Quarta-feira, 15.08.12

Na retina dos adeptos está ainda o espantoso volley que destroçou Zubizarreta e o Dream Team na elétrica final da Champions League de 1994. Atrás ficaram anos de conflitos constantes com os técnicos que o orientaram e a sensação de que Dejan Savicevic tinha passado ao lado de uma grande carreira. Naquele mágico momento "Savi" ajustou as suas contas com o passado e imortalizou-se definitivamente como o "Principe dos Balcâs".

 

Hoje é presidente da Federação de Futebol do Montenegro e continua tão polémico como há vinte anos atrás. Está no seu carácter ser conflituoso e procurar sempre o caminho mais difícil para resolver qualquer problema. Um carácter que também transparecia no seu estilo de jogo. Ao contrário do milimétrico Prosinecki ou do cerebral Boban, a Dejan o mais espantoso era complicar para depois resolver. Provocar o rival para ultrapassá-lo. Superar as expectativas e encarar cada novo jogo como uma batalha a ser ganha, de vida ou de morte.

Uma realidade que já se evidenciava quando surgiu, franzino mas com vontade de engolir o Mundo, no FK Buduconst Podgorica, equipa da sua cidade natal em Montenegro, então mais uma província da Jugoslávia. Com 16 anos arrancou a sua carreira profissional. Começou como ponta-de-lança e rapidamente foi ganhando mobilidade até se tornar um autêntico todo o terreno. Tornou-se na grande estrela do futebol de leste durante os anos 80, rivalizando já com nomes como Hagi e Lacatus, Prosinecki e Boban, Kostanidov e Stoichkov, então todos as dar os primeiros passos desportivos. Em 1988 o Estrela Vermelha de Belgrado não hesitou e juntou-o à já significativa constelação de promessas que tinha no plantel. Começava a sua idade dourada. Mas que não chegaria antes de muitos conflitos.

Em Belgrado Savicevic sofreu os primeiros revezes. Forçado a cumprir o serviço militar obrigatório, foi afastado dos trabalhos da equipa durante toda a época 1988-89 e perdeu o seu posto no onze. Entre os jogos que lhe foi permitido disputar esteve a mítica eliminatória com o AC Milan de Gullit, Rijkaard e van Basten. Fora de forma e já com problemas visíveis com a equipa técnica, Savicevic conseguiu mesmo assim surpreender Baresi e apontar o golo que parecia dar o apuramento aos jugoslavos. Só que um nevoeiro cerrado obrigou o árbitro a parar o jogo e recomeçar o encontro no dia seguinte. Os italianos lograram empatar e nos penaltys apuraram-se para conquistar o primeiro titulo da geração holandesa do Piemonte. No inicio da época seguinte Savicevic incorporou-se definitivamente e o técnico Branko Stankovic, com quem o jogador já nem trocava palavra, foi substituído por Dragoslav Sekularac. A partir daí o dianteiro arrancou para o seu melhor ano, ajudando a vencer três ligas consecutivas e ainda duas taças. O muro tinha caído e a Jugoslávia estava prestes a desmoronar-se. O avançado falhava a presença nos jogos chave da selecção devido à sua relação de amor-ódio com Ivica Osim, o seleccionador nacional. Falhou o apuramento para o Euro 88 e no Mundial de Itália foi deixado sucessivamente no banco. 

Mas se a carreira internacional corria mal, a nível interno o sucesso era absoluto. O momento alto chegou em 1991, em Bari. Numa final histórica contra o Olympique Marseille, o Estrela Vermelha contrariou todos os prognósticos e conquistou o seu único titulo de campeão europeu. A vitória permitiu a Savicevic ser coroado o melhor jovem jogador europeu e ser segundo na disputa pelo Ballon D´Or, atrás de Jean-Pierre Papin.

 

O sucesso desportivo levou rapidamente o AC Milan a apostar no sérvio como o substituto ideal para Marco van Basten, já a conta com várias lesões consecutivas. Com ele chegaram ainda Boban, Eranio, Lentini e Pappin. Uma equipa que Fabio Capello teria dificuldade em contentar com tantas estrelas a treinar diariamente em Millanello. E quando van Basten recuperou do seu primeiro grave problema, Savicevic passou imediatamente para o banco. Fez apenas 10 jogos e apontou 4 golos em 1992/1993 e a sua relação com Cappello (tal como passou com Gullit) começou a deteriorar-se. Além do mais a proibição de apresentar mais de 3 estrangeiros fazia com que uma equipa onde havia 7, o número de insatisfeitos fosse sempre elevado. O grande choque deu-se aquando da convocatória para a final da Champions de Munique, diante do Marseille. Savicevic ficou de fora e nem viajou com os companheiros. A estadia em Milão tornava-se um barril de pólvora mas subitamente Capello mudou. Passou a confiar mais no avançado e deu-lhe a titularidade do ataque na época seguinte. O jugoslavo respondeu com belas exibições e muitos golos. Il Genio, foi assim que o descreveu Berlusconi, satisfeito pela equipa não notar a ausência (definitiva) de van Basten. A noite de luxo chegou a 18 de Maio. Diante do mitico Dream Team de Johan Cruyff, o AC Milan de Berlusconi deu uma lição de futebol.

O avançado montenegrino foi o interprete perfeito e apontou um histórico hat-trick a Zubizarreta, dando ao AC Milan a sua terceira Champions em oito anos.

O ano seguinte foi negro para o Milan. Mau desempenho doméstico e derrota na final da Champions com o Ajax. Savicevic não jogou por estar lesionado, apesar do jogador ter insistido até ao último minuto que podia actuar. A equipa italiana começava a perder protagonismo para a Juventus e a veterania do plantel começava a fazer-se notar. O dianteiro voltou ao banco e deixou de ter as mesmas oportunidades. Era visto como um elemento a substituir e a chegada de George Weah apressou a sua saída. Voltou a casa, ao Estrela Vermelha, mas apenas ficou um ano na equipa que o lançou ao estrelato. Depois de dois anos no Rapid Wien decidiu parar, definitivamente. Mas continuou ligado ao futebol e dois anos depois de retirar-se foi nomeado seleccionador da Sérvia-Montenegro. Falhou a qualificação para o Mundial de 2002 e para o Euro 2004 e acabou por ser substituído. Mas não antes de se envolver em várias disputas politicas, tornando-se num dos rostos da independência montenegrina. Quando o país finalmente conseguiu separar-se da Sérvia, rapidamente Savicevic ocupou o posto de presidente da Federação de futebol, entrando em confronto directo com os dirigentes sérvios. Em Podgorica, continua a ser o filho predilecto de maior renome. Um ídolo.

 

Enquanto Prosinecki preferiu brilhar em Espanha, Savicevic seguiu o rumo da maioria dos jogadores jugoslavos mostrando o perfume do seu futebol na vizinha Itália. No entanto a história do futebol lembrar-se-á sempre primeiro da notável formação do Estrela Vermelha e daquele rebelde irrequieto que durante dez anos foi um dos mais letais executantes da história do beautiful game.



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Sábado, 12.05.12

Se perguntarem a um argentino de 40 anos este dirá que o melhor jogador de sempre é Diego Maradona. Se encontrar-mos um veterano de mais de 60 anos este orgulhosamente preferirá Alfredo di Stefano. Agora, se tivermos a sorte de falar com alguém ainda mais velho ele não terá a minima dúvida. O homem a quem o mitico "don Alfredo" tratava de maestro foi talvez o argentino mais inimitável da história das magnificas gerações de potreros que nasceramno país das pampas. O impacto que criou na sua época de glória, antes da chegada da televisão, das cores e dos media foi único. Adolfo Pedernera foi inimitável.

 

Há jogadores que marcaram equipas que fizeram história. Mas só um fez parte, com o mesmo destaque, de duas igualmente épicas e históricas. Durante 20 anos Adolfo Pedernera foi a grande estrela do futebol sul-americano e para muitos um dos melhores jogadores de todos os tempos. Numa era onde ainda não havia praticamente imagens televisivas temos de nos contentar com os relatos entusiastas e as reportagens das suas inúmeras conquistas. Mas o seu curriculum e as palavras pausadas de quem o viu e sobreviveu ao tempo para contar falam por si. Com uma finta e técnica fora do vulgar, Pedernera assumiu-se como o primeiro protótipo do futebolista moderno, actuando em vários sectores do terreno com a mesma eficácia. Desde 1935, onde começou a actuar profissionalmente, até à sua retirada em 1956, Pedernera jogou e fez jogar e liderou as duas melhores equipas da época, o River Plate e o Milionarios de Bogota.

Nascido em Avellaneda, bairro operário de Buenos Aires, de familia de classe média baixa, antes dos 15 anos já era uma estrela no futebol argentino, actuando primeiro pelo Cruceros de la Plata e mais tarde pelo popular Huracan. Com 16 anos transferiu-se para o River Plate e rapidamente criou um entrosamento especial com os seus jovens colegas de equipa. Uma formação absolutamente deliciosa onde pontificavam também Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Felix Loustau e o inimitável Angel Labruna. Juntos formaram La Maquina, o melhor conjunto da história do clube de Buenos Aires que, com esta formação, dominou por completo o futebol argentino vencendo cinco campeonatos em 10 anos (1936, 1937, 1941, 1942 e 1945), permitindo também à Argentina, do qual ele era o lider natural, vencer a Copa America em 1941 e 1945. A máxima de La Maquina era atacar. Percursor do futebol total ofensivo, o técnico da equipa, Carlos Paucelle, dizia que jogava com 1-10 tal era o espirito ofensivo do onze. A equipa vivia num constante toque à procura da baliza porque sabia que perder a bola era letal num onze quase sem elementos defensivos. Ao longo dos anos manteve uma altissima média de golos marcados e pouquissimos tentos sofridos. Pedernera era o simbolo de uma geração mas os problemas financeiros de um clube eternamente mal gerido levaram-no para o México onde jogou a contragosto durante uma época no Atlanta. Depois da viagem ao país azteca, as saudades de casa falaram mais alto e o jogador logrou desvincular-se e voltar ao seu Huracan. Também aqui Pedernera ficou pouco tempo. Em 1949 o futebol colombiano decretou guerra à FIFA e começou a coleccionar os cromos mais valiosos do futebol sul-americano. Pedernera era o ás de espadas. Assimou pelo Milionarios e tornou-se no lider da equipa que juntamente com o River Plate e o Santos melhor marcou a evolução do futebol latino até aos anos 70.

 

Na Colombia juntaram-se-lhe alguns dos mais fascinantes desportistas sul-americanos de então e o clube arrancou para uma época gloriosa com quatro titulos em cinco anos e ainda a primeira experiência de um Mundial de Clube em 1953. Pedernera destroçava pelo lado esquerdo, explodia pela faixa direita e pautava o jogo ao centro. Apontou centenas de golos e foi o patrão deste conjunto que ficaria imortalizado pelo sugestivo nome de Ballet Azul. Com a chegada de um então jovem Alfredo di Stefano, com que se cruzara nos últimos meses no River Plate e que se tinha tornado no seu substituto em Buenos Aires, o craque então de 33 anos encontrou o seu sucessor e tornou-se mentor do futuro avançado do Real Madrid. Mais tarde Di Stefano confessaria que nunca vira ninguém como Pedernera em campo e foi graças ao extremo que o jovem argentino conseguiu brilhar no clube colombiano e chegar ao futebol europeu. Depois de abandonar a Colombia voltou à Argentina onde ainda disputou duas épocas com o Huracan, retirando-se definitivamente com 38 anos.

 

Passou imediatamente aos bancos onde treinou equipas de todo o continente, incluindo a selecção colombiana - a que levou ao seu primeiro Mundial em 1962 - e Argentina, com a qual falhou o apuramento ao Mundial de 1970. Nos anos 70 terminou a sua carreira vivendo em retiro até 1995, onde com 78 anos acabaria por falecer tranquilamente na sua cidade natal. Tinha-se terminado uma era mágica da história, não só do futebol argentino mas do belo jogo de uma era onde os craques tinham auras de semi-deuses inalcançáveis para o mais comum dos mortais.



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Domingo, 08.01.12

O ultimo suspiro real do poder futebolistico regional espanhol viveu-se na dobragem do cabo da década de 90. Antes do apogeu do projecto que Augusto César Lendoiro preparava na Coruña, o último grito de guerra dos pequenos chegou da Mancha mais profunda, com esse cheiro a pasto queimado pelo sol, a terra pisada com amor, a queijo mecanizado pela vontade indómita...

O sonho terminou em 1992. Mas enquanto durou foi verdadeiramente épico.

Andrés Iniesta, o pequeno Andrés Iniesta, cresceu na modesta Fuentealbilla a admirar profundamente aquela equipa de branco e negro de que hoje é dono. As voltas do destino. Um pequeno filho da terra elevou à glória o destino de uma nação que durante alguns anos viveu apaixonada pela qualidade do futebol que fazia do Carlos Belmonte um destino obrigatório para qualquer peregrino à procura da novidade.

Durante três temporadas o "Queso Mecânico", essa alcunha tão manchega como holandesa, foi o projecto de moda do futebol espanhol. Durou até onde podia durar, até à inevitável saida do seu técnico, ao desmembramento de um plantel sem estrelas mas com um elemento de união irrepetível e, sobretudo, até ao fim do apogeu do futebol regional de um país que em poucos anos deixaria de ouvir a bola rolar em Logroño, Burgos, Compostela, Alicante, Extremadura, Soria ou Albacete. O preço do sucesso da Liga de las Estrellas foi o fim do futebol regional. As equipas com dinheiro, as que podiam entrar a jogo, começaram a despontar nos grandes núcleos urbanos e a incapacidade dessas capitais de provincia de atrairem jogadores e patrocinadores pautou o principio do fim. Hoje, vinte anos depois, o Villareal é de certa forma o espelho rebelde desse mundo mas ninguém esquece que metade das equipas da liga espanhola joga à volta do circulo urbano das quatro cidades principais do país (4 em Madrid, 2 em Barcelona, 2 em Valencia e 2 em Sevilla).

 

A épica do Queso Mecânico arrancou nas divisões inferiores com a chegada de Benito Floro.

O jovem técnico (tinha apenas 29 anos quando pegou na equipa) era um verdadeiro estudioso do jogo, especialista em desbloquear jogos desde o banco, perito em armar golos de lances de bola parada e, sobretudo, com uma concepção atractiva do futebol que encantou a modesta afficion do Alba. Depois de subir em 1992 à Primeira Divisão espanhola, o Albacete surpreendeu tudo e todos ao realizar uma primeira época memorável que os deixou a só a um ponto de marcar presença nas provas europeias.

O Carlos Belmonte viveu noites épicas como a goleada histórica frente ao Athletic Bilbao (4-0 com três golos em cinco minutos antes da primeira parte) e o triunfo frente a um Atlético de Madrid de Paulo Futre que ainda ambicionava ainda disputar o titulo a Barcelona. Floro acreditava piamente na importância do trabalho de laboratório e o resultado era evidente. Um terço dos tentos apontados pelo clube durante a temporada resultaram como consequência de lances estudados onde predominava a figura decisiva de Zalazar.

O capitão uruguaio, antiga estrela do Cádiz (outro projecto heróico regional dos anos 80), era a alma, coração e cerebro de uma equipa sem nomes sonantes mas com várias promessas às quais Benito Floro soube sacar o máximo rendimento. O papel de Zalazar como médio mais ofensivo dava um plus de força e dinamismo à movimentação colectiva e permitia um jogo com dois avançados em constante movimentação (António, o Toro Aquino ou a jovem promessa Ismael Urzuaiz) e um posicionamento defensivo impecável do tridente de médios que actuava atrás do capitão, habitualmente composto por Soler, Menendez e Juarez.

O sucesso da campanha inaugural do Albacete na primeira viu-se interrompido pela surpreendente noticia que marcou o Verão de 1993. O Real Madrid, destroçado pelo Barcelona de Johan Cruyff e pelo Atlético de Gil y Gil, procurava alguém capaz de dar a volta a uma situação complexa que implicava uma profunda regeneração do plantel onde ainda predominava essencialmente a velha guarda da Quinta del Buitre. Floro foi o homem escolhido, na ascensão mais meteórica que o futebol espanhol conheceu, e apesar de ter perdido o titulo na última jornada em Tenerife (e por consequência não ter renovado), venceu a última Copa del Rey até à época passada e bateu o pé àquela que então era considerada, de forma unânime, como a melhor equipa do Mundo. Por outro lado o Albacete manteve-se fiel a si mesmo. Sem o seu timoneiro (com Victor Esparrago no seu lugar) o clube manteve-se cinco épocas mais na elite e em 1993/94 logrou mesmo chegar até às meias-finais da Copa del Rey, perdidas contra o Valencia.

 

O ocaso do Queso Mecânico significou uma profunda mutação do jogo no país vizinho. Se é verdade que durante os anos seguintes continuariam a existir equipas modestas capazes de entusiasmar uma afficion neutral (Deportivo, Celta de Vigo, Deportivo Alavés, Villareal, Getafe), nunca produziu o efeito surpresa de um projecto construido com meia dúzia de pesetas e um visionário capaz de ver um oásis onde outros apenas imaginavam um deserto. O regresso do Albacete à ribalta (por culpa da sua presença nos Oitavos da Copa del Rey, pela primeira vez em 18 anos) dificilmente prenuncia um regresso às origens mas serve para relembrar ao futebol espanhol que há vida (ou havia) para lá do habitual e enebriante duopólio Barça-Madrid, hoje mais sentido do que nunca.


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Sexta-feira, 21.10.11

Entre Baggio e Totti pareceu viver sempre. E nunca se mostrou verdadeiramente incomodado por isso. Mais do que uma lenda viva do Calcio quando este ainda era o Calcio, a verdade é que o génio bianconero nunca deixou de ser para o Mundo o pequeno "Pinturrichio" que durante anos embasbacou aos seguidores do futebol italiano. Como na obra de Dumas, vinte anos depois Alessandro Del Piero já não é o mesmo e o seu adeus talvez não doa tanto. Mas no ar ficou a ágria sensação que houve algo que ficou por fazer nessas décadas de magia. E agora já não há tempo...

 

Quando uma geração diz adeus parece fazê-lo quase de forma instantânea.

Del Piero era um resistente, um dos últimos. Deixará de sê-lo no final desta época e junta-se aos Scholes, Vieira, Ronaldo e outros contemporâneos que decidiram que este desporto não é para velhos. Sobram os Giggs, Raúl e Totti, esses que continuam a resistir à gravidade e ao peso do Mundo transformando o seu jogo e desafiando os tempos. O número 10 da Juventus fartou-se dessa luta porque há muito que deixou de sentir o mesmo apelo, a mesma ilusão. Talvez porque, ao contrário dos recém-citados, deixou de ser importante. Deixou de ser Alex Del Piero e passou a ser apenas isso, uma lenda viva em cera, como uma estátua do Madame Toussaud.

Em 2006, quando a Itália quebrou a malapata de outras duas gerações, Del Piero foi determinante. Na meia-final contra a Alemanha de Klinsmann, rejuvenesceu e destroçou os germânicos como não fora nunca capaz de fazer no passado nos poucos minutos que esteve em campo. Foi o seu jogo mais importante com a Azzura. É significativo que tenha sido assim aos 32 anos apenas. Um espelho de uma carreira confusa e profundamente intrigante. No final desse torneio, que nem foi dele nem de Totti, o seu grande rival, mas sim de Pirlo, Buffon e Cannavaro, os problemas da Juventus anunciaram um fim que se prolongou por meia década.

Del Piero acedeu descer com a equipa aos infernos. Como Buffon e Nedved manteve-se fiel à causa. Confirmou o que todos pensavam dele mas talvez o tenha feito porque, aos 32 anos, sabia que seria incapaz de render de acordo com o seu nome em qualquer outro sitio. Ficar em casa era mais popular mas também mais cómodo para um atleta cuja evolução já tinha estagnado um par de anos antes. A estrela que tinha despontado em 1993, ao lado de um imenso, imenso Roberto Baggio, tinha sido um verdadeiro pesadelo para rivais e próprios durante uma década. Mas depois da saída de Lippi, na sua segunda etapa, começou a perder o seu espaço no onze. O homem que sobreviveu a Baggio, Zidane, Nedved e Ibrahimovic foi perdendo contra ele mesmo. As fracas performances com a selecção tinham criado um sentimento de desconfiança nacional que se juntou rapidamente aos adeptos bianconeros quando souberam que alguns dos seus mais emblemáticos jogadores (incluindo o  Pinturrichio) podiam ter sido cobaias de tratamentos médicos ilegais durante o reinado de Lippi. O reinado do número 10.

 

Del Piero nasceu em Conegliano, uma aldeia perto de Turim, onde passou os primeiros anos de vida.

Com 17 anos a Juventus descubriu-o no Pádova e não hesitou a juntá-lo às filas da primeira equipa onde já militavam Baggio, Ravanelli, Vieri, Vialli e Inzaghi. O impacto do trequartista foi imediato. Estreou-se na segunda jornada contra o Foggia como titular e na seguinte já tinha marcado o seu primeiro golo. Quinze anos depois, em 2008, tornou-se no jogador da Juventus com mais golos e jogos disputados da história, superando a Scirea e Boniperti, dois mitos históricos do clube. No final desse ano a equipa venceu o Scudetto pela primeira vez desde os dias de Platini ao mesmo tempo que batia o AS Parma na final a duas mãos da Taça UEFA. O genial Roberto Baggio levou os prémios individuais mas os jornalistas pareciam realmente encandeados com o talento de um miúdo de 19 anos que nunca ninguém tinha visto. Começou a criar-se uma aura e genialidade que o acompanhou durante toda a carreira. E que nunca foi totalmente preenchida.

Fracos desempenhos com a Azzura (45 minutos contra a Rússia em 96, fracos Mundiais em 98 e 02 e muitas oportunidades falhadas nos momentos decisivos do Euro 2000) e a ascensão de Totti na capital começaram a deixar em evidência o jogador em quem todos pensavam depositar o futuro do futebol italiano. Com a Juventus, em contra-partida, Del Piero logrou tudo aquilo que um jogador pode desejar. Uma vitória na Champions League (quando formava o tridente ofensivo com Vialli e Ravanelli) e mais três derrotas, cinco scudettos (e dois retirados à posteriori) e vários prémios pessoais pareciam preencher de números e troféus uma carreira que se ia perdendo. O golo à Del Piero, movimento diagonal interior seguido de um forte remate colocado tornado famoso pela imprensa italiana por representar uma esmagadora percentagem dos seus golos com os bianconeri, espelhava a previsibilidade do seu jogo. Del Piero deixou de lograr surpreender, perdeu a capacidade de controlar as mudanças de velocidade e foi-se, de certa forma, vulgarizando. Ao seu lado passaram Zidane e Nedved, ambos Ballon´s D´Or ao serviço da Vechia Signora, um prémio a que o avançado italiano nunca esteve sequer perto de optar. Ninguém, no futebol europeu, era capaz de dizer mal do jogo de Del Piero. Mas também eram muito poucos os que o consideravam como um génio. Algo similar ao que passou a Raúl, em Espanha e na Europa, foi corroendo a sua carreira. Em 2006, com 33 anos, muitos imaginavam uma retirada imediata. Pouco havia mais por fazer, por ganhar, por surpreender. Capello tinha transformado o ídolo dos adeptos num suplente de luxo e a situação não parecia que se iria alterar. Mas chegou o Calciopolli, a debandada de técnicos e estrelas e a despromoção. Foi uma segunda juventude para o capitão que voltou a transformar-se, de forma insuspeita e inesperada, no líder do projecto da familia Agnelli. Como uma ressurreição, Del Piero voltou às capas de jornais pelo seu jogo mais do que pela falta dele.

 

No entanto o tempo, que em Itália respeita mais os jogadores do que se possa imaginar, passava e o surpreendente (e nefasto) estado físico de Alex continuava a dar azo aos rumores que falavam no seu surpreendentemente rápido desenvolvimento muscular numa era onde a Juve era suspeito de tudo por todos. Incapaz de agradar a Del Neri ou ao seu velho amigo Conte e sabendo-se incapaz de se reinventar no terreno de jogo, Del Piero anunciou o que estava escrito há quase uma década. Espera dizer adeus como disse olá, com um titulo histórico depois de uma longa travessia no deserto. No futuro os seus números continuarão a ser inquestionáveis mas o presente já lhe dictou sentença, uma sentença que será difícil de alterar com o tempo. Aquele que tinha todas as condições para ser o idolo do calcio italiano parece agora, talvez injustamente, como um elo pequeno de ligação entre as genialidades de Baggio e Totti.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:46 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Segunda-feira, 19.09.11

Na época onde brilhavam Pelé, Charlton, Eusébio, Kopa ou Suarez, o mundo de futebol vivia uma das eras mais brilhantes. No entanto o Mundo parecia ter-se esquecido que um dos seus mais finos e exímios executantes passou aqueles anos de espectáculo preso num gulag siberiano. Ainda hoje, meio século depois, o mundo do futebol continua sem querer saber de um génio que revolucionou o futebol russo. Chamava-se Eduard Streltsov.

 

Os seguidores do campeonato russo perguntar-se-ão porque será que o Torpedo de Moscovo - um dos clubes mais humildes da capital hoje nas ligas amadoras - tem às portas do seu estádio uma estatua de um jovem jogadores de nome aparentemente desconhecido. Na mágica selecção de 1960 da URSS que venceu o primeiro Europeu em Paris brilhava Yashin nas redes, mas o grande maestro do futebol soviético estava na realidade bem longe dali. Quem o viu jogar nunca duvidou em catalogá-lo como o mais completo futebolista da história do futebol russo. Chamavam-lhe o "Pelé russo" pela forma como irrompeu e rapidamente se afirmou na URSS de então. Tinha 19 anos quando liderou a magistral selecção soviética que venceu a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Sydney de 1956. O jovem nascido em 1937 nos arredores de Moscovo tinha-se estreado dois anos antes pelo seu clube de sempre, o Torpedo. No seu primeiro ano como profissional logrou chegar ao sétimo posto na votação do Ballon D´Or. O seu drible vistoso e a eficácia goleadora (apontou 100 golos em 200 jogos disputados na liga) deram rapidamente nas vistas e Streltsov tornou-se rapidamente na estrela do bloco de leste. A fama era tal que ainda hoje o passe de calcanhar tem o seu nome no futebol russo. Símbolo de uma geração que procurava desatar-se das amarras sociais, tornou-se num ícone para os adeptos mais jovens e para os descontentes com o regime. O seu sucesso significava a derrota dos clubes apoiados pelos elementos mais destacados do aparelho politico-social da URSS de então.

 

Nas vésperas do Mundial de 1958, onde a equipa soviética era uma das favoritas, o KGB abordou Streltsov e incitou-o a deixar o modesto Torpedo por um dos dois grandes clubes de então, o Dynamo (do próprio KGB) ou o CSKA (do exército). Reforçando a sua dedicação ao clube de sempre o jogador recusou, mesmo depois de o próprio Yashin ter sido enviado pela Federação a sua casa para demovê-lo. O não teve graves consequências. O jogador foi suspenso da selecção indefinidamente e semanas depois um dirigente do Partido Comunista, cuja filha tinha sido rejeitada pelo então sex-symbol do futebol russo, mandou-o prender sob a acusação de violação. Sem provas o caso arrastou-se pelos tribunais até que o KGB surgiu de novo em cena e na prisão convenceu Streltsov a confessar, prometendo que seria absolvido e que poderia incorporar-se aos colegas da selecção que estavam a poucos dias de partir para a Suécia. O jogador aceitou o pacto mas acabou por ser condenado e enviado para um gulag na Sibéria. Aí passou sete longos anos. A URSS decepcionou no Mundial mas venceu o Europeu de 1960 e o mundo do futebol, então rendido aos grandes craques ibéricos e brasileiros, esqueceu-se do mago russo.

 

Em 1965 acabou o período de cativeiro e um debilitado Streltsov foi solto pela policia. O Torpedo reincorporou-o de imediato ás suas fileiras e apesar de ter perdido a velocidade e poder de explosão que tinha aos 21 anos - quando foi encarcerado - ainda tinha talento nos pés. Nos cinco anos seguintes tornou-se de novo no melhor jogador russo tendo mesmo logrado o feito de levar o pequeno Torpedo ao titulo de campeão em 1965. Foi dois anos consecutivos jogador do ano e voltou à selecção se bem que sem o brilho de antes. Nessa segunda etapa tornou-se ainda mais letal na área marcando uma média de 20 golos por ano. Aos 33 anos, por problemas de saúde, deixou definitivamente os relvados afastando-se imediatamente da ribalta. Faleceria em 1990, vitima de cancro, depois de vários anos onde sofreu o resultado dos dias no campo de concentração onde esteve preso. Nunca falou sobre essa etapa e mais tarde soube-se que continuava vigiado e ameaçado pelo KGB para manter-se na sombra. Após a sua morte tornou-se num símbolo da Rússia pós-URSS e hoje em dia é uma figura reabilitada no futebol russo. No entanto a esmagadora maioria do mundo continua a desconhecer o génio irreverente do herói do gulag.



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Segunda-feira, 16.05.11

Faltavam poucos segundos para acabar. Um livre envenenado de Danny Murphy encontrou a cabeça de Geli, perdido no meio de tantos jogadores. Não é assim que costumam acabar os contos de fadas mas foi assim que chegou a fim a final europeia mais empolgado da última década. Dez anos depois o Deportivo de Alavés milita na 2º B espanhola. Não é assim que costumam acabar os contos de fadas. Mas ninguém duvida que a história dos alaveses é digna de uma fábula futebolística.

 

 

A boa noticia para os adeptos do Alavés é que o pior parece ter passado.

A equipa de Vitória, capital do País Vasco, está no pote de clubes que irá lutar pela promoção à Liga Adelante, a segunda divisão do país vizinho. Há muito tempo que os alaveses andam perdidos nessa floresta de equipas caídas em desgraça. O seu caso tem uma explicação muito simples, nefastamente comum. Um pretenso milionário ucraniano, Dimitri Pitterman, comprou o clube e desfez o projecto em fanicos. Ficou apenas a memória do futebol de elite. E daquela noite em Dortmund. A noite de um 16 de Maio. Há dez anos atrás.

Numa equipa sem estrelas, que rapidamente seria desmembrada pelo poder de atracção do dinheiro fácil, ninguém esperava uma noite assim. Os jogadores do Alavés sabiam-se outsiders e apenas queriam dar a cara, responder ao orgulho dos adeptos que os acompanharam na sua caminhada europeia. O grande momento, a grande gesta tinha ficado para trás, numa fria noite de 22 de Fevereiro. O San Siro, cheio, testemunhou como o anónimo Alavés batia por 0-2 o poderoso Internazionale, uma semana depois de aguentar um 3-3 em casa. Jordi Cruyff, ao minuto 78, abriu a contagem que Tomic fechou 10 minutos depois para desespero de Marcello Lippi, Christian Vieri e companhia.

Mané, técnico modesto e com aquele espírito guerreiro de antes quebrar que torcer que moldou a escola vasca, nunca esperou a resposta dos seus jogadores depois do grande jogo do Inter em Vitória. Esta era uma equipa onde a estrela, pelo apelido, era Jordi Cruyff. Muitos jogadores espanhóis com largos anos de futebol secundário nas pernas formavam o esqueleto do conjunto. Num 5-3-2 que apostava profundamente no contragolpe, a segurança defensiva de Karmona e Tellez era fundamental. Os dois centrais, decisivos nos lances de bola parada, formavam o esqueleto. Mas era a velocidade do romeno Contra, a qualidade de passe de Desio e o instinto goleador de Javi Moreno que chamavam à atenção. Antes daquele duelo com o Internazionale a equipa tinha eliminado dois conjuntos noruegueses (Lillestrom e Rosenborg) e nas rondas seguintes bateu o igualmente modesto Rayo Vallecano e o Kaiserlautern alemão. Dois anos depois de ser promovido à Liga espanhola, o Aláves estava numa final europeia.

 

Olhando para trás, é fácil perceber o milagre do conjunto basco.

O espírito de equipa, a natureza dos rivais e a clara aposta do clube na prova da UEFA, o escaparate perfeito para fazer alguns milhões no defeso, funcionou como catalisador. Mané criou um forte sentido colectivo nos jogadores que saiam a jantar juntos com as famílias todas as semanas, comiam “pintxos” tradicionais em pleno balneário e que sentiam que partilhavam tanto as agruras como os elogios. A maioria da equipa tinha subido de divisão dois anos antes, incluindo o técnico. Os poucos que chegavam de forma ao Mendizorrozza integravam-se sem problemas e no final de contas foi esse espírito que permitiu ao clube dar a cara diante do poderoso Liverpool.

A equipa de Gerard Houllier chegava à sua primeira final pós-Heysel com uma das suas mais espantosas gerações. Tinham batido com autoridade o Barcelona, FC Porto e a AS Roma. Contavam com a estrela europeia de moda, Michael Owen, mas também Robbie Fowler, Steven Gerrard, Jamie Carragher, Danny Murphy, Gary MacAllister, Dietmar Hamman e Emile Heskey. Eram favoritos e sabiam-no. Mas não esperavam uma resistência de proporções épicas. Naquela tarde noite no Westfallenstadion a vitória do Liverpool ficou ofuscada pela exibição do modesto Deportivo. Os golos de Babbel, Gerrard, MacAllister, Owen encontravam sempre resposta. Ivan Alonso, Javi Moreno e Jordi Cruyff, no minuto 89, teimavam em amargar a festa dos reds. A tensão começava a tomar conta do banco do Liverpool e os alaveses acreditavam que um milagre, um milagre futebolístico, estava prestes a tornar-se realidade. A três minutos do fim o conto de fadas acabou na cabeça de Geli, nesse desvio para as redes de Herrera e nesse desalento que dura há dez anos. O Alavés esteve perto de fazer história. Sem entender muito bem como, acabou realmente por fazê-la, à sua maneira.

 

 

Depois dessa noite épica o mundo nunca mais se esqueceu dos vitorianos. Mas a sorte abandonou o Deportivo com aquele cabeceamento. Dois anos depois o conjunto foi despromovido à 2º Divisão. Voltaria no ano seguinte mas a gestão criminal do ucraniano Pitterman levou a instituição à falência e ao calabouço da 3º Divisão. A pouco e pouco o modesto clube começa a erguer-se. Mas faça o que fizer, sempre que o nome apareça numa noticia em qualquer recanto do mundo, a única imagem que nos saltará à cabeça é a dessa noite onde o futebol foi mais futebol do que nunca e em que ficou claro que os contos de fadas às vezes não acabam como queremos. Mas nunca deixam de ser mágicos.  



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:31 | link do post | comentar

Terça-feira, 03.05.11

As almas de Carrow Row inspiraram fundo. Olharam para o céu. Olharam para o relógio. Viram como estava o vento desde a portuária e longínqua Portsmouth. E soltaram as asas. Finalmente podiam voar rumo à mítica elite. Em dois anos o milagre devolveu o histórico Norwich City aos grandes do futebol inglês. Uma dupla promoção prodigiosa e que devolve os "Canários" ao confronto directo com a elite britânica. Uma história com um surpreendente mas necessário happy-ending.

 

 

 

 

 

 

Paul Lambert entrou na mitologia "canária". E não é para menos.

Nos inicios de 2010 o Norwich andava pelo meio da tabela da League One, a terceira divisão inglesa. Era muito pouco para um clube com uma história imensa, um clube que fez parte dos fundadores da Premier League. Um clube que representava uma zona geográfica inglesa há muito afastada do resto do país, East Anglia. No meio dos pântanos, do vento e das correntes, os adeptos dos populares "canários", um dos poucos clubes ingleses a equipar de amarelo e verde, pensavam que os dias de glória nunca mais chegariam. E então chegou o escocês Lambert. E com ele um novo espírito. A equipa começou a trepar postos na tabela classificativa e quando a época passada chegou ao fim o Norwich sagrava-se campeão com cinco pontos de avanço. Tinha menos 18 que o líder quando o técnico se apresentou aos adeptos.

Se já essa subida era para recordar, o que se viveria em Carrow Row em 2011 será certamente para entrar nos livros de história. O conjunto chegou ao Championship com objectivos claros de manutenção. Não havia dinheiro nem condições para competir com os despromovidos da Premier League ou os grandes nomes como Leeds, Nottingham e Middlesborough que tinham falhado o assalto final no ano anterior. Talvez por isso o arranque tranquilo, sem demasiados altos e baixos, fosse visto com aprovação. Passo a passo, pensavam, lá chegaremos. Daqui a uns anitos talvez possamos ser nós. Mas Lambert não é homem de conjecturas futuras. E chegado o mês de Dezembro a equipa começou a reagir à pressão psicológica do seu próprio Manager. Os ataques convertiam-se em golos, as defesas multiplicavam-se e os jogos pendiam, cada vez mais, para os amarelo e verdes. O Norwich repetiu a façanha e trepou, trepou e trepou na tabela classificativa. Até que se colou ao líder, o recém-milionário - e igualmente histórico - Queens Park Rangers. E não o largou. Até que a matemática tornou o sonho em realidade.

 

O voo dos canários custou muito a equipas que apostaram forte na subida à Premier League.

Se o QPR - e o dinheiro investido por Ecclestone e Briatore - era um fortissimo candidato desde o principio, as campanhas de Middlesborough, Portsmouth, Nottingham, Cardiff, Burnley, Hull e Reading pareciam condenar qualquer outro conjunto a aspirar a ter, apenas, um ano tranquilo. Mas o Norwich City - e o mítico Leeds United, de certa forma - nunca se resignaram. E à medida que alguns candidatos mostravam não ter ritmo para lutar pelos primeiros postos, as posições na tabela foram-se invertendo. O Norwich, sem nenhuma estrela a que se agarrar, imitou o modelo do modesto Blackpool, que em 2010 tinha logrado um feito similar. O conjunto, capitaneado magistralmente por um treinador que sabe o que é ganhar. Lambert, internacional escocês de topo nos anos 90, sagrou-se campeão europeu com outra equipa amarela, o Borusia Dortmund, em 1997. Também então os germânicos foram subestimados pela concorrência. E acabaram por sagrar-se justos campeões da Europa.

Esse espírito guerreiro foi inculcado num plantel de nomes aparentemente desconhecidos para a imensa maioria mas que já valem o seu peso em ouro na história do clube. Quando a equipa bateu a 21 de Abril o seu rival regional histórico, o Ipswich Town, por 1-5, tornou-se claro que só uma hecatombe podia acabar com o sonho do Norwich. Para trás tinha ficado uma série de seis jogos seguidos sem perder, todos com rivais directos, todos com superioridade contrastada no terreno de jogo. Que o nome mais sonante da equipa seja Henry Lansbury, um jovem emprestado pelo Arsenal, diz muito da natureza de um projecto sólido que não arrisca sem ter a certeza de que vale a pena. Desde há 20 anos que uma equipa não conseguia duas promoções consecutivas. Isso diz muito do feito logrado pelos homens de Lambert que agora terão de saber sobreviver no meio dos falcões da Premier League.

 

 

 

O titulo pode pertencer ao QPR e há ainda muito drama e emoção à espera na luta dos play-offs onde quatro equipas (Cardiff, Swansea, Reading e Nottingham) ainda sonham com a promoção. Mas ninguém será capaz de roubar o protagonismo mediático a um conjunto histórico que ultrapassou todos os problemas possíveis e imaginários e logrou em 18 meses o que grandes tardaram anos em conseguir. 2011 será sempre um ano doce na história do Norwich City, um ano onde se provou que os Canários podem ser pequenos mas também sabem voar...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:55 | link do post | comentar

Quinta-feira, 14.04.11

A muitos surpreende a vitoriosa campanha europeia do Schalke 04 de Raul e companhia. Mas apesar de ser a primeira semifinal da Champions League na história do clube, houve uma época em que os mineiros de Gelsenkirchen faziam parte da nata europeia. Nos anos 30 o futebol espectáculo do Schalke ajudou a definir as bases do futebol alemão do pós-guerra e transformou os seus heróis em ícones da resistência do povo germânico.

 

 

 

Chamaram-lhe "Schalker Kreisel".

E definiu o estilo de futebol de toque que começava a ganhar cada vez mais adeptos no centro da Europa. O estilo de jogo de combinação - primitivo comparado com os padrões de hoje mas enormemente avançado para a época - que se foi forjando na equipa do Schalke nos anos 20 marcou um antes e um depois na história do futebol alemão. Até então o país tinha vivida à sombra de um futebol rápido e de contacto, praticado iminentemente pelas equipas do sul.

Kurt Otto moldou uma equipa feita só com jogadores da casa, muitos deles mineiros e filhos de mineiros da cidade industrial de Gelsenkirchen. Uma equipa que procurava a troca de bola em lugar das habituais cavalgadas rumo à área contrária. E que encontrou no talentoso Fritz Szepan e Ernst Kuzorra, os seus grandes interpretes. Filhos de emigrantes polacos, como tantos outros na cidade, as duas grandes estrelas do futebol alemão do pré-guerra, talvez os jogadores europeus mais completos da sua época - a par de Meazza e Sindelaar - Szepan e Kuzorra deram um brilho especial o jogo de toque dos azuis reais. A equipa começou a crescer em meados dos anos 20, com a chancela do presidente Fritz Unkel, um dos grandes impulsionadores do projecto local. Rapidamente passaram a dominar a Gauliga, a liga da zona do Rhur, a mais forte das ligas regionais alemãs. Uma série de contratempos foram adiando o esperado titulo inaugural do Schalke.

Aliado ao sucesso do clube ficou o nascimento do mítico Glückauf-Kampfbahn, um dos estádios mais frenéticos do futebol teutónico durante largas décadas. O público local transformou os jogos em casa do Schalke em meros trâmites (o clube não perdeu um jogo em casa nos 11 anos seguintes até ao irromper da guerra) e rapidamente a equipa começou a disputar as finais nacionais. Em 1929, um ano depois da inauguração do estádio, chegou o primeiro titulo regional. Mas foi preciso esperar cinco anos até o domínio do futebol do oeste se transformasse em domínio nacional.

 

Quando tudo indicava que o maravilhoso futebol do Schalke 04 ia terminar com o a supremacia do Stuttgart e Nuremberga, a liga alemã surgiu em cena e baniu o clube durante um ano. O motivo? O pagamento de salários elevados aos seus melhores jogadores, algo impensável num país que lidava tão mal com o conceito do profissionalismo que só nos anos 60 a Bundesliga foi oficialmente fundada como uma liga profissional. Quase 30 anos depois das restantes grandes competições europeias. Por essa altura a Alemanha já tinha até um titulo mundial ganho por falsos amadores. Como eram todos os elementos do Schalke 04.

Por isso só em 1934 a equipa pode finalmente desfrutar do seu primeiro campeonato. Uma época inesquecivel em que ao génio de Szepan e Kuzorra se juntaram outros elementos chave. A final disputada em Berlim confirmou o génio de Bornemann na defesa, Zajons e Urban nas alas e Rothard no eixo do ataque. O Schalke venceu por 2-1 o Nuremberg mas esteve a perder por 1-0. Parecia que a malapata ia seguir quando Szepan, como só ele sabia fazer, marcou o primeiro e inventou o segundo em apenas dois minutos. Os dois que faltavam para o jogo chegar ao fim.

O triunfo iniciou uma saga de vitórias praticamente incontestáveis até ao arranque da II Guerra Mundial. No ano seguinte a vitima foi o Stuttgart, derrotado num festival de golos por 6-4. Por essa altura o técnico já era Hans Schmidt, sucessor do genial Otto e fiel continuador da sua filosofia de jogo curto de toque e desmarcação, algo que se tornara já na moda europeia graças à popularidade do Wunderteam austríaco de Hugo Meisl. Depois do hiato em 1936, dois novos títulos nacionais consecutivos e um dominio que se prolongou até 1941, ultimo ano das competições oficiais antes da entrada na fase determinante da guerra. Durante toda a década o Schalke manteve-se fiel não só ao seu estilo futebolistico mas também à sua filosofia local. O clube protegeu muitos dos seus jogadores judeus durante a perseguição do regime nazi e ajudou os seus melhores jogadores a evitarem a temida frente oriental ao serviço do exército. Muitos deles serviram em bases aéreas em solo alemão, privilegio de poucos. O final da era de glória do Schalke significou um parêntesis na evolução do próprio futebol alemão. O clube tinha sido a base ideológica do jogo teutónico apesar das reservas do seleccionador Otto Nerz que não apreciava o estilo relaxado e de toque de Szepan e Kuzorra. O segundo foi afastado da selecção sem apelo nem agravo. O primeiro viveu uma década de altos e baixos. Mas estava em campo no dia em que a Alemanha se apaixonou pelo seu jogo. Em Breslau, num desafio contra a Dinamarca, o polémico Nerz finalmente alinhou os seus melhores jogadores, incluindo a espinha dorsal do Schalke 04. A equipa venceu por 8-0 - a sua maior vitória até então - e o onze que marcou o verdadeiro inicio da Mannschaft ficou conhecido como Breslau Elf.

 

 

 

Com o pós-guerra o Schalke 04 entrou num periodo de crise da qual nunca recuperou totalmente. Voltou a vencer, uma vez mais, o titulo alemão mas quando a Bundesliga finalmente arrancou o clube começou a perder-se pelos postos do meio da tabela. Depois da surpreendente vitória da Taça UEFA, em 1998, o conjunto alemão volta a estar nas bocas do mundo. Muitos lembram-se já do Bayer Leverkusen. Em 2002 também disputou a meia-final com o Manchester United e do outro lado havia um Barcelona vs Real Madrid. Muita coincidência. Sob o espirito do Schalker Kreisel, sonhar está permitido.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:39 | link do post | comentar

Sexta-feira, 01.04.11

A improvável vitória da Sampdoria na Serie A de 1991 foi o culminar de uma campanha demoníaca dos legionários de Vujadin Boskov. O Luigi Ferraris transformou-se na caixa de pandora do Calcio e na ressaca mundialista o clube pequeno de Génova tornou-se no clube grande de Itália. Uma história de glória efémera mas com feitos extraordinários que a história jamais apagará.

 

 

 

Pagliuca. Vierchwood. Mannini. Lana. Pellegrini. Toninho. Katanec. Mikaylichenko. Lombardo. Vialli. Mancini.

Onze nomes que a cidade de Génova nunca poderá esquecer. Durante dois anos a cidade portuária da Ligúria, berço da primeira grande equipa italiana da história - o eterno rival Genoa - voltou a ser o coração do Calcio. Um fábula que provou que no futebol - ou pelo menos, no futebol pré-Bosman - tudo era verdadeiramente possível. O conjunto genovês com o equipamento mais belo, quiçá, do futebol europeu, conseguiu em dois anos o que muitos clubes tardam toda a vida em lograr. A vitória na Serie A, a uma jornada do fim, em 1991, foi histórica. A final da Champions League perdida, no ano seguinte, frente ao Barcelona, o principio do fim. Entre esses dois anos os Blucerchiatti puderam sonhar.

A equipa que arrancou a época de 1990 era praticamente a mesma que disputara, na Primavera anterior, a sua segunda final consecutiva da Taça das Taças. Os genoveses tinham perdido contra o Barça, a sua besta negra como se veria, em 1988 mas no ano seguinte bateram o Anderlecth para conquistar o seu primeiro trofeu europeu. Uns meses depois, frente ao todo poderoso AC Milan, Boskov e companhia estiveram perto de vencer, também, a Supertaça Europeia. Era o prenúncio da formação de uma equipa altamente competitiva. A equipa mantinha a estrutura e reforçava-se com o soviético Mikhaylechenko, pedra basilar do Dynamo Kiev de Lobanovsky que finalmente dava o salto rumo ao Ocidente. A equipa arrancou o ano com uma modesta vitória frente ao Cesena mas demorou a arrancar. A 28 de Outubro, em San Siro, uma vitória por 1-0 frente ao AC Milan (golo inesquecível do brasileiro Toninho Cerezo) deu a entender que a dinâmica dos azuis mudava a pouco e pouco. A partir daí a Sampdoria entrou numa serie de jogos decisivos sempre a ganhar (exceptua-se a derrota no derby, por 1-2) em que bateu expressivamente o Napoli de Maradona, a campeã equipa do Inter e a AS Roma de Voeller e companhia. A liderança do campeonato, algo inédito no historial do clube, tardou algumas jornadas em chegar por culpa de tropeços inesperados (derrotas com Torino e Lecce) mas chegou com uma vitória face à Juventus de Baggio. A partir daí os homens de Boskov tornaram-se no alvo a abater.

 

Alinhando num 4-4-2 profundamente dinâmico, com Lombardo e Toninho no apoio directo ao duo de ataque mais celebre do futebol italiano (e com Vierchwood, Katanec e um jovem Pagliuca a comandar, imperialmente, o sector defensivo), o Luigi Ferraris transformou-se com a sua equipa e tornou-se num verdadeiro inferno. A equipa recebeu - e venceu - AC Milan, Napoli e Inter, os três últimos campeões, e a 19 de Maio, a uma jornada do fim da época, confirmou o titulo com uma desforra expressiva face à Lecce. A vitória por 3-0 confirmou o titulo e também o prémio de Capocanonieri, com 19 golos, para o flamante Gianluca Vialli. Era a consagração definitiva de um estilo que tinha abandonado o catenaccio puro para abraçar um jogo ofensivo e dinâmico que teve a sua devida recompensa. A Samp falhou apenas a dobradinha por cair diante da AS Roma na final da Taça de Itália - a sua prova fetiche dos anos anteriores - depois de se revelar incapaz de dar a volta na segunda mão, em Génova, ao mau resultado do primeiro jogo (3-1, derrota no Olimpico da capital).

Com 20 vitórias e 57 golos marcados, a Sampdoria foi a equipa mais ofensiva do último ano da era Sacchi (que se manteve como a melhor defesa da prova). Mas a glória caseira acabaria por revelar-se sol de pouca dura. Na época seguinte Boskov decidiu colocar todas as fichas na ambição europeia do presidente Mantovani e esqueceu-se do dificil que era manter o Scudetto numa liga com tantos pretendentes. Na Europa a missão dos genoveses foi superado contra toda a expectativa. Depois de destroçar Rosenberg e Honved nas fases prévias, os italianos foram colocados no mesmo grupo que Panatinaikhos, Anderlecth e Estrela Vermelha, os campeões europeus em titulo. As duas vitórias no confronto directo com os jugoslavos revelaram-se decisivas para o histórico apuramento de Mancini, Vialli e companhia para a final do Wembley. A noite que consagrou o Dream Team de Cruyff (que em 1988 tinha ganho o seu primeiro trofeu europeu precisamente contra os italianos) podia ter sido a noite da Sampdoria não fossem os pouco habituais erros de Lombardo, Mancini e, sobretudo, Vialli, à frente de Zubizarreta. A amarga derrota, a poucos minutos do fim, culminou um final de ano para esquecer. Na Serie A os genoveses há muito que estavam afastados da rota do titulo (com direito a derrota e goleadas impostas pelo futuro campeão, o AC Milan de Capello) e na Copa de Italia uma eliminação precoz fui tudo o que os adeptos puderam lamentar. A partir desse Verão de 92 a histórica formação, que durante quatro anos tinha levantado a moral dos tiffosi, foi-se desfazendo.

 

 

 

Boskov partiu e deixou o posto para Sven-Goren Eriksen, incapaz de devolver o clube ao topo da tabela. Rapidamente as grandes estrelas partiram para outros campeonatos. Mancini para a AS Lazio, Vialli para a Juventus e Mikaylichenko para o Rangers...Nem as chegadas dos promissores Jugovic, Amoruso e Chiesa permitiu ao clube inverter a tendência. Até à histórica campanha de Luigi Del Neri, na passada época, nunca mais o Luigi Ferraris se transformou num recinto demoniaco, capaz de destroçar a mente dos rivais antes de entrar em campo. A Sampdoria passou a década e meia seguinte a lutar por sobreviver na parte baixa da tabela classificativa. As lembranças dos dias de glória ficaram, mas a ascensão do duo romano, da Fiorentina e da AS Parma transformou o fenómeno genovês num episódio de um passado longinquo. Um passado grandioso mas desenhado na pedra, perdido nos confins do tempo. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:11 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Sexta-feira, 18.03.11

Conta-se que uma vez um reputado jornalista do L´Equipe, de visita ao Rio de Janeiro, viu-se confrontado com a pergunta de quem era, para ele, o melhor jogador do mundo. O homem sorriu e respondeu "Edson Arantes do Nascimento". O brasileiro que lhe fez a pergunta ficou com ar de espanto e não evitou o comentário "Pô, você nunca viu jogar Pelé?". Independentemente de nomes, apelidos, alcunhas e titulos, o mundo do futebol conheceu vários craques e lendas, mas nunca nenhum jogador chegou tão longe, tão perto da eternidade, do que um rapaz que não gostava que lhe chamassem Edson.. A história imortalizou-o com outro nome, mas no meio de tanta genialidade, que importam os nomes? 

A história é feita de episódios curiosos. Como o de Dondinho, jogador fracassado que se dedicou a treinar a equipa onde o filho e os amigos jogavam. Ou o dia em que, então um rapazinho com saudades de casa, se preparava para sair a meio da madrugada do lar do Santos, onde vivia, e abandonar o sonho de ser futebol. Foi apanhado pelo porteiro e voltou atrás, engolindo as saudades e lançando as bases para a era mais memorável de todo o futebol brasileiro. Fez toda a sua carreira desportiva de elite no Santos, clube que o acolheu quando ainda era um miudo de bairro. Foi o primeiro a perceber o potencial mediático da liga americana e durante alguns anos actuou no New York Cosmos. Teve dezenas de jogos de despedidas e recebeu múltiplos galardões como o maior futebolista da história. No Brasil chamam-lhe Rei, para muitos é o Deus do Futebol. Titulos ou episódios, marcos históricos ou galardões. Tudo isso se torna redutor quando o tema em questão se chama Pelé.

 

Avaliar a marca na história de Pelé não se faz apenas pelos três Mundiais que conquistou. Ou pelas vitórias conseguidas pelo Santos no Brasil, América Latina e nas Taças Intercontinentais. A marca de um génio capaz de dominar o jogo do primeiro ao último segundo com a sua capacidade fisica (apesar da sua pequena estatura, 1m70) e garra. Falar de Pelé é falar de poesia, de drama, de tragédia ou épica. Dos dribles fantásticos capazes de eclipsar o próprio Garrincha, rei do regate. Dos seus saltos nas alturas, onde era capaz de ir buscar bolas impossíveis e torna-las em golo. Dos seus malabarismos diante dos guarda-redes. Ou do seu pontape, forte, seco, colocado, indefensável. Falar do futebol de Pelé é redutor porque Pelé é o próprio futebol. Aos 17 anos sagrou-se campeão do Mundo na Suécia, marcando dois golos na final numa equipa onde não estava previsto que fosse titular. E chorou. Como o menino que era. Doze anos depois era o homem na plenitude máxima das suas potencialidades que fez gato sapato de cada equipa que se passava diante do escrete canarinho. Do guardiã checo, impressionado pela ousadia de Pelé em rematar atrás da linha do meio campo. Do "portero" uruguaio que caiu no drible do melhor golo do mundo que não o foi. Ou da defesa italiana que ainda hoje tenta entender como foi possível ao craque brasileiro rasgar por completo uma equipa impenetrável. Falar de Pelé é falar do Santos e do melhor periodo do futebol do Brasil, da forma como esmagou o SL Benfica do amigo Eusébio. Ou o AC Milan de Rivera. Falar de Pelé é falar de magia em estado puro. É falar de futebol! 

Pelé começou a jogar no Santos como falso ponta de lança. Explodiu aos 15 anos na equipa titular e com um golo. A primeira vitima de Pelé chamou-se Cubatao. A primeira de tantas outras (1283 golos oficiais em 1367 jogos disputados) que se habituaram a ter de conformar-se com cair de pé perante a armada santista do Rei. Aos 17 anos fez parte da equipa mágica do Brasil que conquistou o primeiro mundial, oito anos depois do "Maracanazo", apesar da polémica convocatória e da lesão que arrastou no inicio do torneio. Quatro anos depois já era o melhor jogador do mundo, liderando o Santos à conquista de multiplos campeonatos paulistas e torneios Rio-Sao Paulo, as grandes competições brasileiras da época.

As vitórias nas primeiras edições da Copa dos Libertadores levou o Santos a disputar a Taça Intercontinental onde derrotaria tanto o SL Benfica como o AC Milan, consagrando um homem que no entanto teve de sofrer na pele as lesões que quase o afastaram do Mundial de Chile 62 (só jogou os dois primeiros jogos) e que o destroçaram no Inglaterra 66 (com a implacável marcagem dos defesas bulgaros e portugueses a deixarem o craque k.o.) mas que mesmo assim não minimizaram a lenda. Apesar disso este foi o seu periodo aureo no Santos, onde militavam os melhores jogadores brasileiros da época. Uma equipa de sonho que explorou o melhor momento de forma de um Pelé cada vez mais decisivo e goleador.

 

Durante os anos 60 resistiu-se sempre saltar para a Europa, como tantos sul-americanos, e quando chegou o Mundial de 70, então com 29 anos, para muitos era uma estrela em queda livre. Surpreendendo mais de meio mundo, o homem que meses antes estava fora da selecção, liderou a melhor equipa que alguma vez pisou um relvado a conseguir o seu mais brilhante triunfo. No final, em ombros no Azteca, percebeu que tinha logrado a perfeição e farto de tantas digressões e provas secundárias onde alinhava para que o Santos cobrasse o cachet,  começou a preparar a sua saída em alta. Primeiro deixou o escrete pela segunda vez (em 1966 tinha-se retirado e esteve três anos sem jogar pelo Brasil) e quatro anos depois o clube da sua vida. A imagem de Pelé aproveitou o filão televisivo, o potencial mercado norte-americano e o delirio que desatava no Brasil a sua presença. Ao contrário dos seus geniais colegas de equipa (Nilton Santos, Didi, Vavá, Zagallo, Garrinhca, Tostão, Gerson, Rivelino, Jairzinho), Pelé soube manter-se sempre na crista da onda e imortalizou a sua imagem mesmo diante daqueles que nunca o viram jogar de tal forma que até Romário disse um dia que o futebol devia levar o seu nome..

 

Tornou-se no primeiro icone futebolistico mundial. E mais do que Rei, tornou-se em Deus. Um Deus que antes foi um rapazinho de lágrimas nos olhos. O mesmo rapazinho de sotaque mineiro que, quando era pequeno e acompanhava o pai Dondinho aos treinos, ao chamar pelo guarda-redes da equipa e amigo do pai que se chamava Bilé pronunciava mal o nome e acabava por ditar a sentença que marcaria o futuro do jogo...Pelé.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:10 | link do post | comentar

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