Quarta-feira, 30.10.13

Quem me conhece sabe perfeitamente que não sou um "Ronaldieber", ou lá como se chamam agora os groupies adolescentes. Também não acredito na defesa absoluta de quem quer que seja pela nacionalidade, cor ou credo. Se Blatter tivesse ridicularizado Messi como um "enano hormonado", como lhe chamam por Madrid, teria dito exactamente o mesmo. A FIFA existe apenas e só porque o futebol é um fenómeno global que ultrapassa todo o tipo de fronteiras. É a verdadeira globalização. E deve-o aos seus grandes jogadores por cima de tudo e de todos. E Ronaldo é um desses jogadores e merece o respeito de quem vive, indirectamente, à sua custa!

Hoje cumpre 53 anos Diego Armando Maradona.

El Pibe é provavelmente um dos melhores jogadores de todos os tempos. Vê-lo jogar é o mais próximo que um adepto de futebol pode estar de um orgasmo artístico. Vi Maradona fazer o possível e o impossível milhões de vezes. Desafiava a gravidade, desafiava tudo e desafiava todos. Foi o último grande símbolo do "potrerismo" puro e mágico da escola sul-americana. E foi também um drogado, um putanheiro e um fraudulento fiscal. Começou a consumir cocaína em Barcelona, em Nápoles passou a ser acompanhado por uma corte das mulheres ao serviço dos capos da máfia local e deve, ainda hoje, milhões de euros ao estado italiano. E no entanto, hoje, 30 de Outubro, só nos conseguimos lembrar da "mano" e do "barrillete cósmico". Porque Maradona, o jogador, é muito mais do que Maradona, o homem.

Johan Cruyff cumpriu há dois dias quarenta anos da sua estreia como futebolista do Barcelona.

Foi, talvez, o momento mais marcante da história moderna do futebol europeu. Significou a transição definitiva da escola danubiana do centro da Europa para Barcelona. Está na base do Dream Team e do Pep Team, da cultura de futebol de posse que a muitos nos tem fascinado. Cruyff é, para mim, o melhor jogador europeu de sempre. Se é que algo assim se pode dizer. É também um dos homens mais inteligentes alguma vez associados a este jogo, dentro e fora do campo. No relvado não parava de se mexer, de falar, de dar ordens, de movimentar-se e movimentar os outros. E com um gesto, uma finta de corpo, tal como Diego, desafiava a gravidade e fazia as estrelas sonhar. Cruyff é também um homem obcecado com o dinheiro, um sovina de primeira, um populista capaz de baptizar o filho como Jordi aos seis meses de chegar a Barcelona e, sobretudo, um menino-mimado que abandonou o clube que cuidou da sua família desde que ficou órfão no dia em que os seus colegas não lhe votaram como capitão. Na rua seria conhecido como o mimado dono da bola. No mundo do futebol é um génio superlativo. Para mim, pessoalmente, irrepetível.

 

É muito perigoso julgar os jogadores pelo que são fora do campo.

Best era alcoólico e mulherengo. Cantona agredia pessoas quando insultado e saiu chateado de quase todos os clubes por onde passou. Zidane fervia em pouca água como poucos. Garrincha era a versão brasileira de Best mas com um neurónio menos. Meazza tinha simpatias fascistas. Di Stefano era um autêntico ditador moderno dentro e fora do balneário do Real Madrid. Pelé era um fraudulento oportunista e um demagogo que vive há décadas daquilo que representou. A lista é infindável.

Cristiano Ronaldo - como nenhum dos outros nomes citados - é propriamente um exemplo. Pelo menos para mim.

Mas como jogador é irrelevante o que gaste em cabeleireiros. O que gaste em carros desportivos. Com quem dorme à noite, onde passa as férias, de que cor é o bronzeado, de que tamanho são os brincos que leva e quão ridículos são os gestos que faz nas celebrações (ainda que o "calma, calma" tenha sido genial, confesso). Ronaldo é tudo isso como homem. Não como jogador. Como futebolista é um dos melhores da história, seguramente um dos melhores das últimas décadas. É capaz de coisas abrumadoras que a esmagadora maioria dos jogadores nem sonhando poderia repetir. É um jogador totalmente diferente de Messi ou Ronaldinho, por exemplo, mas isso não invalida que em campo seja imenso, que os seus números possam ser impossíveis de bater num futuro próximo e que quando está em campo o rival tenha de se benzer um par de vezes extra para o travar. Ronaldo é um dos maiores futebolistas do Mundo e a FIFA - a organização que deve velar "for the good of the game" devia ter-lhe o mesmo respeito que tem a qualquer outro. Nem menos, nem mais.

O que Sepp Blatter fez - e atenção, o suíço fez coisas muito mais graves e, lamentavelmente, menos mediáticas - é um insulto ao futebol não a Ronaldo. O mesmo seria válido se tivesse dito que preferia o português a Messi porque este é um fraudulento fiscal, vomita recorrentemente no relvado e fala de uma forma que ninguém entende. Messi é um génio (cada um poderá escolher de quem gosta mais) e como futebolista há poucos tão bons. Um deles é Ronaldo. Blatter como amante do jogo - como eu, como vocês - pode ter o seu favorito. Naturalmente. Como presidente da FIFA não o pode ter, muito menos utilizando elementos externos ao jogo como balança de decisão.

 

Inevitavelmente, esta polémica apenas joga a favor de Cristiano Ronaldo. Conseguiu colher simpatia global, unir muitos portugueses a sua polémica figura (continuo sem entender a obrigatoriedade nacional de estar sempre com alguém que é do mesmo país mas também não entendo o oposto, a critica gratuita e invejosa tão habitual dos países do sul da Europa) e reforçar a ideia de que muitos dos prémios do génio argentino dos anos anteriores possam ter sido condicionados. Pelo menos o critério mudou, isso temos todos claro, caso contrário Wesley Sneijder e Andrés Iniesta (e não Ronaldo) também já teriam vencido o tal Ballon D´Or. O que a FIFA acabou de fazer é um verdadeiro insulto ao jogo e não haverá forma de emendar o erro. Ronaldo deveria - ainda que não o vá fazer - renunciar publicamente aos prémios FIFA dando um sinal de maturidade e despreocupação. O seu ego seguramente que não lhe permitirá. E da próxima vez que alguém se lembrar da dança de Blatter e dos seus comentários, lembrem-lhes que tipo de pessoas eram "El Pibe" ou o grande Johan fora dos relvados. Talvez aí o gel no cabelo e o brinco dourado pareça ainda mais inofensivo do que já é. O futuro, esse, é quem tratará de julgar o verdadeiro papel de Cristiano Ronaldo no constelamento das estrelas do futebol.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:06 | link do post | comentar | ver comentários (23)

Quarta-feira, 21.08.13

Está o Brasil preparado realmente para o seu segundo Mundial. Em 1950 o torneio foi o pretexto perfeito para o país reivindicar a sua condição. A organização foi também facilitada pela guerra na Europa que deixou desarmados os países europeus de qualquer tentativa de receber a taça Jules Rimet. Agora, 64 anos depois, o Brasil volta a pretender utilizar o futebol como arma de afirmação política. Os bilhetes já estão à venda mas será o torneio um sucesso nas bancadas?

Estádios por acabar, aeroportos por construir. Hospitais e estradas debaixo de gigantescos pontos de interrogação.

O Brasil está a menos de um ano de receber o maior torneio desportivo mundial, a par dos Jogos Olímpicos (que dois anos depois também serão disputados no Rio de Janeiro). E muitos duvidam do sucesso real do torneio. Fora dos relvados, pelo menos. País em ascensão no panorama política e económico, o Brasil queria demonstrar através do desporto, uma das suas maiores bandeiras, que estava definitivamente inserido na elite dos países do 1º Mundo, uma expressão penosa que desrespeita os cidadãos do planeta. As manifestações na Taça das Confederações, os escândalos de corrupção, os problemas políticos no país e os sucessivos atrasos em obras fundamentais para a organização do torneio permitem levantar a suspeita de que o sucesso está prestar a tornar-se em fracasso.

Se em campo o torneio tem todas as condições para ser um dos melhores de sempre - há a Espanha e a Alemanha, com a nata do futebol europeu, o génio individual de Messi, Ronaldo, Neymar, Balotelli e o perfume do futebol africano, asiático e caribenho - fora dele há perguntas sem resposta e um cronómetro que não para.

Esta semana foram colocados à venda os bilhetes Brasil 2014.

São preços para muitos proibitivos, porque incluem viagens de avião transatlânticas, para destinos cujos aeroportos estão ainda em obras. A distribuição dos jogos do calendário pela FIFA seguramente não ajudará. Num dos maiores países do mundo, quando mais fazia sentido criar regiões fixas para os grupos sorteados - como se procedia antes da chegada de Blatter ao trono da organização - a maior parte dos espectadores terá de fazer centenas e milhares de kms para seguir a sua equipa. Ir ver um só jogo não compensa mas dar a volta ao país para ver 3, 4 ou 5 ainda menos. Não é de estranhar que, tal como em 2002 e 2010, a maioria dos adeptos nas bancadas sejam locais. No Mundial da Coreia e Japão viajaram tão poucos europeus que a organização teve de contratar autóctones para vestir-se com as camisolas das equipas em campo e assim disfarçar, nas televisões, a falta de animação nas bancadas. No Brasil isso não irá suceder. Espanha já sabe que recebimento terá mas argentinos, italianos, portugueses, alemães e ingleses não devem esperar um tratamento diferente. Pela primeira vez desde 2006 um torneio de selecções será disputado num país que opta realmente ao título. E isso conta.

 

A procura inicial dos bilhetes foi elevada, essencialmente porque parte de adeptos brasileiros.

Afinal, estamos a falar de um país com mais de duas centenas de milhões de habitantes, apaixonado pelo "jogo bonito" e saudosos de uma competição de elite. Só com os adeptos locais o Mundial seria um sucesso nas bancadas mas para um torneio criado para o Mundo essa mensagem é pouco convincente. A falta (ou os preços exagerados) de alojamento e meios de transporte coibem os de fora a arriscar tudo, num país marcado profundamente por um sentimento de insegurança e impunidade.

O bilhete final Mundialoscila entre os 330 euros e os 742 euros, preços proibitivos para a maioria dos brasileiros, que mesmo assim esperam ver o escrete canarinho subir ao relvado do Maracaña para ajustar contas com o seu passado. Nesse primeiro Mundial, quando o controlo da FIFA ainda era quase simbólico, estiveram, dizem as más línguas, mais de 200 mil pessoas no estádio carioca. O estádio emudeceu com o golo de Ghighia e desde então procura reabilitar-se aos olhos dos brasileiros. Renovado, terá a sua oportunidade de ouro, seguindo a réplica já deixada por Neymar e companhia na brilhante exibição contra a Espanha, na final da Taça das Confederações.

O Brasil não parte na pole position mas é um rival sério a ter em conta. Scolari prepara bem as suas equipas para torneios curtos, o público será de um fanatismo pouco habitual e as condições climatéricas estarão perfeitas para o seu estilo de jogo, mais físico e agressivo, longe do calor de um torneio disputado na Europa. Espanha e Alemanha, favoritas pelo seu futebol, e Argentina, pela presença de Messi e uma legião de talentosos jogadores ofensivos (na defesa o problema é sério), seguem atrás entre os favoritos deixando os habituais europeus (Itália, Holanda, França, Portugal, Inglaterra...se apurados), sul-americanos (Colômbia e Uruguai), centro-americanos (mexicanos), africanos (Gana e Costa do Marfim, eventualmente) e asiáticos (Japão e Coreia do Sul) como principais oponentes. Os seus respectivos adeptos, salvo por uruguaios, argentinos e colombianos, terão praticamente de contentar-se em seguir pela televisão um torneio que terá sotaque brasileiro a todos os níveis.

 

Pode este ser um grande Mundial se tudo o que rodeia os estádios está envolto em obras? Para o espectador televisivo sim, perfeitamente. Para quem viaja e experimenta a sensação de estar num circo ambulante durante um mês, o Mundial do Brasil pode ser uma sensação agridoce. Os brasileiros têm oito meses para resolver todos os problemas e oferecerem ao mundo o maior espectáculo já visto!



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Quarta-feira, 20.03.13

José Mourinho quebrou o seu silêncio selectivo para dar uma entrevista à RTP que é como quem dá a possibilidade aos amigos de lucrarem com palavras que semana atrás semana se recusa a prenunciar onde deve, na sala de conferências de imprensa do clube que lhe paga 12 milhões de euros ao ano. E fê-lo para, entre outras coisas, denunciar a corrupção que está por detrás do Ballon D´Or. O mesmo prémio que em 2010, quando venceu a primeira edição, não pareceu ter nenhum problema. O mesmo prémio que, ano após ano, treinadores, jogadores, jornalistas e público em geral se sentem determinados a dar uma importância que, no fundo, não tem.

Vicente del Bosque venceu o Ballon D´Or ao Melhor Treinador de 2012.

Ganhou-o com mais de 10% dos votos do segundo, José Mourinho, o vencedor inaugural do prémio e 29% mais do que Josep Guardiola, a quem sucedeu no palmarés. Venceu-o com o voto maioritário de seleccionadores e jornalistas, mas não dos capitães que preferiram a figura de Mourinho. A gala foi a 7 de Janeiro de 2013. Mais de dois meses depois aparece Mourinho, qual vencido despeitado, anunciando que foi o seu conhecimento da existência de fraude nas votações que o levou a não marcar presença na gala (ao contrário de Cristiano Ronaldo, também português, também do Real Madrid, também segundo nas votações). Está no seu direito.

Os factos parecem dar-lhe razão. Paulo Duarte, seu velho amigo e antigo jogador nos seus tempos de técnico da União de Leiria, confessou que não teve oportunidade de votar porque o formulário lhe chegou para lá da data limite de voto. Uma situação comum a países como a Guiné-Bissau ou Costa de Marfim, nações que, a julgar pelo lido, votariam em Mourinho para vencer o prémio. O técnico português fala ainda de personalidades que lhe terão ligado falando na existência de boletins de voto alterados. Uma vez mais, os seleccionadores da Zâmbia e Zimbabwe queixaram-se na imprensa local que os nomes que aparecem na lista oficial da FIFA não se correspondem com as suas votações, um deles referindo até que nunca chegou a ver o formulário de foto e que alguém terá votado por ele.

Curiosamente, os amigos de Mourinho permanecem em silêncio e seguramente continuarão calados porque comprar uma guerra contra a FIFA é, habitualmente, meio caminho para ter uma carreira curta e sem grandes oportunidades. A velha raposa chamada Blatter raramente esquece estes insultos à sua honra, se é que lhe sobra alguma para mostrar ao público depois de todos os escândalos dos últimos quinze anos de presidência. Parece ser perfeitamente possível dizer que houve irregularidades e fraude nas votações do Ballon D´Or. E quê?

 

O que mais supreende - ou talvez não - nas declarações de José Mourinho é a sua percepção que os erros acontecem exclusivamente no ano em que perde.

Em 2010, quando venceu o prémio - também contra Del Bosque, então recém-consagrado campeão do Mundo pela selecção espanhola - o técnico português subiu exaltante ao palco, celebrou, dedicou o prémio e nunca se lembrou de rever a lista de votações para confirmar se faltava algum país, não fossem eles ter votado noutro técnico. Como tantas vezes sucede nas acusações aos comités de arbitragem, as palavras surgiram apenas depois de uma derrota. Não lhe retira a razão mas sim a moral de falar quando, nos momentos de glória, tudo fica guardado num baú e escondido debaixo da cama para não chamar à atenção.

Parece-me claro que um prémio com estas caracteristicas tem tudo para ser alvo de fraude. Nada resta já do velho Ballon D´Or, um prémio de glamour mais do que reconhecimento real de talento. Ao abrir as votações, muito democraticamente, a todos os capitães, seleccionadores e correspondentes da France Football do mundo, a FIFA abre também a caixa de pandora. Em países onde a corrupção está oficialmente instalada, seguramente que os votos podiam ser comprados facilmente. Em estados que seguem apenas os máximos eventos desportivos, naturalmente que a votação está condicionada aos nomes mais emblemáticos. Na Etiópia, onde a Premier é seguida com devoção, Roberto Mancini coleccionou vários pontos que não se repetiram em nenhum outro país. Nos países hispânicos e lusófonos o índice de sucesso de Messi e Ronaldo foi proporcional à influência cultural de cada um e o seleccionador espanhol, perdão, chinês, não teve problemas em votar em dois técnicos e três jogadores do seu país referindo-se ao jornal Marca como algo normal porque há sempre que votar nos seus.

O que nos leva a perguntar sobre o valor real que possa ter um prémio que se transformou num concurso de popularidade nos últimos três anos, um concurso fechado nos nomes mais simbólicos do futebol internacional, distante da ideologia inicial de um prémio que não teve problemas em celebrar os êxitos de Sivori, Masopust, Albert, Blokhin, Simonsen, Belanov, Owen e Cannavaro quando havia jogadores muito mais completos em activo, os mesmos que hoje estão destinados a vencer como condição sine qua non. O Ballon D´Or deixou de ter o prestigio e o respeito de quem via algo original e distinto na atribuição do prémio da France Football, consciente que num desporto colectivo a entronização pessoal faz sempre pouco sentido.

 

As queixas de Mourinho deixam-no, uma vez mais, nú e só ante uma das máximas entidades do jogo. Depois de ter desafiado a UEFA com a sua lista de erros arbitrais, agora o técnico português lança um dardo envenenado à FIFA a propósito do seu prémio mediático comprado a peso de ouro à família L´Equipe-France Football. O treinador do Real Madrid pode perfeitamente queixar-se em ambos os casos, até porque os momentos concretos arbitrais que cita, bem com os erros nas votações, são reais. Mas esquecer-se das mesmas particularidades quando saiu vencedor, tanto em provas europeias (Old Trafford, 2004; San Siro, 2010; quem sabe se Old Trafford, 2013 também) como na atribuição do primeiro Ballon D´Or ao melhor técnico da história apenas deixam reflectida uma pálida e triste imagem de um treinador genial consumido cada vez mais pela sombra da sua própria persona.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:41 | link do post | comentar | ver comentários (22)

Quinta-feira, 29.11.12

O regresso de Luis Filipe Scolari ao banco da selecção brasileira demonstra bem o estado de desorganização absoluto em que vive o futebol brasileiro a um ano e meio do seu Mundial. Tal como em 2002, o "sargentão" chega em cima da hora para resgatar a honra de uma selecção de quem muitos esperam que se torne em campeã mundial. Nunca, na história do futebol, uma equipa que recebeu dois Campeonatos do Mundo, salvo o México, falhou em vencer pelo menos uma dessas edições. Depois da depressão de 1950, o desespero da canarinha já se faz sentir a 18 meses do seu encontro com a história.

 

Quando Ghighia marcou o golo que deu ao Uruguai o seu segundo Mundial, um país inteiro entrou numa profunda depressão que nunca curou verdadeiramente. Sim, o Brasil tem cinco Mundiais, tem algumas das melhores equipas da história do futebol e foi palco de artistas e génios tácticos que ajudaram a mudar a face do jogo para sempre. Mas aquela tarde no Marcanã nunca teve cura.

Perder um Mundial em casa acontece a poucas selecções quando são favoritas. 

Uruguai, Itália, Inglaterra, RF Alemanha, Argentina e França contam-se entre os países que venceram torneios diante dos seus. De todos os vencedores de um Mundial de futebol, só o Brasil e a Espanha não o fizeram em frente dos seus adeptos. O caso espanhol é recente, a sua performance em 1982 foi deprimente em todos os sentidos, mas ninguém duvida que se em 2018 o Mundial fosse em Espanha, que eles seriam candidatos sérios ao titulo. E o Brasil?

A selecção canarinha chega a 2014 sem ser o favorito de ninguém. E isso não só parece algo sui generis em si como também ameaça prolongar a ressaca moral do futebol brasileiro. A FIFA ofereceu ao país uma oportunidade única de desforrar-se de si mesmo e limpar os esqueletos do armário. Mas a direcção sem rumo do futebol canarinho tem-se encarregue de destruir esse projecto. A contratação de Luis Filipe Scolari, um acto de puro desespero, é apenas a ponto do iceberg de um problema bem mais gordo.

 

Ninguém questiona que o favoritismo colectivo do próximo Mundial está nos ombros da selecção espanhola.

Se a Brasil de 1970 foi, provavelmente, a mais entusiasmante selecção da história, esta Espanha pode ser a mais longeva e estender a sua hegemonia a um segundo Mundial consecutivo não é uma ideia descabelada. Individualmente a figura do torneio será Lionel Messi que talvez tenha a última oportunidade de ser campeão com uma Argentina que aprendeu a gravitar à sua volta.

O Brasil não é favorito a não ser no plano emocional. Não possuiu uma geração inesquecível como os espanhóis e é uma equipa com muitos projectos de grandes jogadores mas sem um líder moral como Messi. E é, sobretudo, tacticamente, uma equipa sem rumo, sem um plano definido que ora baila ao som do falso nove ora procura manter-se fiel ao 4-2-3-1 que tem perseguido desde 2006 sem significativo sucesso pelos antecessores de Scolari. 

Num ano em que o técnico viu a equipa que treinou descer pela primeira vez em largos anos - o histórico Palmeiras - e depois da péssima carreira pós-selecção portuguesa, muitos questionam a eleição de Scolari. A verdade é que o homem ideal para o cargo chamava-se Guardiola mas os brasileiros não podiam viver com um treinador estrangeiro no momento mais importante da sua história desde 1970. E que tanto Muricy Ramalho como Tite eram nomes pouco consensuais não só nos corredores da CBF mas, sobretudo, entre os adeptos. A falta de um génio táctico ao futebol brasileiro tem-se notado.

Desde o notável trabalho de Carlos Alberto Parreira em 1994 que a táctica desapareceu do futebol brasileiro e o génio individual tornou-se no protagonista solitário com melhores e piores resultados mas cada vez mais ao som da actualidade e distanciando-se das suas origens. Do Brasil de 1998 de Zagallo ao de Menezes vai muita diferença e talvez o de Scolari tenha sido o mais original de todos. 

O "sargentão" beneficiou de três elementos fundamentais para ganhar o último Mundial canarinho.

O seu 3-4-3, contrário à tendência da época, funcionava porque então o Brasil contava com os dois melhores laterais ofensivos do Mundo (Cafú e Roberto Carlos) e o melhor tridente ofensivo em gerações (Ronaldo-Ronaldinho-Rivaldo). Tudo o resto era composto por operários que faziam o típico trabalho físico que tanto impressionava o técnico. E por fim, uma debacle das equipas europeias, que pagaram o preço da longa época no futebol europeu e a incapacidade de se adaptar ao clima asiático. Portugal, França, Itália, Espanha e Inglaterra foram caindo, por motivos extra-desportivos e por má gestão, e ficou o Brasil para vencer a mais fraca selecção alemã de que há memória. 

Lembrar 2002 é importante para perceber que a escolha de Scolari é, sobretudo, uma escolha desesperada num homem que vendeu um perfil ganhador, mas que depois dessa gesta particular nunca mais voltou a saborear o triunfo. Há dez anos que a sua aura se foi perdendo e o futebol evoluiu. Scolari poderá tentar recuperar esse modelo táctico (tem Alves e Marcelo mas na frente não há Ronaldo e Rivaldo e Neymar ainda não está à altura de Ronaldinho) mas sobretudo o que terá de criar é um bloco emocionalmente forte para superar a pressão emocional tremenda que significa jogar um Mundial em Copacabana.

 

Scolari é o homem do aparelho, o homem dos escritórios. A sua relação com a Nike e a CBF manteve-se viva durante largos anos. Mesmo com a uma directiva progressivamente afastada da herança de Ricardo Teixeira, os velhos contactos continuam a gravitar na mesma órbitra. O Brasil sabe que, tacticamente, não superará o modelo espanhol e individualmente não encontrará um rival à altura de Messi. Essa foi a base da sua grandeza histórica (o 4-2-4 e 4-3-3 e o génio de Pelé e Garrincha). Terá de recorrer, como em 2002, à épica emocional e ao trabalho colectivo como arma de fogo para não entrar na galeria negra da história da única grande selecção que nunca soube o que era festejar um Mundial com os seus. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 13:32 | link do post | comentar | ver comentários (7)

Segunda-feira, 19.11.12

Platini quer ser presidente da FIFA. Comprou a presidência da UEFA com o apoio dos países pequenos e agora quer comprar a presidência da FIFA com o apoio inquestionável dos clubes de elite. A sua última decisão, levada a estudo pela FIFA, é o golpe de graça definitivo ao futebol europeu tal como o conhecemos e o início de uma nova era, a da Superliga dos grandes do Velho Continente, os senhores do dinheiro e da história. Os seus novos amigos.

 

Imaginem uma edição da Champions League sem clubes portugueses. Sem gregos. Sem turcos.

Imaginem provas europeias sem muitos clubes espanhóis ou italianos, sem espaço para holandeses, austriacos, suiços ou sérvios. Imaginem por isso mesmo não uma Champions League mas uma Superliga europeia. Porque é isso mesmo que Michel Platini quer que vejam daqui a nada. Um torneio de elite onde os demais, os pobres, os pequenos, os periféricos, não têm lugar.

A notícia de que o francês, presidente da UEFA, apresentou à FIFA uma proposta para acabar com a co-propriedade é o primeiro passo real para essa nova ordem futebolística. O mercado actual, com os preços inflacionados pelos milhões das provas europeias e o investimento dos magnatas mundiais nas ligas inglesa, russa, espanhola e agora francesa - aliada à impecável gestão dos clubes alemães - não deixa margem de manobra para clubes como os portugueses, mas também instituições de prestigio em França, Itália, Espanha, Turquia, Holanda ou Grécia. Para sobreviver em provas da UEFA e competir contra clubes que, tantas vezes, têm mais dinheiro no banco de suplentes que o rival em campo, desde há vários anos que o modelo de co-propriedade se tornou fundamental.

Os clubes não podem pagar os salários actuais e os valores de transferência e não viver entre dividas atrás de dividas. Se querem ser competitivos claro. Para aliviar essa carga financeira, negoceiam com fundos, com empresários, com outros clubes. Entre eles criam uma teia de sobrevivência. Comprar parte de um passe, vender pedaços de um jogador para poder mantê-lo na equipa, é o santo e senha de qualquer um desses clubes na situação actual. Vejam o plantel de FC Porto, SL Benfica e Sporting CP. Vejam o do Atlético de Madrid, Valencia, Galatasaray, Bessiktas, o da Lazio ou Udinese. E descubram quem é que pertence, realmente, ao clube e quem não. Verão que a maioria das suas estrelas jogam com uma camisola mas, quando vendidos, entregarão o lucro aqueles que os têm no seu regaço, realmente. Acabar com essa realidade - uma triste realidade, é certo - é acabar com esses clubes e permitir, de uma vez por todas, que o futebol de todos seja de uns poucos.

 

Claro que esta medida de Platini é tudo menos inocente.

O francês quer suceder a Blatter, que o lançou no meio do dirigismo desportivo depois da organização do Mundial de 1998 os ter apresentado, como presidente da FIFA. Quando chegou à UEFA, fê-lo da mão dos pequenos, dos que estavam contra a asfixia do G14, da gestão final de Leonardt Johansson, dessa ameaça de Euroliga. Eram mais países, eram mais votos e foi assim que Platini venceu. Prometeu mais lugares nas provas europeias, renovou a Taça UEFA, levou finais e torneios à Europa dos pequenos e bateu o pé aos grandes. Os membros do G14 tornaram-se personas non gratas, uns mais do que outros, e Platini afirmou-se no primeiro mandato como o presidente dos pobres, do futebol como espectáculo de todos. Assim podia ganhar e manter a UEFA. Mas nunca a FIFA.

Na FIFA as grandes entidades valem muito, o prestigio conta e ninguém é capaz de vencer contra os nomes que sustêm a popularidade mundial do jogo, os clubes ingleses, espanhóis, alemães e italianos. Os senhores do dinheiro russos e ucranianos e os homens dos milhões árabes. Para agradar à elite há que tratá-los como tal. Diferencia-los dos demais, em mais do que uma maneira. Londres recebeu duas finais da Champions em três anos. À Ucrânia perdoou-se tudo para ter o seu Europeu e aos russos deram-se-lhe todos os apoios na candidatura Mundial contra outros projectos europeus. Os votos da UEFA decidiram a favor o Mundial do Médio Oriente e em tudo isso houve dedo de um Platini que sonha com mais. Sonha com o trono mundial e para apaziguar os seus antigos detractores, reverteu a sua politica ao extremo de ser ele o homem que vai eliminar os poucos obstáculos que nos separam da remodelação do futebol europeu de forma definitiva.

O final da co-propriedade é o final dos clubes médios, dos clubes que ainda surpreendem, que ainda fazem sonhar mas que não dão receitas televisivas, não enchem estádios como o Camp Nou, o Bernabeu, Old Trafford ou o Allianz. São os clubes que ocupam essa incómoda fase de grupos da Champions, os que representam o futebol puro, mesmo utilizando meios pouco recomendáveis para se manter vivos. Acabar com a co-propriedade é, no fundo, acabar com o futebol europeu e abrir caminho a uma liga onde o dinheiro não é problema.

O final do conceito é justo, eticamente. Mas também o seria rever a lei Bosman e impedir equipas com 22 estrangeiros. Também o seria criar um tecto salarial como sucede actualmente na NBA e impedir que a massa salarial de um clube seja inferior à de um jogador quando se defrontam. Também seria renovar o futebol de formação e apostar de novo nos jogadores locais. Mas nada disso preocupa realmente a UEFA, disposta a olhar para o lado com os grandes mas sempre preparada para pisar os mais pequenos, principalmente desde que Platini se fartou de Zurique e prepara-se para mudar-se para Genebra.

 

A decisão do presidente da UEFA significará o fim do futebol profissional português. Os clubes, incapazes de suportar a massa salarial e o valor dos passes dos James Rodriguez, Rodrigos, van Wolfswinkel e companhia, fecharão portas, jogarão com atletas sem o mesmo nível e o mesmo potencial de crescimento. Deixarão de poder vender para subsistir e acabarão por definhar. Aqui e em toda a Europa do Sul. Ligas que tomarão o caminho dos países escandinavos e do centro da Europa, com jogadores menores, ligas ainda mais abandonadas pelos adeptos e com menos dinheiro a mover-se. A nível mundial afectará pouco outros campeonatos, salvo os sul-americanos que encontrarão forma de reciclar-se, como sempre têm feito. As estrelas actuais dessas ligas serão os suplentes de outras estrelas nos clubes de elite e asfixiarão, ainda mais, o desenvolvimento do jogo. Claro que ao francês isso interessa pouco. Por essa altura estará na sua cadeira de sonho gerindo um futebol que cada vez mais se parecerá com uma fábrica de Henry Ford do que com o sonho de uns poucos amadores do século XIX.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:19 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Sexta-feira, 28.09.12

Até aos anos 90 a FIFA tinha claro onde estava o verdadeiro poder nas estruturas directivas do mundo do futebol. Por isso os Mundiais, a sua prova rainha, o evento máximo do beautiful game, oscilava entre Europa e América, sem nenhuma discussão aparente. Mas os tempos mudaram, o dinheiro começou a faltar e Joseph Blatter teve de piscar o olho às restantes confederações e criou o critério de rotação continental. Mas conhecendo os novos horários do próximo Campeonato do Mundo, fica claro que, apesar de minoritário, o mercado europeu continua a ser a grande preocupação dos homens da FIFA.

 

Na África do Sul, a entrar em pleno Outono, os horários dos jogos eram os mesmos do que os espectadores europeus.

A diferença horária de uma hora permitia adequar os horários reais aos horários televisivos do público europeu e não houve demasiada polémica. Todos estavam contentes. Todos menos todos os adeptos fora do Velho Continente, habituados, mas cansados, de ter de ver todos os grandes torneios fora de horas. As polémicas na Europa à volta do conceito de rotação de continentes doeram à FIFA. Durante cinquenta anos a organização sempre teve predilecção pelos palcos e pelo público da Europa, mas a globalização e a necessidade de agradar a asiáticos e africanos como se agradava a europeus e americanos obrigou Blatter a dar o braço a torcer. Com os respectivos efeitos colaterais.

Na Europa não está o principal mercado do Mundial. Está o mais antigo e prestigiado, seja lá o que isso signifique em contexto de mercado de audiências, mas não é difícil ver mais pessoas a seguir o torneio na Ásia, na América Latina e até mesmo em África do que na Europa. E no entanto tudo ainda é feito à sua medida. Depois das criticas dos horários do Mundial de 1994, nos Estados Unidos, com jogos em horários de altas temperaturas para não desagradar os europeus, a FIFA capitulou e o Mundial da Ásia, no Japão e Coreia do Sul, viu-se essencialmente pelas manhãs para respeitar o horário local e a saúde dos jogadores, por muito que os Europeus tenham tido sérios problemas em conciliar a vida laboral e o seguimento da prova. A péssima performance dos países favoritos não ajudou e na Europa o torneio foi um relativo fracasso o que deixou o aviso para edições futuras. Como a do Brasil 2014.

 

A FIFA anunciou hoje os horários do próximo Mundial e assustam.

Num país que em Junho vive um Outono tropical, que oscilará entre uma humidade e calor asfixiante especialmente nos jogos a norte, e chuvas e temporais, nas zonas costeiras, é importante ter em consideração tanto os horários como as condições em que se vão disputar os encontros. Pelos jogadores, pela qualidade do jogo e pelos próprios espectadores que vão estar fisicamente presentes na prova. Mas para a FIFA esses conceitos são superficiais quando se trata de discutir os horários televisivos, a salsa do futebol actual.

A prova arranca a 12 de Junho e o jogo inaugural será disputado às 21h00 portuguesas (mais uma no horário central europeu) - 17h00 - em claro prime time. A final, a 13 de Julho, um mês depois, será uma hora antes, 20h00 horas portuguesas (21h00 europeias) e, inevitavelmente, às 16h00 brasileiras. A final de um Mundial no calor de uma tarde brasileira é um cenário, no mínimo, surrealista. 

Na fase de grupos, onde haverá uma média de três jogos diários, vão-se usar vários cenários, desde jogos às 13h00 da tarde (hora de máximo calor) até às 21h00, também do Brasil, o que permite uma oscilação no mercado europeu das 17h00 e 01h00 da madrugada. No continente asiático, onde está o verdadeiro core de audiências, os jogos serão essencialmente transmitidos durante a madrugada, sem qualquer consideração pelos seus espectadores enquanto que o continente africano seguirá o torneio com horários similares ao Europeu. 

Na fase a eliminar, os jogos serão disputados durante a tarde brasileira e prime-time europeu. Sem qualquer respeito pelos jogadores e pelos adeptos locais. 

Para uma organização que diz que gere o jogo para o seu próprio bem, o Mundial é a verdadeira prova de fogo de como gere os destinos do seu jogo. E este Mundial prova, de uma vez por todas, que há muito que os senhores de Zurique se esqueceram do futebol para concentrar-se nos seus rendimentos. Enquanto se equaciona um Mundial no Inverno europeu para não coincidir com o calor asfixiante dos horários de Junho no Qatar, o último torneio americano nos próximos 14 anos deveria ter em consideração os próprios sul-americanos, que não recebem uma prova desde o longínquo 1978. Em vez disso, a FIFA aposta sobretudo pelo mercado europeu, talvez pensando em contentar os seus associados quando cheguem as próximas eleições - onde a UEFA terá um papel fundamental - e nos contratos com as multinacionais que fazem da Europa o seu mercado preferencial, pelo maior poder de consumo que ainda ostenta. O Brasil, mercado emergente como será a Rússia em 2020, recebe o torneio mas continua a ser forçado a adaptar-se à vida diária dos seus antigos conquistadores.

 

Para um adepto europeu estes horários são boas noticias. Mantém-se a tradição absoluta de seguir a prova rainha na comodidade dos horários pós-laborais, sem grande ginástica logística. Para o resto do mundo a situação continua a parecer-se com a asfixia de longas décadas de autoritarismo eurocêntrico. Os sul-americanos terão de decidir entre trabalhar e ver os jogos no seu torneio. Os asiáticos terão de esquecer-se de dormir durante um mês tudo para que na Europa o jantar seja acompanhado dos pratos fortes da jornada. Sepp Blatter fecha o ciclo que abriu João Havelange. Dar ao Mundo uma mão assegurando-se de que na outra fica com as suas carteiras, a sua moral, o seu futuro!



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Quarta-feira, 28.03.12

Quando era jogador nunca foi um exemplo fora do campo e nunca deixou de ser um génio dentro dele. Negou-se a treinar com a anuência de Cruyff, chegou de helicópetro ás concentrações, disputou a soco o titulo de "bad boy" do futebol brasileiro com Edmundo e passou tantas horas no ginásio como em festas em favelas e hotéis de luxo de Copacabana. Com todo esse historial nas costas era dificil imaginar o que viria a passar mas Romário está decidido a salvar o futebol brasileiro.

Era dificil de acreditar mas Ricardo Teixeira encontrou finalmente a sua nemésis.

O enteado de João Havelange, talvez o pior dos directivos de quem falava Juca Kfouri quando dizia que Deus deu ao Brasil os melhores jogadores e piores dirigentes do Mundo, foi forçado a sair finalmente do seu trono sagrado na CBF. A pressão da investigação jornalista da equipa de Andrew Jennings e do próprio Kfouri, a inimistade com Dilma Roussef foram elementos fundamentais na sua saida. Mas quem deu o tiro de graça foi Romário. 

O "Baixinho" foi o herói de um futebol brasileiro orfão de lideres depois da debacle emocional do Mundial de 90 quando a nostalgia do futebol arte da geração de Telé Santana já era um longo adeus. O país perdoou-lhe tudo. A sua indisciplina crónica, a sua falta de profissionalismo absoluta, os casos com as mulheres, as discussões com os colegas e os rivais, as suas amizades com alguns dos traficantes mais perigosos do Rio de Janeiro e, sobretudo, do seu ódio crónico á imagem sagrada de Pelé. Em troca Romário deu-lhes o melhor futebol que o país viu nas eras entre Zico e Ronaldo. Terminou com a seca de 24 anos sem vencer um Mundial de Futebol, nuclear na campanha dos Estados Unidos em campo e fora dele. Tornou-se no terceiro maior goleador da história do país, apenas atrás do "Rei" e de Friedenreich, por muito que muitos dos golos fossem abertamente questionados por todos. Passou pela Europa onde se doutorou com Cruyff e enimistou com Robson, Ranieri e Aragonés voltou ao Brasil como semi-deus. Depois fez-se politico. As más linguas, e no Brasil a má lingua é um desporto nacional como jogador futvoléi nas suas praias perfeitas, diziam que a sua carreira politica, como a de muitos nomes ligados ao futebol, era apenas uma forma de se proteger face aos problemas fiscais que há anos o enfrentavam a Brasilia. Provavelmente teriam razão mas na capital artificial do gigante sul-americano Romário transformou-se, como Pelé, no rosto mais claro de oposição á CBF. O histórico avançado do Santos não teve o poder politico e mediático para vencer a luta com Teixeira e num último acto de desprezo o ex-presidente da Confederação recusou-se a convidá-lo para a cerimónia de apresentação da fase de apuramento para o Mundial de 2014. Mas com Romário, o homem que viveu com ele um dos episódios mais tristes da história da CBF na ressaca do Mundial dos EUA, não encontrou forma de vencer.

 

As criticas do "Baixinho" começaram por centrar-se na organização do Mundial.

Romário utilizou o seu lugar em Brasilia e o seu poder nas redes sociais para atacar violentamente a organização do torneio. Um torneio onde todos, incluido o próprio Sepp Blatter (que aprovou em 2000 a rotatividade de continentes também a pedido expresso de Teixeira),  começam a termais dúvidas do que certezas. As obras levam um atraso histórico, há ainda sérios problemas de financiação com estádios e infra-estruturas, aeroportos e estradas por construir e um pais com uma tremenda pujança financeira que começa a questionar-se, na pessoa da sua nova presidente, se gastar tanto dinheiro para enriquecer a FIFA - da qual Teixeira continua a ser membro honorário - é realmente um bom investimento. 

Das criticas ao torneio - que a imprensa brasileira apoia entusiasticamente- o ex-dianteiro apontou baterias a Teixeira. Criticou a sua gestão de mais de duas décadas, a profunda desorganização do futebol nacional no Brasil, o mitico e polémico contrato com a empresa americana Nike e, sobretudo, o investimento paralelo que pode fazer valer a Teixeira e alguns dos seus principais colaboradores contratos milionários com a própria FIFA. O mano a mano durou meses e inicialmente Teixeira, habituado a ser desafiado por tudo e todos, se mostrou condescendente. Aceitou colaborar com o avançado na sua campanha a fazer dos que padecem de sindrome de Down (como uma das filhas de Romário), declarando um investimento de 32 milhões de reais e uma série de bilhetes gratuitos para as organizações patrocinadas pelo deputado. Mas não chegou. No final o cerco mediático organizado por Romário deu ainda mais destaque ás revelações da Folha de São Paulo sobre os seus negócios paralelos. A má performance do Brasil em campo, as queixas de corrupção secundadas pela procuradoria geral e a perda de apoio na FIFA obrigou Teixeira a ceder o seu posto ao seu braço-direito, José Maria Marin. O novo dirigente não só garantiu que a filha do seu antecessor, directiva na CBF, iria manter-se no cargo onde foi colocada pelo pai, como garantiria uma reforma milionário para o ex-presidente até 2030.

Os que pensavam que a luta de Romário era apenas com Teixeira ficaram surpreendidos quando o homen do PSB-RJ anunciou que continuaria o seu combate até limpar a CBF de todo o rastro de "teixeirismo", declarando publicamente o apoio a Ronaldo Nazário como eventual candidato presidencial para a federação brasileira de futebol, no próximo ano.

 

Com a reeleição praticamente garantida, Romário emulou Pelé em campo e fora dele. Nos anos 90 o histórico jogador brasileiro desafiou os poderes da CBF com a lei que levou o seu nome e que tinha como objectivo reformular totalmente o mais caótico campeonato do Mundo. O poder do lobby da CBF no Senado destroçou uma lei prometedora. Passados quase 15 anos outro homem de 1000 golos prepara-se para continuar a luta para salvar o seu futebol. Entre festas, jogos de futvolei em Copacabana e sessões do Senado, o "Baixinho" revelou-se ser maior que a sua própria lenda. Os cartolas do futebol brasileiro que se cuidem...



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 23:38 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Terça-feira, 06.12.11

Seguramente que qualquer leitor do Em Jogo conhece James Will. Seguramente que muitos o viram jogar, a parar remates indefensáveis, a realizar defesas impossíveis no último minuto debaixo de um imenso temporal. Ou a comandar a área com a destreza dos mais hábeis e o espirito dos mais guerreiros. Seguramente que James Will é um nome tão familiar para qualquer um como seria Luis Figo...certo? Errado. James Will é o paradigma do erro, o exemplo da abordagem do futebol profissional ao futebol de formação que tem alimentado e destruido carreiras vorazmente durante os últimos 30 anos. Will é o anonimato da mesma forma que Figo representa o sucesso máximo. Cruzaram-se no caminho e pareciam ir por caminhos similares. Mas um continuou e o outro ficou para trás. E não foi o único.

Poucas pessoas realmente viram jogar James Will.

Uma das razões mais evidentes foi a curtissima carreira do jogador. E Will seria um de muitos anónimos que não singraram no jogo não fosse por um mero detalhe: em 1989 a FIFA achou por bem otorgar-lhe o prémio de Melhor Jogador do Mundial de sub-17, realizado na sua Escócia natal. Torneio que perdeu, na final, contra a Arábia Saudita. Nessa prova brilharam grandes futuros craques do futebol mundial como Fode Camara, Khalid Al Romahi ou Gil. Claro que, no meio deste talento que os olheiros da época se prestaram a encumbrar como estrelas futuras, havia um tal de Luis Figo, então ainda um mero júnior do Sporting CP que anos mais tarde se convertiria no simbolo do futebol mundial, depois de Florentino Perez fazer dele o primeiro "Galáctico". No dia em que assinou o contracto com o Real Madrid é dificil saber se algum dos anteriores jogadores ainda eram futebolistas profissionais. Will desde já não o era.

O guarda-redes escocês foi a grande figura do conjunto da casa e exibiu-se a alto nível. Mas nunca chegou a assinar um contracto profissional. Fartou-se das exigências do futebol de elite e seguiu a sua vida como policia de trânsito na sua pequena localidade. O futebol pode ter perdido um grande guarda-redes - como a FIFA sugeriu e muitos olheiros comprovaram - mas a sua experiência tornou-se no paradigma futuro de uma politica incapaz de entender as gigantescas diferenças entre o futebol de formação e o futebol profissional.

Com a globalização os clubes (e alguma imprensa) dedicam esforços à procura de prodigios cada vez mais precoces. Contratam jogadores imberbes, imaginam que em cada miudo de bairro está o próximo Messi e suspeitam a cada simples demonstração de talento os milhões que podem estar ali no futuro. E no entanto a maioria dos jogadores aos 17 anos (e aos 15 e aos 19) é um potencial Will mais depressa do que um potencial Diego Armando Maradona, que dez anos antes venceu o mesmo troféu que o escocês, mas que precisou de meia dúzia de anos para realmente "explodir" como futebolista.

 

A lista de "Wills" do futebol moderno não tem fim.

A cada torneio UEFA e FIFA surgem nomes que depois caem no esquecimento. Demasiadas expectativas, um torneio bom de um jogador com condições medianas, a performance colectiva capaz de exaltar o individuo, o peso do rival ou, simplesmente, a falta de comportamento profissional de um jogador que é ainda um miudo...tudo são factores que muitos esquecem na ânsia de ser os primeiros a descobrir a grande novidade a seguir. A maioria dos jogadores jovens sucumbem à pressão de serem exibidos como bandeiras. Muitos desistem como James Will. Outros são atraidos pelos milhões dos grandes clubes europeus para acabar por jogar em equipas de escalões inferiores, lamentando-se do que podia ter sido e não foi. E outros, pura e simplesmente, colapsam.

Arsene Wenger inaugurou a corrida às jovens promessas mundiais mas teve o savoir faire suficiente de seleccionar jovens que correspondiam a comportamentos padrão que definiam uma margem de sucesso considerável. Qualquer manager ou olheiro de elite sabe que um torneio curto é a pior forma de conhecer o valor real e potencial de um jogador. Normalmente aqueles que mais brilham neste tipo de competições são os que menos longe chegam como profissionais. Estrelas cadentes de um mundo sem perdão.

É no estudo continuado, na análise estatisticas de comportamentos, exibições e atitudes durante um largo periodo de tempo que se descobrem as verdadeiras pérolas do futuro. Muitos deixam-se levar pelo comportamento mediático das estrelas de domingo. Figo nesse torneio não brilhou talvez ao mesmo nível que Will. Mas profissionalmente a sua carreira foi ascendente, em todos os sentidos e beneficiou, de certa forma, dessa pressão ausente que sofreu o escocês e também nomes tão familiares como Nii Lamptey, Daniel Addo, Mohammed Kathiri ou Sergio Santamaria, todos eles detentores do mesmo troféu. Mesmo as consagrações de Landon Donovan, Sinama-Pongolle ou Anderson acabaram por ser mais prejudiciais do que benéficas para os jogadores e nos tempos recentes talvez só mesmo Cesc Fabregas (já então pupilo de Wenger) tenha escapado a uma maldição repleta de lógica e disfarçada de preconceito. O futebol de formação de hoje é cada vez mais uma escola de resultados e imediatismos. Os clubes e as federações procuram productos para vender agora e não estão dispostos a formar jogadores e profissionais para cinco anos. No último Europeu de sub-20 as selecções mais prometedoras, Espanha e Colombia, ficaram pelo caminho. E no entanto é fácil ver que daquele grupo sairão mais desportistas de elite do que das selecções finalistas, Brasil e Portugal.

 

A abordagem em modelos de jogadores mais fisicos e menos técnicos - e o caso francês é evidente - pode dar resultados no momento mas, a longo prazo, não dá frutos. Por cada Figo haverá sempre 100 James Will, jogadores de consumo imediato e precoce que, como as estrelas pop juvenis, se tornam em one hit artists superados facilmente pela fornada que vem já a seguir. O paradigma do erro, em que Portugal apostou recentemente, acreditando que o futebol de formação se faz de titulos e não da preparação de futebolistas de futuro não é caso único e no entanto não deixa de ser um erro repetido vezes sem conta. O projecto de formação do FC Porto, onde tanto dinheiro se investiu, foi coroado de titulos e no entanto não há a perspectiva de nenhum jogador da cantera estar agora ou no amanhã nos quadros da equipa principal. Se o sucesso espanhol mede hoje tudo, deveria ser óbvio para todos que apostar em futebolistas é mais rentável do que apostar em ganhadores, por muito que demore dez anos até que os génios de Xavi, Xabi Alonso ou Andrés Iniesta sejam devidamente reconhecidos. Pérolas individuais existirão como sempre, jovens potreros de bairro encandilarão olheiros atentos mas essa fome de descobrir the next big thing será sempre mais um handicap do que o caminho a seguir. O futebol de formação, como qualquer projecto educativo, precisa de tempo, espaço e ar para respirar. James Will sentiu na pele a asfixia de ter de ser alguém antes do tempo. Há 22 anos o paradigma do erro estava aí e poucos quiseram ver. Hoje há muitos como ele quando a sua história - e a de tantos outros - devia, a pouco e pouco, converter-se na excepção que faz a regra!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:40 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Sábado, 06.08.11

Em Pristina estão cansados de esperar. Mais de dois anos depois continuam num beco sem saída. A bola não rola, espera pacientemente uma decisão. Depois de tantos nãos, esperar é mesmo tudo aquilo que têm. O Kosovo quer ser independente. Os kosovares querem jogar futebol. Com a sua bandeira ao peito. A FIFA e a UEFA dizem que não é a hora mas a bola está farta de esperar...

Em Fevereiro de 2008 o Kosovo declarou unilateralmente a independência da Sérvia.

Foi, talvez, o derradeiro capitulo de um conflicto nos Balcãs com 17 anos de história. A Sérvia, destroçada por dentro depois de tantas guerras e sanções, fez um ultimo esforço diplomático e rejeitou aceitar a existência dessa República do Kosovo. Por uma vez o Mundo teve paciência e decidiu ouvir Belgrado antes de tomar uma decisão. De tanto ouvir as palavras ficaram presas no ar e a rápida decisão prometida pela ONU eternizou-se. E eterniza-se ainda hoje para desespero dos quase dois milhões de kosovares. O país não conseguiu a unanimidade necessária para ser considerado oficialmente um país - que conceito mais repelente esse de depender da vontade alheia para ser alguém - e procurou desfraldar a recém imaginada bandeira por outra via. O futebol, como sempre, era o caminho mais rápido. E eficaz.

Um mês depois da declaração unilateral representantes kosovares apresentaram-se na Suiça para convencer os executivos da FIFA e da UEFA a deixá-los entrar nas suas "célebres" familias. Futebolisticamente o Kosovo pertence à última divisão europeia, a mesma por onde andam as Ilhas Faroe, Malta, Lieschtenstein ou São Marino, por exemplo. Só um clube kosovar, o FC Pristina, passou pela primeira divisão sérvia. A maioria dos jogadores que podiam fazer parte de uma hipótetica equipa nacional kosovar estão divididos entre Albânia, Finlândia ou Suiça. E nenhum deles mostrou um exacerbado patriotismo que os fizesse sequer considerar a possibilidade de abdicar das regalias que têm hoje para cantar o novo hino nacional. A sua estrela mais cintilante, Lorik Cana, jogador da Lazio joga actualmente pela Albânia e não parece ter pressa para mudar. Ele, como muitos, vive também na sua encruzilhada particular.

 

Blatter e Platini foram peremptórios. Enquanto o Kosovo não for reconhecido pela ONU os kosovares têm de pensar noutras opções para jogar futebol. Oficialmente eles são uma não-nação, seja lá o que isso for. Irritar os russos e espanhóis é um preço que os dirigentes desportivos não estão dispostos a pagar. Os kosovares não têm culpa, afinal às restantes repúblicanas balcânicas houve até uma pressa ensurdecedora para dizer que sim antes do tempo. Eles pagam a factura de tempos pretéritos e sensibilidades agudas.

Mas a federação kosovar não desistiu. Os contactos com a Albânia, o país que mais apoiou o recém-constituido estado kosovar, levaram à realização do primeiro jogo amigável - que não oficial - para a selecção do Kosovo. Claro que os albaneses ganharam (3-1) mas isso importava muito pouco. Mas, mesmo assim, o Kosovo continuou a ser visto por tudo e todos como um desses estados malditos condenados a jogar entre si vezes sem conta. Estados como o Chipre do Norte, Monaco, as comunidades autonómicas espanholas, Sapmi, Greenland, Crimeia, Padania, Ocitânia, Gibraltar ou as ilhas de Man e Guernsey.

No último ano e meio os kosovares têm tentado organizar amigáveis com a maioria das federações mas a complexa situação politica tem sido, até a esse nivel, um sério impedimento. O apoio da Arábia Saudita (o Kosovo, como a Albânia, é um país iminentemente muçulmano) e da comunidade emigrante na Suiça deram a possibilidade ao seleccionador Albert Bunjaku de começar a fazer rodar alguns dos jogadores que decidiram assumir a sua condição de kosovares desde o principio. Jogadores como o guardião do Novara, Samir Ujkani, o lateral do Tottenham Ajet Sehu ou o médio do Hannover 96, Valdet Rama, jovens promessas que há dois anos teriam sido repescadas pelas selecções dos países onde cresceram (e o caso albanês continua a ser o mais evidente) e que agora começam a desenhar o futuro do futebol kosovar.

 

Parece impossível que o Kosovo possa estar na linha de partida para a qualificação para o Europeu de 2016 em França. Os timings das principais instituições não facilitam e a burocracia a essas estâncias é ainda mais gritante. Mas o sonho do futebol kosovar está bem vivo. Uma nação que espera por um milagre para não cair no esquecimento a que o futebol internacional muitas vezes devota os países de onde não saem os Messis do futuro.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:59 | link do post | comentar | ver comentários (7)

Sexta-feira, 22.07.11

Sabe o adepto comum como se vive o futebol nos bastidores? Apesar da informação voar à velocidade da luz na era da internet e redes sociais ainda há muitas verdades escondidas habilmente em cofres fortes no meio das montanhas. Em FOUL! The Secret World of FIFA, o investigador britânico Andrew Jennings expõe ao público vários episódios que deixam a imagem da FIFA em serviços mínimos. Um livro fundamental para compreender que no mundo do futebol, às vezes, o futebol conta muito menos do que se imagina.

No meio da polémica sobre a reeleição de Sepp Blatter como presidente da FIFA, a leitura de FOUL! torna-se ainda mais pertinente.

Depois de denunciar a corrupção na Scotland Yard e no Comité Olimpico Internacional, o jornalista escocês Andrew Jennings passou oito anos a estudar a organização da FIFA. E o que descobriu não foi, de todo, uma surpresa. Antes de tudo, uma confirmação. Tal como sucedia no universo olímpico, também o órgão que gere o futebol a nível mundial surge neste retrato como um microcosmos de uma família mafiosa de um qualquer filme de Hollywood. A diferença é que a ficção hollywoodesca, no caso de FOUL! desaparece por detrás dos factos que Jennings enuncia.

Único jornalista considerado persona non grata por um organismo de prestigio internacional como a FIFA, Andrew Jennings é o rosto do programa Panorama e colunista do britânico Daily Mail. Actualmente mantem uma página web onde denuncia regularmente os elementos de corrupção que encontra nas principais organizações desportivas mundiais. E é também o maior pesadelo de Sepp Blatter.

Na obra, publicada pela primeira vez em 2006, Jennings expõe o presidente da FIFA como uma das personalidades mais corruptas da actualidade. Acusações de suborno, fraude nas várias eleições ganhas por Blatter, dinheiro resgatado dos cofres da FIFA para uso pessoal e, sobretudo, a criação de uma corte de subordinados que tem governado (ou melhor, desgovernado), o futebol mundial nos últimos anos, são apenas os pontos mais quentes. Mas dentro de um livro apaixonante, com um ritmo de novela policial e um tom mordaz profundamente britânico, Jennings vai ainda mais longe. Enumera datas, nomes, dados e valores que provam a teia de corrupção em que vive a FIFA desde a chegada de João Havelange ao trono do futebol mundial em 1974.

 

Ler FOUL! é, essencialmente, um acto de coragem. Coragem para acreditar que o fair play e a verdade desportiva são, sobretudo, mitos.

Descobrir como os Mundiais são atribuídos, de que forma os milhões e milhões de euros que passam pelas mãos da FIFA são distribuídos pelos homens de confiança do presidente e, sobretudo, como o adepto comum vive num mundo de fantasia quando pensa no universo futebol é uma leitura difícil mas necessária. A realidade dói sempre, mesmo aos mais cínicos, e saber como homens como Jack Warner, Bin Hamman (curiosamente as figuras-chave na última polémica de Blatter) Julio Grondona, Ricardo Teixeira e Michel Platini tecem as teias que asfixiam o futebol é fundamental para saber ler nas entrelinhas.

Jennings arranca a sua obra - com edição brasileira publicada recentemente - relembrando como a FIFA entrou no mundo do profissionalismo global e mediático com o apoio inequívoco das empresas Adidas, Coca-Cola e McDonalds (desde os anos 70 os patrocinadores oficiais do organismo) graças à mão do polémico João Havelange. Do mandato do brasileiro passamos à apresentação da figura de Blatter, o eixo central da pesquisa. Formado no meio pela Adidas, colocado na organização da FIFA por Horst Dassler, o suíço é descrito como uma figura tenebrosa, rasteira e profundamente corrupta. Jennings cita colaboradores, documentos oficiais e o próprio presidente da FIFA para tecer o retrato de uma figura que se assemelha mais a um "príncipe" de Maquiavel do que a um dirigente de uma organização desportiva. De Blatter a obra passa para uma análise mais certeira a outros elementos da sua habitual entourage (todos eles investigados pelas autoridades policiais ao longo dos últimos anos) e relembra casos como a falência da ISL, a compra de votos na atribuição dos últimos Mundiais, as polémicas decisões da FIFA em branquear a venda ilegal de bilhetes e os direitos televisivos das suas competições e a vendetta organizada pelo presidente contra as associações que, desde 1998, não têm apoiado as suas sucessivas candidaturas. FOUL! também passa ao outro lado do espelho e mostra um retrato certeiro, se bem que desalentador, daqueles que ousaram desafiar o império FIFA. Directivos de pequenas associações, jornalistas, figuras do sistema jurídico e empresas vitimas de fraude por parte de Blatter e companhia dão a sua visão sobre o reinado do suíço nos últimos 13 anos à frente dos destinos do futebol mundial.

 

Em suma, FOUL! é um livro sobre futebol que não dedica uma só linha ao desporto. Explora sobretudo o lado mais obscuro da mais poderosa organização mundial - com mais membros que a própria ONU - e a forma como o jogo jogado vive constantemente castrado pelas decisões dos directivos da FIFA em Zurique. O progressivo afastamento dos adeptos, a mediatização dos principais torneios, a corrupção, os crimes, as suspeitas, imagem negra e soturna de uma realidade que está aí mas que consegue permanecer debaixo do radar da imprensa diária. Mergulhar na obra de Andrew Jennings é, sobretudo, mergulhar no lado mais realista e nefasto do futebol. Mas também é um exercício fundamental para perceber como se movem as peças de xadrez da próxima vez que uma noticia aparentemente sem contexto se cruze com o seu olhar num qualquer pequeno almoço informativo.

 

 

A análise de FOUL! The Secret World of FIFA: Bribes, Vote-Ringing e Ticket Scandals abre uma nova secção no Em Jogo. Nos próximos meses analisaremos alguns dos mais importantes livros sobre o beautiful game publicados nas últimas décadas. Livros sobre táctica, ligas, corrupção, competições, jogadores, questões politicas, sociais e económicas que permitirão aos leitores conhecerem a fundo as distintas realidades de que vive o mundo do futebol.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:59 | link do post | comentar | ver comentários (9)

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