.

Um golo que ninguém se atreve a discutir, mas que, inevitavelmente, é o reflexo de um par de erros importantes. O erro de Rafael, repetido vezes sem conta durante o jogo, que permite ao argentino Di Maria centrar com comodidade. O erro de Jones, que devia estar pendente de Cristiano Ronaldo e nem se vê na imagem. O erro de Evans, que abandonou a zona de acção e encontra-se em terra de ninguém permitindo que o melhor jogador do mundo no ar dispute uma bola com o mais baixo dos defesas da equipa inglesa, o lateral esquerdo Patrice Evra. Três erros que facilitaram o golo mas é difícil pensar que Di Maria não podia ter encontrado um milésimo de tempo e espaço para centrar e que Ronaldo não fosse capaz de bater Jones e Evans no ar para marcar. Sem erros não há golos no futebol, mas há erros mais graves que outros. O caso do golo inaugural do jogo, está no diâmetro oposto do marcado pelo Real Madrid.

Não que não seja um excelente golo, executado de forma perfeita, desde o momento em que Wayne Rooney lança um pontapé com conta, peso e medida desde a linha de fundo até ao gesto técnico de Danny Welbeck, medindo perfeitamente o tempo de salto, a área da cabeça com que remata e o seu posicionamento no relvado. Entre Rooney e Wellbeck desenha-se um lance que é muito difícil de prever e mais ainda de travar, um golo de bola parada de laboratório, pensado e executado brilhantemente. E no entanto, com todo o mérito que tem a equipa do Manchester United, o golo do dianteiro inglês podia ter sido evitado mais facilmente se não tivesse sido acompanhado de uma série de erros que uma equipa que aspira a tudo pode permitir.

 

Na época passada a defesa do Real Madrid realizou uma excelente época colectivamente.

Individualmente, tanto Sérgio Ramos como Pepe protagonizaram o seu melhor ano, combinando bem desde o momento em que o andaluz passou para o centro da defesa, substituindo Ricardo Carvalho, e com Iker Casillas foram peças chave no título histórico conquistado pela equipa da capital espanhola. Mas houve erros, durante a temporada, que custaram caro ao Real Madrid. Nos Quartos de Final da Copa del Rey, o golo de Abidal no Santiago Bernabeu, o erro de Coentrão e Casillas em Munique e os pontos perdidos de forma consecutiva em dois jogos com livres directos apontados no final dos jogos contra o Málaga e Villareal, onde o capitão merengue podia ter feito mais. Mas disputar 50 jogos num ano sem cometer erros é impossível e o resultado final da época compensou no final os percalços. Este ano é diferente.

Não se trata só do descontrolo absoluto do balneário, uma mancha negra no curriculo de um treinador que se fez famoso à custa, precisamente, de ser um disciplinador tremendo e um homem que trata os jogadores como família. Nem é apenas a péssima forma física e o estado psicológico de jogadores fundamentais como Benzema, Higuain, Di Maria, Ramos e Marcelo. É, sobretudo, um acumular de erros sucessivos que desta vez foram fatais. As bolas paradas, entre livres e cantos, têm sido mais do que nunca o calcanhar de Aquiles deste Real Madrid, e o jogo com o Man Utd deixou uma vez mais essa realidade em evidência. Mourinho tem razão quando diz que a responsabilidade não é sua.

Os lances são treinados durante a semana mas nos jogos os erros são sempre individuais. O problema é que são o acumular de vários erros individuais, quase de principiantes, e que custaram pontos em Getafe ou Sevilla, e uma vantagem fundamental para os Red Devils.

Aos 10 minutos de jogo Kagawa envolve-se num lance com Sérgio Ramos. O árbitro assinala canto apesar de nas imagens televisivas se apreciar, na repetição, que o último a tocar na bola é o japonês. Rooney pega na bola e prepara-se para marcar o canto enquanto os jogadores do Real Madrid posicionam-se. Xabi Alonso e Cristiano Ronaldo sem marcador, ao primeiro poste. Benzema um pouco adiantado com Robbie van Persie. Di Maria no poste esquerdo, os centrais Ramos e Varane com Wellbeck e Evans, Coentrão ao lado de Evra e Khedira e Ozil fora da grande área para ganhar a segunda bola.

A bola começa a percorrer a sua trajectória e os erros vão-se acumulando. Diego Lopez faz-se ao lance, previsivelmente para socar a bola, mas arrepende-se a meio caminho, perdendo a sua posição sobre a linha de jogo e ficando em terra de ninguém. Erro número 1. O central Ramos está mais pendente de afastar Welbeck do caminho do guarda-redes que se esquece de procurar ganhar posição e deixa Wellbeck só, à entrada da pequena área, livre para cabecear. Erro número 2. O argentino Di Maria, abandona surpreendentemente o poste para colocar-se atrás do guarda-redes, abandonando a sua posição e deixando a baliza a descoberto. Erro número três. Varane lê o erro de Ramos e decide lançar-se sobre Wellbeck para impedir o inevitável mas com isso deixa só Evans, com 1m92, que pode beneficiar de um desvio do colega ou de um defesa e marcar à vontade. Erro número 4.

A bola encontra Welbeck que, só, sem oposição, pode executar o seu excelente movimento técnico de cabeça. Lopez está fora da baliza e não consegue impedir a trajectória da bola mas confia que Di Maria, no poste, possa cortar sobre a linha. Mas Di Maria já não está lá e a bola entra, precisamente, onde este devia estar. Três erros fundamentais para permitir o golo ao contrário. Apenas bastava que um deles não tivesse ocorrido e teria sido muito difícil a Wellbeck marcar. Ou porque Ramos não o deixaria cabecear, ou porque Lopez, na linha de golo, podia parar perfeitamente a bola ou, em último caso, porque um jogador no poste esquerdo poderia sempre desviar o remate. Nada disso aconteceu e o golo do inglês pode ser suficiente para dar o apuramento ao Manchester United. E deixa a nú os problemas reais de uma equipa com muito orçamento mas com pouco futebol.

Erros como este têm sido o habitual na versão 2012-13 do Real Madrid, algo impensável para uma equipa de topo europeu. Contra os rivais mais humildes e os adversários com maior prestigio, erros de marcação, erros em entradas desnecessárias, erros de posicionamento, erros nos passes e erros nos remates. A história deste Real é uma história de erros próprios e são esses enganos, quase infantis, que têm permitido aos rivais colocarem-se, vezes sem conta, em vantagem. Cruyff dizia acertadamente que o futebol é um jogo onde quem ganha é quem menos erra. A este ritmo parece claro que, por muitos golos que marque Cristiano Ronaldo, por muitos passes perfeitos faça Ozil ou kms corram Khedira ou Alonso, com tantos erros é impossível que o campeão de Espanha não passe um ano em branco. Um branco muito negro!



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Domingo, 12.02.12

dois treinadores que definem a excelência do futebol francês. Um foi campeão do Mundo. O outro teve o Mundo a seus pés. Durante mais de duas décadas o bom gosto futebolistico gaulês era tão sinónimo de Albert Batteux como hoje sucede em Espanha com Josep Guardiola. Num país que sempre olhou para o futebol com um desprezo iluminado, o pioneirismo do filho pródigo de Reims lançou as bases para o sucesso multi-cultural da era moderna.

O país que inventou o Mundial e as provas europeias demorou décadas até conseguir os primeiros trófeus oficiais. Mas se houve alguém que esteve perto  de quebrar essa malapata quase antes de ter começado, esse alguém foi Albert Batteux.

O seu Stade Reims  não foi só o grande dominador do futebol francês da década de 50. Era também o percursor ideológico do popular foot-champagne que fez escola a partir da década de 80 com Platini e companhia. Quando o futebol em França continuava a ser um passatempo provinciano, são cidades como Lille e Reims que vão dictar sentença no pós-guerra. Batteux cresceu debaixo da catedral de Reims e nos anos 30 tornou-se num dos jogadores de moda do conjunto que trouxe para a liga gaulesa o conceito de profissionalismo pela primeira vez. A 2 Guerra Mundial acabou com a sua carreira como jogador, cortando anos preciosos que culminaram no final dos anos 40 com as suas oito internacionalizações e os primeiros titulos como capitão, na liga e taça de 1950. No final do jogo, sem o ter consultado previamente, o presidente do clube, Henri Germain, anuncia ao balneário que ele será o treinador da próxima época. Sem o saber, começava uma época de glória inesperada para o clube do nordeste.

 

A equipa do Reims nutria-se essencialmente de jogadores locais e de filhos de emigrantes que anos 20 e 30 tinham começado a chegar à zona, especialmente do leste europeu. O olho clinico do técnico permitiu-lhe rodear-se dos melhores profissionais da zona. Mas foi, sobretudo o seu conceito táctico, que afastou progressivamente o clube de um 2-3-5 ainda primário para um WM avançado que deu aos jogadores do Stade um plus de superioridade face aos seus rivais mais directos.

Ao colocar mais jogadores no sector defensivo, Batteux implantou uma cultura de toque curto, com a bola a sair a jogar sem os longos pontapés para os extremos que tinham sido o habitual até então. A explosão precoce de Robert Jonquet e Armand Penverne, adolescentes quando foram lançados como titulares, trouxe o rigor e precisão que o modelo necessitiva e que libertava o quarteto atacante para um jogo de ataque continuado confirmado com os espantosos números goleadores que o “Grand Reims” manteve ao longo de toda a década. Dez anos depois, sem cumprir 40 anos, os titulos, e sobretudo, a aceitação cultural de uma nação devotada sobretudo aos desportos individuais (ténis, ciclismo, natação) do que propriamente à febre futebolistica que já era uma realidade em todo o Mundo. 4 titulos de liga, 2 Taças de França, 1 Taça Latina e duas finais da Taça dos Campeões perdidas diante o Real Madrid (incluida a primeira final da história), reforçaram o cariz lendária do conjunto que então subsistia com a magia de Kopa e os golos de Just Fontaine. Foi precisamente na dupla que juntou em Reims que Batteux se apoiou quando a FFF o nomeou seleccionador nacional em 1955, com apenas 34 anos. O terceiro lugar no Mundial de 1958 foi recebido com surpresa num país habituado às desilusões e deixou no ar a ideia de que com pouco mais os gauleses podiam realmente desafiar os grandes do futebol internacional. Seria preciso esperar até 1998 para a França lograr um resultado melhor num Mundial.

Em 1963 Batteaux abandonou finalmente o Stade Reims.

Um  titulo mais e treze anos depois o técnico, então com 42 anos, sentiu que estava na hora de mudar de rumo. O esqueleto do seu projecto tinha-se desfeito com a idade e as exibições na Europa não tinham estado à altura dos seus melhores momentos. Depois de dois anos em Grenoble, onde passou relativamente despercebido, o técnico marchou para a pequena localidade do Massiço Central de Saint-Ettiene. No Geoffrey-Guichard pegou na herança deixada por outro grande técnico gaulês, Jean Snella, e transforma o grito “Allez lez Verts” no santo e senha para os amantes neutrais do futebol em França, que sempre fora a esmagadora maioria. Três ligas consecutivas entre 1968 e 1970 lançaram as bases para o sucesso esmagador do Saint-Ettiene na década seguinte.

 

Jovem ainda, Batteux tinha perdido a paixão inicial e em 1972, depois de um segundo ano sem vencer um só trofeu, cede o posto a Roland Herbin, nome nuclear na transição entre os técnicos clássicos e a geração de 80 dos bancos franceses. Ainda passa por Avignon, Nice e Marseille, mas em estâncias curtas e sem o mesmo impacto que a fama que lhe precedia sempre levantava. A doença minava-o já e em 2003, depois de uma longuissima luta, Batteux perdeu o seu último e decisivo jogo. O futebol francês vivia a sua era dourada, mas poucos se lembravam de realmente que tudo tinha começado com Albert a dar ordens no banco e a catedral mais emblemática de França a velar as suas costas.  



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Sábado, 16.07.11

Nas sondagens e listados oficiais sobre os grandes treinadores da história ele nunca aparece. Não surpreende. O desconhecimento na era da globalização é maior do que possa imaginar e o nome de Maslov continua a ser um mistério para muitos. O homem que definiu o futebol contemporâneo morreu sem nunca ter passado pelo passeio da fama, mas 50 anos depois o seu legado é cada vez mais evidente. Talvez nunca tenha havido um treinador tão influente na história do jogo...

A última vez dói sempre mais. A de Viktor Maslov como treinador do Dynamo Kiev deve ter doido mais ainda.

Narra Jonathan Wilson no seu essencial Inverting the Pyramid, que o técnico moscovito foi despedido no hotel de concentração do Dynamo Kiev aquando de uma viagem a Moscovo para defrontar o Spartak local. No final do jogo a equipa saiu do estádio num autocarro rumo ao aeroporto. Ninguém falava. A meio caminho o autocarro parou diante de uma estação de metro. Maslov foi convidado a sair. Baixou pesarosamente as escadas e acenou aos seus jogadores. Chorou. Nunca o tinham visto chorar.

A cena é real e significou um ponto final na carreira do mais influente treinador do futebol moderno ao serviço do clube que serviu de balão de ensaio para os seus esquemas futebolísticos. Maslov ainda viria a vencer uma Taça da URSS com o Torpedo de Moscovo, dois anos depois,  e um campeonato com os underdogs arménios Ararat Yerevan, mas a saúde débil já o minava por dentro. Em 1976 morreu na mais absoluta mediocridade e ninguém se lembrou dele durante anos até que alguns estudiosos começaram a analisar o jogo de trás para a frente e descobriram que este treinador a quem os jogadores chamavam carinhosamente de "Avôzinho", como é tão comum na Rússia a quem se tem um imenso respeito, tinha sido o mentor das grandes metamorfoses tácticas do beautiful game.

Maslov era, de certa forma, o oposto moral e emocional do seu sucessor em Kiev, o mítico Valery Lobanovsky. O que o ucraniano fez, partindo do principio cientifico, já Maslov o fazia, partindo do sentido comum que sempre orientou a sua carreira. Um técnico diferente a todos os niveis, o moscovita era conhecido por ser um dos entusiastas do modelo de auto-gestão. Consultava os jogadores para tudo e por várias vezes viu o capitão de equipa recusar que um jogador fosse substituído quando ele já tinha indicado ao suplente que se preparasse para entrar. Anos mais tarde, depois das acusações de falta de disciplina, os seus próprios jogadores vieram a público defendê-lo. Tratava-se apenas de uma mensagem que a equipa em campo recebia e respondia com a tranquilidade de que o jogo se ia resolver com os onze titulares. E sempre foi assim. Os seus registos em Kiev foram históricos e apesar da influência que detinha junto do Partido Comunista Ucraniano - que lhe permitia, entre outras coisas, recrutar vários jogadores de clubes mais pequenos com benefícios estatais - a forma como montou uma equipa capaz de desafiar o poder moscovita transformou para sempre o futebol soviético e estabeleceu as bases do que viria a ser o longevo mandato de Lobanovsky.

 

Pressing. Marcação à Zona. 4-4-2.

Palavras chave no vocabulário futebolístico de hoje mas que só existem no vocabulário desportivo a partir do momento em que Maslov as passa de um ideário em papel para o terreno de jogo. Durante os dez anos que medeiam a sua viagem ao Mundial da Suécia de 1958 e o zénite da sua equipa de Kiev, o técnico colocou em prática os conceitos que hoje fazem parte da bíblia de qualquer treinador.

Quando começou a treinar o Torpedo de Moscovo (na altura liderado pela estrela soviética Eduard Streltsov) decidiu aplicar o ideário táctico que viu na espantosa equipa do Brasil de Zezé Moreira. Entendendo, como poucos na altura, que o sucesso brasileiro dependeu, mais do que  Garrincha, Pelé e Vavá, no jogo de Didi e no posicionamento de Zagallo. Ao voltar a Moscovo começou a ensaiar um jogo de toque no meio campo abandonando progressivamente o ritmo vertiginoso do WM. O 4-2-4 foi o seu primeiro sistema táctico - um caso de precocidade na Europa - mas foi, sobretudo, o seu conceito de pressing, que revolucionou por completo a sua forma de analisar o jogo. Observando o espaço que os defensores deixavam a Streltsov, Garrincha ou Kopa, começou a trabalhar o treino de pressão. O seu quarteto defensivo, mais do que esperar pelos rivais, tinha instruções de avançar sobre eles, reduzindo o tempo de manobra do contrário. Com isso melhorou significativamente os registos de golos sofridos do conjunto moscovita, antecipando em muitas ocasiões oportunidades claras de golo. O seu sistema de pressing provocou um aceleramento do jogo e obrigou, por outro lado, a ter um meio-campo capaz de temporizar e controlar os registos de posse de bola com discrição. Maslov procurou durante toda a sua carreira a versão soviética de Didi, o homem que parava o jogo do Brasil quando todos aceleravam. No duro e rígido futebol soviético a sua missão era complicada e essa mutação táctica levou muitas vezes a situações em que a sua defesa se via forçosamente descompensada.

Em 1964, depois de oito anos em Moscovo, aceitou o desafio de orientar o Dynamo de Kiev ucraniano. Aí encontrou as armas que precisava para colocar em prática o sistema que vinha idealizando há muito. Para tal teve de livrar-se de algumas das estrelas da companhia (entre as quais o aclamado Valery Lobanovsky) e a principio a sua presença sofreu com a eterna desconfiança dos ucranianos face a um treinador que tinha feito toda a sua vida desportiva em Moscovo. Mas rapidamente a relação entre técnico e equipa atingiu níveis de imensa cumplicidade e quando Maslov começou a mexer as peças do xadrez, a equipa seguiu-o entusiasticamente. No seu primeiro ano abandonou o 4-2-4 brasileiro e inventou o que hoje conhecemos como 4-4-2. Dois anos antes dos Wingless Wonders de Alf Ramsey, o russo abdicou do jogo de alas, a quem acusava de não terem critério para funcionar no jogo colectivo, e colocou um playmaker puro (o seu Didi) atrás do duo de pontas de lança com três homens no apoio directo atrás de si. Para aprofundar ainda mais o seu sistema de pressing (que apurava com sessões de treino intensas, inusuais à época) começou a desenvolver um sistema de marcação à zona que obrigava os jogadores a estarem atentos ao espaço e não ao homem. Quando um jogador passava pelo seu marcador, para evitar um desgaste físico desnecessário e um desajuste táctico, este simplesmente deixava-o para o homem seguinte. A conjugação do pressing a meio campo, do trabalho de marcação implacável e, sobretudo, da temporização do jogo com a bola no pé, encurtando o espaço, Maslov definiu os conceitos que Rinus Michels adaptaria no seu Ajax e que entrariam no vocabulário comum como "Futebol Total". Com o seu Dynamo Kiev logrou os melhores registos, vencendo duas ligas soviéticas e desafiando os potentados europeus, apesar de ter caído, no seu melhor ano, frente ao Celtic de Glasgow que se sagraria campeão europeu depois de um duplo encontro intenso.

 

Se na marcação à zona o conceito foi emprestado (e aperfeiçoado do exemplo brasileiro) já a pressão alta e o 4-4-2 são exclusivos absolutos do homem que não foi entendido pelo seu tempo mas que, a médio prazo, abriu o caminho para a evolução táctica que o futebol iria forçosamente seguir. O ritmo de jogo e a ocupação dos espaço, hoje verdadeiro obsessão, era algo tido como supérfluo até que Maslov entendeu todo o seu potencial. A sua influência só se pode comparar a Jimmy Hogan e Herbert Chapman, definidores dos modelos de jogo continentais e britânicos nos anos 20. Enquanto o mundo se debate entre Mourinho e Guardiola, Sacchi e Cruyff, Menotti e Michels, Ramsey, Shankly, Busby e companhia, a verdade é que todos eles são um pouco melhor treinadores porque um dia o "Avôzinho" decidiu inventar o futebol moderno!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:16 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Sexta-feira, 28.01.11

Chegando ao tramo determinante da época o duelo entre FC Barcelona e Real Madrid ganha nova dimensão com um expectável e multiplo reencontro nos meses que nos esperam. E enquanto o Barcelona começa a atingir o pico da sua extasiante temporada, o cansaço, fisico e mental, começa a tomar de assalto o Santiago Bernabeu. Espelho claro de quem optou por diferentes gestões dos tempos de jogo e que agora se encontra perante um dilema sem resolução aparente.

 

 

 

Em Camp Nou respiram futebol, alegria e dinamismo. As "manitas" repetem-se, com uma regularidade que faz lembrar os calendários dos anos 50, e a equipa que teve um arranque de época algo titubeante (principalmente diante dos seus), chega agora à parte da época que realmente conta com um pulmão cheio de ar e com energia suplementar nas pernas. Sem abdicar da equipa base, com ajustes pontuais e, sobretudo, posicionais, Pep Guardiola olha para os seus com um plus de confiança. Os processos estão assimilados, os jogos são controlados do primeiro ao último minuto e decididos, quase sempre, na primeira meia hora.

O Barcelona de Guardiola goleia porque quer golear. E isso parece evidente mas no futebol não o é, definitivamente. A maioria das equipas procura vencer e quando tem uma margem confortável, abranda o ritmo. Poupa as pernas, tranquilaza a respiração e gere os tempos. Este Barça é uma equipa que não sabe parar. Tem uma ansiedade absoluta em defenir o resultado no inicio do jogo porque sabe que é quando está em melhores condições fisicas para o fazer. Um 3-0 à meia hora de jogo é, muito dificilmente, reversível. E esse colchão permite depois abordar o jogo de outra forma. Dizer que os blaugrana só atacam é um erro, dizer que sabem como atacar não. Se as pernas de Messi, Pedro, Villa e companhia funcionam a todo o gás durante o primeiro tempo, depois a equipa faz com que seja a bola a funcionar no restante tempo de jogo. O Barcelona é tão boa equipa de ataque continuado como de contra-golpe. Joga com o campo aberto ao máximo, joga nos espaços abertos entre linhas e joga, sobretudo, com a psique do rival. Entrar a matar desde o inicio, procurar o golo imediato, retira o efeito de reação, destroi qualquer plano de organização e desmoraliza. Depois de meter o segundo ou terceiro golo uma equipa sabe que tem duas opções e o Barcelona sabe que a sua preferida, continuar a atacar, se vê facilitada porque o adversário está destruida psicologicamente por muito bem que se mantenha o fisico. Nessa gestão de tempo Guardiola não precisa de rotar. Usa Afellay, Keita, Mascherano, Bojan, Maxwell ou Thiago pontualmente mas nunca abdica, nem nos jogos mais pequenos, da estrutura principal. Porque são os que têm a licção melhor aprendida. Porque são os que inspiram mais medo ao rival (e isso conta tanto neste projecto guardioliano) e, sobretudo, porque são os que melhor sabem controlar os tempos de jogo. Messi hoje corre quando é necessário e a sua eficácia é tremenda. O mesmo se aplica a Villa e Pedro. O Barcelona marca muito mas, sobretudo, marca na maioria das ocasiões que tem. E isso é saber gerir um jogo de 90 minutos. E uma época de nove meses.

 

Ao lado da Castellana vive-se a situação oposta. O Real Madrid está de rastos e a época ainda vai a meio.

Os adeptos estão com Mourinho até ao fim mas muitos jornalistas foram escrevendo artigos queixando-se do que o técnico não fazia rotações e que a equipa podia sofrer, tarde ou cedo, o que em Madrid se conhece como "sindrome Queiroz". Em 2003/2004, com o português no banco, os merengues fizeram uma primeira volta excepcional mas ficaram sem oxigénio para a segunda e perderam com o Monaco na Champions League e a La Liga para o Valencia. O português contava com uma equipa ilustre mas não tinha banco, o mesmo que passa agora com Mourinho.

Olhar para os suplentes do Madrid pode deixar algum com uma depressão. Jogadores de nível médio como os Diarra, Granero, Albiol, Arbeloa, Gago, Leon e jovens como Canales, Mateos e Morata são as opções que o técnico tem para dar a volta a um jogo problemático ou rodar em encontros menos importantes. Depois há Kaká, a meio gás, e Benzema, única opção ofensiva desde a lesão de Higuain. Sempre que Mourinho cedeu, o Madrid desiludiu. Foi assim com o Murcia, o Levante, o Atlético, o Almeria...os suplentes não cumprem a mesma missão que as alternativas de Guardiola e a equipa ressente-se sem a descrição de Xabi Alonso, a velocidade de Di Maria, o regate de Ozil e a liderança de Ronaldo.

Mas o problema não é tanto o homem, mas sim o método. Este Real Madrid não tem um processo de jogo assimilado na equipa titular, quanto mais na equipa suplente ou nos jovens da filial. Ao contrário do Barcelona, que pode recrutar um jogador nos juvenis e ele sabe a sua posição e o seu trabalho na equipa principal, os merengues são uma jangada no oceano e andam ao sabor das ondas. Ora jogam em 4-2-3-1, ora em 4-5-1, ora em 4-6-0 ou, como nos últimos jogos (e ensaindo já os duelos com o Barça) em 4-3-3 com três jogadores de destruição no miolo.

Um problema que se adensa quando entendemos que o jogo do Real Madrid, electrico como seja, se baseia no erro do rival. O Barcelona joga igual, independentemente de contra quem seja, e é fiel ao seu estilo. Tanto o Bétis como o Almeria como o Madrid sofreram-na na pele em forma de cinco golos. Os da capital adequam-se a cada rival e jogam, essencialmente, na expectativa. E isso implica um jogo de maior desgaste.

O trabalho de meio-campo no Madrid resume-se a destruir e lançar o contra-golpe, para puxar as pernas dos laterais e extremos diante da defesa rival. O ataque está num constante estado acordiónico, recuando para fechar espaços para depois soltar-se em ataques viperinos. Sem descanso, a bola não rola, o que rola, e de forma sucessiva, são as pernas dos jogadores. E isso tem um limite. Ao contrário do Barcelona que abre o campo em largura mas encolhe ao máximo as linhas e com isso o desgaste, fazendo da bola a protagonista do seu jogo, o Real Madrid gosta de jogar com o campo na sua máxima largura e comprimento fazendo dos espaços, e não da bola, a alma do seu jogo.

 

 

 

O método de Mourinho é conhecido e a tradição do Barcelona também. Aí não há qualquer novidade. Se o método de um é tão válido como outro a verdade é que a diferença está na especificidade da liga espanhola. Qual campeonato escocês, Espanha deixou de ser uma liga aberta e vive num asfixiante duopólio. Mourinho, e os teóricos do futebol de transição e pressão, sabem que em provas longas as suas equipas vivem de altos e baixos. Quando os rivais sofrem também contratempos as condições ajustam-se. FC Porto, Chelsea e Inter perderam jogos no seu campeonato sem que isso colocasse em dúvida a sua superioridade porque os rivais também perdiam. Mas em Espanha o Barcelona não perde. Não porque é uma equipa perfeita, mas porque o fosso qualitativo entre os blaugranas (e merengues) é imenso com respeito ao resto do pelotão. E como o Barça não tropeça, o Madrid vive em constante tensão para não perder o comboio. Uma liga disputada nos duelos directos (como sucedeu nas últimas duas épocas) não permite respiro. E este Madrid precisa de oxigénio, particularmente porque a luta com o seu rival se estende à Taça (que os merengues não optam há quase duas décadas) e à Champions. Com o Barcelona ao seu ritmo, sem rival à altura e com fôlego para muito mais, o Real Madrid vive à beira do abismo. Precisa de aprender a gerir os seus tempos sem que isso signifique uma perda competitiva, como sucedeu em Almeria. E para isso precisa da bola. E artesões que a saibam manejar. Mas o seu plantel é um plantel virado para a velocidade. Por isso tanto desespero com o 9 goleador. Enquanto uns procuram jogadores que pensem o jogo, Mourinho sabe que a sua equipa não se adaptaria a um futebol pensado mas que benificiará muito de um killer que resolva quando as pernas comecem a falhar. Adebayor tem essa missão espinhosa em Madrid. Afellay terá tempo de sobra para fazer circular a bola em Barcelona. Duas visões diferentes de gerir, mais do que um jogo, uma temporada que promete ser muito longa.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:24 | link do post | comentar | ver comentários (2)

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