Não houve duas equipas em campo. Não houve tempo. Uma entrou, empurrada por milhões, e ocupou todo o espaço imaginário do tapete verde do Maracaña para si. Fez a festa sozinha, entre suspiros do carnaval e memórias de outros tempos. Espanha caiu diante de uma selecção que soube ser melhor em todas as facetas do jogo. Uma derrota que pode ser útil para reactivar mecanismos num projecto que está no topo à demasiado tempo para ser julgado por um só jogo. Para os brasileiros, a noite de ontem foi um ajuste de contas moral com aqueles que achavam que era fácil entrar no Maracanã como senhores do jogo bonito e sair com vida. O teste a sério é daqui a um ano mas os sinais, pela primeira vez em muito tempo, são positivos!
Espanha começou a perder final antes da bola rolar.
Quanto soaram os hinos, ao ar sério, de quem está habituado a finais dos espanhóis, seguiu-se uma manifestação do poder emocional que provoca o futebol e só o futebol. Num país em crise consigo mesmo, com pessoas nas ruas a cercar o estádio, a paixão pelo futebol tinha o condão de ser o bálsamo emocional necessário para o brasileiro comum. Os milhares que encheram as bancadas de um estádio construido para ver o Brasil campeão cantaram o hino como se fossem para a batalha. Em campo os jogadores fizeram o mesmo. O velho espirito de família, de alma, de Luis Filipe Scolari ressuscitou na forma como Neymar, Júlio César, Thiago Silva, Fred ou Paulinho cantavam e choravam por dentro esse orgulho brasileiro. Quando o árbitro apitou para o minuto inicial, o escrete canarinho está mentalizado para ganhar. Nenhuma equipa do Mundo poderia fazer nada em relação a isso. Dois minutos depois, a jogada tipo de Scolari. Lançamento largo para o extremo onde a força de Hulk se sobrepôs ao pequeno Alba, centro para o coração da área onde a Espanha sempre sofre. Atrapalhamento e golo. Naquele breve segundo em que a bola pulou, Casillas e Fred lançaram-se pelo esférico. Noutro dia, noutra hora, o guarda-redes espanhol operaria um dos seus milagres. Mas aquilo era o Maracanã, era o Brasil e o uma consequência inevitável de acordar o monstro adormecido.
Nesse momento a comunhão entre adepto e jogador neutralizou qualquer arma futebolística que Espanha tivesse para oferecer. No final, não encontraram forma de sair desse bloqueio mental em que entraram. Sentiram-se intimidados pelas bancadas, pelo jogo duro do meio-campo brasileiro e pela forma como os rivais aplicaram em campo todos os passos necessários para neutralizar o tiki-taka. Pressão alta, à altura da baliza, e asfixiante. Constantes ajudas na marcação, linha defensiva longe da área, espaço de campo reduzido. Procurar o contacto físico, reduzir os espaços por onde a bola se possa mover. E depois, velocidade. Velocidade na movimentação, no lançamento da bola para o ataque, na tomada de decisão. Scolari emulou o que Heynckhes conseguiu com o Bayern. O resultado foi exactamente o mesmo.
Uma equipa com talento e prestigio contra uma equipa com talento e fome. Prevaleceu, em ambos casos, a segunda fórmula. Espanha, tal como o Barcelona, nunca entrou no jogo e foi derrotada de forma clara, concisa e inapelável por um rival que não precisou de recorrer ao anti-jogo, a estratagemas defensivos e à sorte.
Depois da exibição memorável contra o Uruguai, essa Espanha desapareceu do mapa.
Contra a Nigéria sofreu muito mais do que se esperava. Frente à Itália beneficiou, como em 2008, do factor sorte depois de ter reequilibrado no prolongamento um jogo que não conseguiu dominar nos noventa minutos. Aos italianos faltou-lhe a coragem e eficácia na tomada de decisão nos metros finais. Mas o Brasil sabia que esse não seria um problema. Neymar, que aos europeus sempre gerou dúvidas, emerge deste torneio como uma figura consensual. Foi a alma e o motor ofensivo do Brasil, movendo-se pelo campo com autoridade, oferecendo golos e disparando sem medo. O Brasil começou a ganhar o jogo no momento em que decidiu não ter medo do rival, uma arma psicológica que os espanhóis utilizam muito bem com alguns rivais que procuram adaptar o seu modelo de jogo ao seu. Paulinho e Luis Gustavo tinham outra missão. Como fizeram em todo o torneio (e como o fazem nos seus clubes), morderam, morderam e morderam. Com eles por perto a bola não durava um segundo no pés dos espanhóis. As subidas dos laterais e a velocidade de acção de Thiago e David Luiz cercava por completo o esquema habitual de Del Bosque.
O seleccionador espanhol não encontrou solução para o problema. Nem a entrada de Navas nem a de Villa resolveram a equação. Foi sempre tudo demasiado lento, impreciso e previsível. Sem tempo para pensar, sem espaços para mover-se, os espanhóis viram-se atados por uma teia da qual têm sempre dificuldade em sair. Do outro lado a velocidade era a principal arma com que o Brasil deixava os rivais em sentido. Arbeloa e Piqué foram admoestados por faltas sobre um supersónico Neymar. O primeiro livrou-se da expulsão e foi substituído porque parecia evidente que não sobreviveria a outra. Piqué não teve melhor sorte. O astro ascendente brasileiro aplicou-lhe a mesma fórmula de Cristiano Ronaldo e o jogador que tanto prometia em 2011 voltou a cair no mesmo erro e a comprometer, ainda mais, as aspirações da sua equipa.
Nessa altura já David Luiz tinha sabido ler a ideia de Pedro e Neymar ampliado a vantagem. Nesse golo colocou-se em prática o verdadeiro perfume canarinho. Oscar, sabedor que precisava de guardar a bola uns segundos para permitir a Neymar sair do fora de jogo, rodou sobre si mesmo em vez de procurar um passe mais fácil. Foi suficiente para romper a linha defensiva espanhola e oferecer ao número 10 o merecido golo. Casillas já tinha impedido por duas vezes a festa brasileira. Mas os milagres não seriam suficientes essa noite.
A partir desse momento Espanha rendeu-se. Sérgio Ramos sacou do coração onde já não havia cabeça para marcar um penalty infantil de Marcelo sobre Navas mas falhou-o. Fred ampliou a vantagem depois de mais uma delicatessen de Neymar (simulando um remate que não existiu) e o Brasil dedicou-se a bailar os campeões do Mundo com uma autoridade impensável. Reduzidos, fisica e psicologicamente, os espanhóis apenas procuraram resistir à goleada que parecia inevitável se, num acto quase de misericórdia, o Brasil não tivesse reduzido as rotações e Scolari tivesse preferido Jadson a Lucas Moura para dar a estocada mortal sobre um rival ferido.
Em 2002, Scolari foi campeão com uma equipa memorável. O seu esquema táctico em 3-4-3 dava todo o protagonismo a três Ballons D´Or (Ronaldo, Rivaldo e o futuro Ronaldinho) e à velocidade dos seus laterais (Cafú, Roberto Carlos) mas o verdadeiro truque estava na sala de máquinas, uma defesa oleada e um meio-campo de operários. Dez anos depois, o seleccionador repetiu a fórmula. Já não conta com três estrelas mundiais na frente, mas em Neymar, Fred e Hulk encontrou jogadores esfomeados e com sacrifício físico para pressionar até ao suspiro final. Em Marcelo e Dani Alves tem os sósias perfeitos dos seus laterais originais e com Paulinho, Luis Gustavo, Óscar e Hernanes, opções suficientes para aplicar a sua máxima no meio-campo. O triunfo, a todos os títulos inesperado, será um colchão mental importante para enfrentar o ano que falta. Espanha saberá voltar ao seu melhor depois de lamber as feridas. Selecção de jogadores inteligentes e ambiciosos, passará por um processo de selecção inevitável de quem sabe que há muito talento a bater à porta, mas no próximo mês de Junho arrancarão o Mundial como máximos favoritos. Um estatuto que merecem depois de seis anos memoráveis. Mas na noite de 30 de Junho de 2013 o Brasil demonstrou ao resto do Mundo como é possível desbloquear esta máquina de futebol sem recorrer ao lado mais negro do jogo. Resta saber quantos países terão os meios, a fome e o saber de reproduzir esse esquema. No planeta futebol actual não são muitos os países que podem permitir-se com sonhar com uma exibição perfeita como a dos canarinhos. Uma exibição para a posteridade!
A grande lição aprendida directamente da última edição da Taça das Confederações tem pouco a ver com a debacle europeia ou mais um titulo para as vitrines brasileiras. O aviso de que o "soccer" está em grande forma é para ser tomado a sério, apesar de ainda haver uma série de criticos que continua a insistir que o futebol nos Estados Unidos não tem futuro. É certo que a popularidade do "soccer" é infinitamente inferior aos desportos made in USA. Mas também está claro que é não é preciso que seja um desporto de multidões para poder ter uma selecção de primeiro nivel. A equipa de Bob Bradley provou-o este mês na África do Sul.
As condições naturais dos jogadores norte-americanos - desportistas por excelência, muito mais que os outros gigantes económicos adormecidos como a China, India, Japão ou Australia - e a fortissima influência de jogadores de origem latina e europeia provam que o poder do melting pot que tanto sucesso deu ao desporto americano em geral parece finalmente estar a fazer efeito no futebol. Da equipa orientada por Bradley há jogador de origem latina, africana e europeia. Há uma mistura perfeita de distintos estilos, de poderio fisico e capacidade técnica. E acima de tudo uma fomração e disciplina táctica que os americanos nunca tinham demonstrado até hoje.
Depois de terem roubado o protagonismo das provas da CONCAF ao México os Estados Unidos querem dar um passo em frente. Da equipa que em 1994 chegou aos Oitavos de Final no seu Mundial nada sobra. Apesar do campeonato local continuar a ser um negócio mais do que uma verdadeira prova competitiva, a verdade é que a esmagadora maioria dos jogadores actua na Europa onde conseguiram desenvolver uma apuradíssima consciência técnico-táctica. Mesmo os que ainda actuam nos States são já altamente cobiçados por clubes europeus que vêm no mercado norte-americano um potencial filão. O Villareal, por exemplo, apostou na contratação de Jozy Altidore, acabando-o por emprestar ao Xerez, mas para a próxima época sabe que conta com um jogador que depois da sua magnética performance contra (ironia do destino) a Espanha, vale o dobro no mercado. O mesmo se poderá dizer de Spector, Onyewu, Clark os os jovens Bradley ou Beasley, as futuras grandes promessas da equipa do Tio Sam.
Apesar de faltar ao Estados Unidos calibre nas grandes provas, a excelente prestação na Taça das Confederações lançou o primeiro alarme. Na África do Sul os americanos serão um rival duro de roer. Dependerão em muito do grupo em que ficarem colocados, mas sabe-se que fora da Europa as equipas do Velho Continente perdem fulgor e abrem espaço a agradáveis surpresas. Há sete anos os próprios americanos lograram chegar até aos Quartos de Final, só batidos pela finalista Alemanha. Depois da precoce eliminação na fase de grupos do Mundial 2006 os americanos voltam com a ambição redobrada de plantar cara aos grandes do desporto rei e provar que são uma potência mundial em todos os desportos, mesmo quando estes não enchem estádios e dão audiências de milhões.
Com o final de mais uma edição da Taça das Confederações, e deixando à parte todas as polémicas relativas à (fraca) organização local, resta-nos olhar para trás e relembrar o que de melhor se pôde apreciar durante as semanas de competição que acabaram por coroar o Brasil campeão pela terceira vez.
Foram 11 Magnificos entre um exército pouco deslumbrante, onde as grandes estrelas estiveram uns furos abaixo do esperado (a longa época passou factura) e que deixou alguns nomes na retina para confirmar no próximo ano quando já for uma competição verdadeiramente a doer.
Guarda Redes
Tim Howard
O guardião norte-americano que teve uma passagem para esquecer pelo Manchester United é hoje um precioso seguro de vida para o Everton de David Moyes. No momento mais alto da sua carreira, Howard provou que os Estados Unidos possuem uma linha defensiva praticamente intransponível. A sua exibição diante da Espanha foi épica, parando tudo o que havia para parar. Apesar dos seis golos sofridos nos dois jogos com o Brasil esteve impecável em ambos os encontros. Um jogador já veterano e com muita experiência que foi pedra base para a espantosa campanha da equipa norte-americana.
Defesa Direito
Jonathan Spector
Uma das agradáveis surpresas da prova. O jovem lateral direito que milita no West Ham United foi sempre um dos elementos mais seguros do onze norte-americano. Esteve a excelente nível em todos os encontros e foi dele o cruzamento letal para o primeiro golo americano na final. Tem toda a carreira à sua frente e o seu valor triplicou depois da viagem à Africa do Sul não sendo de esperar que dure muito tempo em Upton Park.
Defesa Esquerdo
André Santos
Foi sempre o sacrificado por Dunga para lançar os ataques venenosos de Daniel Alves, mas a verdade é que o lateral esquerdo foi sempre dos melhores jogadores em campo nos encontros disputados pela canarinha. Com o Brasil a viver um complexo problema com a sucessão de Roberto Carlos (já passaram pelo posto seis jogadores), o jovem defesa que actua no Corinthians foi um perfeito seguro de vida, tendo sido apenas victima do protagonismo da dupla Maicon-Daniel Alves, incompativel no lado direito do onze canarinho.
Defesas Centrais
Lúcio e Onyewu
Foram os pilares defensivos das equipas finalistas, decisivos em todos os momentos em sem responsabilidades nos lances de golo. Lúcio está no culminar de uma carreira brilhante. É o grande patrão do Brasil, homem de confiança de Dunga, e o lider indiscutivel do balneário. O central do Bayern Munchen esteve sempre em grande plano e coroou a magnifica prova com o golo vitorioso na final.
O norte-americano Onyewu foi uma surpresa para muitos. Actua - está em final de contrato - no Standard de Liege de Boloni que se sagrou campeão belga e foi sempre uma muralha instransponível. Na meia final contra a Espanha anulou por completo Fernando Torres enquanto que no jogo com o Egitpo não deu nunca espaços à equipa rival. Na final foi apenas batido no confuso lance do 2-2 tendo tido uma exibição imaculada no restante desenrolar do encontro.
Médio Defensivo
Felipe Melo
Felipe Melo é o braço direito em campo de Dunga. O jovem médio da Fiorentina assumiu-se de estaca neste onze, superando Anderson e Elano na corrida à titularidade. Ao lado do veterano Gilberto Silva é o elemento mais móvel da dupla defensiva no meio campo, responsável pelas rápidas transições de jogo para Kaká e companhia. Foi sempre constante em todos os encontros e nunca hesitou em ajudar o ataque para criar desiquilibrios. Uma pérola do Brasil mais cinico.
Médio Direito
Xavi Hernandez
É sempre o motor da selecção espanhola. No dia em que não carburou a 100% viu-se o resultado. A campeã da Europa chegou cheia de pompa mas saiu da África do Sul com um sofridíssimo terceiro posto. Dominou o grupo a belo prazer graças ao trabalho de Xavi, que serviu sempre na perfeição a letal dupla ofensiva. No jogo das meias finais Xavi esteve apagado - notou-se o cansaço da época e o meio campo improvisado por Del Bosque - e a Espanha caiu. A sua ausência do jogo de terceiro e quarto posto voltou a mostrar o vazio do futebol ofensivo espanhol sem a sua batuta. Continua a ser o melhor.
Médio Esquerdo
Clint Dempsey
No meio campo ou atrás da dupla Donovan-Altidore, o trabalho incansável de Patrick Dempsey ao longo do torneio foi espantoso. O norte-americano jogou ao lado de um grupo de luxo (Bradley, Clark, Feirlhaber, ...) mas destacou pela sua verticalidade e pelo seu faro de golo. Diante da Espanha apanhou o trapalhão Sérgio Ramos em contra-mão e no meio dos centrais brasileiros desviou subtilmente para abrir a contagem no jogo da final. Um dos grandes nomes do Soccer que saiu da África do Sul como um heroi.
Médio Avançado
Kaká
Esteve uns furos abaixo do esperado - viveu a prepração da prova à volta do rebuliço da sua transferência milionária para o Real Madrid - mas ainda assim foi eleito o melhor do torneio. Distinção exagerada pelo seu real protagonismo mas a verdade é que sem Kaká este Brasil seria bastante mais vulgar. Toques de génio a abrir (Egipto) e fechar (Estados Unidos) uma prova onde nunca se lhe viu completamente confortável num posto de falso ponta de lança a descair para o lado esquerdo do ataque. Tem a batuta de comando mas tem de arriscar mais no um contra um para ser realmente decisivo.
Avançados
Luis Fabiano e Landon Donavan
Foram as duas estrelas da final. O primeiro marcou dois golos decisivos e confirmou-se como o goleador da prova. O segundo foi o capitão perfeito lutando e marcando na hora H. Dois homens chave para entender as campanhas de Brasil e Estados Unidos.
Luis Fabiano é um avançado letal e já o provou por diversas vezes no Sevilla onde venceu duas Taças UEFA. Depois da má experiência no FC Porto, o dianteiro assumiu-se como um dos pontas de lança mais eficazes do futebol europeu e depois da queda em desgraça de Ronaldo e Adriano assume-se naturalmente como a primeira opção para o ataque da canarinha. Para quem tinha dúvida da sua eficácia, aqui fica a sua resposta.
Já Donovan é um velho conhecido, estrela maior do futebol norte-americano, cobiçado na Europa pelo Bayern de Munchen e estrela do L.A. Galaxy. Jogador de fino recorte, toque rápido e espirito de luta impressionantes, é útil como segundo ponta de lança graças à velocidade e oportunismo. O golo em contra golpe ao Brasil na final demonstrou toda a sua frieza naquele que é hoje em dia o maior embaixador do soccer e de quem se espera muito no próximo ano.
Treinador
Bob Bradley
Não é fácil brilhar contra as maiores selecções do Mundo mas o génio estratégico de Bradley provou que hoje em dia os Estados Unidos estão um passo mais perto da elite do futebol mundial. Derrotou com insultante superioridade o Egipto, esmagou a Espanha com um jogo inteligentissimo impedindo o futebol de toque tão tipico dos espanhois. E na final pôs o Brasil em sentido com uma primeira parte de altissimo nível. Bradley soube dar a volta a uma seleção desmoralizada e montou um conjunto de elevado nível que mistura jovens promessas com veteranos de grande nível. A prestação dos States torna-os em grandes candidatos a surpresa do ano em 2010. Resta ver se mantêm o bom nível quando for a doer.
Kaká venceu o prémio ao Melhor Jogador e redimiu-se da polémica ausência na Copa América. Luis Fabiano sagrou-se como Melhor Marcador e provou aos brasileiros que há vida para lá de Ronaldo e Adriano. Mas mesmo assim este tricampeão brasileiro nesta prova que ainda desperta pouca emoção nos adeptos nunca convenceu durante estas três semanas de prova. O Brasil sofreu, uma vez mais, para levar de vencida um surpreendente conjunto norte-americano e precisou de um golpe de autoridade do capitão Lúcio, a seis minutos do final do jogo, para conquistar o titulo. A que era o principal favorito. Uma vitória esperada mas que nunca deslumbrou em nenhum momento. Culpa de Dunga que prefere a eficácia ao espectáculo. Uma eficácia que lembra o Brasil de 1994 e que é um sério aviso para os rivais do escrete no Mundial do ano que vem.
A vitória brasileira era esperada por tudo e todos (havia quem acreditava na surpresa espanhola mas cedo se viu que La Roja ainda precisa de pulir muito o seu futebol) mas o onze brasileiro nunca deu a entender que tinha controlada a prova. Sofreu a bom sofrer no primeiro jogo, e apesar dos golpes de autoridade com os States e Itália - a grande decepção da prova - o que se viu deste Brasil foi um onze sólido, compacto, oportunista e competitivo. Da genialidade do futebol de rua brasileiro nem rasto. Nem Kaká, nem Robinho...tudo baseado num jogo de toque curto, rápido mas ao ritmo do relógio sem um rasgo de irreverência capaz de destroçar o adversário. A essência brasileira desapareceu por debaixo de uma capa europeizada do futebol do escrete, da mesma forma que Parreira montou o seu Brasil campeão de 1994 onde - e isto não surpreenderá ninguém - o fiel de balança era o mesmo homem que hoje sonha com o Hexa. Dunga manteve dois homens intocáveis toda a prova. Felipe Melo e Gilberto Silva são a trave mestre da sua equipa. Todo o jogo brasileiro gira à sua volta. E quando os dois médios defensivos são o fiel de balança do jogo brasileiro, está tudo dito.
O génio das individualidades continua a colocar o Brasil uns furos acima das restantes selecções. Foi assim no jogo com o Egipto, onde se viu o melhor Kaká. Foi assim com o potente livre de Daniel Alves na meia final com a África do Sul. E ontem foi o espirito goleador de Luis Fabiano quem fez a diferença. Os Estados Unidos mostraram que a eliminação da Espanha não foi uma coincidência. Tinham a lição bem estudada e controlaram durante a primeira parte o jogo brasileiro desde a sua grande área. Os dois golos de vantagem eram justos face à superioridade norte-americana. Mas na segunda parte surgiu o Brasil guerreiro que Dunga tanto aprecia. Kaká viu-se mais solto e foi uma investida sua pela esquerda que fez a diferença. A entrada de Daniel Alves deu mais acutilância ao ataque e a forma letal como o Brasil encara os lances de bola parada resolveu a questão. Marcou Lúcio, o central que já estava na equipa pentacampeã há sete anos e que é hoje o lider brasileiro. O central sabe jogar com os pés, é autoritário de cabeça e é um autêntico pastor de homens. Mereceu o golo da consagração e Dunga viu recompensado o seu método conservador mas tremendamente eficaz.
Este Brasil pode não deslumbrar mas parece muito mais sólido e consistente do que a equipa que viajou até à Alemanha. Ao contrário dos rivais de nome (Espanha e Itália) esteve à altura das circunstâncias e percebeu cedo que uma prova a eliminar tem de ser encarada de forma particular. No entanto o futebol em campo do escrete não deslumbra como nos acostumou. Kaká parece um jogador mais pequeno neste sistema de jogo que depende muito da eficácia ofensiva do ponta de lança (neste caso Luis Fabiano) já que Robinho, um falso segundo avançado, foi uma constante sombra de si próprio. A sólida defesa e o muro no meio campo são a arma secreta de Dunga mas para vencer o Mundial do próximo ano o Brasil pode precisar de um pouco mais de pura eficácia para vencer. Talvez um pouco mais de magia...
Do outro lado do Atlântico o "soccer" continua a ser um imenso desconhecido mas o boxe é, ainda nos dias de correm, uma imensa paixão para os americanos. Assim que não foi de estranhar que a equipa orientada pelo excelente estratega que é Bradley tenha destroçado a campeão da Europa por um perfeito K.O. Se o combate tivesse sido aos pontos, la Roja teria ganho tal foi a insistência com que procurou a baliza do sereno Tim Howard (a anos luz daquele guardião inseguro dos dias de Old Trafford). Mas, tal como no boxe, também ontem os pontos valeram de pouco quando há dois golpes tão secos e letais. Aos 35 jogos a Espanha voltou a conhecer o sabor da derrota. Os Estados Unidos fizeram história e logram a primeira final intercontinental da sua história. Não que muitos se tenham dado conta nas terras do "Tio Sam".
Depois de ter surpreendido meio mundo pela destreza ofensiva que lhes valeu uma categorica e decisiva vitória ante o Egipto - demasiado debilitado pelas importantes ausências - os Estados Unidos voltam a mostrar que é preciso começar a levar mais a sério o "soccer" desta selecção. Bradley montou uma equipa compacta que alia perfeitamente a boa geração do futebol norte-americano da última década (a mesma que logrou o brilharete dos quartos de finais em 2002 mas que falhou na hora H quatro anos depois) com as grandes promessas dos "States" que já andam pela Europa a espalhar o seu particular perfume. Hoje em dia face à crise profunda que atravessa a selecção mexicana, é cada vez mais evidente que a grande potência da América do Norte são os Estados Unidos. A qualidade de jogo é muito superior ao valor individual dos elementos que compõem a equipa dos "yankees". Uma defesa jovem e segura, um guardião tranquilo, um meio campo pressionante e avançados acutilantes. O futuro que passa por Jozy Altidore, Demerit, Onyewu, DaMarcus Beasley, Clark e Dempsey alinhado com a veterania e genialidade de Landon Donavan, provavelmente um dos melhores executantes individuais da história do "soccer". Que os Estados Unidos se tenham desligado do maior desporto mundial não significa que a sua equipa deixa de ter o potencial necessário para ser um rival de peso. A partir de hoje, a Espanha já o sabe.
A selecção campeã da Europa terminou um ciclo brilhante de 35 jogos consecutivos sem conhecer o sabor da derrota. Foi desde 2006, então num jogo amigável com a Roménia, que os espanhois começaram uma série histórica que os levaram a vencer o Europeu de 2008 e a igualar o melhor registo do escrete canarinho. A equipa espanhola caiu ontem de pé, mas deixando a nu algumas aspectos que as vitórias alcançadas nestes dois anos foram tapando habilmente. A Espanha está longe de ser aquela selecção letal e que encanta, como o foi a França do virar o século ou a Holanda de Gullit, van Basten e companhia, apenas para citar as selecções europeias com melhores registos dos últimos vinte anos. Apesar de eficazes - os números não mentem - a equipa espanhola vive do futebol de toque rápido e hábil dos seus brilhantes executantes. Num onze que vive entre o 4-5-1 e o 4-4-2, é no meio campo que está a chave do futebol espanhol. Xabi Alonso (na ausência de Senna) pensa o aspecto defensivo e abre alas para que Cesc, Cazorla, e o genial Xavi orquestrem todo o jogo ofensivo. Contar com dois dos melhores pontas de lança do momento (Fernando Torres e David Villa), e com um banco de luxo, ajuda. E não é por esta derrota que a selecção espanhola deixa de ser uma das grandes favoritas a vencer o próximo Mundial. Mas já perdeu a capa de invencibilidade que vinha ostentando. Mais, os seus rivais já conhecem os seus particulares esqueletos no armário. O primeiro é a defesa. A equipa espanhola conta com um enorme guarda-redes e dois centrais em grande forma (Puyol e Pique) e dois suplentes de garantias (Albiol e Marchena). Mas as alas são um problema grave. Sérgio Ramos não tem cultura táctica - como se percebeu nos dois lances decisivos de ontem - e perde-se demasiado no ataque para ser eficaz a defender. Já Capdevilla é o eixo mais fraco, a todos os niveis, da selecção mas não tem - ainda - uma alternativa credivel. E os pés de barro defensivas da equipa espanhola notam-se mais com equipas que jogam sem medo. Com os States fizeram ontem.
Os Estados Unidos provaram aquilo que já se adivinhava. Apesar da série admirável, a Espanha tem demonstrado várias dificuldades em dominar nos últimos encontros da fase de apuramento para o Mundial. Mais ainda, é uma equipa que tem uma grave dificuldade em dar a volta ao marcador. Quando abre a contagem e se deixa estar, tranquilamente no comando, começa a surgir o seu bom futebol. Mas se tem de partir de uma desvantagem torna-se num colectivo mais nervoso que perde um pouco o descernimento táctico. Na esmagadora maioria das vezes a genialidade dos seus artistas resolve. Mas todos têm direito a um dia mau. Ontem o dia mau não foi de Xavi, Cesc, Torres ou Villa. Foi de todos. Muitos procuram a falta de um desiquilibrador como é Iniesta (ficou de fora por lesão) ou de maior equilibrio no eixo defensivo (os americanos foram perigosos em todos os contra-ataques que lançaram ás redes de Casillas) mas a verdade é que já a Bélgica, Bósnia e Turquia tinham levantado esta mesma problemática. Mas eram rivais com um potencial inferior e com disciplina táctica bastante deficiente para neutralizar La Roja. Bradley estudou como ninguém a lição, preparou muito bem o encontro e anulou o colectivo espanhol, em lugar de procurar tapar individualidades. Funcionou.
Enquanto os americanos saboreiam o logro, em Espanha lambem-se as feridas destes dois socos incisivos, procuram-se as desculpas e assobia-se para o lado. Afinal é só a Taça das Confederações, no Mundial isto não acontecerá, ...como no passado, a tipica arrogância espanhola fala em acidente de percurso em vez de procurar as respostas às perguntas realmente importantes. Pode ser que este seja apenas um parêntesis e não está em discussão o papel de claro favorito da Espanha no próximo mundial. É campeã da Europa em titulo, e os titulos, respeitam-se. Mas defendem-se nos relvados. E ontem a CONCAF bateu a UEFA. E não houve nenhum seleccionador ontem que não tenha aprendida a lição. A equipa de Vicente del Bosque caiu na realidade. Mas continua a estar aí, de olhos postos no Mundial. Depois da licção aos italianos, o correctivo aos espanhois lança de novo o aviso da eterna maldição. Afinal, nunca uma equipa europeia logrou vencer um Mundial fora da Europa. Daqui a um ano saberemos se há mesmo maldições que são eternas.
A maioria da imprensa internacional deu como surpreendente a vitória do Egipto diante da Itália. Se por um lado a equipa italiana jogou bem no segundo tempo - sem claridade nenhuma mas com grande alma - a verdade é que há um desconhecimento absoluto fora do continente africano das potencialidades do Egipto. A selecção das pirâmides tem a sua quota parte da culpa - afinal desde 1990 que não marca presença num Mundial de Futebol - mas hoje em dia os egipcios são a mais completa selecção do continente que daqui a um ano receberá o seu mundial. E em África, até que se prove o contrário, mandam os faraós.
Já tinham avisado no jogo contra o Brasil, colocando por três vezes (três) a bola dentro das redes de um desamparado Julio César. Culpou-se a defesa brasileira de todos os erros mas quem esteve verdadeiramente mal nesse encontro foi a defesa egipica. Concedeu muitos espaços, mostrou fragilidades nos lances de bola parada e acabou traída pela sorte (com ajuda da televisão) no último instante. Mas deixou o aviso. O mesmo que nas últimas edições da CAN, da qual a última foi um festival de antologia que levou o Cairo à loucura. A presença do Egipto na África do Sul tem em África o mesmo impacto que a vitória espanhola na Europa. Uma equipa com bom toque de bola, eficácia diante da baliza e capaz de sacar o melhor de uma das suas gerações mais emblemáticas. No entanto, à diferença dos espanhois, os egipcios vivem o ostracismo do marketing e da falta de exportação dos seus talentos. No Egipto paga-se bem o que impede muitas vezes que os seus melhores jogadores abandonem os grandes clubes locais - onde se inclui o Al Ahly que com Manuel José venceu tudo o que havia para vencer - para aventurar-se na Europa, como sucede com os jogadores magrebinos ou da África negra. Daí que para a maioria dos adeptos nomes como os de Homos, autor de um golo de belo efeito, Aboutrika, Said, Zidan, que se lesionou durante o encontro, e Essam El Hadary. O veterano guarda-redes é um mito nacional e ontem provou-o bem com uma exibição genial do primeiro ao último segundo parando tudo o que havia para parar. E isto que os mais populares Mido e Zaki, a actuar na Europa, não viajaram com a sua equipa, o primeiro por opção técnica (tem um passado de indisciplinado) e o segundo por lesão.
Honestamente é preciso referir que a selecção do Egipto tem pontos debeis. A defesa pode ser permeável em lances estudados e o ataque por vezes é pouco eficaz, especialmente quando actua a segunda linha. Como foi o caso de ontem. Mas é um conjunto organizado como poucos no continente africano. A sua ausência do Mundial (neste momento não lidera o grupo de qualificação) seria uma grande perda já que a jogar "em casa", os faraós poderiam demonstrar o seu melhor jogo.
Depois do Brasil ter provado o veneno egipcio, ontem foi a vez da Itália. A equipa de Marcello Lippi joga de forma agonizante. Com os Estados Unidos reagiu a tempo e dominou por completo o segundo tempo, mas desde muito cedo jogava contra 10. Ontem foi melhor na última meia hora, mas trapalhona em todas as investidas à baliza egipcia. Lippi continua a apostar no mesmo conjunto que lhe deu o titulo Mundial há três anos mas a já então veterana equipa é hoje um conjunto demasiado envelhecido para este ritmo (nota-se demasiado o ar cansado de Gattuso, Pirlo, Cannavaro, Toni, Zambrotta...). E as novas incorporações ao onze (Montolivo, Pepe, Rossi) não estão a ser capazes de fazer a diferença. Apesar do fracasso do Euro, a equipa de Lippi não deu ainda provas de ter aprendido a licção e hoje dificilmente poderá ser catalogada como candidata a revalidar o trofeu. Terá, para já, de bater por mais de dois golos um eficaz Brasil para jogar as meias-finais desta prova. E depois um ano para aprender os erros e apresentar na África do Sul um rosto totalmente distinto. Enquanto isso os egipcios celebram. Estão a um pequeno passo de fazer história e já sonham com outros voos. Mas para isso é preciso qualificarem-se primeiro.
Esta é uma prova cada vez mais incómoda e a quem poucos dão real importância. Criada pela FIFA para servir de ante-camara para o Campeonato do Mundo – que arrancará a 11 de Junho do próximo ano – a Taça das Confederações já mudou de formato, de periodicidade e de distribuição de participantes. Sem nunca chegar a convencer. As grandes selecções marcam presença mas a contra-gosto. Os pequenos países aproveitam para aparecer debaixo dos holofotes, nem que seja por uns breves minutos, e o país organizador demonstra todo o esplendor do evento que tem preparado. Este ano a festa é especial. Nem os grandes estão interessados em viajar à África do Sul com um ano de antecedência nem o país africano está ainda em condições de se mostrar um digno anfitrião. No final poucos se lembrarão desta Taça das Confederações. Uma vez mais…