Sempre que penso em Moeller-Nielsen penso em Portugal. Penso na esperança de um futuro, não melhor. Mais feliz. Depois de uma década com uma selecção maravilhosa, viciada nas derrotas inesperadas, os dinamarqueses encontraram em Møller Nielsen o antidoto para a depressão. Foram campeões da Europa e não se perguntaram como e porquê. Não fazia falta. Depois de uma geração dourada pode sempre haver ouro. É preciso é saber como encontrá-lo.
Lembro-me de cada jogo do Euro 92. Consumi o torneio até à exaustão possível.
Caderneta de cromos completa (para quem não se lembra, a caderneta incluía a Jugoslávia), vídeo sempre preparado para gravar jogos, resumos e uma bola esfarrapada, destinada a ser chutada da mesma forma que as estrelas golpeavam debaixo do estranho sol sueco o esférico oficial do torneio. Lembro-me de tudo e no entanto, lembro-me pouco da Dinamarca. A razão é simples e prosaica. Não eram uma equipa para recordar. Jogavam pelo seguro, com quatro defesas duros, cinco médios rápidos e correctos e Brian Laudrup, livre de ataduras tácticas, só na frente. Sim, Brian. Os que adoravam a ideia de um triunfo dinamarquês faziam-no, seguramente, porque tinham na retina a mítica Danish Dynamite. Os anos dourados de Elkjaer, Simonsen, Lerby, Molby, os irmãos Olsen...e Michael Laudrup. Mas o maior génio da história do futebol nórdico não estava lá. Tinha preferido ficar na praia onde o resto da equipa se preparava para descansar depois de uma dura temporada. A suspensão da Jugoslávia, acabada de entrar em guerra, abriu uma vaga surpreendente para os dinamarqueses. Laudrup, que não suportava os métodos de Moeller-Nielsen, preferiu retirar-se temporalmente. Já imaginava um destino similar ao dos torneios anteriores. Enganou-se. Sem ele (também porque jogavam sem ele) os dinamarqueses sobreviveram a uma fase de grupos soporífera com a pior versão de sempre das selecções inglesa e francesa numa competição oficial. Apuraram-se como segundos, atrás dos anfitriões, aguentaram a soberba holandesa até ao penalties e confiaram tudo às mãos gigantes de Peter Schmeichel. Quando os alemães deram conta, já tinham perdido uma final que a Dinamarca não podia ganhar. Mas que tinha ganho. Moeller-Nielsen, o homem que atirou o futebol dinamarquês vinte anos atrás no tempo, foi coroado rei de Copenhague. O mundo ao contrário.
Se alguém pergunta a um adepto de futebol neutral com algum conhecimento da história do jogo quem foi o treinador mais importante da história do futebol dinamarquês, a resposta sai fácil. Sepp Piontek, alemão de nascimento, pegou num país onde o futebol era um desporto quase amador e transformou-o numa das maiores potências do continente europeu. Durante dez anos a Danish Dynamite fez o mundo sonhar. Mas um dinamarquês poderá ter outra resposta na ponta da língua. Poderá dizer que, para eles, esse homem foi Richard Moeller-Nielsen. O que faz uma vitória.
Nielsen era um treinador cinzento, sem grande inspiração. Apostava, sobretudo, na organização táctica do sector defensivo como pedra de toque das suas equipas. Era um homem precavido. Defender primeiro, atacar depois e com o menor número de toques a ser possível. Era um dos seguidores da escola britânica que tinha conquistado a Escandinávia nos anos setenta, entrando pela Suécia e chegando rapidamente até aos vizinhos noruegueses e dinamarqueses. A sua etapa ao comando da selecção dinamarquesa provou ser o apogeu dessa corrente. Foi durante esses anos que a Noruega chegou a ocupar o primeiro posto do ranking FIFA, participando em dois Mundiais consecutivos. E que a Suécia, depois de três décadas cinzentas, chegou a duas meias-finais de competições internacionais. Era o renascimento do futebol nórdico a partir de um ideário táctico e emocional em tudo distinto ao que celebrizou os dinamarqueses dos anos oitenta. Mas compensava. Com dois títulos - o Euro 92 e a Taça das Confederações de 1995 - Moeller-Nielsen deu ao povo dinamarquês o que nunca tinham tido: sucesso. A "Geração Dourada" tinha ficado presa na nostalgia romântica dos anos 80. Eram bons, muito bons. Tinham o apoio dos adeptos neutrais internacionais. Mas não sabiam ganhar. De repente, uma geração repleta de ilustres desconhecidos, onde o jovem Laudrup, Kim Vilfort e Schmeichel eram as figuras de proa, aparece do nada e a partir da ordem, da organização defensiva e do trabalho colectivo começam a ganhar. Uma redenção emocional como houve poucas na história do futebol mundial. A eliminação na fase de qualificação para o Mundial de 1994 (uma derrota em Sevilha com a Espanha, a besta negra dos dinamarqueses) e um pobre Euro 96 (graças, a entre outros, a cabeça de Sá Pinto) acabaram com o reinado de Moeller-Nielsen. A sua carreira caiu em picado porque a sua fórmula era limitada, pouco inspiradora e estava datada. Com um ar mais ofensivo, com Laudrup de novo ao leme, os dinamarqueses realizaram um brilhante Mundial de 1998 e qualificaram-se para os quatro torneios seguintes. Mas o seu papel na história não pode ser esquecido. E serve de aviso. Principalmente para países como Portugal.
Eternos derrotados, os portugueses já sofreram o fim de três "Gerações de Ouro". Aconteceu no pós-66, no pós-86 e depois de 2006, quando ficou evidente que nem a união do melhor dos meninos de Riade e da Luz com o FC Porto de Mourinho e a aparição de Cristiano Ronaldo era suficiente para apagar as mágoas. Para muitos adeptos a sentença final estava dada. Se nem com esta equipa a selecção portuguesa vencia, nunca seria a hora. Mas talvez isso fosse o que pensavam os dinamarqueses. Antes de 1992, antes de Moeller-Nielsen. Ele é o exemplo perfeito de que um treinador sem chama nem brilho pode encontrar um atalho para o sucesso pelas vias mais inesperadas. Provavelmente, no futuro, ninguém se lembre dele em comparação com o romantismo da geração anterior. Mas no livro de história só há um selecionador dinamarquês campeão da Europa. E é ele. O homem que hoje nos deixou para sempre e cujo o legado será sempre analisado com a suspeita de quem não se lembra sequer de se o seu cromo aparecia na colecção oficial!