A última década tem sido marcada pela chegada de milionários com desejo de grandeza ao mundo do futebol. Não é uma novidade, varia apenas a procedência. Dos industriais nacionais o fenómeno passou para homens de negócios americanos, do golfo Pérsico e da Rússia. Muitos compraram clubes na Europa Ocidental, outros preferiram apostar em casa. O destino inevitavelmente será o mesmo para todos. O Anzhi aponta o caminho.
Um aviso a todos os adeptos de clubes com um milionário como presidente: estejam atentos às noticias.
O que está a suceder ao Anzhi nas últimas semanas não é fruto da casualidade. Um azar do destino. Nada disso. O clube do Daguestão, essa região remota da Rússia (quantas regiões se podem chamar "remotas" na Rússia?), forçado a treinar e jogar muitas vezes em Moscovo por protocolos de segurança, está a desfazer-se como um castelo de cartas. Mesmo antes de ter arrancado.
Em causa está o fim do imenso investimento realizado pelo milionário Suleiman Kerimov. Um final esperado.
Kerimov, filho da terra, enriqueceu como tantos outros oligarcas russos de formas pouco legitimas. Instigado por Putin, esse "pai da pátria" que persuade os homens mais ricos do país a devolver à "Mãe Rússia" parte do que "levaram", Kerimov aceitou comprar o clube da sua terra, até então insignificante no panorama desportivo do país. Para acelerar o processo de concretização do sonho de emular o Zenit, o Rubin Kazan ou o Shaktar ucraniano, investiu milhões e milhões em melhorar infra-estruturas e contratar jogadores. Gastou quase 200 milhões de euros.
Á inóspita Makhachakalha chegaram estrelas decadentes do futebol europeu como Lassana Diarra e Samuel Etoo, futebolistas promissores do nível de Lassina Traoré e russos como Yuri Zhirkov e Denisov. Tudo sobre a liderança inicial de Roberto Carlos, um reclame para o mundo saber que o projecto era sério. Claro que o génio brasileiro durou pouco nos relvados e menos nas oficinas do clube. Nem a chegada do brilhante Willian - que abdicou da possibilidade de ajudar o Shaktar Donetsk a ser campeão europeu...e que falta fez contra o Dortmund - mudou um cenário devastado por um balneário ingovernável, jogadores que faziam centenas de kms para treinar e uma massa adepta pouco, digamos, entusiasta. O projecto, fictício como pode ser a transformação do AS Monaco numa super-potência (com os seus temíveis 14 mil adeptos), estava destinado a derrumbar-se.
O fim anunciado do Anzhi surgiu quando um dos negócios mais importantes de Kerimov derrubou-se em negociações frustradas com o governo da Bielorrúsia. Foram 200 milhões de euros perdidos de um momento para o outro que obrigaram o oligarca a repensar as suas prioridades. A ausência de resultados - qualificação europeia, boa performance na Liga Europa na época prévia, falhanço no assalto ao título - colocou o Anzhi como prioridade. Para uns farto do comportamento das estrelas, para outros com problemas de saúde, o facto é que foi o dinheiro, a sua escassez, que despoletou a reacção.
O mesmo que passou com o sheik Al-Thani do Málaga, que pode passar com Rybolev se o AS Mónaco não resolve os seus problemas financeiros - correm já os rumores que Falcao pode ser vendido até dia 1 de Setembro - e que pode suceder com Abramovich, a família real do Qatar ou os investidores que rodeiam muitos dos clubes ingleses, onde a falência de clubes é um fenómeno cada vez mais habitual, venham de donde venham. Sem dinheiro para manter o negócio a funcionar a solução é vender. O Dinamo de Moscovo já se aproveitou para levar os únicos internacionais russos da equipa. Willian - contratado em Janeiro por 35 milhões de euros - tem Inglaterra como destino. O camaronês Etoo e o marfilenho Traoré devem seguir o mesmo caminho, com Itália como paragem alternativa e Jucilei e Medhi-Carcela não devem ficar muito mais tempo. Da noite para o dia o Anzhi está condenado a voltar a ser uma equipa anónima no panorama futebolístico russo. Um aviso para navegantes. Um sério aviso para os próprios oligarcas que vão pensar duas vezes antes de tentar activar falsos potentados onde não há uma base sólida de crescimento real.
O fim anunciado do Anzhi, a venda a preço de saldo de jogadores que custaram (e ganhavam) milhões, é em tudo semelhante ao que sucedeu com o Málaga, forçado a desprender-se de Isco, Toulalan, Joaquin e Monreal para manter-se viável financeiramente. Um clube que aspirou à glória da exigente liga espanhola, que brilhou na sua primeira campanha na Champions League antes de levar com o inevitável banho de realidade. Ao Anzhi nem deu tempo de chegar tão longe. O projecto morreu antes de nascer. Nessa remota Rússia onde às vezes nem o dinheiro chega para manter os sonhos vivos.
A sair do mais frio Inverno das últimas décadas, a Rússia prepara-se para assistir ao arranque da nova época futebolistica. Mas ao contrário dos últimos quatro anos, o ambiente não está envolvido no optimismo que transformou a liga russa numa das potências do futebol europeu. A crise económica deixou a liga dos rublos com graves problemas que nem os milionários conseguem tapar. Será que a corrida da Liga Russa tem estofo de maratona ou acabará por se tornar num curto sprint?
Há cinco anos atrás a Rússia começava a erguer-se de novo como uma potência mundial. Os milionários do gás e do petróleo espantavam o mundo com as suas extravagâncias, particularmente tendo em conta que a maioria da popualção ainda vivia em condições bastante precárias. A "Nova Rússia" de Vladimir Putin dava provas de vitalidade económica e politica. Não faltou muito para que o clima de optimismo chegasse também ao mundo do desporto. Por essa altura já Roman Abramovich era uma celebridade em Londres e Putin, hábil como sempre nas manobras de bastidores, sabia que havia várias personalidades, como o patrão do Chelsea, com vontade de investir no mundo do futebol. O truque era evitar que fossem gastar as suas fortunas além-fronteiras. Nos dois anos seguintes o governo russo concedeu apoios e benesses aos senhores do petróleo para que gastassem as suas fortunas em remodelar um campeonato decrépito e caído em desgraça. A Federação Russa de Futebol pagou milhões a Guus Hiddink para pegar na equipa que tinha sido vergonhosamente afastada da corrida ao Mundial da Alemanha. Convenceu a UEFA que estava na hora de Moscovo receber uma final europeia. E deixou que as grandes empresas, estatais e privadas, fossem tomando conta dos maiores clubes russos. Em pouco tempo CSKA Moscow, Zenith St Petersburg, Spartak Moscow, Torpedo Moscow, Alania Vladikvaz ou Dinamo Moscow passaram para as mãos de ilustres desconhecidos, protegidos atrás da capa dos seus milhões.
A politica funcionou. Nos últimos três anos o futebol russo tornou-se numa referência fora do quinteto habitual, referenciado pela UEFA como a linha da frente do futebol europeu. A queda desportiva do Calcio, o renascimento da Bundesliga e Ligue 1 e o progressivo endividamente da Premier League e da Liga BBVA eram deixados para segundo plano. O triunfo do Zenith na final da Taça UEFA, a ascensão da liga ucraniana (uma cópia em miniatura do modelo aplicado na Rússia) e a chegada aos Urais de vários craques a peso de ouro, desequilibrou a balança. O trabalho de formação - há anos paralisado - começou a dar os seus frutos e surgiram os Arshavin, Pavluychenko, Prognebyak, Akinfeev, Zhirkov e companhia. Hoje já uma nova geração preparada para tomar o seu lugar. Mas o cenário mudou radicalmente. Não só a especificidade de calendário - o campeonato arranca em Março e extende-se até Novembro - tem provocado vários problemas de gestão aos principais clubes, como tem prejudicado as suas aspirações europeias. O sucesso espantoso do Zenith de Dick Advocaat não teve seguimento porque, pura e simplesmente, os clubes russso têm de disputar a Champions no final da época, quando os seus rivais estão ainda frescos. A campanha vitoriosa do CSKA, este ano, foi portanto ainda mais significativa. Mas não deixa de ser pontual. De igual modo, muitos dos jogadores são tentandos a sair da Rússia durante o mercado de Inverno, o que levou alguns clubes a optar pelo modelo de empréstimo de três meses para minorar a perda de algumas das suas pérolas. Até agora, sem efeitos concretos. Mas é o aspecto financeiro, o mesmo que serviu de empurrão para a liga russa assaltar o sexto lugar das mais importantes da Europa, aquele que está a colocar tudo em cheque.
A crise financeira atacou a Rússia da mesma forma que o resto do Mundo.
E começou a fazer as suas vitimas. Vários clubes russos falseiam as contas para esconder o seu imenso buraco de dividias. Muitos foram usados pelos seus donos como cabeças de turcos para outros negócios que agora começam a vir à tona. E o Estado já não parece tão interessado em tapar buracos. Durante este defeso duas equipas estiveram perto de fechar as portas. E há mais, diz-se, que estão perto da falência. A queda da GDP arrastou o FK Moskva para o fim. Tal como havia sucedido com o histórico Torpedo meses antes. E empresas chave como a Gazprom (dona do Zenit), Lukoil (patrona do Spartak) ou Bashneft (ligada ao CSKA) começam a calcular o risco que significa injectar dinheiro numa liga de onde sacam muito pouco rendimento. Porque se as ligas inglesa e espanhola vivem entre dividias, também é verdade que geram muito dinheiro com os direitos televisivos e o naming dos seus principais emblemas. Na Rússia isso não sucede. O mercado televisivo é baixo para a posição hierárquica do campeonato e os seus clubes têm apenas expressão doméstica. E precisam dos seus patronos como de pão para a boca para sobreviver. Sem eles, é o colapso. Como sucedeu o ano passado com o Tom Tomsk, não fosse a rápida acção de Putin. Que se diz que este ano já teve de voltar a fazer o mesmo, off the record, com o modesto Krylya Sovetov. E até o campeão Rubin Kazan, que vendeu a sua grande estrela no defeso, parece viver um futuro bastante incerto.
No meio disto tudo a bola começa este fim-de-semana a rolar. O Kazan venceu a Supertaça e confirmou o seu favoritismo, enquanto o CSKA estará mais atento ao duelo com o Sevilla do que às primeiras jornadas da liga. Zenith e Spartak sabem que têm de arrancar determinados para não perder depressa o comboio. Todos os quatro candidatos juntaram um sólido onze repleto de estrelas. Dzagoev, Krasic, Honda, Akinfeev, Kerzakhov, Ansaldi, Natcho, Bukharov, Alex, Drincic e Lazovic serão os nomes próprios da prova. Mas é o medo a que nem todos cheguem à meta final que paira sobre um espectáculo com uma luz muito própria que se prepara para desafiar o último sopro do Inverno.