Sou um nostálgico. Vivo preso no tempo. Cresci nos anos oitenta. Acho que isso tem grande dose de culpa. A era em que brincar ao futebol significava passar horas na rua. Jogar com peças de legos montadas para fingir equipamentos reais. Ou com os jogadores de Subbuteo, muitos sem cabeça. As consolas eram protótipos do que são hoje, os jogos de gestão desportiva um enigma e o futebol, esse, era outro. Daqui a uns meses vou ter o prazer de rever nostalgicamente as minhas velhas conhecidas Colômbia e Bélgica num Mundial outra vez. Tenho saudades desses tempos. E de todas as outras equipas dessa era que ficaram pelo caminho.
Um dos meus sonhos é ter uma réplica perfeita do equipamento da Dinamarca de 86. Ou da Holanda de 88. (quem os tiver, o email de contacto está abaixo à esquerda)!
Sim, sou assim de estranho. Mas já me contentava com aquela camisola colorida da Colômbia de Asprilla ou da Jugoslávia de Stoijkovic. Sei adivinhar o ano de um jogo só pelo equipamento das respectivas selecções. Vivi a era das três tiras nos ombros da Adidas. Dos desenhos da Nike na camisola do Mundial dos Estados Unidos ou das tiras finas tão popularizadas nos anos oitenta por escoceses, franceses e dinamarqueses. Tenho saudades de ver a Preud´Home fazer defesas impossíveis a Hassler ou de imaginar como um desdentado Jimmy Leighton era capaz de defender sobre a linha um tiro de cabeça de Tore Andre Flo. Durante essa geração o futebol europeu consagrou grandes equipas. A maioria dos adeptos sabem quais são, não é preciso que me repita. Mas houve uma série de actores secundários igualmente brilhantes que me roubaram o coração. É como no cinema, onde tantas vezes prefiro apreciar aquele actor de low profile no fundo do plano em vez de perder-me no grande plano ao protagonista. Essas eram as equipas que me tocavam na alma. Talvez porque, nesses dias, Portugal fosse um desses secundários. Não vivi, de forma consciente, o Mundial de 1986 e por isso tive de esperar até já estar no ciclo para ver a selecção das Quinas jogar uma competição internacional. Quando Portugal disputou o seu primeiro Mundial depois de Saltillo estava a dois meses de entrar na universidade. Toda a adolescência tinha passado a pensar que a selecção que então equipava - que saudades - de vermelho e verde, seria sempre um jogador de segunda numa mesa de especialistas em bluff.
Esses eram os dias em que a Europa tinha menos países. Menos estados independentes significava equipas mais fortes e místicas.
Lembro-me da devoção especial que sentia pela Jugoslávia e como rapidamente a emergente Croácia me conquistou o coração. Por razões clubísticas sempre torci pela Eslovénia e pela Sérvia. Mas tudo me levava sempre àquela equipa que mereceu melhor sorte no Itália 90, com a orgulhosa estrela vermelha sobre o centro do equipamento. O mesmo podia dizer da União Soviética e o icónico CCCP. O que me custou aprender a dizer Rússia e a pensar na lógica de existir uma Ucrânia em jogos oficiais quando todas as estrelas soviéticas, de vermelho e branco, eram do Dynamo de Kiev. E que dizer da última época dourada do futebol nórdico. Da Suécia de Dahlin, Anderson, Thern, Brolin e de um adolescente rastafari chamado Henrik Larsson. Ou da reinventada Dinamarca, sempre e quando Michael Laudrup estivesse em campo (as horas que passei a treinar "aquele" passe). Para não esquecer-me, evidentemente, da histórica Noruega que chegou ao topo do ranking FIFA com um estilo de jogo importado directamente da segunda divisão inglesa com os seus gigantes nas duas áreas a impor a sua lei. Nesses tempos, quando Portugal tinha de defrontar este tipo de equipas, não havia Ronaldo que nos salvasse. Era drama assegurado.
Mas o que realmente me produz nostalgia é o desaparecimento progressivo de verdadeiras selecções históricas. Daquelas que durante mais de meio século definiram o que era o futebol europeu. Tenho saudades de um Escócia vs Áustria muito antes de ter sabido que esse foi o duelo estético e ideológico que definiu o modelo de jogo que mais me apaixona. Tenho uma tremenda nostalgia quando vejo as camisolas da Hungria cruzaram-se com as da Bélgica, pensando nesses jogos perdidos no tempo em que os Nealazi e os Scifo se cruzavam com naturalidade. Com o passar dos anos, a Europa reinventou-se e nasceram novas potências como Portugal e várias selecções desapareceram do mapa. Raramente vemos equipas do leste europeu que não estejam suportadas por magnatas do petróleo ou do gás, ou clubes nórdicos e britânicos da velha guarda. Isso provocou a decadência de selecções que na era pré-Bosman estavam sempre lá. Eram os dias em que a França, Itália, Espanha ou a Inglaterra podiam falhar um Mundial ou um Europeu e ninguém punha as mãos na cabeça. No seu lugar havia sempre alguém disposto a aproveitar a ocasião como a Bulgária de 94 ou a Dinamarca de 92.
Vai ser muito difícil que a situação mude. A ampliação dos Europeus a vinte e quatro equipas - uma decisão que discordo por completo - poderá permitir um último hurrah a algumas destas selecções. Mas a magia nunca será a mesma. O guarda-redes escocês terá uma dentição perfeita. Os belgas terão afros mas nenhum barbudo. Os carecas búlgaros terão tatuagens no crânio e os avançados noruegueses serão imigrantes perfeitamente integrados na sociedade nórdica e não guerreiros vikings de outros tempos. Tenho saudades desse futebol porque sei que passe o que passar, nunca mais vai voltar. E tenho saudades do Escócia vs Áustria porque quando me sentava a ver estes jogos só tinha de me preocupar por fazer o trabalho de casa no carro, a caminho da escola, sem que se dessem conta.
Teve uma carreira atípica para qualquer avançado holandês. No entanto os seus golos sempre tiveram contornos decisivos desde Aos 35 anos o atirador-franco holandês decide pousar as armas depois de quinze anos a reinar na elite dos grandes goleadores do "Velho Continente". O "Fantasma" deixará de ensombrar os defesas rivais.
Foi na sua etapa no Bayern Munchen, já considerado então um dos máximos artilheiros do futebol mundial, que o Rudolph Makaay foi apodado de "Fantasma". Uma escolha dos adeptos bávaros para descrever um ponta-de-lança que tinha o talento inato de aparecer do nada e marcar. Assim foi a sua vida durante quinze anos, uma constante assombração para os defesas rivais.
Roy Makaay começou a sua carreira em clubes amadores holandeses e aos 18 anos começou a dar nas vistas no modesto Vitesse Arnhem, cidade perto da qual tinha nascido no Inverno de 75. Abençoado com o dom do golo, talvez herança dessa época mágica onde ser holandês era o sonho da maioria dos amantes do beautiful game, o dianteiro emergiu como a grande estrela jovem do futebol holandês. Em 104 jogos, divididos em quatro temporadas, apontou 50 golos. Mesmo assim a sua veia goleadora passava desapercebida face ao renascer do Ajax de um tal promissor Patrick Kluivert, ou do emergir de um brasileiro, avançado do PSV, chamado Ronaldo Nazário. Sem dar o salto a um grande da Eredivise, Makaay trocou o frio holandês pelo calor das Canárias. Assinou pelo Tenerife, equipa de bom gosto, e confirmou que o seu faro de golo não perdia com o efeito do calor. Duas épocas de luxo que chamaram a atenção do Deportivo la Coruña. O presidente Lendoiro pescou-o antes de outros grandes e levou-o para a chuvosa Galiza onde o holandês fez parte de uma equipa de luxo com Fran, Victor, Valeron, Djalminha, Tristan e Pedro Pauleta no ataque do conjunto azul. Foram quatro anos de eficácia pura. Mais de 80 golos pelo "Depor" e uma estreia auspiciosa com a selecção da Holanda. No seu primeiro fez história ao sagrar-se campeão de Espanha com 22 golos em 36 jogos. Era o homem da moda.
Em 2003 o Bayern Munchen, na ressaca da renovação do conjunto campeão europeu de 2001, decidiu apostar forte no mercado. E apostou em Makaay, que no ano anterior tinha apontado um hat-trick em Munique ao serviço do clube espanhol.
O dianteiro abandonou Espanha e mudou-se de armas e bagagens para a Baviera. No Olympiastadion ganhou uma legião de fãs indefectíveis. Partilhou o ataque com Jancker, Santa Cruz, Pizarro e companhia, mas manteve-se sempre entre os titulares nos quatro anos passados em Munique. Os seus golos na Champions permitiram algumas das melhores campanhas do conjunto germânico, incluindo uma memorável reviravolta face ao Real Madrid com o golo mais rápido da prova até então. No seu primeiro ano na Alemanha o avançado venceu a Bota de Ouro, confirmando-o como o melhor avançado da Europa. No entanto os sucessivos técnicos da Holanda, de Rijkaard a van Basten, passando por Louis van Gaal foram preterindo os serviços do dianteiro pela eficácia de van Nistelrooy, Bergkamp ou Kluivert. Mesmo assim Makaay continuou a marcar. Golos de todas as formas e feitios que o leveram a lograr mais de 100 pelo clube bávaro. Quando o clube gastou milhões em Klose e Luca Toni, o holandês percebeu que ia deixar de ser primeira opção. E foi-se embora. No total levava consigo um total de mais de 200 golos marcados em 10 anos de exilio em duas das ligas mais potentes da Europa.
Finda a etapa Alemanha, a paragem seguinte foi Roterdam. O histórico Feyenoord, a viver um periodo de vacas magras, precisa de um substituo do prolifero para Pierre van Hoidjoonk. Chega Makaay e responde como só ele sabe fazer. Em três épocas o primeiro clube holandês a vencer uma Taça dos Campeões Europeus nunca chegou a lutar pelos primeiros postos. Mas o papel do dianteiro foi determinante para evitar males maiores. Até agora, o momento em que o "Fantasma" decide por de lado a sua arma de precisão.
Durante vários anos Roy Makaay esteve na elite dos goleadores europeus. Nunca teve o impacto mediático de outros rivais e acabou sempre por pagar essa falta de carisma. Mas diante das redes raramente falhava. E nos momentos decisivos, dizia presente. Com o seu adeus fecha-se uma escola de goleadores num país carente de "killers" para enfrentar a aventura mundialista que nos espera ao virar da esquina. Mundial que o "Fantasma" nunca conseguiu disputar. A sua própria assombração!
Ser vizinho de um dos clubes mais bem sucedidos da história é sempre um problema. Para o Atlético de Madrid tornou-se numa maldição. A equipa que já foi filial do Athletic Bilbao na capital é hoje um terceiro grande que procura encontrar o seu espaço num futebol espanhol cada vez mais bipolarizado. Poucos são os que se lembram da sua época aurea, quando começaram a ser conhecidos como os "colchoneros".
Entre a imprensa indefectível do Real Madrid o Atlético ganhou a alcunha de "Pupas", um termo espanhol similar ao infantilismo luso "doi-doi".
Uma picada ao orgulho dos atléticos, essencialmente porque o clube nos últimos trinta anos passou a maior parte das temporadas a queixar-se e a lamber as feridas de sucessivos erros de gestão. Não é por acaso que desde os anos 70 que a equipa só venceu um titulo de Liga, em 1996. Muito pouco para o segundo conjunto da capital espanhola e, historicamente, o terceiro grande de Espanha. Há muito que o deixou de ser. Não só para o mais titulado Athletic Bilbao, o constante Valencia ou o emergente Sevilla. Até mesmo perante equipas de menor historial mas com projectos desportivos sustentados e que têm demonstrado no terreno e fora dele, a sua superioridade.
A presença nas Meias-Finais da Europe League, que começam a disputar-se esta semana, é o grande êxito desportivo da década para o clube rojiblanco. Desde o afastamento do polémico Jesus Gil y Gil que os seus sucessores, o filho Miguel Angel Gil e o productor cinematográfico Enrique Cerezo, têm sido incapazes de inverter o rumo. Os adeptos afastam-se da equipa e nem o forte investimento realizado este ano - não vendendo nenhuma das estrelas e contratando vários jogadores nos mercados de Verão e Inverno - mudou a fraca prestação doméstica. Salva-se a Europa e a lembrança de outros tempos.
A história pregou ao conjunto atlético o termo colchonero.
A origem remonta aos anos 20. Por essa época o clube começou a estabelecer-se como um dos grandes de Espanha, depois de ter sido largos anos apenas a filial do Athletic Bilbao na capital. Ao funcionar como equipa satélite do conjunto basco, os madrileños importavam os seus equipamentos de Bilbao. As celebres camisolas às listas brancas e vermelhas tornaram-se num icone da entidade. E, curiosamente, deram origem ao seu apelido. Por essa altura a maioria dos colchões comercializados em Espanha tinham a mesma origem. O desenho era funcional e exactamente igual à camisola atlética. Um colchão branco com quatro tiras vermelhas bem identificativas. A comparação foi inevitável. A alcunha ficou da mesma forma que o conjunto acabou intimamente ligada à praça Neptuno, recém-construida, para comemorar os seus triunfos. E ao rio Manzanares, que passa pelo oeste madrileño, e onde construiu o seu estádio, antecessor do actual Vicente Calderon. Ao contrário do rival Real, clube das gentes ricas do centro e norte da cidade, o Atlético ficou intimamente associado ao povo da zona sul. E assim seria.
Durante a Guerra Civil o conjunto mudou de nome para Atlético Aviacion, já que a designação Athletic Madrid fora proibida por Franco. Depois da fusão definitiva entre o clube e o Aviacion Nacional, em 1947, o clube passou a utilizar a designação de Atlético de Madrid. E viveu então uma das suas melhores épocas que terminou nos anos 70, com uma final da Taça dos Campeões e a subsequente conquista da Taça Intercontinental. A partir daí o oásis. O fim do sonho colchonero!
Cercado por todos os lados, o conjunto colchonero procura rever a sua identidade. Tem um estádio novo à espera e uma equipa jovem com grande potencial. No entanto a divida acumulada pela direcção e a falta de competitividade do plantel tem levado a massa adepta à beira do desespero. Ser colchonero, hoje, é cada vez mais um sacrificio a que poucos se sujeitam. Mas, os que o fazem, levam as cores no peito até ao fim!
Antes da explosão da Danish Dynamite nos anos 80 pela mãos de dois génios imensos de nome Michael Laudrup e Preben Elkjaer Larsen, já o futebol dinamarquês tinha tido um verdadeiro génio, um voador de primeiro nível que se tornou no primeiro atleta nórdico a conquistar um Ballon D´Or. Espelho de uma brilhante carreira ligada ao melhor do futebol disputado em Espanha e na Alemanha entre os anos 70 e prinicipios da década de 80. Os mais veteranos reconhecem o olhar sério, os mais novos surpreender-se-iam com a capacidade fisica e técnica apurada de um génio chamado Allan Simonsen.
Simonsen não era o protótipo do atleta nórdico. Relativamente baixo (não chegava ao 1m65) e sem grande porte atlético, era mais uma gazela do que um desses ursos que davam o rosto pela poderosa selecção sueca, a mais destacada equipa do norte Europeu dos anos 70. Nascido em 1952 em Vejle, Simonsen demorou a explodir numa época onde para um jogador sair do país Natal era bem mais complexo do que se pode supor hoje em dia, neste meio cada vez mais globalizado. Foi no clube da terra o Vejle FC, que em 1971, aos 19 anos, se tornou profissional. Simonsen jogava pela ala direita, mas várias vezes percorria todo o campo, como um nobre vagabundo de invulgar corte senhorial. O seu impacto foi tal que quebrou todas as regras da época e com 20 anos assinou contrato com o poderoso Borussia Monchenladgbach da RF Alemanha. A equipa germânica queria colocar um travão na ascensão meteórica do Bayern Munchen de Beckambauer e Muller e juntou uma série de jovens jogadores talentosos que eram tudo o que os letais homens da Baviera não eram. Desse Borussia falou-se como os poetas do futebol alemão e nenhum deles atingiu tanto a genialidade como o dinamarquês. Durante três anos (1975 a 1977) o clube de Monchenladgbach venceu a Bundesliga, conquistando ainda uma taça. Para além disso exibiu-se em grande nas provas europeias vencendo em 1975 e 1979 a Taça UEFA. Em 1977 o extremo venceu o Ballon D´Or, diante de nomes ilustres como Keegan, Cruyff ou Beckhambauer. Era o consagrar definitivo do seu génio intemporal.
A vida corria bem a Simonsen até que em 1979, na ressaca de mais uma prova europeia ganha, o Barcelona apareceu e contratou-o para atacar o titulo espanhol, que há vários anos se lhe escapava. Ao seu lado a equipa catalã contava ainda com Hans Krankl, possante avançado austriaco, Bernd Schuster, médio irrascivel germanico, e os espanhois Quini, Carrasco e Urruti. Simonsen encaixou que nem uma luva no belo futebol blaugrana mas os titulos acabaram por não chegar. Numa era dominada pelos clubes bascos (a Real Sociedad primeiro, e o Athletic Bilbao depois) o Barcelona ficou sempre ás portas da glória, tendo de contentar-se com uma Taça do Rei, em 1981, e a Taça das Taças de 1982 onde foi o heroi do encontro com um golo e uma assistência. No final da temporada seguinte, já com 29 anos, Simonsen foi forçado a abandonar o Camp Nou devido à chegada do astro argentino Diego Maradona. Numa época onde os planteis só podiam ter três estrangeiros, a direcção do clube catalão ainda tentou mudar a lei e quando a possibilidade falhou propôs ao dinamarquês ficar no banco, à espera da lesão de um dos três estrangeiros. Simonsen recusou. Passou primeiro pela liga inglesa, ao jogar pelo Charlotn Athletic até que voltou ás origens, terminando a carreira no Vejle FC tendo ainda logrado a participação nas espantosas campanhas da selecção do seu país no Euro 84 e Mundial 86, mas por essa altura já não era ele a estrela da companhia.
Simonsen deixou em 1989 os relvados e começou a carreira como treinador, orientando selecções de pequena dimensão como as Ilhas Faroes e o Luxemburgo e vários clubes dinamarqueses. Ainda hoje é um idolo no país natal e pode gabar-se de ter sido o único atleta a marcar golos nas três finais europeias (Taça dos Campões, Taça das Taças e Taça UEFA) e ainda o único nórdico a triunfar no Ballon D´Or, algo que os compatriotas Michael Laudrup, Peter Schemeichel e Elkjaer Larsen, bem mais conhecidos do grande público, nunca lograram. Um verdadeiro génio que o tempo não esquece.
Guardiola ainda estava em casa com o equipamento de junior na máquina de lavar no dia em que o seu rival de hoje, Sir Alex Ferguson, cigarro na boca, apertou a mão ao seu futuro mentor. O árbitro Bo Karlsson tinha apitado para o final do jogo na banheira de Roterdão e o Barcelona tinha perdido por 2-1 diante da primeira equipa inglesa a alcançar uma final europeia após o desastre do Heysel e a posterior suspensão de cinco anos. O Manchester United provou a força do futebol britânico e no ano do regresso destroçou aquele que no ano seguinte, em Wembley vá-se lá ver as coincidências, ganhou justamente a alcunha de Dream Team.
Já lá estavam Koeman, Laudrup, Goicochea, Salinas, Begiristain e tantos outros. A equipa catalã tinha vindo de celebrar o primeiro de quatro titulos consecutivos que acabaria por fazer dela a mais celebre da história blaugrana. Chegavam a Roterdão com sede de vencer na Europa. Mas a ousadia de Cruyff pagou-se bem caro. O técnico holandes, fiel ao seu esquema de 3-4-3 nunca controlou o encontro, dominado pelos britânicos do principio ao fim. Com os velozes Lee Sharp e Mark Hughes no ataque, a defesa comandada por Koeman não teve mãos a medir. O meio campo dos Red Devils onde pontificavam Bryan Robson e Paul Ince, controlou o encontro, buscando lançamentos rápidos para os extremos servirem o ponta de lança Brian McClair. O encontro perdeu o equilibrio logo no primeiro quarto de hora e os espanhois nunca incomodaram verdeiramente o veterano Les Sealey, que no ano seguinte daria lugar ao dinamarques Schmeichel. Á sua frente uma defesa de sonho com Irwin, Phelan, Bruce e Pallister que controlou Salinas e Laudrup com a presição de um relógio suiço. Ferguson, irrequieto no banco, desesperava com a ineficácia ofensiva dos seus face a um trapalhão e suplente Busquets - o mesmo pai do jovem Sergio que o técnico catalão convocou hoje para o encontro - e uma defesa pouco sólida.
O homem do jogo acabou por se revelar apenas no segundo tempo. Mark Hughes, que tinha vivido uma aventura europeia precisamente na Cidade Condal, rasgou a defesa catalã e após um livre cobrado por Robson o central Bruce cabeceou sem piedade para as redes e o galês desviou para golo. Festa total na bancada, onde nem um hooligan se avistava. A licção estava bem aprendida. Quatro minutos depois o mesmo Robson voltou a combinar com Sharpe e Ince até lançar o número 10 que se antecipou a Busquets e sobre o olhar desesperado do veterano Alexanko meteu a bola dentro da baliza. O jogo estava decidido e nem o golo de livre de Koeman, a pressagiar o sucesso futuro, serviu para atemorizar os britânicos, apesar do pressing final intenso e desesperado dos catalães. A justissima vitória do Man Utd significou o primeiro trofeu europeu em vinte e três anos de história, o primeiro da era de Sir Alex Ferguson, o único treinador com titulos europeus em três décadas distintas (1983 Abardeen, 1991/1999 Man Utd, 2008 Man Utd). Para o Barcelona era um parentesis numa era dourada. Para os ingleses o principio de um dominio absoluto no futebol britanico e a primeira ameaça real na Europa.
Hoje, 18 anos depois, tudo mudou. E tudo está na mesma. Diabos vermelhos e blaugranas vão voltar a subir ao relvado de uma final europeia olhando-se nos olhos. A história está do lado dos ingleses o apoio popular prefere a linha ofensiva dos catalães. Koeman, Laudrup, Salinas ou Begiristain encarnam em Xavi, Iniesta, Messi e Etoo. Os veteranissimos Ince, Robson, Hughes e Pallister sorrirão em suas casas ao olhar para Rooney, Ronaldo, Carrick ou Ferdinand. A história volta a repetir-se uma vez mais no tapete verde do coliseu romano. Os gladiadores estão preparados e neste combate não há misericordia. É o preço a pagar para entrar para história!
Gola alta, olhar penetrante, rosto sério.
O homem que não entende de rivalidades baixou uns quilómetros e trocou a velha capital do norte da Britania pela industrial Manchester. Um tal escocês, que levava já 10 anos por lá sem ganhar uma liga, viu nele o general perfeito para o seu exército em renovação. Os veteranos Robson, Ince, Hughes, Irwin estavam à beira da reforma e Ferguson sabia que fornada vinha a caminho. Mas precisava de um líder. E Cantona liderou como nunca outro jogador na história do Manchester. Sem o génio de Charlton ou Best, mas com a garra de um herói mitológico, Cantona montou os Red Devils à sua medida. E começaram a chegar as ligas, uma após a outra. E os braços no ar e as golas levantadas. E depois veio o pontapé de kung fu a um adepto que lhe chamou “french bastard”. Cantona, igual a si próprio. Em Inglaterra estava suspenso mas França a suspensão tinha terminado. Irrelevante. Este Eric não esquece e declarou abandonar a Marselhesa definitivamente. Dois anos depois do anúncio, o homem que ia liderar a França do futuro viu desde a sua villa em Marselha a vitória no Mundial, finalmente, do exército gaulês. Liderado pelo filho de argelinos de quem Eric muito tinha elogiado anos antes, quando ainda andava pelo Cannes. Ironias do destino. Eric certamente sorriu.
O meu pai sempre me disse que uma pessoa sabe que está a envelhecer quando descobre que os jogadores que imitava quando era pequeno se transformam em treinadores de semblantes sérios. E como sempre, tinha toda a razão. Ao olhar para as imagens mais marcantes deste fim de semana é inevitável que essa ideia me venha à cabeça. Depois de passar a infância e adolescência com uma bola no pé ou a trocar cromos com os meus irmãos e amigos, ver hoje esses mesmos rostos no banco de suplentes a dar indicações para o mesmo terreno de jogo onde estava habituados a vê-los, é um choque. E como em tudo na vida, deixa que pensar. Especialmente se a sorte que os une também os separa. E lembro-me de três casos paradigmáticos, três idolos de infância, por motivos diametralmente opostos, que agora vivem situações bem diferentes. Mas como o tempo passa agora já não estou na rua, com a bola nos pés e a camisola de cada um deles sob o corpo. Estou a olhar para os seus rostos sérios, a contemplarem o seu futuro, um futuro de que há anos nem suspeitava que viesse a existir.
Depois de uma experiência frustada na cidade dos arcebispos é delicioso olhar para o banco de suplentes do Olhanense e ver o rosto triunfante de Jorge Costa.
O antigo capitão do FC Porto sempre foi uma instituição nas Antas e ficou para a história como o capitão - ao lado do seu amigo de sempre, Vitor Baía, que preferiu uma função bem mais recatada - das grandes conquistas europeias dos portistas. Depois de quase quinze anos a arrancar aplausos dos sócios azuis e brancos - que até lhe perdoaram a braçadeira atirada ao chão num jogo com o Setúbal que ficaria para sempre marcado na sua memória - o popular "Bicho" deixou os relvados para logo se sentar no banco de suplentes. Capitão e lider em campo, passou a sê-lo também fora dele. E depois de ter sofrido em Braga essa pressão de um clube que continua sem encontrar o seu lugar mais adequado, mergulhou na misteriosa II Liga para lançar as bases de um projecto fascinante. Os mais velhinhos lembrar-se-ão da última vez que o Olhanense andou pela I Divisão, mas a verdade é que se o futebol anda longe do Algarve há muitos anos, de Olhão melhor nem falar. Com uma equipa repleta de jovens promessas e jogadores emprestadas pelos grandes, o Olhanense surpreende com o seu bom futebol e sentido competitivo, marca pessoal do seu treinador. Tropeça aqui e ali mas, neste momento, é lider na Liga Vitalis e se vencer no próximo fim de semana um dos seus rivais directos - a União de Leiria, em terceiro - carimba praticamente a subida de divisão. Tudo resultado de uma politica coerente e de uma liderança única. Jorge Costa poderá subir de divisão com o seu Olhanense, mas está claro que o futuro é risonho, e tarde ou cedo o veremos por outras paragens...muito provavelmente com destino final: estação estádio do Dragão.
No lado oposto deste espectro está Alan Shearer.
Foi provavelmente o melhor ponta de lança da história do futebol britânico, capaz de ombrear com nomes únicos do passado, mas onde sempre destacou sobre os demais foi na sua imensa humildade e espirito de sacrificio. Filho de Newcastle, foi forçado a viajar pelo país quando os treinadores das camadas jovens do seu clube do coração o rejeitaram. Este filho de mineiros, que de pequeno também baixava debaixo da terra para ajudar a familia, acabou na outra ponta do país, em Southampton, onde se fez estrela. O Blackburn Rovers perdeu a cabeça e fez dele a sua estrela, suficiente para conseguir o seu único titulo de campeão. De aí ao regresso a casa passou pouco, pouco tempo, mas essa fidelidade aos "geordies" custou-lhe muito dinheiro e a fama de arrecadar titulos. No Newcastle nunca mais venceu nada. Rejeitou ofertas milionárias para emigrar ou para assinar por um grande britânico. Na selecção alcançou números históricos e quase esteve a ponto de matar Portugal nesse mitico 3-2 no jogo de abertura da prestação portuguesa no Euro 2000. Cabeceou vitoriosamente diante de...Jorge Costa. Mas também pela selecção da rosa falhou os titulos mais importantes e nunca esteve na lista dos "melhores" por ter sido sempre um jogador com pouco marketing. Mas a marca que deixou em St. James Park é única. E por isso mesmo, no momento de aflição em que se encontra, a direcção do clube suplicou a Shearer aceitar treinar a sua equipa do coração nas últimas jornadas da Premier League, e assim evitar uma mais que provável descida de divisão. Ontem o Newcastle voltou a não ganhar (empatou a 0 com o Portsmouth) e nem com Owen, Viduka e Martins conseguiu marcar. A descida é quase inevitável e apesar da fama do clube, a verdade é que históricos como o Nottingham, Southampton, Norwich ou Sheffield Wednesday começaram como os "magpies" e agora apodrecem nas divisões inferiores. Resta saber se Shearer terá forças para impedir a queda ou se tem talento para repetir o feito de Jorge Costa e para o ano devolver o Newcastle aos palcos onde merece estar.
Por fim temos Pep. Assim, apenas e só, Pep.
Quem viu jogar o Dream Team sabia que o génio de Romário, Stoickhov ou Laudrup assentavam numa premissa: estava Pep em campo para controlar o jogo...milimetro por milimetro. Provavelmente um dos médios centro mais completos da história, Guardiola foi o fiel da balança de Cruyff, o lider da equipa de Robson e a ponte para a geração de van Gaal. Passou por Itália, viu o seu nome associado a um escandalo de doping - nome que insistiu em limpar até ao fim - e voltou, tranquilamente, a casa. Sob a montanha do Tibidabo olhou para o Camp Nou e pediu para regressar ao lar. Deram-lhe a equipa B do Barcelona para começar a sua formação. Não era preciso. Em campo Pep já treinava, já era a voz de comando e o cerebro de Cruyff no relvado. Depois de um ano de preparação, o presidente Joan Laporta viu nele o sucessor ideal de Rijkaard, com fama de brando para uma equipa repleta de prima-donas. Chegou Pep. E com ele voltou a alegria de jogo, a disciplina, dentro e fora do campo, e o futebol espectáculo, sinónimo de Can Barça. Se o Real Madrid tem fama de ganhar titulos, o Barça tem fama de jogar bem. Este ano pode aliar os dois e conquistar os três trofeus mais importantes. E tudo graças a Pep, que vestido impecavelmente, sorri quando a equipa joga bem, comemora efusivamente quando empatam em campos perigosos e aplaude com sofrem golos. Um mestre dentro e fora de campo.
E ainda me lembro quando por um cromo de Guardiola tinha de dar os cromos de Nedved, Zola ou Henrik Larson. Outros tempos!
Vinte anos depois da queda do muro de Berlim, a nostalgia torna-se irresistível. O Bloco de Leste, liderado a telecomando por Moscovo, marcou a politica do século XX mas também deixou bem vincada a sua presença no universo desportivo. E o futebol não foi excepção. A obsessão pelo colectivo, o trabalho minucioso e científico criaram autenticas máquinas, capazes de fazer a diferença a qualquer instante, mas sempre preferiram valorizar o poderio do grupo. E talvez por isso, ainda hoje, resulta complicado a muitos descubrir dentro dessas equipas históricas algum que outro nome próprio.
O destino é a fatalidade da condição humana e persegue-nos a todos, qual sombra pegajosa. O de Virgilio Mendes encontrou-o ontem. Não sabemos se estava preparado ou se o apanhou de surpresa, como esses desarmes fora de horas que nos deixam estonteados com tamanha rapidez. Virgilio era um desses mitos que sabia o que encontrava, quando se encontrava no vestuário, antes de um grande desafio. Nessa altura chamavam-lhe desafios a esses encontros repletos de emoção e incerteza que faziam parte desse nosso futebol dos anos 40 e 50.
Durante toda a vida Virgilio foi dragão. Na época, ainda se vivia o fantasma dos andrades, mas o poderoso jogador do FC Porto não temia a vivos e mortos e em campo impunha a ordem numa equipa que teimava em encontrar-se. Fez parte dessa equipa que viveu o primeiro grande oásis e lançou as bases do único team campeão azul em muitos, muitos anos. Mas ficaria para a história como leão. Não de verde ao peito, mas de raça. Essa raça que marcaram a vida dos grandes defesas azuis e brancos. Foi em Génova, frente á toda poderosa Itália com as quinas ao peito. O resultado final aqui conta pouco (4-1 para os mais curiosos...a favor dos italianos, claro). Foi a exibição de Virgilio que enlouqueceu os italianos, mais predispostos que quaisquer outros a elogiar defesas talentosos. A imprensa portuguesa aproveitou a fama e catalogou-o como "Leão de Génova" para apagar a má imagem colectiva da derrota, mas a verdade é que de Itália e Espanha começaram a soar os temidos cantos da sereia. Mas Virgilio ficou. Tinha inaugurado o novo Estádio das Antas e estaria presente na celebre dobradinha de Yustrich e mais tarde nas vitórias com Guttman.
Mais do que o seu papel chave no FC Porto e na selecção nacional desses turbulentos anos 50, Virgilio foi sempre o espelho do jogador gentlemann que começava a desaparecer. Para muitos o melhor lateral direito de sempre a actuar em relvados nacionais, Virgilio tinha ao clube que o acolheu em 1947 essa devoção de outros tempos.Tornou-se na prata da casa e ganhou um lugar na história de um desporto que sempre viveu mais de mercenários do que de abnegados. Aqueles 8 contos ao mes que ganhava contra as 15 mil pesetas que lhe ofereceu o Celta de Vigo são, ainda hoje, uma lição de devoção num mundo cada vez mais pobre de valores.
Se houvesse verdades universais no mundo da bola, uma deles seria a de que a equipa mais perfeita que alguma vez pisou um relvado de futebol foi sem dúvida o “escrete canarinho” de 1970. No entanto, até mesmo este colectivo mágico, viu a história cair na constante tentação de sobrevalorizar o indivíduo, empolgando as corridas de Jairzinho, os poderosos remates de Rivelino, os mergulhos de Tostão ou os movimentos (com ou sem bola) de Pelé. Já acontecera antes, aconteceria depois…acontecerá sempre. O futebol é um meio de massas e o colectivo tem sempre tendência em procurar o herói individual…este Brasil tinha vários, mas só a um chamavam de “Rei”. No entanto esse homem sabia bem que todo o sucesso que lhe caía sobre os ombros era resultado de um minucioso trabalho de dois homens: dois amigos invisíveis.
Quarenta anos depois dessa equipa de sonho, o “mundo da bola” vive uma nova era. A Premier League afirma-se como o “farol” do melhor futebol mundial, tanto em jogadores como em colectivos – sem falar nos meios financeiros e nas instalações de primeira. Mas os mais puristas preferem o jogo de uma equipa com esse perfume latino do Mediterrâneo, a única capaz de poder desafiar o poder da Old Albion. Em Barcelona joga-se Futebol. Mais do que ganhar o importante parece ser deslumbrar. Resultado da mente privilegiada de um jogador de excepção e de uma mentalidade forjada no saber de um velho sábio holandês que abriu as portas a que o “beautiful game” chegasse à Catalunha. Depois de ter arrasado, uma vez mais, o Sevilla (terceiro classificado), a imprensa voltou a elogiar os suspeitos do costume. O olfacto goleador de Etoo, o renascimento de Henry…e que no meio de tudo faltou o pequeno grande Messi, poupado para confrontos futuros. Tal como passava com esse Brasil de sonho, no entanto, também este Barcelona deve muito do seu génio a dois pequenos trabalhadores que vendem poucas capas de jornais, mas que alimentam muitos sonhos.