Sábado, 28.01.12

Rafa Benitez uma vez soltou uma dessas confissões que raramente escutamos de treinadores e que nos ajudam a entender a diferença do jogo visto de dentro e de fora. Para o espanhol o primeiro nome que colocava no alinhamento de cada jogo importante que tinha pela frente não era nem o do espanhol Torres, do guardião Reina ou do capitão Gerrard. Para ele, e muito poucos, o equilibrio do seu "Pool" dependia de um holandês pouco convencional que sabia impor a sua lei.

 

Dirk Kuyt faz mais lembrar os grandes dianteiros nórdicos do passado, os Tore Andre Flo, Keneth Anderson, Niels Liedholm, Hans-Peter Nielsen e companhia do que, propriamente, uma estrela do futebol mediático contemporâneo. E no entanto há poucos futebolistas tão supremamente decisivos nos esquemas tácticos das equipas onde jogam como ele. O anti-divo é também o anti-holandês, com todos os preconceitos que isso pode trazer na imagem pública de um jogador que entende como muito poucos o conceito de desporto de equipa.

Kuyt define-se não pelos golos que marca nem sequer pelos passes que realiza, ambos com certeira regularidade. O espaço é o verdadeiro medidor da sua real influência, tanto na sua etapa holandesa no Feyenoord como mais tarde tanto em Anfield como de laranja ao peito. Dentro do panorama internacional é dificil encontrar um dianteiro que saibai tão bem entender o espaço como ele. E essa caracteristica tão holandesa parece escapar áqueles que se ficam pelo exterior e por esse aspecto de bom gigante que o afastam do herói romântico cultivado por Cruyff e prolongado mitologicamente por van Basten, Bergkamp, Sneijder ou van Persie.

Sem ter a magnitude histórica de Ruud Gullit - um desportista mais do que um simples futebolista - este é o verdadeiro espelho onde se deve medir a influência de Kuyt sobre os padrões contemporâneos. Quando o futebol do Liverpool começou a empalidecer, nos últimos dias de Benitez ao leme e durante o curto mandato de Hogdson, mais do que a falta de golos de Torres, da irregularidade de Reina e das lesões de Gerrard, os adeptos da Kop lamentavam a perda de influência de Kuyt no manejo do ritmo de jogo colectivo. Posicionado habitualmente nos extremos, Kuyt abre e fecha o campo com a autoridade de um general que decide quando mandar a cavalaria atacar o flanco adversário ou penetrar as linhas centrais da infantaria com uma carga determinante.

 

Ao apontar o segundo golo no histórico confronto contra o Manchester United o holandês ganhou o direito de voltar ás capas dos jornais e revistas. Mas poucos têm medido a recuperação do clube pelo reencontrar do melhor ritmo de jogo do dianteiro. Kenny Dalglish, treinador mais inteligente do que muitos querem conceder, sabe que tem em Suarez e Carroll uma dupla importante no ataque mas que sem o jogo de Kuyt o trabalho do inglês e do uruguaio vê-se, demasiadas vezes, multiplicado por dois.

Kuyt nunca ganhou um titulo ao serviço dos Reds mas esta temporada já foi parte importante na campanha que levará o Liverpool a defrontar o Cardiff na final da League Cup e agora revelou-se instrumental em garantir a passagem ás derradeiras etapas da prestigiosa FA Cup, dois troféus em que os homens de Dalglish podem, legitimamente, sonhar em vencer. Se a liga há muito que é uma miragem - e mesmo um lugar na Champions League - coleccionar troféus aparentemente secundários pode resultar num estimulo revigorante para a psique de Merseyside, profundamente depressiva depois de mais de duas décadas sem levantar um troféu ligueiro. Kuyt viveu toda essa maré de descontentamento mas, paradoxalmente, sempre pareceu ser uma das mais eficaz soluções para ambicionar a algo mais. Tal como van Marjwick, o seleccionador holandês, entendeu, ter um jogador das suas caracteristicas, tanto fisicas como tácticas, é uma mais valia que nenhuma equipa moderna pode desprezar. O seu sentido de oportunidade já faz parte da lenda de Anfield e apesar dos seus 31 anos não permitirem a mesma frescura quando soube ao tapete verde de vermelho ao peito, a sua influência na estrutura táctica de uma equipa que este ano deambula entre o 4-4-1-1 e o 3-5-2, já se revelou determinante. A lembrança das suas parcerias com Kalou em Roterdam, Torres em Liverpool e van Persie com a selecção holandesa trará sempre á memória a lembrança de jogadores como John Toshack, Teddy Sheringham ou Chris Sutton, elementos fundamentais no sucesso goleador dos seus colegas de ataque que acabaram por não receber o aplauso mediático que tanto mereciam. Tal como o galês do Liverpool com Keegan, também Kuyt soube transformar-se um mago do espaço e da oportunidade e fez-se mais jogador cada vez que deixou o caminho livre para o seu parceiro de ataque brilhar. Anfield, como sucedeu com Toshack, sempre lhe reconhecerá essa generosidade que o transforma, ao mesmo tempo, num dos jogadores tacticamente perfeitos para qualquer treinador. Benitez soube-o, Dalglish sabe-o e van Marjwick, que o conhece bem dos dias de vermelho e branco, talvez saiba-o mais e melhor do que ninguém.

 

Se em Liverpool o génio de Kuyt encontra-se perfeitamente reconhecido, o próximo Europeu dará ao holandês uma oportunidade de ouro para vencer o primeiro grande troféu numa carreira que, curiosamente, se fez quase sempre sem titulos. O seu lugar no quarteto ofensivo da Laranja Mecânica parece inquestionável mesmo que isso provoque a suplência de algum dos grandes artistas que os holandeses levarão com armas e bagagens para conseguir o que em Joannesburgo ficou por lograr. Enganar o fantasma da história!



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Segunda-feira, 31.10.11

Quando Guardiola emerge como figura máxima da expressão artística que define hoje o seu maravilhoso Barcelona atrás de si emerge sempre a figura na sombra de Johan Cruyff. Espelho de uma relação de admiração mútua que traça directamente a ponte entre o Dream Team e o Pep Team, olvidando pelo meio aquele herói que, ainda hoje, Can Barça teima em renegar. Sem ele o futebol moderno seria bem mais pobre e talvez o duelo entre Guardiola e Mourinho hoje fosse apenas uma mera utopia.

O elogio unânime ao futebol do Pep Team parte do principio que o técnico de Santpedor foi, provavelmente, o primeiro treinador a conseguir transformar o Camp Nou no santuário do futebol internacional recorrendo, sobretudo, à célebre cantera da Masia. Em Roma e Londres, palcos das suas duplas conquistas europeias, o Barcelona de Guardiola alinhou com oito jogadores da formação. Sete, se excluirmos Pedro Rodriguez, que chegou a Barcelona já com 17 anos e a formação realizada em Las Palmas. E, no entanto, desses sete jogadores, apenas um deve a sua presença no palco principal do futebol europeu ao técnico: Sergio Busquets.

Guardiola falou várias vezes da herança de Cruyff como elemento refundador do FC Barcelona moderna. Um discurso no qual alinham os seus jogadores, directivos e a esmagadora maioria da imprensa catalã contemporânea. É um reconhecimento natural de quem sabe que deve a sua carreira ao técnico holandês e quem se tornou, de certa forma, o símbolo dessa mutação desportiva em Can Barça que foi a valorização do producto interno. Até aos anos 90 o Barcelona era um espelho fiel do que é o Real Madrid de hoje, um clube mais gastador do que formador, clube que apostava em figuras incondicionais como Cruyff, Maradona, Liniker, Schuster, Simonsen, Romário, Laudrup, Stoichkov ou Ronaldo para paliar o seu imenso défice de produção própria. A cantera de Barcelona celebrizou-se na figura esguia e célere de Guardiola, criou o mito do número 4 - do qual Xavi, Fabregas e Thiago são sucessores - mas até à chegada de Guardiola poucos lhe prestavam a devida atenção. Talvez porque interessa à sempre facciosa imprensa catalã valorizar uma figura local, um homem que, se quisesse, seria hoje president da Generalitat, em detrimento de um passado vestido de laranja. E não o laranja de sant Jordi.

 

Cruyff, o homem que refundou a cantera do Barcelona com o seu ideário de "rondo, rondo, rondo", jogou a final do Wembley de 1992 com dois jogadores formados em casa. Guardiola era um. Ferrer, o lateral direito que passou pelo Chelsea, era o outro. Durante a sua estância em Can Barça o técnico holandês especializou-se a comprar, comprar e comprar o sucesso que obteve. Chegaram da liga espanhola os bascos Zubizarreta, Bakero, Goikotxea, Nadal, Sergi e Salinas. Da nata do futebol internacional Koeman, Stoichkov, Laudrup e Romário. À base de muito dinheiro o Dream Team venceu a Champions League de 1992 - a primeira do clube - e quatro ligas consecutivas, três das quais na última jornada. Depois de três anos de derrotas aos pés da Quinta del Buitre do Real Madrid, a última verdadeira aposta na formação do clube merengue. Quando Cruyff foi despedido, em 1995, a sua filosofia de cantera ainda fazia muito pouco sentido para a directiva do clube que preferiu apostar num inglês - Bobby Robson - que trouxe ainda mais estrelas para a equipa como Ronaldo ou Vitor Baía, que se juntaram a Figo, Hagi e Popescu, nomes que Cruyff tinha contratado para renovar as suas fileiras. Seguindo essa politica o Barcelona continuou a ignorar o producto bruto e só a figura, sempre criticada, de Ivan de la Peña, surgia como um náufrago de estrelas alheias.

Foi a chegada de Louis van Gaal que mudou, definitivamente, o rosto do clube catalão.

Hoje, mais de dez anos depois do seu ambicioso discurso, a maioria dos adeptos do Barcelona continuam a preferir esquecer a sua figura quase dictatorial e o seu génio desportivo. Depois de triunfar em Barcelona (só lhe faltou vencer a Champions League), van Gaal já se reinventou na Holanda (com o seu AZ Alkmaar) e na Alemanha (com o Bayern) e mesmo assim o mundo do futebol continua a olhar por cima do ombro quando o seu nome veio à baila. Nessa apresentação em 1998 o técnico que tinha levado o Ajax à glória europeia anos antes com base na formação local defendeu que o Barcelona, devido à sua idiossincrasia, devia apostar numa equipa formada, maioritariamente, com jogadores locais. Vencer a Champions League com uma maioria de jogadores da casa era o seu objectivo numa gestão a longo prazo. Não o deixaram estar tanto tempo mas houve outros que viveram da sua politica desportiva.

 

Van Gaal foi o primeiro treinador a convencer os directivos do Barcelona a lançar, à imagem e semelhança do Ajax, uma rede de olheiros em todo o Mundo para pescar, na mais tenra idade, as grandes promessas do futebol internacional. Assim chegou, em 2001, um tal de Leo Messi desde a Argentina, algo impensável sob o modelo de gestão anterior do clube.

O técnico holandês queria aplicar a filosofia de Cruyff a outro patamar e foi com ele que realmente todas as equipas do clube, desde os infantis aos seniores, começaram a jogar no mesmo desenho táctico que permitia para o futuro formar algo mais do que números 4. O "rondo, rondo, rondo" continuou a ser o modelo de jogo vigente, mas os conceitos de pressão, de preparação física e, sobretudo, mental, que não existiam na filosofia cruyffiana, tornaram-se objecto de estudo e aprendizagem na fábrica de La Masia. Enquanto a equipa principal vencia títulos com esse misto de holandeses, estrelas internacionais e estrelas em ascensão, começavam a formar-se as condições para que os Iniesta, Fabregas, Valdés, Piqué e companhia encontrassem um Barcelona muito diferente àquele que Guardiola conheceu no final dos anos 80.

O mal amado holandês, sempre criticado pela imprensa local, foi também o responsável directo pelo sucesso actual do clube catalão quando, contra indicações da própria direcção, lançou na primeira equipa a jovens como Xavi Hernandez, Charles Puyol (na sua primeira etapa) e mais tarde a Andrés Iniesta, Victor Valdés e Fernando Navarro (hoje no Sevilla) quando voltou a Barcelona, sem grande sucesso. O seu braço direito de então, José Mourinho, foi o responsável por algumas dessas apostas, já que era o técnico responsável de orientar os jogos na Taça Catalunya, onde Xavi, Puyol e companhia deram os primeiros toques na bola como profissionais do Barça.

Quando van Gaal saiu do clube - e o projecto de Gaspart entrou em espiral destructiva - o clube equacionou vender tanto a Xavi como a Puyol. O dinheiro da transferência de Figo foi gasto em jogadores de segunda linha e a formação continuou a ficar esquecida até que outro holandês, Frank Rijkaard, herdou a herança de van Gaal (com Valdés e Iniesta à cabeça) e seguiu as suas directrizes, juntando ao quarteto da casa - que se sagrou campeão europeu em Paris - o génio de Ronaldinho. E, no entanto, sob o seu mandato - e o de Laporta - tanto Piqué como Arteta e Fabregas foram forçados a emigrar para a Premier porque o clube continuava a olhar de outro lado para o producto da casa por muito que o técnico tentasse ir lançando jovens da cantera.

 

Guardiola herdou um esquema perfeitamente montado pelo ideário táctico de Cruyff e, sobretudo, a aposta clara de van Gaal na ideia de um onze da casa. Herdou sobretudo um esqueleto formado por quatro jogadores em quem só van Gaal acreditou durante larguíssimos anos e a figura omnipresente de um Leo Messi que, talvez, sem a politica de prospecção importada pelo mal amado técnico desde Amesterdam talvez nunca tivesse jogado de blaugrana. Desde a sua chegada, em 2008, que Guardiola já fez estrear a 19 jogadores da casa, o último dos quais a grande promessa Gerard Deulofeu. E, no entanto, só um deles, Busquets, encontrou um lugar à sombra na equipa principal. Entre os restantes 18 há jogadores que abandonaram o navio, outros que continuam a preparar-se na equipa B e um trio (Fontás, Thiago e Cuenca) que é utilizado como back-up de um plantel que continua a ser quase tão gastador como nos dias de Cruyff (Villa, Alves, Ibrahimovic, Abidal, Adriano, Maxwell, Keita, Afellay, Alexis Sanchez) e que mesmo assim consegue transmitir uma ideia totalmente desfasada da realidade na opinião pública. O génio táctico de Guardiola é inequívoco mas o seu rosto de Lancelot da formação blaugrana é uma das mais gritantes falácias do futebol actual. À distância, o mesmo homem que rejuvenesceu o Ajax, revitalizou o Bayern Munchen e quebrou a hegemonia do futebol holandês com o seu AZ continua a ver a sua criação recolher os mais rasgados elogios sem que nunca o seu nome saia à tona. Mourinho, outro dos seus discípulos, outro producto dessa sua formação obsessiva - até de treinadores - está no outro lado da barricada e não tem o mais mínimo interesse em seguir a filosofia de um dos seus mentores. Talvez olhando para o que se vive em Barcelona tenha razão. Afinal, se nem Xavi nem Puyol se lembram de onde vieram, porque não acreditar neste conto de fadas?



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:58 | link do post | comentar | ver comentários (8)

Quarta-feira, 12.10.11

Qualquer adepto seria capaz de citar de memória um eventual top 3 do futebol holandês. Há Cruyff, há van Basten, há Gullit...mas, faz este pódio (ou qualquer outro) algum sentido quando não há espaço para aquele que foi, provavelmente, o jogador tecnicamente mais dotado da história recente do futebol europeu? Para Dennis Bergkamp o futebol era, sobretudo, uma questão de arte...

Não era ballet mas tinha traços desse movimento de pés súbtil e perfeccionista. Mas também não era propriamente futebol.

Certamente que a definição do jogo de Bergkamp estaria sempre a meio caminho de qualquer coisa. Na sua Holanda natal a vide mede-se em ângulos exactos, em regras rigidamente definidas pelo tempo, pela história e pelo espaço. Os holandeses aprendem desde cedo o que custa manter um país ganho ao mar, o que vale cada centimetro de erva. Um país sem montes, um país sem curvas que contornar, onde todos seguem em frente, onde todos podem olhar para lá do horizonte. Mas onde nem todos são capazes de ver tudo o que o horizonte é capaz de esconder.

Sem necessidade de correr, os holandeses aprenderam o valor de fazer as coisas andando. Bergkamp mais do que nenhum outro. Se Cruyff ficou célebre pelas suas arrancadas, se van Basten se posicionava com pequenos passos enquanto Gullit corria de um lado ao outro, o jovem Dennis sempre trabalhou a uma velocidade diferente de todos os outros. Nem demasiado rápido, nem excessivamente lento. E sempre entendeu o valor de uma linha recta.

Como um quadro de Piet Mondrian, esse revolucionário que os holandeses entendem melhor do que se imagina, o jogo de Bergkamp moldou-se sempre na simplificação do complexo. No poder do fácil. Cada gesto técnico era executado com a frieza e limpeza de um cirúrgião, de um verdadeiro profissional. Bergkamp não era um matador, o desfrute dele não fazia sentido num jogo pautado pelo conflito. A sua experiência falhada em Itália, ao serviço do Internazionale, espelhou bem o seu desencontro com um mundo onde a arte, a estética, eram relegados sempre para um apagado segundo plano. Tecnicamente, Bergkamp continuava a ser melhor do que todos. Mas os outros 21 jogadores, pura e simplesmente, estavam a jogar outro jogo. E só, como quase sempre se sentiu, o prazer perdia-se.

 

A sua fama de filósofo moderno dos relvados embate com a crença actual de que um jogador de futebol pode ser tudo menos um artista culto.

Bergkamp pode sentar-se num qualquer café de Amesterdam e debater sobre o mais erudito dos temas sem que deixe transparecer que foi na verdade um futebolista de elite. Entre todos os seus treinadores só Arsene Wenger o entendeu, só ele soube falar o mesmo idioma.

Nem Cruyff, o seu primeiro técnico, dono de um vocabulário e uma mente própria, nem Hiddink, o seleccionador que não o soube aproveitar da melhor forma ao serviço da Orange, souberam decifrar o seu eterno enigma. O do homem que não voava por pavor a morrer numa queda violenta mas que era capaz de adentrar-se na selva de pernas dos defesas napolitanos num derby quente no San Paolo.

Quando chegou a Inglaterra, em 1995, a Premier League ainda não era no que se tornou e salvo Eric Cantona e David Ginola, dois franceses desterrados, os estrangeiros continuavam a ser olhados com desconfiança. Com ele o "boring Arsenal" transformou-se numa ópera clássica de requinte especial. O seu jogo de pés, a sua visão e, sobretudo, a parceria que estableceu com o cosmopolita Ian Wright, mudaram a face do jogo nas ilhas britânicas e transformou radicalmente o rosto de um clube adormecido.

Ao serviço do Arsenal o genial holandês executou as suas maiores obras de arte. Para Bergkamp um golo não era mais do que uma tela nua, preenchida com o seu apurado pincel e depois exposto com orgulho diante dos olhares atónitos do mundo. Essa falta de espirito killer provocou-lhe demasiadas criticas mas, por outro lado, reforçou ainda mais a sensação de grandeza cada vez que Dennis se transformava em Bergkamp.

Perder a conta aos golos, passes, desmacarcações ou sublimes remates de Bergkamp tornou-se num hobby tão respeitável como o de passar horas sentados no Louvre a contemplar, em adoração, as obras mais ousadas de da Vinci. A forma como abria e fechava o campo com um só gesto, autoritário como um general, diletante como um pintor da rive gauche parisina, tornaram-no num jogador especial. Wenger posicinou-o atrás do ponta-de-lança, primeiro Wright e depois Henry, dois jogadores que falavam o mesmo idioma intelectual e refinado que o holandês. Emulou assim a Cantona, que então se retirava, num gesto táctico que significou a morte definitiva (mas não imediata) do histórico 4-4-2 britânico. Esse posicionamento, que não repetiu numa Holanda repleta de outros artesões com egos muito maiores que o seu, permitiu ao Arsenal voltar a saber o que era ser campeão e durante meia década tornou-se igualmente no santo e senha dos amantes do futebol champagne, que os gunners herdavam do Milan de Sacchi com uma tremenda e insuspeita naturalidade.

 

Como muitos dos grandes génios, o seu reconhecimento passou ao lado dos grandes momentos. Com a sua Holanda falhou um Mundial que lhe parecia destinado, especialmente depois de, com três movimentos astairianos, desmembrar a jugular da nação argentina. Com os "gunners" faltou-lhe a consagração europeia que tinha servido à santa trindade holandesa que citamos ao inicio para confirmar o seu papel como estrela absoluta do jogo. Num desporto baseado em números, os de Bergkamp parecem efectivamente menos impressionantes que os dos seus compatriotas. Mas como a arte, essa revolta interna de um homem contra o mundo, ainda não se pode medir, é possível que haja sempre alguém corajoso o suficiente para proclamar Bergkamp como a tulipa mais resplandecente que o horizonte pode contemplar...



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Quarta-feira, 28.09.11

Longe vão os dias das brincadeiras de Ruud Krol, capaz de deixar emudecido um imenso e apaixonado Santiago Bernabeu. Hoje um duelo europeu entre Real Madrid e Ajax Amsterdam (treze troféus em conjunto) é apenas uma noite europeia qualquer. Uma noite em que o modelo de futebol que levou ambas as equipas à grandeza mundial se esconde por debaixo de um tímido tapete verde à espera de voltar a ver os malabarismos de um génio pretérito qualquer...

A vitória do Real Madrid esconde, pela enésima vez, o mutismo futebolístico da equipa mais cara da história.

A obsessão constante pela vitória, doença crónica de um clube que encontrou em José Mourinho o melhor exemplo humano da farsa moral de uma instituição, ameaça com destroçar os resquícios de jogo que fizeram da Castellana uma rua temível, do Santiago Bernabeu um palco de sonho. Hoje vencer o Ajax Amsterdam é um triunfo tristemente menor, um triunfo sem sabor especial, longe desses duelos históricos capazes de definir um antes e um depois. Numa fria noite de Março de 1973 os holandeses visitaram o Bernabeu. Iam a caminho da sua terceira vitória consecutiva na prova. A equipa da casa há mais de uma década que não sentia o sabor da vitória, mas o seu peso moral no futebol europeu era inquestionável. Mas quando Cruyff, Neeskeens e Krol começaram a tocar na bola, todos no estádio souberam que viviam numa espécie de viagem no tempo em que o passado era cada vez mais distante e o futuro se tinha transformado num absoluto presente.

Hoje o futuro futebolístico do Real Madrid é um tremendo ponto de interrogação e o passado uma memória esquecida por debaixo da pedra dura e seca que cimentou as bases do mais bem sucedido clube de futebol do Mundo. O sucesso e as ideias aqui caminham em lados opostos da imensa Castellana, desencontrados de forma constante e quase irreconciliável. O futebol bate à porta mas ninguém o deixa entrar, sob falsos aspectos morais de triunfos a qualquer preço, de marketing puro e duro e, sobretudo, de uma equipa de trabalho que preferiu procurar os atalhos em vez de descobrir onde dava a avenida principal.

 

Um 3-0 enganador, como quase sempre, que deixa o Real Madrid na sua habitual euforia de optimismo.

Frente a um Ajax menor, moral e desportivamente. A equipa de Frank de Boer tem a intenção mas peca por falta de engenho, talento e, sobretudo, dimensão. Sem Luis Suarez foram campeões, pela primeira vez em largos anos, mas também perderam o toque de magia que os distinguia numa liga holandesa que, ano após ano, vai perdendo esse dom de mágica irreverência que sempre teve. Este Ajax é pequeno, pequeno demais para o seu próprio escudo, e não é o discurso populista e ideológico de De Boer, agarrando-se ao ideário cruyffiano, que irá resgatar um clube histórico mas, hoje, sem armas nem ideias.

Por isso mesmo é ainda mais penoso seguir noventa minutos vazios de futebol. Noventa minutos em que a bola, órfã, pedia a gritos que alguém se lembrasse que ela existia, mais do que para simular provas de atletismo. O Real Madrid abdicou, de forma definitiva, de jogar à bola. Optou pelo atalho do contra-golpe como uma perigosa constante que já deixou de forma declarada, a nu, todas as suas debilidades. Contra o Levante e o Racing Santander, equipas a quem há que saber jogar com a bola nos pés, que os espaços sabem guardar eles, os merengues foram tão inofensivos como um cachorro de pastor alemão. Contra aqueles clubes que, moralmente, são forçados a procurar a bola, mesmo sem a encontrar, o cachorro mostra os dentes e solta todo o seu pedigree.

Em lances rápidos o Real Madrid é a equipa mais perigosa do mundo. Lances que se parecem mais a ensaios de rugby, com corridas furiosas e celebrações histéricas do que, propriamente, a um jogo de futebol. A bola não se move pelo terreno de jogo, não se sente cómoda. É forçada a sprintar, a voar por cima da relva. Não há outra ideia, não há outro argumento. Xabi Alonso, talvez o melhor pensador de jogo fora do hemisfério Barcelona no futebol espanhol, é forçado a zarandear a bola de um lado para o outro, como um limpa pára-brisas humano. A velocidade do tridente ofensivo, incapaz de jogar de forma pausada, faz o resto. O golo inaugural é o exemplo perfeito da classe limitada deste projecto mourinhiano. Um projecto que em dois anos preferiu contratar e potenciar jogadores que gostam de entender o jogo como uma corrida de felinos. Kaká, potenciado pelo contra-golpe milanês e transformado num ídolo sem sentido. Karim Benzema, jogador de soberana classe que se entende melhor com a bola em alta velocidade do que com os momentos de necessária pausa e reflexão. O desborde louco e descontrolado de Angel Di Maria. A verticalidade com classe - mas tantas vezes sem pausa - do genial  (e subaproveitado) Mezut Ozil. E o protótipo humano da máquina futebolística, sem magia de improvisação, de Cristiano Ronaldo. Entre eles, salvo o ausente argentino, alinharam-se para conjugar um excelente movimento colectivo a alta rotação que define, sem nenhum reparo, a identidade futebolística de uma equipa de futebol que gosta de jogar sem bola. 

 

No final todos ficam contentes até ao próximo desaire. O projecto Florentino Perez 2.0, perdão, o projecto José Mourinho, vive eternamente no limbo, necessita a sua dose de adrenalina semanal, dessa histeria desportiva que não leva a lado nenhum. A bola pede que a acariciem, que a saibam sentir, mas há uma constante e eterna negação em procurar formas mais evidentes e claras de sentir-se superior. O Real Madrid actual supera-se ao negar-se, triunfa esquecendo-se desse gesto de Krol. A bola, que nos pés desse louco holandês se sentia cómoda suficiente para brilhar com luz própria, emudece quando a fazem suar como um recruta em exercícios militares. No fundo já nem sabe sequer se está a viver uma noite especial. Quando sobe ao relvado do Bernabeu é apenas mais uma noite europeia qualquer...



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Terça-feira, 29.03.11

Quem conhece a natureza do futebol espanhol desde as suas raízes sabe bem que o jogo popularizado pela brilhante Roja nos últimos três anos é a antítese da alma hispânica. Espanha conseguiu os títulos e a glória que sempre buscou a partir do momento em que deixou de ser ela mesma e passou a emular, passo a passo, a mentalidade de jogo holandesa. No futebol não há nada novo a inventar e comparar a evolução da equipa que deu forma ao Futebol Total com a selecção do país vizinho é como olhar para o reflexo num espelho. A Roja podia ter sido Orange e ninguém teria dado por isso...talvez só mesmo os espanhóis!

 

 

 

Rondo, rondo, rondo.

Quem ouve Xavi Hernandez, o maestro da selecção espanhola e o mais completo futebolista dos últimos anos, é forçado a guardar esta palavra espanhola no seu vocabulário. O equivalente ao nosso "meinho", esse exercício quase infantil, mudou por completo o rosto do futebol espanhol. Começou na Catalunha - como sucedeu nos anos 20 com a primeira versão grande versão da Roja, algo que a história centralista procurou esquecer - e hoje é o santo e senha do país. E o motivo de admiração do mundo. Mas o rondo de Xavi é tudo menos espanhol. Aliás, o rondo de Xavi é a antítese do futebol espanhol. É profundamente metódico, organizado, criativo e veloz, características difíceis de encontrar na mentalidade desportiva de um país que olha para um desafio como vê uma tourada, à procura do lado esteta e da vitória triunfal em ombros alheios. Esse mítico rondo que definiu um modelo de criativos que hoje compõe a estrutura base da campeã da Europa e do Mundo chegou tarde a Espanha. Chegou com Johan Cruyff. O mago feiticeiro da Holanda dos anos 70 foi também o responsável directo pelo renascimento do futebol de toque, de ataque, romântico, paralelamente em duas realidades. Quando arrancou a sua carreira como técnico, no seu amado Ajax, lançou os princípios que iriam definir o renascimento do futebol holandês e que durou até ao inicio desta década. Responsável primeiro das gerações que encantaram o mundo de 1988 a 1998, Cruyff voltou a mostrar aos holandeses o que faz deles especiais. Essa paixão pelo toque curto, pelo passe lateral, pela basculação sem perdas de bola. Esse gosto pela velocidade da bola (e não do homem) tornou-o também o pai fundador do Barcelona moderno. Até 1988 o clube catalão viva mais da fama de vitima do franquismo do que dos seus (poucos) títulos. Com Cruyff tudo mudou. O rondo chegou aos treinos, as equipas de formação de La Masia passaram a seguir os mesmos ensinamentos aplicados às estrelas do Dream Team e a pequena La Masia passou a formar, desde a sua origem, as peças do futuro. Essa mentalidade, desenvolvida por Rinus Michels nos anos 60, marcou um antes e um depois na história do futebol moderno. Mas em Espanha ninguém lhe ligou muito, nem quando o técnico pregou aos peixes de Barcelona em 1972. Enquanto a Holanda deslumbrava com o seu futebol mágico, com laterais ofensivos, falsos pontas-de-lanças, extremos bem abertos mas incisivos e médios criativos, em Espanha ainda se apostava na fúria. E não era, como muitos dizem, um exclusivo do duro futebol basco. O Real Madrid dos "yé-yés" ou dos "Garcia", as equipas que sucederam à constelação de estrelas de Di Stefano e companhia também preferia "hecharle huevos" a pensar o jogo. E do Barcelona, mesmo com génios tácticos como Michels ou Menotti, era mais fácil esperar jogos frenéticos e desorganizados do que um futebol estético. O futebol espanhol sempre foi um futebol de raça mais do que de talento. De tal forma que hoje em dia - e até Xavi  (com as excepções de Suarez, Butrageño e Guardiola) - todos os grandes nomes do país passam por ser figuras raçudas mais do que jogadores talentosos: Quini, Raul, Santillana, Gordillo, Camacho, Michel, Rexach, Hierro, Luis Enrique, Martin Vasquez, Peiró, Aragonés... 

 

A grande transformação cruyffiana marcou um antes e um depois na história do futebol espanhol.

Quando o Barcelona deixou de ser o Barcelona para passar a ser a versão holandesa do clube catalão tudo mudou. Cruyff impôs as suas normas e os seus métodos e apesar dos altos e baixos na sua polémica gestão a ideia germinou. O futebol espanhol vivia um significativo atraso comparativo com outras nações europeias (e pouco condizente com o estatuto da sua liga, sempre mais depressa apoiada em figuras estrangeiras do que em valor local) e começou a trabalhar na recuperação. A cantera, antes um conceito mais económico do que técnico, passou a fazer sentido. Particularmente em zonas onde o nacionalismo valora, profundamente, o produto local. Athletic Bilbao e Barcelona deram um passo à frente. A lei Bosman fez com que os clubes de Madrid dessem um passo atrás. Curioso é pensar que são dois técnicos formados e criados na capital que melhor souberam entender os ensinamentos do holandês. Aragonés e Del Bosque não são grandes treinadores no sentido táctico ou mediático do termo. As suas carreiras são longas e cheias de altos e baixos. Mas a forma como o primeiro interpretou os ventos de mudança e o segundo soube controlar a transição geracional é louvável. Porque estavam a lutar contra o que eles próprios defenderam durante a sua etapa como atletas e primórdios como jogador.

Ver jogar as equipas de Aragonés (principalmente Atlético Madrid e Barcelona) e Del Bosque (no Real Madrid) e encontrar traços de similaridades com esta Espanha é tempo perdido. Não os há. Essas equipas eram assumidamente espanholas na sua paixão pela fúria, pelo ataque continuado e pela desorganização táctica no sector defensivo. Mas em 2007 Aragonés entendeu que o 4-4-2 espanhol, que tantos fracassos acumulara, tinha perdido definitivamente a validez como ideia. E olhou para trás. Provavelmente para os jogos de Cruyff, não como técnico, mas como jogador. Se há alguma equipa que alguma vez se tenha parecido àquela Holanda é esta Espanha. Talvez os interpretes estejam uns furos abaixo individualmente (Villa não é Cruyff, Iniesta não é Resenbrink, Ramos não é Surbieer, Capdevilla não é Krool, Xabi Alonso não é Rep, Puyol não é Haan e Busquets não é Neskeens). Mas o sentido colectivo está lá. As transições coordenadas, a troca de bola fluida e constante, em movimentos laterais que permitem procurar espaços e desgastar, ao mesmo tempo, o rival e, sobretudo, a fluidez ofensiva entre o quinteto de meio-campo e o dianteiro, permitem-nos traçar essas similaridades. Espanha pensa o jogo como uma equipa holandesa. Não só "aquela" mas todas as que se seguiram. Se a Espanha jogasse de laranja e cada jogador da meseta castelhana tivesse um van como prefixo ninguém se estranharia. Talvez por isso catalogar o sucesso da Espanha como sucesso da ideia de futebol espanhol é, não só abusivo, como um erro. Não há nada de novo nos jogos da Roja que não tivesse sido posto em prática há 40 anos. Há melhoramentos (principalmente na faceta defensiva) e coisas a melhorar (esta Espanha continua a dominar pouco os extremos, algo de que Aragonés abdicou totalmente com um quinteto de "bajitos" - Silva, Cesc, Xavi, Iniesta, Cazorla - e que Del Bosque procura timidamente recuperar com Pedro) mas a filosofia de jogo é similar. Mais até do que a do próprio Barcelona que soube inculcar as próprias características autóctones ao jogo de Cruyff e os ensinamentos que Guardiola recebeu de Capello e Sacchi na sua estadia transalpina. Esse seu Barça é talvez ainda mais Total que a equipa capitaneada pelo seu mentor. 

 

 

 

Não podia ser mais irónico que a consagração da Espanha holandesa tenha surgido frente a uma Holanda que renegou, desde o primeiro dia, tudo o que faz parte da sua bíblia futebolística. O killer-instinct que faltou à Holanda nos Mundiais anteriores (e em três deles foi a melhor equipa do torneio) tornou-se excessivo com a formação que viajou até à África do Sul. Essa falta de classe deixa, se cabe, ainda mais a nu a aproximação mental e estética dos espanhóis à mentalidade neerlandesa. Os nomes são profundamente espanhóis, os físicos não enganam, mas o jogo que Iniesta lança no tapete verde não se vê na planície manchega de Fuentalbilla mas sim na verdejante Volendam muitos quilómetros a norte. O passe de Xavi não existe na tradição futebolística de Terrasa, mas há muito que faz parte do abecedário dos parques infantis de Amesterdam. A Espanha dos moinhos de D. Quixote transformou-se na Espanha dos moinhos de vento holandeses. Os adeptos sabem, lá no fundo, que esta equipa é tão estrangeira como qualquer outra. Mas acabar com uma fome de títulos de meia século não tem preço, mesmo que o que há que pagar seja a própria identidade futebolística de um país. Esta Espanha é temível e sê-lo-á na próxima década porque, precisamente, há muito que deixou de ser Espanha e passou a ser a ideia concreta de um pensamento abstracto cor-de-laranja.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 18:21 | link do post | comentar

Segunda-feira, 25.10.10

Houve uma época em que viajar à "Banheira" de Roterdão era mergulhar no próprio Inferno. Hoje quem vive escaldado debaixo da terra são os adeptos do Feyenoord. O primeiro grande do futebol holandês vive há largos anos uma crise financeira que ameaça já a própria sobrevivência do clube. A derrota humilhante por 10-0 em Eindhoven apenas reforça o inevitável. O gigante de Roterdão fez-se imensamente pequenino.

Em 1983 o Feyenoord perdeu por 8-2 contra o PSV. Naquela equipa militava já um jovem flamante Gullit. A derrota destrozou as opções do clube na corrida ao titulo mas a curto prazo significou um "reboot" da equipa. Dois anos depois o clube de Roterdão dava a volta por cima e fazia história. Mas aquela tarde foi como uma pequena excursão ao inferno.

Foi a última vez que o gigante de Roterdão viveu uma noite de enfarto. Até hoje. A era de ouro já tinha passado mas a pouco e pouco os de Roterdão foram recuperando o seu prestigio perdido. Mas nada era como antes. Em 1969 os vermelho e brancos tinham feito história ao sagrar-se campeões europeus, o primeiro clube do norte da Europa não britânico a lograr um feito que marcaria tendência para a década e meia seguinte. Foi o inicio de uma era de quatro ceptros europeus consecutivos para a Holanda. Mas seria o único do Feyenoord. Superado pelo Ajax de Johan Cruyff, os de Roterdão passaram a um inevitável segundo plano interno e europeu. Mesmo assim reconquistaram o ceptro holandês várias vezes durante a década e em 1974 voltaram a uma final europeia, a Taça UEFA, ganha diante do Tottenham Hotspurs. Em 1984 o clube viveu a sua última grande época. Com Johan Cruyff e Ruud Gullit no ataque, os de Roterdão fizeram a dobradinha pela última vez na sua longa história e quebraram uma fome de dez anos de titulos domésticos. A ascensão financeira do conjunto patrocinado pela empresa Philips, o PSV Eindhoven, durante os inicios dos anos 80 foi um duro golpe para o conjunto do imenso De Kuip. O PSV sagrou-se campeão europeu em 1988 e o Ajax voltou a vencer em oito anos três provas europeias (a Taça da Taças em 1987, a Taça UEFA em 1991 e a Champions League em 1995), relegando definitivamente Roterdão para o terceiro posto na lista dos grandes clubes orange. Uma queda acompanhada por graves problemas financeiros que foram abalando as estruturas do "gigante adormecido". A equipa especializou-se em ganhar Taças da Holanda (sete em nove anos) vendo-se no entanto incapaz de acompanhar o ritmo dos eternos rivais na Eredivise. Em 1999 a equipa surpreendeu tudo e todos e voltou a sagrar-se campeã nacional. Pela primeira vez desde 1984. Pela última, até hoje.

 

Não foi na majestuosa "banheira" de Roterdão. Foi no estético Philips Stadion, transformado em inferno durante 90 minutos.

O Feyenoord chegou a Eindhoven com problemas. Seguia 14º (numa liga de 18) e sem grandes perspectivas de voltar a lutar por um posto europeu, uma realidade cada vez mais utópica para uma equipa habituado às altas andanças. Os graves problemas financeiros dos últimos anos significaram a aplicação de uma politica de zero investimento. O Feyenoord sobrevive, hoje, graças às suas pérolas de formação. Luc Castaignos e Georginio Wijnauldum têm as horas contadas no De Kuip. O clube sabe que terá de os vender para abater o gigante passivo mas sem as duas grandes promessas do futebol holandês a situação adivinha-se ainda mais critica. Ontem estavam os dois no relvado. De pouco lhes valeu.

O PSV, lider invicto da prova com 21 pontos, estava na máxima força para o derby. Ao intervalo os de Eindhoven já venciam por 2-0, com golos de Jonathan Reis e Ibrahim Afellay. A expulsão de Leerdam facilitou o trabalho aos eternos rivais mas foi a apatia dos jogadores de Roterdão que acabou por fazer toda a diferença. No segundo tempo o PSV marcou oito golos em....40 minutos. O brasileiro Reis voltou a fazer o gosto ao pé por duas vezes (47 e 59), e o sueco Toivonen (49), os holandeses Lens (55 e 87) e Engelaar (69) e o hungaro Dzsudzsak (62 e 77) juntaram-se à festa. Perante o olhar impávido dos cinco mil adeptos do Feyenoord que não sabiam como reagir perante o desmoronar histórico da sua equipa. A maior derrota de sempre, uma goleada imprópria, até para uma liga onde os golos costumam fluir em abundância. 10-0, impensável, inevitável, bem real. Um aviso muito sério para o duro amanhã de uma equipa que já roça os postos de despromoção com um quarto da época já ultrapassada.

Sem rumo, o projecto do Feyenoord começa a entrar numa perigosa espiral. Ausente da Europa, ausente dos primeiros postos, suplantado pelos renovados projectos dos eternos rivais e pela ascensão de equipas sem um passado glorioso mas com um sustentado projecto de futuro, o clube de Roterdão começa a correr sérios riscos de sobrevivência. Entre planos megalómanos de um novo estádio de 130 mil lugares, os adeptos desesperam. A equipa corre o risco de descer de divisão, pela primeira vez na sua centenária história. Perder 10-0 pode ser só uma anedócta. Mas é também um simbolo. O inferno desceu à terra em Roterdão.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:25 | link do post | comentar

Quarta-feira, 05.05.10

Teve uma carreira atípica para qualquer avançado holandês. No entanto os seus golos sempre tiveram contornos decisivos desde Aos 35 anos o atirador-franco holandês decide pousar as armas depois de quinze anos a reinar na elite dos grandes goleadores do "Velho Continente". O "Fantasma" deixará de ensombrar os defesas rivais.

 

Foi na sua etapa no Bayern Munchen, já considerado então um dos máximos artilheiros do futebol mundial, que o Rudolph Makaay foi apodado de "Fantasma". Uma escolha dos adeptos bávaros para descrever um ponta-de-lança que tinha o talento inato de aparecer do nada e marcar. Assim foi a sua vida durante quinze anos, uma constante assombração para os defesas rivais.

Roy Makaay começou a sua carreira em clubes amadores holandeses e aos 18 anos começou a dar nas vistas no modesto Vitesse Arnhem, cidade perto da qual tinha nascido no Inverno de 75. Abençoado com o dom do golo, talvez herança dessa época mágica onde ser holandês era o sonho da maioria dos amantes do beautiful game, o dianteiro emergiu como a grande estrela jovem do futebol holandês. Em 104 jogos, divididos em quatro temporadas, apontou 50 golos. Mesmo assim a sua veia goleadora passava desapercebida face ao renascer do Ajax de um tal promissor Patrick Kluivert, ou do emergir de um brasileiro, avançado do PSV, chamado Ronaldo Nazário. Sem dar o salto a um grande da Eredivise, Makaay trocou o frio holandês pelo calor das Canárias. Assinou pelo Tenerife, equipa de bom gosto, e confirmou que o seu faro de golo não perdia com o efeito do calor. Duas épocas de luxo que chamaram a atenção do Deportivo la Coruña. O presidente Lendoiro pescou-o antes de outros grandes e levou-o para a chuvosa Galiza onde o holandês fez parte de uma equipa de luxo com Fran, Victor, Valeron, Djalminha, Tristan e Pedro Pauleta no ataque do conjunto azul. Foram quatro anos de eficácia pura. Mais de 80 golos pelo "Depor" e uma estreia auspiciosa com a selecção da Holanda. No seu primeiro fez história ao sagrar-se campeão de Espanha com 22 golos em 36 jogos. Era o homem da moda.

 

Em 2003 o Bayern Munchen, na ressaca da renovação do conjunto campeão europeu de 2001, decidiu apostar forte no mercado. E apostou em Makaay, que no ano anterior tinha apontado um hat-trick em Munique ao serviço do clube espanhol.

O dianteiro abandonou Espanha e mudou-se de armas e bagagens para a Baviera. No Olympiastadion ganhou uma legião de fãs indefectíveis. Partilhou o ataque com Jancker, Santa Cruz, Pizarro e companhia, mas manteve-se sempre entre os titulares nos quatro anos passados em Munique. Os seus golos na Champions permitiram algumas das melhores campanhas do conjunto germânico, incluindo uma memorável reviravolta face ao Real Madrid com o golo mais rápido da prova até então. No seu primeiro ano na Alemanha o avançado venceu a Bota de Ouro, confirmando-o como o melhor avançado da Europa. No entanto os sucessivos técnicos da Holanda, de Rijkaard a van Basten, passando por Louis van Gaal foram preterindo os serviços do dianteiro pela eficácia de van Nistelrooy, Bergkamp ou Kluivert. Mesmo assim Makaay continuou a marcar. Golos de todas as formas e feitios que o leveram a lograr mais de 100 pelo clube bávaro. Quando o clube gastou milhões em Klose e Luca Toni, o holandês percebeu que ia deixar de ser primeira opção. E foi-se embora. No total levava consigo um total de mais de 200 golos marcados em 10 anos de exilio em duas das ligas mais potentes da Europa.

Finda a etapa Alemanha, a paragem seguinte foi Roterdam. O histórico Feyenoord, a viver um periodo de vacas magras, precisa de um substituo do prolifero para Pierre van Hoidjoonk. Chega Makaay e responde como só ele sabe fazer. Em três épocas o primeiro clube holandês a vencer uma Taça dos Campeões Europeus nunca chegou a lutar pelos primeiros postos. Mas o papel do dianteiro foi determinante para evitar males maiores. Até agora, o momento em que o "Fantasma" decide por de lado a sua arma de precisão.

Durante vários anos Roy Makaay esteve na elite dos goleadores europeus. Nunca teve o impacto mediático de outros rivais e acabou sempre por pagar essa falta de carisma. Mas diante das redes raramente falhava. E nos momentos decisivos, dizia presente. Com o seu adeus fecha-se uma escola de goleadores num país carente de "killers" para enfrentar a aventura mundialista que nos espera ao virar da esquina. Mundial que o "Fantasma" nunca conseguiu disputar. A sua própria assombração!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 04:38 | link do post | comentar | ver comentários (6)

Terça-feira, 04.05.10

Com o final da Eredevise 2009/2010 o Em Jogo viaja até aos largos meses da primeira grande liga europeia que chega ao fim e elege o 11 ideal do torneio. Foram vários os jogadores de primeiro nível que ficaram de fora da corrida ao 11 do Ano. Poderiamos ter incluido Keisuke Honda, fulcral na primeira parte da época para o VV Venlo. Poderiamos ter escolhido o miolo do Ajax também com De Zeeuw, fulcral na recuperação da equipa. Ou os centrais mexicanos, Salcido e Moreno, dois jogadores a ter em atenção no Mundial. Sabendo que certamente erramos e cometemos alguma que outra injustiça, aqui fica a nossa proposta para o melhor da Liga Holandesa da última temporada.

 

Sergio Romero

(AZ Alkmaar)

 

É um dos grandes achados do ano. O guardião argentino, mais do que provável titular da selecção albiceleste no próximo Campeonato do Mundo, foi parte gorda do surpreendente sucesso do AZ na época passada. Este ano sofreu com a quebra de forma do conjunto de Alkmaar mas mesmo assim exibiu alguns dos melhores números das ligas europeias. Defesas impossíveis, uma segurança espantosa e um futuro brilhante. É um dos nomes próprios por excelência desta Eredevise.

 

Gregory van der Wiel

(Ajax)

 

Confirmou tudo o que dele se esperava. Já na época passada muito se falou sobre o potencial deste rapidíssimo lateral-direito. A espantosa época ao serviço dos ajaccied, apesar das lesões, confirmam-no como o melhor lateral do futebol holandês e o mais que merecido titular da Orange no próximo Mundial. Rápido a atacar, sério a defender, van der Wiel foi uma constante dor de cabeça para avançados e defesas rivais. Actualmente tem potencial para qualquer grande da Europa.

 

Jan Vertoghen

(Ajax)

 

Depois da saída de Vermaleen, o Ajax voltou a recorrer à escola belga. E com juros. A dupla Vertoghen-Alderweireld foi um dos esteios da recuperação do conjunto de Amsterdam, depois de um titubenate arranque. O central titular da equipa nacional emergiu como o grande lider do sector defensivo, impondo uma autoridade anormal para um jogador tão novo. Uma margem de progresso significativa deixa antever que rapidamente também ele atravessará o canal da Mancha.

 

Douglas

(Twente)

 

Nesta lista poderiam estar Salcido do PSV ou Moreno do AZ. Mas a margem de progressão ao longo do ano do central brasileiro foi de primeiro nivel. Douglas, um jovem central da selecção sub-20 canarinha, chegou, viu e venceu na dificil liga holandesa. Especialmente para um defesa pouco habituado à rotina ofensiva europeia. O jovem central impôs-se rapidamente no onze e foi crescendo ao lado de Moreno a ponto de se tornar peça chave no estilo de jogo da equipa. Uma das revelações da época.

 

Sebastian Pocognoli

(Twente)

 

O potencial do futebol belga tem assombrado os mais desatentos olheiros. Entre as grandes promessas está o lateral esquerdo do Twente. Elemento fulcral no equilibrio defensivo do onze de Enschede, Pocognoli foi convencendo os mais cépticos e num só ano saltou do banco para a titularidade absoluta no clube e na selecção. Competente a subir, certo no posicionamento defensivo, é um dos elementos mais fiáveis do histórico Twente.

 

De Jong

(Ajax)

 

É tradição histórica que o Ajax tenha um pulmão no meio-campo dificil de bater em qualquer circunstância. Actualmente o herdeiro é De Jong. Médio de muito músculo e grande sentido táctico, ao bom estilo ajaccied, De Jong é igualmente um rematador de primeira e um primor técnico. O equilibrio com De Zeeuw foi chave para dar liberdade ao trio ofensivo de Pantelic-Suarez-Suljemani. Elemento chave na estratégia defensiva de Martin Jol, foi um dos obreiros do novo rosto positivo que deu o conjunto de Amsterdam esta época.

 

Miroslav Stoch

(Twente)

 

Foi o ano de confirmação da grande promessa do futebol eslovaco. Emprestado pelo Chelsea, o médio ofensivo foi o pendulo perfeito para as rápidas transições do onze do Twente, entre o batalhador meio-campo e o ataque de Ruiz, Perez e Osei. Letal nas bolas paradas, fulcral nas assistências, ganhou os galões de herói na épica campanha do modesto clube.

 

Ibrahim Afellay

(PSV)

 

Depois de três anos torna-se claro que a Holanda é já demasiado pequena para o genial extremo direito do PSV. O médio que em 2007 explodiu definitivamente confirma agora que é um dos jogadores mais rápidos e letais do futebol do país das tulipas. Os seus golos e assistências, e a forma como soube combinar bem com Dszudzak e Toivonen, garantiram que o clube de Eindhoven tivesse aguentado quase até ao fim na luta pelo titulo.

 

Balazs Dszudzak

(PSV)

 

Foi um dos anos mágicos para o jovem hungaro. Começou o ano de forma explosiva e chegou a soar como reforço de Inverno de vários grandes do "velho continente". Acabou por ficar e perdeu algo de gás à medida que a época se foi desenrolando mas entra no onze do ano especialmente porque Honda, a grande sensação da primeira volta, saiu em Janeiro para Moscovo.

 

Luis Suarez

(Ajax)

 

Sem dúvida o jogador do ano. Melhor marcador do torneio, um dos mais proliferos goleadores da Europa, o uruguaio confirmou que o Ajax é demasiado pequeno para o seu irrequieto talento. Provavelmente a melhor pérola a não actuar em nenhuma das cinco ligas principais, Suarez foi o porta-estandarte do Ajax desta época. Mas também da Eredevise. Não só se converteu em inesperado homem-golo, como continuou a trabalhar em assistências e jogo colectivo no carroussell de ataque montado por Martin Jol. Inimitável!

 

Bryan Ruiz

(Twente)

 

O costa-riquenho foi, por sua vez, a revelação do ano. Superou o fantasma que podia ter deixado em Enschende o genial Arnautovic e foi um dos goleadores da época sem nunca descurar a sua vertente colectiva. Bryan Ruiz foi um dos exemplos perfeitos da humilde e solidária formação do Twente. Os seus golos nos jogos decisivos mantiveram a equipa sempre na linha da frente e é mais do que provável de que no próximo ano esteja bem longe do futebol holandês.

 

Steve McClaren

(Twente)

 

Manager do ano sem dúvida. Depois do segundo lugar na época passada todos pensavam que o sonho do Twente tinha data de validade. Mas o ex-seleccionador inglês, literalmente expulsado do seu país depois do afastamento do Euro 2008, voltou a demonstrar sem um técnico de primeiro nível. Aguentou as baixas de Elia e Arnautovic, reforçou-se bem, manteve uma estrutura defensiva sólida e nem permitiu que o precoce afastamento da Champions afectasse a moral das tropas. Perdeu a liderança e soube recuperá-la. Foi fiel a si mesmo durante toda a liga. E aguentou a investida final do mais temivel rival. Um justo prémio para um treinador que mostrou o quão todos estavam errados.

 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:52 | link do post | comentar | ver comentários (3)

Segunda-feira, 03.05.10

Parecia uma inevitabilidade. E no entanto tem traços de milagre. Depois do ano dos guerreiros de van Gaal, a Eredivise celebra o feito histórico dos legionários de McClaren. Uma equipa de estrelas de amanhã que brilham já hoje suplantou todos os obstáculos e bateu um dos melhores Ajax da história. Em Enschede poucos acreditam no milagre.

Os adeptos temiam que o destino lhes pregasse uma rasteira. Outra vez.

Na época passada os heróis de Enschede lutaram até ao fim com o intratável Louis van Gaal. E perderam. Quando ninguém esperava, voltaram à carga. E suplantaram todos os rivais. Do campeão em titulo AZ Alkmaar ao dominador das últimas edições da prova, o PSV. Faltava o grande Ajax. A equipa de Martin Jol que fez um campeonato em velocidade de cruzeiro para colmatar os erros de principiante. E que até ao fim acreditou num milagre particular. Nenhuma equipa marcou tantos golos como este conjunto ajaccied no que vamos de época. Um ataque demolidor com Luis Suarez como farol. Mas nem isso, nem a defesa de betão foi suficiente. Pura e simplesmente porque o Twente não tropeçava. Não cedia na corrida, taco a taco, pelo título. Na pequena localidade do norte dos Países Baixos a expectativa para este fim-de-semana era imensa. Ambas as equipas tinham de jogar fora do seu recinto. Uma vigilia de fiéis seguiu a equipa para o duelo final. O jogo mais importante da história do clube. Era proibido falhar porque os rivais de Amsterdam prometiam lutar até ao fim.

 

Bryan Ruiz e Miroslav Stoch.

São os dois nomes próprios do Twente 2009/2010. Os homens que fizeram esquecer a dupla Elia-Arnautovic que tão boa conta deu de si no ano passado. Claro que a equipa é mais do que isso. Mas essencialmente é esse duo-maravilhoso reflecte o estilo de jogo ofensivo e despreocupado do novo campeão holandês. Um minimo de justiça que tenham sido eles a decidir o titulo. À sua maneira.

Em Breda, frente ao modesto NAC, os soldados de McClaren entraram como as antigas hostes de Carlos V. Determinados a cercar com sucesso as redes do rival, os vermelhos começaram melhor o jogo. Com os ouvidos atentos. Um empate não era suficiente se os de Amsterdam batiam o igualmente pequeno NEC. A expulsão de Feher ajudou a dar o golpe de misericórdia. O inevitável Ruiz, que seria o jogador do ano não andasse por lá Suarez, abriu a contagem e anulou a vantagem que o Ajax já tinha no outro encontro. A tensão aumentava à medida que os minutos descorriam. Qualquer golpe de azar seria fatal porque os ajaccied continuavam a massacrar. Só o talento e calma do genial Stoch, que se espera que para o ano se afirme no Chelsea, souberam acalmar a tempestade. Um golo sublime que vale bem um título. Um pedaço de história.

Como bem apontou o The Guardian, o técnico Steve McClaren logrou o feito de ser o primeiro britânico a vencer uma liga europeia em 15 anos. O primeiro desde Bobby Robson e o seu FC Porto. Um mérito extra para um técnico maldito que demonstrou a superioridade de uma ideia, numa luta desigual contra moinhos gigantes. A épica vitória do modesto Twente prova bem que um projecto bem estruturado pode chegar a qualquer sitio. Até roubar o fogo aos deuses. Agora também o Twente faz parte da mitologia do desporto holandês.  



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:37 | link do post | comentar | ver comentários (9)

Sábado, 01.05.10

David e Golias? Nem tanto. Uma equipa renascida dos mortos, como qualquer relato de Stephen King. O tipico underdog, menosprezado até ser impossível de apanhar. Dois rivais de circunstância que nunca pertenceram ao mesmo escalão. Mas que a histórica coloca, frente a frente, num duelo indirecto para a eternidade. A Holanda prepara-se para inspirar e aguentar a respiração por 90 minutos.

O Twente nunca foi campeão. O Ajax tem mais títulos que qualquer outro conjunto do futebol holandês.

Uma boa história para os mais distraidos, que certamente pensarão no pequeno e humilde conjunto contra o gigante de Amesterdam. Mas a realidade é bem, bem distinta. O gigante, por assim dizer, que até é Tetracampeão europeu e conta com 29 ligas caseiras não ganha a Eredevise há 6 épocas. Mas no entanto, desde 1965 que só uma equipa ousou desafiar o poder establecido do trio dominante do futebol orange. Essa equipa é o actual campeão em titulo, que na época passada acabou com os sonhos dos adeptos do Twente. 365 dias depois os de Alkmaar vivem angustiados numa luta por um lugar europeu, cientes de que a forte aposta na Europa não funcionou. Enquanto isso, o pequeno conjunto de Twente segue orgulhoso no primeiro posto. Onde está há várias jornadas numa temporada que dominou em vários momentos. E que está prestes a vencer. Afinal, que são 90 minutos?

O conjunto orientado pelo inglês Steve McClaren prepara-se para fazer mais do que história. É uma das equipas que melhor futebol pratica nos relvados europeus. Uma verdadeira máquina de ataque que, no entanto, começou mal a época. Caiu diante do Sporting na primeira pré-eliminatória da Champions League. Na Europe League também não se exibiu ao melhor nível. Mas na Eredivise a conversa foi outra. Entrou de rompante e até ao Natal liderou o torneio. Depois viu-se desafiado pelo PSV, a grande força holandesa da década, e foi trocando de posições com o conjunto da Philips. Até que ganhou o braço de ferro e se viu isolado diante do oásis. Do sonho que ninguém arriscava a transformar em acto. Mas que está aí, bem perto de se fazer real. Os golos de Bryan Ruiz, a grande revelação da época, e o brilhante jogo do eslovaco Miroslav Stoch, pautam o futebol ofensivo da equipa. E alimentam sonhos.

 

A Liga Holandesa é das mais antigas da Europa mas até aos anos 60 manteve-se totalmente amadora. Essa foi a época da explosão do Ajax Amsterdam. O conjunto que em 1917 venceu o primeiro titulo de Liga conseguiu também a primeira vitória da Eredivise profissional. Desde então são incontáveis os titulos domésticos e internacionais das gerações de Cruyff, van Basten, Bergkamp, Litmanen e companhia. Mas há uma década que em Amesterdam se perdeu a magia do triunfo. A escola de formação, outrora a mais invejada do Mundo, entrou em declinio. E o futebol profissional ressentiu-se. A última liga ganha remonta a 2004. Depois disso a hegemonia do PSV. E a inesperada vitória do AZ Alkmaar de Louis van Gaal. Em todas essas edições o Ajax manteve-se fora da luta pelo titulo. Até agora.

Martin Jol substituiu o polémico van Basten e moldou uma equipa à sua medida. Um onze ofensivo, repleto de jovens e com vontade de comer o Mundo. A equipa que até começou bastante mal a liga foi trepando posições e ganhando duelos importantes. A um ponto do Twente o sonho continua aí e muitos lamentam-se agora de tropeções insuspeitos nas primeiras rondas. Os golos de Pantelic, Suljemani e Suarez mantiveram a esperança viva enquanto que a defesa de van der Wiel, Atouba, Verthogen e Alderweireld foi-se aperfeiçoando a cada jogo disputado. A pouco e pouco o conjunto ajaccied voltou a ser um espelho dos seus melhores momentos. Mas será tarde demais?

Hoje de tarde o futebol holandês pára. Um duelo a dois que se transforma numa disputa a quatro. Ao Ajax espera só lhe pode valer o NAC Breda, uma equipa modesta como poucas. O Twente depende si próprio mas não se importava de receber uma ajuda do NEC. Ambas as equipas jogam fora. Ambas esperam. Ambas sonham. Só uma poderá respirar tranquila. Só uma poderá vencer. Mas ambas mereciam-no. O futebol é assim, injusto por natureza.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 00:32 | link do post | comentar | ver comentários (2)

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