Terça-feira, 29.04.14

Em 1984 os adeptos eufóricos do Benfica celebravam o Bicampeonato. Não sabiam que seria a última nas trinta edições seguintes de liga. Foi o apogeu de uma geração mágica, da mística de um clube único no panorama desportivo português. Três décadas depois os adeptos encarnados voltam a sentir-se importantes graças a um ano que tem tudo para entrar no Panteão da sua história. Mas realmente existe um processo revolucionário em curso?

 

Foi o momento que marcou uma geração. Que ainda não o sabia.

O bicampeonato conseguido pela máquina mágica de futebol montada por Sven Goren-Erikson em 1984 foi o canto do cisne de uma hegemonia que durou mais de duas décadas. Essa equipa estava feita para conquistar as estrelas. Tinham-se cumprido dez anos de Abril e nesse período o SL Benfica sobrevivera. A uma revolução que lhe retirou a sua maior fonte de talentos, substituída paulatinamente por estrangeiros de bom nível. Ao renascimento do FC Porto, depois de um sono de quase meio século, sob a liderança de José Maria Pedroto. O Benfica lutou e manteve-se de pé. Não ganhou tanto nessa década como na anterior mas manteve-se a mais prolifera formação do futebol nacional. A época da mística, das noites europeias no velho e sempre lotado Estádio da Luz, a presença em campo de alguns dos melhores jogadores da vida do clube ajudava a pensar em algo mais. Trinta anos depois os mesmos adeptos que celebravam eufóricos uma nova vitória sobre Pedroto, sobre o ousado Pinto da Costa e sobre o rival Sporting, voltam a invadir as ruas para cantar um título. Mas o mundo, o seu mundo, mudou. Os mesmos adeptos que estavam nessas tardes de glória de 1984 colocaram um ano antes as mãos na cabeça três vezes em sinal de incredulidade. Com eles os seus filhos e, em alguns casos, os netos. Em 2013 o Benfica caiu em quinze dias por um golo em três frentes. Ia ganhar tudo, estava escrito. Não ganhou nada. Foi um golpe duro de engolir. Sobretudo para quem começava a perder a memoria daquelas tardes de 83/84. As tardes em que o Benfica passeava a sua superioridade sem rival à altura.

Durante os trinta anos que medeiam o segundo titulo de Erikson e o segundo conquistado por Jorge Jesus, o Benfica venceu pouco. Muito pouco. A primeira década após o Bi do sueco foi dura, mas leal. Houve festejos a norte e a sul. O Sporting saiu de cena, ninguém ocupou o seu lugar e o futebol português entrou de novo num regime bipolar. A cada dois títulos azuis, um titulo encarnado. O FC Porto venceu a Taça dos Campeões Europeus e perdeu uma meia-final. O Benfica chegou a duas finais, não ganhou nenhuma. A Luz ainda era um forte, as Antas um pesadelo, as ligas disputadas taco a taco e a qualidade individual abundava em ambos os bandos. Foi talvez a mais intensa década do nosso futebol. E no fim, o Benfica perdeu a capacidade de lutar. Em 1994 foi campeão. Era apenas a quarta vez numa década. Foi a última em doze anos. 2006 e 2010 foram um oásis de adeptos sedentos. Pelo caminho o Porto engoliu a história com títulos e mais títulos, o Sporting renasceu para morrer outra vez da mesma doença de sempre e até o Boavista teve direito a celebrar. No meio deste panorama aos adeptos encarnados começavam-lhe a faltar espaços no quarto do sofrimento para mais desgostos. A memoria ia-se e com ela esses dias pintados de vermelho.

 

Jorge Jesus marcou o inicio de um novo ciclo.

Campeão na sua primeira época, é o treinador mais longevo da história do clube. São cinco anos à frente das águias. Não há memoria de uma relação assim nos registos modernos de um clube cruel com os seus. Sobreviveu à humilhação do ano de glória de André Villas-Boas. Esteve por duas vezes perto da glória e das duas vezes caiu, de joelhos, no suspiro final, contra triplos impossíveis de imaginar. O FC Porto, destroçado de tanto ganhar (e de tão mal saber gerir a vitória), ganhou uma segunda vida graças aos erros de Jesus. Mas contra as leis da lógica, o polémico treinador ficou. A perseverança foi paga quando a SAD do FC Porto decidiu que os milagres caídos do céu nos dois anos anteriores eram desígnio divino de que até um macaco podia ser campeão de azul e branco. Crer em premonições divinas habitualmente corre mal. Esta correu pior. A péssima época dos dragões destapou todos os erros que os títulos esconderam nos últimos anos, o de um clube tão podre por dentro como o Partido Comunista soviético nos dias pré-Perestroika. O Brejnev azul e branco enganou-se e tirou um peso de cima do Benfica. A época dos encarnados não foi melhor que a dos últimos anos. A equipa marcou menos golos, teve os mesmos registos de vitórias e empates. Mas desta vez não tropeçou com uma pedra imaginária nem teve diante um papão assustador e bafejado pela sorte. O Benfica seguiu o seu curso normal enquanto o rival caiu no poço. Foi suficiente para o campeonato e um bálsamo de auto-estima nos duelos directos. Nunca o Benfica foi tão superior em tantas frentes ao eterno rival. Nunca desde esse 83/84 se palpava que havia realmente um degrau de diferença entre ambos clubes. E que era o Benfica que estava por cima. Este ano essa sensação é inequívoca. O trabalho bem feito – pelo meio houve muitos, muitos erros, tanto da estrutura encarnada como de Jesus, mas o bipolarismo português permitiu que passassem incólumes – teve a sua recompensa e hoje é difícil pensar que há alguma equipa em Portugal perto, sequer, do nível apresentado pelo Benfica. A Europa League pode ser a cereja no topo do bolo mas as Águias não precisam de Turim para saber que estão no caminho certo.

 

Naturalmente que há muito por fazer. O Benfica, como o FC Porto, domina o campeonato português porque a diferença de orçamentos é tal que não há espaço para grandes surpresas. Por muito boa vontade do Sporting, quem gasta cinco vezes mais tem de triunfar de forma proporcional. E por isso as Águias têm perdido tão poucos jogos nestes anos. O mesmo teria passado com o FC Porto (esteve tres temporadas com uma derrota no CV) se não fosse por este ano que, além de atípico, é espelho perfeito de como a margem de manobra é curta entre um clube e outro. Mas na Champions League as equipas portuguesas continuam a falhar. A Europa League é consolo para adeptos mas é um premio de segunda divisão europeia que pouco abona a favor de clubes que não eliminam Olympiakos ou Zenits em duelo directo. O Benfica conseguiu reequilibrar progressivamente a balança por ter sido paciente, por ter investido em jogadores de ataque numa liga onde não precisa de defender e por ter sabido esperar o tropeção do rival. Estão em melhor ocasião do que nunca para repetir 83/84, sem atingir a mesma brilhantês futebolistica. Em 2010 o FC Porto respondeu com armas que já não tem, jogadores de topo, treinador ambicioso e dinheiro para gastar (e não vender). Cinco anos depois a base encarnada tem tudo para ser suficiente. A história espera que o circulo se feche e que trinta anos depois o Bicampeonato seja uma realidade. Há muitas gerações cruzadas à espera desse momento.



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Segunda-feira, 28.01.13

O futebol inglês apaixonou-se pelo modelo de eliminatórias desde a sua génese. A concessão ao formato de liga regular foi uma consequência da abordagem económica ao jogo da qual os britânicos foram pioneiros. Mas o espírito da FA Cup tem sido sempre o resguardo moral do futebol na ilha. É nesses duelos, imprevisíveis e abertos, onde as diferenças de orçamento se diluem e a épica ganha forma. É nesses duelos que o futebol encontrava o caminho das suas próprias origens.

Luton, Bradford, Swansea, Milton Keyne Dons, Olham Athletic, Millwall...

Todos os anos os nomes mudam, a essência permanece a mesma. A FA Cup e a Taça da Liga (ou Capital One Cup como o marketing manda), tornaram-se no motivo de alegria de adeptos em todo o mundo. Não só em Inglaterra. Caíram as seus pés equipas de prestigio, equipas de orçamentos infinitamente superiores, equipas de quem se espera que, pelo menos, marquem presença em Wembley uma vez dada dois anos. Chelsea, Aston Villa, Liverpool, Tottenham, falharam este ano. Dos grandes do futebol inglês, só Arsenal, Manchester United. Chelsea e Manchester City podem percorrer o tapete sagrado do futebol insular. E mesmo assim, ainda faltam jogos suficientes para que o milagre da Taça da Liga se volte a repetir. E o Mundo celebrou. Não porque gosta que os clubes grandes percam, que também é algo inato na vida do adepto, mas sobretudo porque adora ver os clubes pequenos forjarem a sua lenda. Mesmo que percam na ronda seguinte, por um dia são as estrelas. Por um dia são os ídolos. A ordem inverte-se, a moral mantém-se intacta.

O poder dos grandes clubes é menor que as tradições nos países onde estas valem algo. Na Península Ibérica está claro que o peso da tradição é facilmente corrompido e por isso em Espanha a Copa del Rey é disputada a duas mãos e as meias-finais da Taça de Portugal seguiram pelo mesmo caminho. Uma garantia de que os gigantes podem tropeçar uma vez, que têm sempre hipóteses de dar a volta. É uma competição imoral, mais desigual que a própria liga regular e que se transforma, curiosamente, num problema para alguns dos clubes pouco interessados em gastar energias a vencer troféus sem prestigio internacional. Salvam épocas de equipas desesperadas mas não curam as almas dos adeptos. Com o mano a mano entre Guardiola e Mourinho, a Copa del Rey ganhou outra dimensão em Espanha, forçando as duas grandes equipas a lutar pela mais mínima medalha, mas os adeptos são conscientes de que é uma realidade passageira. Em Portugal, é-o ainda mais. Desde 2004 que não se disputa uma final entre FC Porto e SL Benfica e mesmo nesse ano, pela presença dos dragões na final da Champions League, já com o título da liga no bolso, a vitória dos encarnados soube a pouco para quem imaginava um duelo de outro nível.

 

Em Inglaterra tudo é distinto, tudo é orientado para a lembrança do passado e o respeito pela memória.

Todas as equipas que hoje são surpresa foram grandes em algum momento da sua história. Muitos dos jornais portugueses, sem a mais mínima cultura futebolística, falam do Leeds United como tomba-gigantes do Tottenham Hotspurs. É curioso, visto que os homens do Yorkshire jogam por um clube com mais troféus conquistados que os londrinos, mas que penam há alguns anos no Championship pela penosa gestão financeira de Peter Risdale, um homem que sonhou em transformar o clube num novo Manchester United e que não olhou a meios para obter um fim que nunca chegou. Esse mesmo Leeds, que já perdeu uma final europeia, é só o exemplo mais claro, mas tanto Oldham, como o Luton, Millwall ou Bradford foram equipas de prestigio da parte alta da tabela classificativa. E claro, o Milton Keyne Dons, não é mais que o velho Wimbledon, transferido para a cidade suburbana criada a norte de Londres em plena expansão imobiliária.

Cada um desses clubes tem uma história, uma série de adeptos fieis e sabem o que é bater-se de igual com os chamados grandes do futebol inglês. Já o fizeram noutras reencarnações. Mas o que as provas a eliminar em Inglaterra lhes permite, é redescobrir esse velho e inesquecível prazer de os vencer diante dos seus, de sentir nos lábios o sabor da vitória. Esse prazer é algo quase exclusivo de uma cultura que persiste nas ilhas britânicas e que nem os milhões que agitam o jogo, como em nenhum outro lugar, são incapazes de corromper.

Se há tomba-gigantes em várias ligas - e França e Alemanha são talvez o mais democrático dos exemplos - em nenhum outro lugar há esta comunhão do passado e do presente, do dinheiro e da ambição, de jogadores que durante a semana limpam as suas próprias chuteiras com estrelas mundiais. É um universo paralelo à asfixia monetária que obriga a Premier League a endividar-se cada vez e os clubes que nela participam a hipotecar o futuro por mais meia dúzia de pontos no final da temporada.

 

Talvez nenhum desses clubes chegue à final da FA Cup, talvez o jogo entre o maravilhoso Swansea, desenhado por um conjunto directivos que teve uma ideia de futebol e não se afastou nem um só milímetro em seis anos, e o Bradford, seja a menos vista da história da Taça da Liga no mercado oriental. Mas são jogos como esse que definem a natureza do futebol britânico e que, através dessa viagem no tempo, nos fazem acreditar que há ainda muito espaço e tempo para o futebol encontrar um meio-termo entre o espírito autodestrutivo dos dias de hoje e o nostálgico passado.



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Segunda-feira, 23.05.11

A certa altura o Jamor parecia o recreio da escola em que um grupo de miudos se preparava para mais um desses jogos de "muda aos cinco e acaba aos dez". Não se chegou a esse extremo e o jogo até esteve mais equilibrado do que possa imaginar pelos números frios do resultado final mas ficou evidente que o FC Porto em 2010/11 caminhou num mundo à parte. Na final da Taça de Portugal quiseram deixá-lo bem claro, esmagando outro rival minhoto sem pedalada para esta tremenda equipa azul e branca.

 

Nunca o FC Porto tinha ganho três Taças de Portugal de forma consecutiva.

Sempre contra rivais do Norte, sempre num estádio, como diz Villas-Boas, histórico mas a cair de velho. Mas nunca com tamanha superioridade. Depois das vitórias de Jesualdo Ferreira, a consagração de Villas-Boas e o broche perfeito a uma época inesquecível. Se em Dublin a exibição tinha sido pouco entusiasmante, muito por culpa do jogo cuidado e táctico do Braga, no Jamor foi o espelho perfeito da filosofia robsoniana a que Villas-Boas acude quando gosta de falar de origens. O FC Porto passou uma tarde solarenga em Oeiras com o pé constantemente no acelerador e saiu do estádio Nacional com mais do que um troféu nas mãos. Saiu com o sentimento do dever cumprido, de uma vitória que completa um "Poker" histórico que nem José Mourinho logrou conquistar. Uma época que começou na Supertaça de Aveiro frente ao Benfica e que terminou no abate ao Vitória de Guimarães que nunca soube por cordura num jogo eléctrico e de causa-efeito. Os vimaranenses chegavam com a esperança que os festejos europeus dos dragões passassem factura mas a verdade é que encontraram com uma equipa mais desperta e dinâmica do que nunca. Sem uma referência fixa no ataque, pela ausência por lesão de Falcao, o FC Porto destroçou o jogo defensivo do Vitória com as sucessivas trocas de posição entre Varela, Hulk e James Rodriguez. O colombiano não se limitou a marcar o hat-trick e a ser o homem do jogo. Foi também o espelho moral em que se mediu esta equipa, com uma fome tremenda de glória. Começou por ter poucos minutos mas foi encontrando o seu espaço na estrutura montada por Villas-Boas e é, inequivocamente, uma das figuras chave deste final de temporada confirmando tudo aquilo que deixava antever nos seus dias do Banfield.

 

O jogo começou frenético com um golo azul e branco aos 4 minutos.

James foi oportuno e abriu a contenda mas pouco depois o Vitória mostrou que não vinha a festa alheia e com a ajuda de Álvaro Pereira igualou o choque. A bola dançava nos pés dos azuis e brancos que evidenciavam pouco cansaço de uma semana histórica, talvez porque havia a consciência de que o último jogo era também um dos mais importantes do ano e que havia a forçosa necessidade de ir buscar forças onde fosse possível. Varela, fisicamente em baixo desde Março, levou a filosofia à prática e ampliou de novo a vantagem antes que um imenso Edgar, nos ares, voltasse a desfeitear Beto. Foi a última vez em que se ouviu falar do Vitória de Guimarães. A partir de aí o jogo passou a ser um monólogo azul e branco com Rolando e Hulk, este de canto directo com muitas culpas para Nilsson, a ampliarem a vantagem para os 4-2.

O jogo estava aparentemente decidido quando Edgar teve nos pés a oportunidade de levar para o balneário uma sensação de alivio para os vitorianos e de preocupação para os homens de Villas-Boas. Não só desperdiçou o penalty (na segunda parte falhou outros tantos golos) como na continuação o demoniaco James marcou o quinto. Como miudo deve ter-se lembrado dessas peladinhas de muda e troca e saiu para os balneários com o resto da equipa exultante. A final tinha acabado, a goleada não.

O segundo tempo deu para celebrar, para homenagear Mariano Gonzalez, um dos mais amados jogadores do balneário azul e branco, e também para marcar o sexto golo, de novo por James, deixando o Porto a apenas dois tentos de igualar o recorde histórico do Benfica de golos marcados numa só final (8, ao Estorial Praia). Os azuis e brancos confirmavam a sua 16º vitória na prova, superando aqui também os números do Sporting, e ao mesmo tempo igualavam (ou superavam, tendo em conta o que se possa pensar da Taça Latina) o eterno rival Benfica em titulos. Muitas razões para celebrar e o ambiente era de festa evidente, muito mais do que se podia antecipar com uma vitória na Taça depois de vencer Liga e Europe League nas semanas prévias. É essa sensação de fome de titutos que distingue este FC Porto de Villas-Boas do do seu antecessor (que venceu 3 ligas e 2 Taças em quatro anos) e dá sinais inequivocos de que, para o ano, o FC Porto continua a ser o máximo favorito nos troféus domésticos, por muito que se espera melhoras substanciais de Benfica e Sporting. No outro lado do campo, derrotados pela quinta vez em cinco finais, os adeptos do Vitória voltaram resignados à cidade-berço com o consolo de mais uma participação nas provas europeias e a sensação do dever cumprido.

Triunfal, o FC Porto soube esmagar o Vitória de Guimarães sem abdicar da sua filosofia de futebol cuidado mas tremendamente ofensivo. Soube ter a bola nos pés para pautar o ritmo e soube pisar o acelerador para moldar o jogo à sua medida. Mais do que os golos foi a avalanche ofensiva que diferenciou este Porto dos seus antecessores e que, de passo, serviu para confirmar a imensa superioridade do conjunto azul e branco face aos rivais directos. Bateu o Benfica na Liga, o Braga na Europa e o Vitória na Taça. Em todas as competições foi claramente superior em todos os momentos da época. E se muitos querem imaginar um segundo ano à Mourinho, com vitória na Champions League incluida, o mais sensato é pensar que a hegemonia doméstica, resgatada por um ano pelo Benfica de Jesus, é o objectivo prioritário e mais acessível para os dragões. Este ano já está escrito a letras de ouro na história do futebol português. O próximo promete ser ainda mais apaixonante!



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Quinta-feira, 03.02.11

A falta de verdades absolutas no futebol torna-o num microcosmos proclive à eterna surpresa. Em 1994 o Barcelona goleou o Real Madrid por 5-0 naquilo que foi o culminar do Dream Team. Um ano depois o clube merengue devolveu a moeda, com os mesmos números, no curto mandato de Valdano. O Benfica não chegou tão longe mas provou, poucos meses depois de sair vergado do Dragão por 5-0, que os pontos débeis do FC Porto são suficientes para dar a volta ao tabuleiro. Uma vitória convincente que diz tão bem de quem ganha como diz tão mal de quem perde.

 

 

Não foi um grande Benfica nem era necessário que o fosse. O FC Porto há semanas que vinha dando sinais de ter perdido o gás com que arrancou a temporada. Prioridades mal calculadas, um plantel desiquilibrado e uma postura pouca agressiva condenaram os azuis e brancos mesmo antes do apito inicial. Ninguém esperava um futebol ofensivo dos encarnados e, efectivamente, estes optaram pelo caminho pragmático que tão bom resultado tinha dado ao rival no duelo para a Liga. Então os homens de André Villas-Boas foram autoritários, seguros e jogaram no erro do adversário, a quem superaram tacticamente durante todo o encontro. Culpou-se, e merecidamente, a temeridade de Jesus, que subestimou o potencial destructivo de Hulk no flanco. Ontem foi a vez de Villas-Boas, que passou as últimas semanas ocupado em mind games à la Mourinho, subestimar o orgulho ferido do ainda campeão nacional. O esquema táctico do FC Porto foi o mesmo da vitória por 5-0, mas as peças eram diferentes. E isso fez toda a diferença.

Com Sereno e Sapunaru nas laterais - e com um desastrado Maicon no miolo - os da casa perderam uma das suas maiores armas: a rápida transição entre a defesa e o ataque. A ausência de Alvaro Pereira tem condenado - e muito - o jogo lateral ofensivo dos dragões. Na ausência de Fucile (tal como Walter possivelmente por problemas disciplinares internos) a equipa perde asas e sem isso não consegue voar. Villas-Boas gostaria de emular o belo futebol do Barcelona de Guardiola mas só pode fazer omeletes quem tem ovos e Fernando é um médio de construção limitado, a Moutinho e Belluschi sobra-lhes a garra onde escassa o ingénio e, claro, sem laterais ofensivos e avançados todo o terreno (Hulk, no meio, é facilmente domável), o projecto está condenado ao fracasso. O Benfica marcou em dois erros defensivos que também podem ser vistos como lances de insistência. Essa garra própria da equipa da época passada não se viu nem em Aveiro nem no Dragão, as duas derrotas inaugurais de Jesus às mão do jovem técnico portista. Ontem o Benfica foi mais garra e raça do que talento e invenção, mas foi precisamente essa disciplina táctica que fez a diferença.

 

Com Coentrão e Maxi Pereira abertos nas alas, o Benfica manobrou com facilidade o apático meio-campo portista.

César Peixoto uniu-se a Javi Garcia no miolo para bloquear o jogo transicional de Moutinho e Belluschi e deu a Gaitán e Salvio toda a liberdade para deambular entre as linhas defensivas azuis. Com Cardozo como pivot declarado e Saviola como redistribuidor de jogo, o conjunto encarnado chegou com a licção bem estudada e soube ocupar bem os espaços deixados vazios pelos jogadores azuis.

Coentrão utilizou as suas habituais subidas pela banda como elemento desiquilibrante e foi uma combinação sua com o argentino, totalmente só, que permitiu ao Benfica inaugurar o marcador. A sua posterior expulsão - já com o jogo num confortável 2-0, fruto de um remate bem colocado de Javi Garcia que ganhou uma confusa segunda bola à frente da baliza de Helton - deu a Jesus o pretexto perfeito para organizar as tropas e defender o resultado. A sua abordagem foi menos entusiasta mas muito mais realista. Percebeu onde o rival era mais débil - nas laterais defensivas e no cone do triângulo a meio-campo - e não teve de se preocupar com o ataque azul e branco, orfão de um dianteiro móvel como Falcao capaz de dar liberdade a Varela - o melhor em campo - e Hulk. Com o brasileiro preso pelo seu próprio técnico - a lembrar o desespero de Cristiano Ronaldo face a Queiroz no passado Mundial - os azuis foram inofensivos. E sem alternativa no banco, as substituições de Villas-Boas foram, apenas, mais do mesmo, sem alterarem nunca a dinamica táctica do jogo, algo que Jesus soube controlar com as entradas de elementos que souberam pausar o ritmo do jogo (Airton e Aimar) e explorar os espaços vazios (Jara) face à inoperância rival. Se tecnicamente o duelo foi equilibrado, tacticamente o tabuleiro de Jesus pareceu sempre estar um degrau por cima e a vitória acabou por ser tão justa como inevitável.

 

 

Caidos em descrença depois do humilhante 5-0, o Benfica entrou numa série de jogos sem perder que confirmou com esta vitória categórica e que deixa quase resolvida uma meia-final que terá de esperar 70 dias para recomeçar. A corrida para revalidar o titulo pode ser utópica, mas  o reencontro com a sua melhor versão pode deixar os seus adeptos mais descansados sobre o potencial do colectivo a médio prazo. O FC Porto continua a ter a tiro os seus grandes objectivos - Liga e Europe League - mas as sensações deixadas não são as mesmas de 2010. Falta frescura, profundidade de banco e agressividade. E consciência das suas próprias limitações. Licções importantes para os próximos rounds, mais determinantes que os confrontos prévios e onde a margem de erro se tornará inevitavelmente menor.



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Quinta-feira, 13.01.11

Na Luz as formas sempre foram traiçoeiras e as suspeitas sobre a verdade desportiva um fantasma, que pairava sobre o tapete verde por onde brilharam alguns dos maiores jogadores da história do futebol luso, qual a desaparecida águia Vitória. A manobra da direcção encarnada para facilitar a passagem dos encarnados à próxima fase da Taça de Portugal resume toda a falta de ética que faz do futebol português um doente terminal com pouca esperança de recuperação.

 

 

 

O segundo melhor ataque do futebol português, enrabietado por uma série de vitórias consecutivas, media-se à segunda melhor defesa da prova numa eliminatória atrasada da Taça de Portugal. Como ultrapassar tão espinhoso obstáculo sem suar em demasia?

A resposta encontrou-a, antes de Jorge Jesus, a direcção encarnada. Dias antes do duelo da tão propalada "festa da Taça" a imprensa especializada começou a anunciar o interesse dos encarnados na figura central da defesa algarvia. Táctica velha em Portugal, com o Benfica como habitual protagonista (mas não só), e que visa tanto desmotivar o rival como empolgar os adeptos/leitores. Se o caso ficasse por aí, como tantos outros, o mal seria menor. Afinal, a fortaleza mental continua a ser condição sine qua non para ser-se um bom jogador. E o central brasileiro Jardel, não confundir com a eterna promessa por cumprir da direcção encarnada, é-o ou, pelo menos, tem demonstrado sê-lo com inusitada regularidade nesta temporada. Mas o caso foi mais longe, tristemente mais longe. E definiu um jogo que estava ganho antes sequer do apito inicial.

Jardel, convocado pela equipa técnica e previsivel titular, foi retirado da lista de titulares do Olhanense a meio da tarde. A direcção encarnado reuniu-se pela manhã com a homóloga algarvia e decidiu avançar para a contratação do jogador. A poucas horas do duelo directo entre ambos. E cometeu assim um dos actos mais anti-desportivos de que há memória no futebol luso. Mas que não é único e que, afinal, sucede a outros casos passados, quase todos curiosamente na Luz, como os do academista Marcel ou o lateral Jorge Ribeiro sem esquecer o mais recente dos casos. Fábio Faria, titular no jogo do titulo pelo Rio Ave na passada época quando já tinha lugar assegurado no clube encarnado para...o dia seguinte. Uma realidade que nem o técnico do Olhanense, Daúto Faquirá, soube contornar quando recebeu a informação de que o seu jogador mais vezes utilizado não jogava por motivos de força maior. Ele há coisas...

 

O Benfica venceu na primeira parte com facilidade uma equipa desmoralizada e descaracterizada.

Os algarvios até já tinham perdido na Luz para o campeonato mas, desta feita, nem tiveram opção a apresentar batalha e os encarnados continuam assim a corrida ao único troféu de prestigio a que podem optar no final da época. Uma velha obsessão de Jorge Jesus que agora terá de se medir ao Rio Ave para seguir na peugada do Jamor. Onde poderá encontrar-se, de novo, com o FC Porto, que resolveu com serviços minimos a última equipa dos campeonatos da Federação na prova.

O futebol português continua assim a viver um duopólio que, quando não resolvido no relvado, é resolvido fora dele. Independentemente de cortar com todos os laços da ética desportiva. O Benfica tem todo o direito a optar a um jogador, o Olhanense (e a Traffic Sports) todo o direito a vender. E Jardel em aceitar saltar de bando. Nada a dizer.

Mas realizar uma operação destas a meia dúzia de horas de um jogo decisivo para ambos e impedir assim, sem margem de manobra, que uma equipa actue como tinha previsto, destruindo à partida os planos tácticos do visitante é, no minimo, anti-desportivo. Se a justiça desportiva existisse, em realidade, até podia ser criminal. Afinal não foi na Premier League que um clube foi multado por alinhar jogadores poucos habituais contra um dos candidatos ao titulo num jogo a meio de semana? Se na Old Albion isso - que no fundo é uma decisão táctica do técnico - é punível, imaginemos o que seria uma situação similar num campeonato a sério, com leis a sério e com uma cultura desportiva verdadeira?

A actuação da direcção encarnada, a mentalidade pequena da direcção olhanense e a conivência das autoridades que regulam a prova (leia-se Federação Portuguesa de Futebol, ela também a viver na maior das ilegalidades) diz muito sobre o estado comatoso da moral do futebol luso onde tudo vale para ganhar. E onde todos apontam o dedo uns aos outros para passar a mensagem de que o pecado do rival lava o meu pecado. Os adeptos benfiquistas lembrar-se-ão certamente disso na hora de se defender. Não sabem como fazê-lo doutra forma. Porque não há, realmente, outra forma.

 

 

 

Jardel irá para o Benfica, como foram Marcel, Jorge Ribeiro e Fábio Faria (e tantos outros nomes no passado recente e distante) e é bem possível que não volte a jogar até ao final do ano. Nestes negócios de ocasião o futebol português é perito em validar contratações ou empréstimos que funcionam mais como manobras de controlo de bastidores do que necessidades futebolisticas. A falta de valores aliada à falta de qualidade de jogo faz da Liga Sagres (e das restantes provas menores) um dos campeonatos menos interessantes e captivantes do Velho Continente. Salvando-se as honrosas prestações europeias da última década (os anos de ouro do FC Porto, a final europeia de Sporting, os êxitos inesperados de Boavista e Braga), o futebol português é hoje um doente apestado em modo terminal. A bola tem a sua própria ética. Em Portugal ninguém parece importar-se muito com isso.



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Segunda-feira, 17.05.10

muito tempo que a Taça de Portugal deixou de ser uma festa. A Federação Portuguesa de Futebol desvirtuou o trofeu com o novo formato de meias-finais. Ao permitir que o jogo se continue a disputar no semi-abandonado Jamor, deu-lhe o toque de finados. No meio de tanto vazio, o FC Porto apresentou um dos seus rostos habituais da época. Sem classe, sem atitude, sem chama, os dragões sofreram para bater os históricos flavienses. Resumo perfeito de uma época sem rumo.

A cara de alegria dos jogadores contrastava com a seriedade de alguns adeptos que se dispuseram a fazer a caravana Porto-Lisboa.

Natural. O FC Porto igualou o Sporting em Taças de Portugal com uma das vitórias mais cinzentas na história do torneio. De um lado o desmoralizado Chaves, recém-despromovido à...Segunda B. Do outro um clube marcado por um ano de hara-kiris e golpes no próprio pé, que procurava igualar o eterno rival em troféus conquistados no ano. 2 contra 2. Apenas, e só.

Talvez por isso o futebol se tenha abstido de aparecer no decrépito Jamor. O FC Porto atacou só numa parte. O Chaves existiu só noutra. Nunca houve um verdadeiro choque de equipas, tão dispares em qualidade e motivação. Os golos azuis e brancos de Guarin e Falcao premeiam os jogadores mais em forma do final de temporada azul e branco. A péssima exibição de Hulk dá razão aos que vêm no brasileiro apenas um producto de energia inesgotável. A inteligência de jogo, que consegue fazer de pequenos anões grandes génios, não vinha nesta poção mágica. Como um anti-herói Manga, o avançado brasileiro irrompeu por todos os lados. Mas os golpes não fizeram mossa. E assim descorreram 45 minutos, num jogo que foi ignorado por todos, desde a comunicação social ao público, passando pelas próprias equipas em campo.

 

O segundo tempo viu o melhor Chaves, fruto de um toque de reflectida revolta.

Os flavienses sabiam que tinham diante de si um rival adormecido em si mesmo e tentaram ripostar. Bruno Alves, igual a si mesmo, logrou ser expulso e facilitou as coisas. Um ano para esquecer de um capitão que passou toda a temporada a olhar para a Europa, tentando adivinhar onde poderá disputar os seus últimos anos de profissional de forma digna, como apontou. Sob a falta de presença da equipa, Jesualdo Ferreira pouco fez senão voltar a mexer no banco de forma oposta ao ritmo do jogo. O que o FC Porto tinha a menos, Jesualdo deu a mais. A apatia generalizou-se, os poucos rebeldes desapareceram do mapa. O Chaves, justamente, marcou. Um golo para a memória sem efeitos práticos nem nada que se lhe parece, talvez um último canto de finado de um clube histórico à beira da extinção. Como um tal Campomaiorense há uma década um o Estrela de Amadora, que há 20 anos apareceu no Jamor como um orgulhoso campeão. Dessa motivação ontem viu-se pouco. Mais eram as bancadas vazias e os corações sem chama.

O triunfo do FC Porto permitiu maquilhar em números o que não se conseguiu no terreno de jogo. Dois trofeus em cinco e a garantia de disputar com o eterno rival, o primeiro choque da próxima temporada. Com muitos rostos novos, espera-se. O próprio desencanto dos jogadores, taça na mão, espelham bem a falta de vida que há num balneário conhecido pela sua combatividade. O ano que vem adivinha-se duro e nenhum adepto dos dois grandes da liga portuguesa estará disposto a contentar-se com uma Taça. Talvez seja a final do próximo ano quem sai a ganhar! 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:08 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Sábado, 15.05.10

A lembrança ainda dos dias da outra senhora ecoam sob o designio de estádio "Nacional", nos terrenos erguidos no Jamor por um país que queria afirmar-se pelas obras públicas. Tal e qual como hoje. Mas se há anos que a selecção, essa sim, nacional, não põe lá os pés, que futuro tem um estádio reformado por fora mas destroçado nas suas entranhas. Receber um jogo ao ano é o justificante da sua quase não-existência. E o espelho de um país mais centralista do que nos dias em que o Jamor se enchia semana sim, semana também.

Na época passada o FC Porto e o Paços de Ferreira surgiram como finalistas da Taça de Portugal.

Ao contrário da Taça da Liga, ancorada ao igualmente vazio e sem sentido estádio do Algarve, a Taça de Portugal é uma prova organizada pela Federação Portuguesa de Futebol. E como tal, por representantes de todos os clubes e associações. Esperar-se-ia, portanto, alguma sensibilidade face a uma situação que, apesar de não ser inédita, teria de ser tratada de forma distinta. Duas equipas a norte do Douro, que coexistem num espaço de 50 kms, eram forçados a carregar armas e bagagens para mergulhar no betão e cimento da A1 rumo à capital do reino imperial. Houve pouca contestação, que nisto de fazer finca pé os portugueses têm muito ainda que aprender com o país vizinho, e o jogo lá se disputou com muitos lugares vazios nas bancadas. Ninguém se lembrou, por exemplo, que utilizar recintos como o estádio de Braga, Coimbra ou Aveiro, bem mais próximos da sede de cada equipa - e do seu nucleo de adeptos - teria feito mais sentido. Não, o regime exige que, uma vez ao ano, quem quer que seja - e aqui incluimos as ilhas, os transmontanos, os das beiras, os alentajanos, algarvios, minhotos e durienses - se desloque ao estádio "nacional". Um estádio onde nem a selecção treina, quanto mais joga. Um estádio onde nem a equipa nacional de rugby diz ter condições para trabalhar. Mas essa imagem da tribuna de pedra, com o presidente de Taça na mão, é estampa obrigatória no curto calendário desportivo luso. Podem-se mudar sedes de Supertaças, Taças da Liga e afins. Mas no Jamor ninguém toca.

 

Este ano, com a eterna cumplicidade das equipas do centro-sul-ilhas do país, a final lá se volta a disputar entre duas equipas lá bem do Norte.

O FC Porto, ferido no orgulho, volta a marcar presença para revalidar um trofeu que é cada vez mais seu. O Chaves chega com a tristeza da despromoção e o espectro do fim. É um clube modesto, de uma cidade pequena, que está mais perto do suspiro final do que da imensa vitalidade que significaria uma final que, em última analise, até lhes daria um posto europeu. Os flavienses mereceram chegar ao Jamor mas não sabem como lá ir. Auto-estradas não faltam, os sucessivos governos trataram disso. Mas as suas gentes poderão não suficiente, e ainda não há SCUTS, para pegar no lanche, almoço e jantar e partir rumo a Oeiras.

Sabendo que flavienses em Lisboa haverá bem poucos (portistas são cada vez mais segundo se consta) a FPF poderia ter tido o detalhe, importante em questões como estas, de dizer que o Jamor poderia descansar um pouco. Um ano, dois, para sempre...e realizar o encontro num estádio neutro, mas mais perto das duas formações. Das suas gentes. Da festa, que deveria significar, da taça. O Chaves protestou, voz baixa que sabe ser pequena. O Porto nem se imutou, habituado a pregar aos peixes. No final Madail e a sua prole foram inflexiveis. E lá a Brisa ganhará uns cobres, os cafés à volta do estádio "nacional", outros tantos, e as gasolineiras temem a invasão da horda bárbara do norte. Pelo menos os da capital podem passar a tarde alegremente a ver um "match", como antigamente, nos tempos em que o Jamor se enchia com os grandes duelos Belenenses-Benfica, Sporting-Benfica ou Belenenses-Sporting. Antes da febre do estádio e a paixão pelo cimento levassem o país a construir os seus coliseus de lés a lés.

 

Jamor, espelho de uma realidade fantasma, já ninguém te quer.

Um recinto velho, abandonado por dentro - por muito que as camaras continuem a focar as suas bancadas acinzentadas - e sem alma dentro. Um estádio sem vida, marcado apenas uma história que tem tanto de imposta como de meritória. Jamor, espelho da atitude autista de um centralismo enojante, verás um jogo murcho, com um público ausente e equipas que não te dizem respeito. Receberás a final, mas não a festa. A tua hora chegou à muito. Mas as cartas às vezes chegam tarde. Algum dia receberás a nota de defunção.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:58 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Quarta-feira, 24.03.10

Tenho saudades. Daquelas noites frias do Marão com os olhos postos nos homens de azul e grenã, nesses insuspeitos heróis de uma zona cada vez mais deserta de gentes, de esperança. Depois de largos anos entre a elite, caíram para o esquecimento. Ontem, por 90 minutos, lembraram-nos de tempos pretéritos. E confirmaram o velho dito popular. Por 90 minutos o Desportivo de Chaves voltou a ser o dono e senhor do Marão.

A Federação Portuguesa de Futebol fez o fraco favor ao futebol português de terminar com as meias-finais a um só jogo. Um modelo histórico que sempre vigorou até há poucas épocas atrás, quando se passou ao modelo "europeu" de jogos a duas mãos. Uma decisão que favorece sempre o mais forte e impede que se alinhe, no estádio do Jamor, uma equipa de menor gabarito. Se não impede, pelo menos dificulta. Esta manhã, pelo menos, é isso que se sente nas ruas de Chaves. A sua equipa voltou a cometer uma proeza, largos anos depois de ter abandonado a elite do futebol luso. O Desportivo é um icone de Trás-os-Montes. A equipa da zona mais pobre do país que mais tempo se aguentou entre os maiores. Os problemas financeiros de um clube localizado numa zona constantemente penalizada pela migração interna e pela falta de desenvolvimento local ditaram sentença. Foi há dez anos. O Chaves foi tropeçando e caindo. Como outros históricos do nosso futebol bateu fundo. E começou a levantar-se lentamente. Ontem mostrou que já está bem vivo. Um golo no suspiro final do jogo decidiu um encontro onde a lógica se deteve diante da obstinação. A vitória não garante ao conjunto flaviense um regresso aos grandes palcos. Nem que seja por um dia. Falta a prova de fogo da Figueira da Foz, onde a Naval também tem o seu sonho particular. Mas permite ao pequeno clube voltar à ribalta, por muito que a imprensa lusa, sempre com as suas palas nos olhos, não pense noutra coisa senão no clube dos "6 milhões".

 

O jogo foi equilibrado. A Naval entrou bem e tentou controlar o jogo mas encontrou-se com uma equipa rival em constante movimentação. Rápidos contra-ataques iam colocando em sentido a equipa primodivisionária. Mas os lances escasseavam, as oportunidades eram escassas e o golo teimava em não chegar. O segundo tempo voltou a ter a mesma tónica, desta feita com o Chaves a tomar a iniciativa. Os jogadores de Tulipa, que há bem pouco tempo andava na Liga Sagres com o modesto Trofense e que ontem se estreou pela equipa flaviense, foram cercando os figueirenses com uma pressão que chegou a ser asfixiante. A expulsão de Samson, aos 81 minutos, muda a dinâmica do jogo. Até que chegam os descontos. Quatro minutos dados por Paulo Costa. No terceiro depois dos 90 Diego Angelo, defesa navalista, coloca a bola nas redes de Rego, mas estava em fora-de-jogo. Golo anulado. Protestos e desatenções. Fatais. O contra-ataque dos flavienses arranca ainda há jogadores verdes a reclamar. O lance resulta em canto, Castanheira, antigo médio do Sporting de Braga, coloca a bola no coração da área e Ricardo Rocha desvia para dentro das redes. Um golo tardio mas justo. Que vale meia eliminatória.

Enquanto luta por não descer de divisão na Liga de Honra (está no posto imediatamente acima da linha de água), o Chaves prepara-se para uma noite que pode ser histórica. Defender a vantagem é perigoso e Tulipa sabe-o melhor do que ninguém. Depois de cometer o feito histórico de chegar às meias-finais, o Chaves espera escapar à rasteira da FPF e carimbar o passaporte para a sua primeira final. Um prémio justo para uma formação que resiste ao tempo e que continua a reinar para lá do longínquo Marão.

 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:14 | link do post | comentar

Segunda-feira, 01.06.09

 

Este FC Porto tem um grave, gravíssimo problema. Vive na mediocridade. E parece, a cada ano que passa, cada vez mais contagiado pelo espírito que rodeia o futebol português. Ontem a final da Taça de Portugal testemunhou mais um desses momentos onde fica claro que um clube que vai a Old Trafford ou ao Vicente Calderon impor o seu futebol não pode depois funcionar, contra uma equipa que não é claramente do seu campeonato, da forma tão lamentavelmente medíocre como a que exibiu no Jamor. O espírito resultadista e inconsequente deste Porto é preocupante, até porque é uma realidade que vai ganhando forma de ano para ano. Os títulos sucedem-se e pela primeira vez em quatro anos a equipa conquistou a ansiada dobradinha. Mas o bom futebol vai desaparecendo dos relvados ficando uma versão em piloto automático, incapaz de mostrar bom futebol e sem pingo de eficácia. Muito pouco para quem se assume como tanto.

Ao ver os festejos eufóricos pós conquista da Liga e Taça, até parece que o FC Porto não está acostumado a ganhar. Está, e muito. Domina o futebol português com uma superioridade gritante e não encontra rival interno que lhe possa fazer sombra. E aí começa o problema. Nos anos em que, para ganhar, era necessário suar em campo, este FC Porto era mais acutilante, cerebral e também, mais espectacular. À medida que os anos passam e os rivais vão desaparecendo (desde os dois grandes de Lisboa a Boavista e Vitória) também o FC Porto, acomodado por este falso domínio, vai baixando de nível. O nível suficiente para vencer tudo, mas insuficiente para fazer história. Este ano vimos, uma vez mais, uma equipa bem pior do que muitas que não lograram tantos troféus. Jesualdo Ferreira lá tem o seu mérito em vencer com um plantel francamente mediano para a história e importância do clube mas ontem a sua tremenda satisfação em vencer uma final da Taça de Portugal com um resultado e uma exibição tão magros, espelha bem o nível de exigência da entidade. 

O jogo no Jamor foi mais do mesmo. Um dragão sem chama nem espírito, com um golo madrugador, muitas (demasiadas) oportunidades desperdiçadas, um jogo pastelento a meio campo e uma defesa que aqui e ali treme. Quando não devia. Sem criticar a equipa de Paços De Ferreira, que muito mérito teve em chegar tão longe numa prova cada vez mais descaracterizada, do tetracampeão nacional esperava-se, como mínimo, uma exibição arrasadora. Tivemos serviços mínimos. Lisandro marcou, Raul assistiu, Fernando limpou, Nuno parou, Hulk falhou. Nomes incapazes de despertar uma real paixão, jogo incapaz de levantar estádios. Títulos que se acumulam nas vitrinas. Um grave problema entre as mãos.

A imprensa subvencionada lá dirá que é a primeira Taça em três anos, que a época é longa e os jogadores estão cansados. Verdade. E insuficiente. Enquanto que no país vizinho o Barcelona não tem rivais reais, por muito que tentem, em Portugal o Porto não tem rivais, nem reais nem imaginários. E não há quem tenha um projecto sério para o tentar. Os azuis e brancos, outrora o clube anti-sistema, rebelde e guerreiro, tornaram-se no clube do sistema, acomodado, sem ambição e conhecedor da realidade donde se move e do que é necessário para vencer. Um dia podem pregar-lhe um susto e pode ser que aí desperte. Como aconteceu com o Lyon em França. Até lá, a renovação de Jesualdo, as piadas de Pinto da Costa e os contratos dos jogadores são fait-divers interessantes para a imprensa. Para os amantes do bom futebol este FC Porto continua a ser uma contínua dor de cabeça, um cruel espelho do nosso futebol real. Quando o campeão se porta assim, que esperar dos outros?


publicado por Miguel Lourenço Pereira às 15:40 | link do post | comentar | ver comentários (5)

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