Segunda-feira, 19.08.13

A última década tem sido marcada pela chegada de milionários com desejo de grandeza ao mundo do futebol. Não é uma novidade, varia apenas a procedência. Dos industriais nacionais o fenómeno passou para homens de negócios americanos, do golfo Pérsico e da Rússia. Muitos compraram clubes na Europa Ocidental, outros preferiram apostar em casa. O destino inevitavelmente será o mesmo para todos. O Anzhi aponta o caminho.

Um aviso a todos os adeptos de clubes com um milionário como presidente: estejam atentos às noticias.

O que está a suceder ao Anzhi nas últimas semanas não é fruto da casualidade. Um azar do destino. Nada disso. O clube do Daguestão, essa região remota da Rússia (quantas regiões se podem chamar "remotas" na Rússia?), forçado a treinar e jogar muitas vezes em Moscovo por protocolos de segurança, está a desfazer-se como um castelo de cartas. Mesmo antes de ter arrancado.

Em causa está o fim do imenso investimento realizado pelo milionário Suleiman Kerimov. Um final esperado.

Kerimov, filho da terra, enriqueceu como tantos outros oligarcas russos de formas pouco legitimas. Instigado por Putin, esse "pai da pátria" que persuade os homens mais ricos do país a devolver à "Mãe Rússia" parte do que "levaram", Kerimov aceitou comprar o clube da sua terra, até então insignificante no panorama desportivo do país. Para acelerar o processo de concretização do sonho de emular o Zenit, o Rubin Kazan ou o Shaktar ucraniano, investiu milhões e milhões em melhorar infra-estruturas e contratar jogadores. Gastou quase 200 milhões de euros.

Á inóspita Makhachakalha chegaram estrelas decadentes do futebol europeu como Lassana Diarra e Samuel Etoo, futebolistas promissores do nível de Lassina Traoré e russos como Yuri Zhirkov e Denisov. Tudo sobre a liderança inicial de Roberto Carlos, um reclame para o mundo saber que o projecto era sério. Claro que o génio brasileiro durou pouco nos relvados e menos nas oficinas do clube. Nem a chegada do brilhante Willian - que abdicou da possibilidade de ajudar o Shaktar Donetsk a ser campeão europeu...e que falta fez contra o Dortmund - mudou um cenário devastado por um balneário ingovernável, jogadores que faziam centenas de kms para treinar e uma massa adepta pouco, digamos, entusiasta. O projecto, fictício como pode ser a transformação do AS Monaco numa super-potência (com os seus temíveis 14 mil adeptos), estava destinado a derrumbar-se.

 

O fim anunciado do Anzhi surgiu quando um dos negócios mais importantes de Kerimov derrubou-se em negociações frustradas com o governo da Bielorrúsia. Foram 200 milhões de euros perdidos de um momento para o outro que obrigaram o oligarca a repensar as suas prioridades. A ausência de resultados - qualificação europeia, boa performance na Liga Europa na época prévia, falhanço no assalto ao título - colocou o Anzhi como prioridade. Para uns farto do comportamento das estrelas, para outros com problemas de saúde, o facto é que foi o dinheiro, a sua escassez, que despoletou a reacção.

O mesmo que passou com o sheik Al-Thani do Málaga, que pode passar com Rybolev se o AS Mónaco não resolve os seus problemas financeiros - correm já os rumores que Falcao pode ser vendido até dia 1 de Setembro - e que pode suceder com Abramovich, a família real do Qatar ou os investidores que rodeiam muitos dos clubes ingleses, onde a falência de clubes é um fenómeno cada vez mais habitual, venham de donde venham. Sem dinheiro para manter o negócio a funcionar a solução é vender. O Dinamo de Moscovo já se aproveitou para levar os únicos internacionais russos da equipa. Willian - contratado em Janeiro por 35 milhões de euros - tem Inglaterra como destino. O camaronês Etoo e o marfilenho Traoré devem seguir o mesmo caminho, com Itália como paragem alternativa e Jucilei e Medhi-Carcela não devem ficar muito mais tempo. Da noite para o dia o Anzhi está condenado a voltar a ser uma equipa anónima no panorama futebolístico russo. Um aviso para navegantes. Um sério aviso para os próprios oligarcas que vão pensar duas vezes antes de tentar activar falsos potentados onde não há uma base sólida de crescimento real.

 

O fim anunciado do Anzhi, a venda a preço de saldo de jogadores que custaram (e ganhavam) milhões, é em tudo semelhante ao que sucedeu com o Málaga, forçado a desprender-se de Isco, Toulalan, Joaquin e Monreal para manter-se viável financeiramente. Um clube que aspirou à glória da exigente liga espanhola, que brilhou na sua primeira campanha na Champions League antes de levar com o inevitável banho de realidade. Ao Anzhi nem deu tempo de chegar tão longe. O projecto morreu antes de nascer. Nessa remota Rússia onde às vezes nem o dinheiro chega para manter os sonhos vivos.



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Sábado, 10.08.13

O Benfica contratou Fariña. O Benfica emprestou Fariña. Pelo meio não houve jogos oficiais, não houve o reflexo das entusiasmantes capas dos jornais a promover a nova estrela sul-americana. O dinheiro move-se, os jogadores movem-se, a suspeita permanece. Não é caso único. Portugal passou a ser um país "ponte express" para a movimentação de dinheiro, agentes, futebolistas e fantasmas do mundo do moderno.

 

No Racing de Avellaneda chamavam-lhe estrela, "pibe de oro" e outras pérolas que tais.

Na nomenclatura do jogo argentino, não surpreende. É um país apaixonante, mas habituado à cultura do exagero. Entre Maradona e Messi todos eram os "novos Maradonas" até que apareceu Leo. Uma história contada muitas vezes cansa, e esse discurso cansava. Agora, imaginamos, falaremos dos novos Messis a cada dois por três. Iturbe já o era. Fariña sonhava em sê-lo. A imprensa português, como sempre tão entusiasmada como o mais básico dos adeptos com vulgaridades, fez eco das palavras, dos sonhos e das aspirações. Provavelmente nem o viram jogar. Provavelmente nem sabiam quem era. Mas vendia jornais. E Fariña lá veio, um negócio maravilhoso, espantoso, incomensurável. O novo "Di Maria" talvez. E agora, num avião a caminho de Doha, esse potentado futebolístico, Fariña pergunta-se a si mesmo qual é o futuro. Longe da sua terra, longe da Europa, o sonho de ser o novo (preencher com o nome que quiser) começa a esfumar-se. E os jornais, calados.

É assim que se fazem cada vez mais negócios em Portugal.

O Benfica transformou-se num entreposto de jogadores. Muitos nem chegam sequer a vestir de encarnado em jogos oficiais. Compra-se à discrição. Não há problema com o dinheiro. Em muitos dos casos, ele nem se move. Roberto afinal, era mesmo de quem este tempo todo?

Como Fariña houve outros casos. E continuará a haver. Desde que Jorge Jesus chegou ao Benfica o clube já comprou mais de 50 jogadores.

Leu bem. Mais de 50 jogadores. Em cinco pré-épocas, Jesus - e a direcção do Benfica, já que são unha com carne, até ver - trouxe uma média de 11 jogadores por ano.

Entre esse lote estão os casos paradigmáticos de Patric, Felipe Menezes, Kardec, Schaffer, Éder Luis, Carole, Wass, Hugo Vieira, Michel ou Luisinho. Jogadores com tão poucos minutos (oficiais e em amigáveis), que muitos se perguntam genuinamente se realmente alguém sabia algo deles antes de avançar para o negócio da aquisição. Como Fariña. A maior parte desses jogadores entrou numa espiral de empréstimos que se prolonga até ao fim do contrato (saindo a custo zero) ou com uma venda para maquilhar contas por valores irrisórios. Fariña, seguramente, será mais um desses nomes no amanhã. Dois milhões e uns trocos depois, que talvez o Benfica nunca pagou. Mas pelos quais deu a cara, o símbolo e a história. Entregue aos interesses de fundos de inversão e empresários, o clube tem muito que explicar nos seus negócios com os espanhóis do Granada e do Atlético de Madrid e nas suas operações sul-americanas. Mas, hoje em dia, os adeptos exigem pouco e a situação continua, Verão após Verão, exactamente igual. Resta saber, até Setembro, quantos vão acompanhar a promessa argentina no mesmo destino.

 

O clube encarnado não tem o exclusivo deste tipo de operações.

O Rio Ave tem sido gerido, desde há mais de um ano, por um fundo de empresários apoiado na figura de Jorge Mendes que permite a circulação de jogadores sem a movimentação de dinheiro. Fabinho, emprestado ao Real Madrid, foi agora desviado para o AS Monaco, dois clubes onde o empresário tem interesses. O Rio Ave empresta um jogador que, no fundo, nem é seu. O ridículo absoluto.

Em troca recebe anualmente jogadores descartados, para rodar, e sobrevive. Não cresce. Sobrevive. Que é a nova palavra de ordem no futebol. Não é caso único. A gestão da Traffic no Estoril, mais limpa e transparente, fala a mesma linguagem e move-se nos mesmos campos. Em Espanha há clubes envolvidos nesses esquemas, desde os célebres Atlético Madrid, Deportivo e Zaragoza aos emergentes Granada, Hércules e Rayo. O mesmo sucede em vários clubes da Europa de Leste, da Turquia e no complexo mundo do Calcio. É a novilingua dos relvados.

O caso do Benfica é assumidamente preocupante porque o clube dá a aparência de não precisar destes esquemas. Tem um património sólido, uma divida que pode abater com as suas mais valias reais (e o potencial de algumas vendas, associados aos ingressos da Champions League) e legitimas aspirações a vencer, pelo menos, três competições esta temporada. Não é o Estoril e o Rio Ave. Mas comporta-se como eles.

Se o problema do Sporting é o excesso de erros acumulados de gestões prévias e o FC Porto a sua excessiva dependência do mercado sul-americano (e de alguns fundos e bancos que por lá se movem), o Benfica ultrapassa as fronteiras do lógico com negócios que sujam por completo a imagem do clube.

Enquanto o FC Porto compra jogadores utilizando fundos e relações amigáveis com empresários para depois rentabilizá-los por milhões, o Benfica junta a esse modelo de gestão (que começou a aplicar com sucesso há três anos) um historial de erros de casting que não podem ser inocentes. Dos doze jogadores ao ano que chegam à Luz, metade desaparece cedo do mapa. E ninguém estranha.

 

Pizzi, chamado a ser um jogador de ponta do futebol português, "custou" (é dificil pensar que alguém pagou alguma coisa) 6 milhões de euros, por metade do passe. Que é do Benfica. Mas os seus adeptos vão ter de o ver de "azul e branco". Fariña, esse mito sul-americano, também é das "águias". E ninguém o vai ver porque os jogos dos Emirados Árabes Unidos não se podem seguir, nem via streaming. Entre os dois o clube gastou mais do que a esmagadora maioria dos clubes portugueses em todo o defeso. Nenhum fica no plantel. O entreposto segue aberto. São os negócios à portuguesa!



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Segunda-feira, 10.12.12

O futebol português não tem identidade própria há muitos anos. É gerido, com autoridade, desde o escritório de uma empres que tem asfixiado o potencial financeiro da liga à custa de subornar os clubes com migalhas que os mantêm longe da realidade. A mais recente polémica à volta da Taça da Liga, uma competição sem sentido num país que não tem pernas para tanto, apenas evidência o trabalho moralmente correcto de gestão da Liga de Clubes contra um dos maiores cancros do futebol nacional.

 

Quando a Liga começou a trabalhar na redução de clubes da principal competição nacional, de 18 para 16, uma das alternativas propostas aos clubes foi a criação de uma competição paralela que servisse, de certa forma, como recompensa económica pelos jogos ao ano que ficariam por disputar. De certa forma, a ideia da criação da Taça da Liga afastou-se directamente da ideia por detrás das ligas alemãs, francesas e inglesas, as únicas que disputaram uma prova do estilo, e renega da própria ideia de reduzir a Liga da primera divisão a menos clubes para aumentar a competitividade e torná-la mais atractiva. 

Com a Taça da Liga os clubes grandes, prevendo a sua hipotética chegada à final, disputariam mais 3 ou 4 jogos ao ano, o equivalente ao número de jornadas que ficariam por disputar. Os clubes não ganhariam nada com a redução da liga, nem em dias de descanso, nem em poupanças em deslocações ou na organização de jogos porque os vários clubes da primeira e segunda divisão teriam de continuar a bailar pelo país em viagens, alguns deles desde Agosto, sem o mais minimo retorno financeiro. Até à fase de grupos, onde começavam a entrar os grandes em prova, o interesse da prova era nulo e os gastos não eram evidentemente recompensados, em particular para aqueles que abandonavam a prova cedo.

A Taça da Liga inglesa nasceu, nos anos 60, para compensar a maioria dos clubes que não tinham acesso às noites europeias e ao dinheiro extra que significavam. O mesmo esteve por detrás da Taça da Liga na França. Em ambos os casos o torneio é recompensado com um lugar europeu. Na Alemanha o torneio é utilizado como preparação para a temporada e é exclusivo do vencedor da Taça e dos melhores classificados da liga. Mas em nenhum os casos nunca significou uma alteração da liga em número de equipas. França e Inglaterra têm vinte equipas na primeira divisão, a Alemanha dezoito. E nunca deixaram de ser provas residuais, sem interesse financeiro, do público e dos clubes, mesmo sabendo que podia dar direito a um posto europeu algo que a Taça da Liga em Portugal nunca contemplou porque mexia, em demasia, com os interesses dos grandes. Por detrás do projecto pioneiro estava a Olivedesportos, que utilizava o torneio para apertar ainda mais o cerco aos clubes portugueses.

 

A Olivedesportos nasceu em 1984, fruto de um investimento do irmão mais velho de António Oliveira, à época já treinador e um dos maiores vultos da história do futebol português. Joaquim Oliveira tinha estado por detrás da carreira do irmão e começou a trabalhar como empresário no universo futebolístico até que criou a primeira empresa que trouxe os patrocinios estáticos de forma organizada para os campos de futebol. Tornou-se ao longo dos anos no maná para muitos clubes com as contas no vermelho. Apoiou negócios de risco para entidades e directivos sempre com a promessa de que, em último caso, ele estaria disponível a apoiar financeiramente os clubes através das suas empresas. Fez-se amigos de todos e tornou-se no fiador do futebol nacional. Sem o seu dinheiro muitos clubes tinham desaparecido mas também sem a sua influência e o seu guarda-chuva a gestão do futebol nacional tivesse sido mais sustentável desde a década de 80.

Quando entrou no mercado audiovisual, fê-lo em força, criando a primeira plataforma cabo portuguesa, com uns bons anos de atraso do resto da Europa, e a SportTv tornou-se no rosto da sua influência no futebol luso. Enquanto a Sportinveste se começava a dedicar a colecionar publicações, do O Jogo às Diário e Jornal de Notícias, com a respectiva influência da filosofia da empresa evidente nas suas edições, a SportTv tornou-se no cartão de crédito por excelência do futebol português.

Oliveira conseguiu convencer os clubes, em particular os três grandes, a negociar de forma individual com a empresa de forma a obter um maior lucro sobre o rival directo. Dividir para conquistar foi o seu modelo e durante anos tornou-se no cardeal das tomadas de decisão do futebol nacional, asfixiando qualquer tentativa de repensar o modelo. Quando ficou evidente, com a reestruturação da Bundesliga e da Ligue 1, que o modelo de negócio individual era prejudicial a médio e longo prazo, fechou-se em copas e apoiou a eleição de um dos seus homens de confiança para o cargo, o homem que hoje está por detrás da FPF. 

O sucesso da SportTv, ampliado pela ausência de futebol em aberto, foi evidente mas ao mesmo tempo a situação dos clubes começava a ser de dependência total e absoluta. Os contratos eram assinados e o dinheiro era adiantado para pagar dividas de presente deixando os clubes sem rendimento para o futuro. Sem nenhum controlo por parte das autoridades, o poder da Olivedesportos crescia, crescia e crescia. Esteve por detrás da remodelação da Liga Sagres e da criação da Taça da Liga. E agora utiliza a competição para entrar, de novo, em guerra aberta com a primeira direcção da LPF que não responde directamente às suas indicações.

Polémico como poucos, o novo presidente da Liga desde a sua eleição deixou claro que queria aplicar um modelo sustentável ao futebol português. Viu boicotados os projectos de ampliação da competição e da proibição de empréstimos entre clubes da mesma divisão. Mas o seu verdadeiro cavalo de batalha tem sido, sobretudo, a renegociação colectiva dos direitos televisivos. Tem sido o principal instigador da resistência de vários clubes, apoiado de forma indirecta no conflito aberto que existe entre o Benfica e a Olivedesportos. E agora sofre um golpe que não deveria ser mais do que o momento definitivo em que a empresa de Joaquim Oliveira deixa claro que no futebol português ou manda ele ou não manda ninguém. 

 

Sem o contrato da Olivedesportos a Taça da Liga - que já perdera o patrocinador, a empresa de aposta Bwin - deixa de fazer sentido. Desportivamente nunca o fez, financeiramente muito pouco. Agora é uma pedra no sapato dos clubes que de lá retiram pouco mais do que uma alegria efémera em caso de vitória e pouca contestação diante da derrota. É também uma oportunidade de ouro para a LPF se mostrar mais forte que o rival e concentrar todas as suas forças em acabar com o monopólio asfixiante da Olivedesportos e assim levar o futebol português para o forçoso caminho da sustentabilidade financeira, onde o dinheiro seja dividido com respeito a todos os participantes nas ligas profissionais e não seja decidido no escritório de uma empresa que se transformou na guilhotina do futebol profissional em Portugal.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:50 | link do post | comentar

Segunda-feira, 19.11.12

Platini quer ser presidente da FIFA. Comprou a presidência da UEFA com o apoio dos países pequenos e agora quer comprar a presidência da FIFA com o apoio inquestionável dos clubes de elite. A sua última decisão, levada a estudo pela FIFA, é o golpe de graça definitivo ao futebol europeu tal como o conhecemos e o início de uma nova era, a da Superliga dos grandes do Velho Continente, os senhores do dinheiro e da história. Os seus novos amigos.

 

Imaginem uma edição da Champions League sem clubes portugueses. Sem gregos. Sem turcos.

Imaginem provas europeias sem muitos clubes espanhóis ou italianos, sem espaço para holandeses, austriacos, suiços ou sérvios. Imaginem por isso mesmo não uma Champions League mas uma Superliga europeia. Porque é isso mesmo que Michel Platini quer que vejam daqui a nada. Um torneio de elite onde os demais, os pobres, os pequenos, os periféricos, não têm lugar.

A notícia de que o francês, presidente da UEFA, apresentou à FIFA uma proposta para acabar com a co-propriedade é o primeiro passo real para essa nova ordem futebolística. O mercado actual, com os preços inflacionados pelos milhões das provas europeias e o investimento dos magnatas mundiais nas ligas inglesa, russa, espanhola e agora francesa - aliada à impecável gestão dos clubes alemães - não deixa margem de manobra para clubes como os portugueses, mas também instituições de prestigio em França, Itália, Espanha, Turquia, Holanda ou Grécia. Para sobreviver em provas da UEFA e competir contra clubes que, tantas vezes, têm mais dinheiro no banco de suplentes que o rival em campo, desde há vários anos que o modelo de co-propriedade se tornou fundamental.

Os clubes não podem pagar os salários actuais e os valores de transferência e não viver entre dividas atrás de dividas. Se querem ser competitivos claro. Para aliviar essa carga financeira, negoceiam com fundos, com empresários, com outros clubes. Entre eles criam uma teia de sobrevivência. Comprar parte de um passe, vender pedaços de um jogador para poder mantê-lo na equipa, é o santo e senha de qualquer um desses clubes na situação actual. Vejam o plantel de FC Porto, SL Benfica e Sporting CP. Vejam o do Atlético de Madrid, Valencia, Galatasaray, Bessiktas, o da Lazio ou Udinese. E descubram quem é que pertence, realmente, ao clube e quem não. Verão que a maioria das suas estrelas jogam com uma camisola mas, quando vendidos, entregarão o lucro aqueles que os têm no seu regaço, realmente. Acabar com essa realidade - uma triste realidade, é certo - é acabar com esses clubes e permitir, de uma vez por todas, que o futebol de todos seja de uns poucos.

 

Claro que esta medida de Platini é tudo menos inocente.

O francês quer suceder a Blatter, que o lançou no meio do dirigismo desportivo depois da organização do Mundial de 1998 os ter apresentado, como presidente da FIFA. Quando chegou à UEFA, fê-lo da mão dos pequenos, dos que estavam contra a asfixia do G14, da gestão final de Leonardt Johansson, dessa ameaça de Euroliga. Eram mais países, eram mais votos e foi assim que Platini venceu. Prometeu mais lugares nas provas europeias, renovou a Taça UEFA, levou finais e torneios à Europa dos pequenos e bateu o pé aos grandes. Os membros do G14 tornaram-se personas non gratas, uns mais do que outros, e Platini afirmou-se no primeiro mandato como o presidente dos pobres, do futebol como espectáculo de todos. Assim podia ganhar e manter a UEFA. Mas nunca a FIFA.

Na FIFA as grandes entidades valem muito, o prestigio conta e ninguém é capaz de vencer contra os nomes que sustêm a popularidade mundial do jogo, os clubes ingleses, espanhóis, alemães e italianos. Os senhores do dinheiro russos e ucranianos e os homens dos milhões árabes. Para agradar à elite há que tratá-los como tal. Diferencia-los dos demais, em mais do que uma maneira. Londres recebeu duas finais da Champions em três anos. À Ucrânia perdoou-se tudo para ter o seu Europeu e aos russos deram-se-lhe todos os apoios na candidatura Mundial contra outros projectos europeus. Os votos da UEFA decidiram a favor o Mundial do Médio Oriente e em tudo isso houve dedo de um Platini que sonha com mais. Sonha com o trono mundial e para apaziguar os seus antigos detractores, reverteu a sua politica ao extremo de ser ele o homem que vai eliminar os poucos obstáculos que nos separam da remodelação do futebol europeu de forma definitiva.

O final da co-propriedade é o final dos clubes médios, dos clubes que ainda surpreendem, que ainda fazem sonhar mas que não dão receitas televisivas, não enchem estádios como o Camp Nou, o Bernabeu, Old Trafford ou o Allianz. São os clubes que ocupam essa incómoda fase de grupos da Champions, os que representam o futebol puro, mesmo utilizando meios pouco recomendáveis para se manter vivos. Acabar com a co-propriedade é, no fundo, acabar com o futebol europeu e abrir caminho a uma liga onde o dinheiro não é problema.

O final do conceito é justo, eticamente. Mas também o seria rever a lei Bosman e impedir equipas com 22 estrangeiros. Também o seria criar um tecto salarial como sucede actualmente na NBA e impedir que a massa salarial de um clube seja inferior à de um jogador quando se defrontam. Também seria renovar o futebol de formação e apostar de novo nos jogadores locais. Mas nada disso preocupa realmente a UEFA, disposta a olhar para o lado com os grandes mas sempre preparada para pisar os mais pequenos, principalmente desde que Platini se fartou de Zurique e prepara-se para mudar-se para Genebra.

 

A decisão do presidente da UEFA significará o fim do futebol profissional português. Os clubes, incapazes de suportar a massa salarial e o valor dos passes dos James Rodriguez, Rodrigos, van Wolfswinkel e companhia, fecharão portas, jogarão com atletas sem o mesmo nível e o mesmo potencial de crescimento. Deixarão de poder vender para subsistir e acabarão por definhar. Aqui e em toda a Europa do Sul. Ligas que tomarão o caminho dos países escandinavos e do centro da Europa, com jogadores menores, ligas ainda mais abandonadas pelos adeptos e com menos dinheiro a mover-se. A nível mundial afectará pouco outros campeonatos, salvo os sul-americanos que encontrarão forma de reciclar-se, como sempre têm feito. As estrelas actuais dessas ligas serão os suplentes de outras estrelas nos clubes de elite e asfixiarão, ainda mais, o desenvolvimento do jogo. Claro que ao francês isso interessa pouco. Por essa altura estará na sua cadeira de sonho gerindo um futebol que cada vez mais se parecerá com uma fábrica de Henry Ford do que com o sonho de uns poucos amadores do século XIX.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:19 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Domingo, 01.04.12

Num desses gestos de genuina indignação que tantas vezes dão verdadeiro sentido ao universo das claques organizadas, um grupo de adeptos do Schalke 04 mostrou o seu estupor com a politica de preços da directiva do Athletic Bilbao para o jogo da segunda mão dos Quartos de Final da Europe League. Um cartaz gigante comparou o preço de um jogo de futebol com o de uma chamada de sexo telefónico e não esteve nada longe da verdade. Hoje em dia o preço de um bilhete de um jogo de futebol é uma verdadeira prostituição imoral dos ideais de um jogo que já foi de todos e que agora é de muito poucos.

90 euros. 1 euro por minuto. 

Este é o preço para os adeptos alemães que queiram ir a San Mamés na próxima quinta-feira ver a sua equipa sonhar com uma reviravolta no marcador frente ao magico Bilbao. 1 euro por minuto assemelha-se muito ás chamadas eróticas que enchem os canais televisivos pela noite e as páginas interiores dos jornais. Assemelha-se também a todas as promoções de sms´s que invadem os nossos telemóveis ou o roubo á mão armada em Portugal que são as SCUTS. É o preço de um bilhete de metro em Madrid e de uma garrafa de água em Londres. E no entanto é também o habitual na maioria dos estádio europeus. O futebol que já foi de todos, que se afirmou como fenómeno social e politico por ser de todos, é hoje de uma imensa minoria, aquela que tem dinheiro suficiente para desafiar as razões que a própria razão desconhece.

A indignação veio de um grupo de adeptos alemães talvez porque a Bundesliga é a única, a única, liga europeia que ainda respeita os adeptos. Os preços de um bilhete médio para assistir a um jogo no campeonato alemão anda entre os 10 e os 20 euros e pode custar a sócios menos de essa quantia em variadas ocasiões. É uma liga onde o lugar anual não pode ocupar mais do que 55% dos estádios para garantir que há sempre espaço para os adeptos em geral do clube e para os clubes rivais que costumam deslocar grupos de fãs de mais de 2 mil pessoas todos os fins-de-semana. O lugar anual mais caro num estádio como o Allianz Arena ou o Westfallenstadion pode ser mais barato que o mais barato dos lugares anuais no Camp Nou, Old Trafford, San Siro ou Santiago Bernabeu. Talvez por isso a percentagem mais elevada de lotações esgotadas esteja na Bundesliga. Talvez por isso o futebol alemão viva um novo esplendor, dentro e fora do campo. Talvez por isso, como em tantas outras coisas, os alemães sigam por um caminho racional enquanto o resto da Europa se empenha a utilizar o público em geral para pagar as loucuras de uns poucos. Os adeptos do Schalke 04 conhecem bem os estádios europeus, são presença assídua nas provas da UEFA, mas segundo o porta-voz dos adeptos do clube nunca tiveram de pagar tanto por tão pouco, nem mesmo quando viajaram a Old Trafford nas meias-finais da Champions League da época passada onde o preço mais caro de um bilhete era de 60 euros.

 

Espanha, como em muitas outras coisas, vive no extremo do descontrolo financeiro.

Os clubes da "Liga de las Estrellas" devem mais de 1500 milhões de euros ao estado e a maioria deles está (ou se não está pouco falta) perto da falência técnica. Os novos estádios do Valencia e Atlético de Madrid estão há anos parados. O Deportivo, histórico galego, afundou-se na segunda depois de destroçar todo o rendimento acumulado desde o inicio dos anos 90. O mesmo sucede com Villareal, Mallorca, Bétis ou Real Sociedad. O dinheiro estrangeiro salvou o Málaga da asfixia e uma profunda reestruturação financeira permitiu a sobrevivência ao Espanyol. O Rayo e o Levante, sensações no campo, foram protagonistas nos últimos anos de tristes episódios onde ninguém, excepto o presidente, recebia o seu vencimento a final do mês.

Num pais com quase 6 milhões de desempregados, onde a crise financeira mundial se encontrou com uma borbulha imobiliária suicida e onde há cada vez mais familia completas no desemprego, praticam-se os preços mais altos da Europa. Quando o Real Madrid ou Barcelona viajam pelo país fora os preços sobem aos 80 euros para o público em geral. Em Vallecas, um estádio minúsculo e com poucas condições, não há bilhetes mais baratos para o público que os 40 euros anuais. Este fim-de-semana quem quiser ver o Atlético de Madrid - Getafe, sem dúvida um clássico do futebol espanhol, terá de pagar entre 30 e 120 euros, dependendo de onde se quiser sentar no Calderon. No Bernabeu o preçário é ainda mais elevado, rondando os 45 e 150 euros de média. Por menos de 25 euros é impossível ver um jogo de futebol em Espanha e os estádios começam a esvaziar-se paulatinamente. As boas épocas desportivas de alguns clubes compensam o afastamento do público mas as transmissões televisivas não enganam e hoje ver um jogo da La Liga é cada vez mais parecido a seguir um jogo da Serie A ou da Liga Sagres. Duas ligas onde a politica de preços é igualmente desproporcional face ao estado económico de ambos os países e da qualidade de jogo oferecida e onde, habitualmente, mais de metade do estádio está vazio.

Mesmo na Premier League os elevadíssimos preços praticados começam a fazer-se sentir em clubes da parte baixa da tabela. Os mesmos que nasceram, cresceram e fizeram-se com base no forte apoio popular local, em classes operárias e classes médias baixas que hoje, simplesmente, não podem pagar um bilhete para ir ao futebol. Nos anos 80 por 1 libra era possível ver-se um jogo de pé (uma politica que a Bundesliga já recuperou) e por 5 libras sentado nas secções centrais de Anfield, Old Trafford ou Highbury. Hoje por menos de 40 libras é impossível. Os estádios, habitualmente recheados de famílias, jovens que aprendiam a adorar os seus ídolos de perto, são hoje palco de classes médias altas de meia idade endinheiradas ou, no caso dos grandes clubes, turistas que querem presenciar a história de perto e estão dispostos a pagar o que for preciso para dizer que estiveram no "Teatro dos Sonhos" ou na Kop. Para esses adeptos de ocasião ou para aqueles que pagam hoje o mesmo por um jogo retransmitido pela televisão que os seus antepassados pagavam por um espectáculo no Royal Albert Hall, o futebol continua a ser possível. Para todos os outros é algo proibitivo.

 

Da mesma forma que a televisão (ainda que de pago) trouxe o futebol a todas as casas e a todos os continentes, ir ao estádio, esse ritual primário e fundamental para qualquer amante do beautiful game, tornou-se num pesadelo. Adeptos entusiastas abdicam de muito para poder seguir a sua equipa, pais vêm-se impossibilitados de partilhar com os filhos o que os seus pais partilharam com eles e a massa de adeptos começa a desprender-se do vocabulário sagrado que constituiu uma verdadeira massa adepta de um clube. Aos que pensam que esse cenário exclusivo, como se de um torneio de golf se tratasse, é inevitável basta olhar para o caso da Alemanha (ou da Holanda, ali ao lado) e ver quem preenche as bancadas cheias, semana atrás semanas. Mulheres, crianças, famílias, idosos, todos encontram forma de comungar da sua imensa paixão. Fora esse paraíso para o adepto o futebol vivido, cheirado e sentido há muito que deixou de ser para mim e para ti.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:18 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Terça-feira, 13.03.12

No arranque do século XX Glasgow era o centro nevrálgico do universo futebolistico. Hoje, uma das cidades mais decadentes do futebol internacional. A ameaça de desaparecimento paira sobre o Glasgow Rangers, mas os sinais de depressão económica e desportiva vêm de há muito. O futuro é cada vez mais cinzento e parece cada vez mais evidente que os esforços dos grandes da cidade em forçar a sua entrada na Premier League selaram, de certa forma, o seu negro destino.

 

Os ingleses organizaram o futebol e os escoceses dedicaram-se a ensiná-lo.

A importância de Glasgow no virar de século era tal que no mesmo espaço urbano coexistiam os três maiores estádios do Mundo (Hampden, Ibrox e Celtic Park) e três dos maiores clubes da Europa de então (Queens Park, Rangers e Celtic). Durante as décadas seguintes o futebol escocês manteve-se como um dos bastiões fundamentais do jogo e a vitória do Celtic na final de 1967 da Taça dos Campeões marcou também a migração do sucesso desportivo da zona mediterrânica para as fronteiras a norte. A hegemonia asfixiante dos dois clubes da cidade sobre a liga escocesa consolidou o seu papel no panorama internacional, mas, por outro lado, atrasou o seu crescimento desportivo e económico numa liga que perdia, ano após ano, importância e competitividade. Quando o dinheiro começou a jorrar na Premier League a divisão entre as duas ligas tornou-se de tal forma evidente que nunca mais um clube escocês se mostrou capaz de competir com qualquer clube a sul da muralha de Adriano.

Entrar na Premier League transformou-se numa profunda obsessão para os gestores de Rangers e Celtic. Ambos os clubes viviam crises financeiras durante os anos 90 e enquanto o Celtic foi comprado por Fergus McCann que apostou sobretudo na reforma do Celtic Park e no saneamento de contas, o Glasgow Rangers de David Murray apostou sobretudo no reforço do plantel começando pela contratação do primeiro treinador estrangeiro, o holandês Dick Advocaat. Os resultados apareceram, as dividas também. Mas competir na débil SPL impedia as equipas de preparar-se a sério para os duelos europeus e habitualmente as performances dos clubes da cidade na Europa eram, como minimo, confrangedoras. A final de Sevilla de 2003 para o Celtic e a final de Manchester em 2008 para o Rangers foram oásis desportivos no meio de uma tremenda mediania. Entre 2005 e 2008 as equipas escocesas conseguiram superar a barreira dos Oitavos de Final da Champions League. Depois, como diria Luis XV, o diluvio...

 

Rangers e Celtic alternam-se no dominio da prova nacional mas na Europa transformaram-se em pequenos anões. Eliminados sucessivamente nas fases de pré-eliminatórias da Champions League, há três temporadas que não há um clube escocês na fase de grupos do torneio. O país caiu em três anos cinco lugares no ranking da UEFA e se os grandes de Glasgow falham, os restantes clubes nacionais (Abardeen, Dundee, Hearts, Hibernian. Motherwell) são ainda mais decepcionantes.

Desde 2000 que tanto o Celtic como o Rangers apostaram todas as cartas numa viagem a sul. Os clubes contactaram os principais dirigentes da Premier e durante algum tempo estudou-se realmente a possibilidade de que os clubes se unissem à elite do futebol inglês. Mas a proposta, se bem que financeiramente apetecivel para o duo de Glasgow, nunca convenceu os clubes ingleses e foi sendo adiada até que acabou por descartar-se definitivamente. Celtic e Rangers tinham gasto o que tinham e o que não tinham pensando na galinha dos ovos de ouro (e em muitos casos para impressionar os próprios clubes a sul) e viram-se com um sério problema nas mãos. No caso do Rangers os problemas crónicos dos anos 90, nunca resolvidos, foram agravados ao extremo e a situação transformou-se num drama.

O clube foi vendido, as dividas ficaram por pagar, uma nova venda tornou-se inevitável e pela primeira vez na história um clube escocês acolheu-se à lei concursal, o segundo caso nas ilhas britânicas depois do Portsmouth. A liga retirou 10 pontos aos Blues, então a disputar o titulo com um Celtic que se tornou em campeão antecipado, e a UEFA ameaçou negar a licença desportiva para competir na Europa na próxima época. A situação, já dramática o suficiente, piorou quando o staff técnico e o plantel recusou aceitar um corte salarial necessários para o clube pagar a divida fiscal acumulada nos anos anteriores. A genuina ameaça da falência e consequente final da entidade desportiva transformou-se quase num cenário inevitável.

 

Para salvar o pescoço o Rangers precisa de um milagre financeiro e de um profundo renascimento desportivo. Competir numa liga tão inconsequente como a escocesa é um drama para qualquer clube que ambiciona ser algo mais nos palcos europeus. A qualidade média do futebol escocês, no passado um dos faróis do futebol ocidental, hoje não difere muito de ligas anónimas como as dos países nórdicos ou do leste europeu. No entanto o dinheiro que o Glasgow Rangers maneja na gestão desportiva assemelha-se mais ao universo da Premier, realidades incomportáveis mesmo para o maior mago financeiro que Ibrox possa encontrar. O final do Glasgow Rangers seria o golpe de misericórdia para o futebol escocês e um sério aviso ao futebol continental que nos últimos anos foi seguindo, em muitos casos, o caminho do duo de Glasgow. Para os mais nostálgicos seria mais do que isso, a prova viva de que o futebol, na sua imensa magia, também pode morrer.



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Sexta-feira, 09.03.12

Está claro que no futebol os títulos não são tudo. Para os adeptos do APOEL o triunfo sobre o Olympique Lyon vale muito mais que os cinquenta troféus acumulados nos últimos setenta anos. Num país que sonha acordado com a enosis com a mãe pátria, o sentimento de orgulho nacional encontrou na bola de futebol o pretexto mais lógico e genuino. Para muitos cipriotas a noite de 7 de Março entra directamente na galeria dos momentos mais significativos da história do país. O futebol faz esquecer um país dividido, desencontrado e que procura afirmar-se como algo mais que um destino turistico de sonho.

 

Pode-se explicar a magnitude do feito logrado pelo APOEL por números ou por sensações.

Mas em nenhum dos casos teremos uma ideia aproximada do que significa estar, agora mesmo, em Nicósia. O futebol transformou-se no Século XX numa das mais eficazes formas de reinvindação dos povos. O sucesso nos terrenos de jogo várias vezes espelha a própria evolução de um país ou cidade no plano económico, politico e social. No caso cipriota é preciso ir mais além. Na Europa pós-Guerra Fria só ficaram sequelas de meio século de tensões politicas num país europeu. Precisamente, o Chipre.

O país continua dividido de forma não-oficial (só a Turquia reconhece a República separatista do norte), os muros continuam a relembrar dias pretéritos e apesar dos valores de qualidade de vida serem dos mais elevados da Europa – e definitivamente da zona mediterrânica – esse fantasma de desunião teima em não largar a memória dos cipriotas. Se a esse karma politico juntamos o eterno desejo de uma imensa maioria em unir-se, de forma definitiva, à Grécia (algo planteado por inúmeras vezes nos últimos duzentos anos), torna-se fácil entender que para os cipriotas não há muitos motivos para sacar à janela a bandeira do país e celebrar um feito capaz de capitalizar a nação. No Chipre vive-se relativamente bem, a integração europeia entre 2004 e 2008 foi rápida e sustentada e depois há o imenso nada, o tremendo vazio de momentos capazes de quebrar a rotina de um centro cada vez mais atractivo para o turismo e para a gestão de recursos naturais nas águas quentes e apaixonantes de onde brotou Afrodite. Quando a bola disparada por Gomis encontrou as mãos de Chiotis, tudo fez sentido.

Nunca na história da competição rainha da UEFA uma equipa representante de um pais fora dos 20 primeiros do coeficiente UEFA chegou aos Oitavos de Final. Muito menos aos Quartos. Nos últimos oito anos é preciso recuar a 2003-04 – um ano atipico na história da prova – para encontrar um clube de um país fora do top 15 da UEFA nos Oitavos. Naquela altura o Sparta de Praga caiu de pé, mas mesmo esse feito não deixa de ser bem distinto ao que vivemos hoje. Afinal a República Checa sempre foi uma referência absoluta na evolução do futebol europeu. O Chipre, um imenso desconhecido.

 

Dentro da ilha mediterrânica poucos podem contestar a hegemonia do APOEL.

Clube fundado por gregos desejosos de unir a ilha aos destinos da sua pátria de origem, sempre foi utilizado como mecanismo de propaganda nacional para os entusiastas da enosis greco-cipriota. Há uma longa tradição de jogadores gregos no clube. Que Chiotis, o histórico guarda-redes helénico, tenha sido o herói do apuramento só reforça ainda mais o momento legendário de um clube reencontrado. O sucesso recente do APOEL espelha igualmente o crescimento de um país que só em 1960 se libertou do jugo imperial britânico, mas que quatorze anos depois se viu dividido entre a ambição turca e grega.

A indefininação nacional significou também uma crónica incapacidade de afirmar-se no terreno desportivo. A partir de 2000 o rápido crescimento económico e social do país, prévia à sua entrada na UE, começou a mudar a dinamica social. Os clubes cipriotas pagavam bem e a tempo e muitos jogadores de perfil médio de várias ligas decidiram emigrar. Kennedy e Ricardo Fernandes foram os primeiros portugueses e hoje o clube conta com quatro jogadores lusos que em Portugal nunca tiveram oportunidades e que ao comando de Ivan Jovanovic se tornaram em peças fundamentais do apuramento. A maioria dos jogadores do clube são internacionais cipriotas mas há nove nacionalidades representadas no balneário. Tudo cartas fora do baralho nas grandes ligas que, em conjunto, se metamorfosearam numa legião de invenciveis.

O APOEL, que já tinha surpreendido na sua primeira aparição em 2010 na prova, teve de passar por três Pré-Eliminatórias para chegar à fase de grupos. Eliminou albaneses (Skenderbeu), eslovacos (Slovan) e polacos (Wisla), tudo clubes de nações com perfil similar. A improbabilidade de marcar presença no top 8 do Velho Continente era tal que nem sequer surgia nas casas de apostas no inicio da competição. A sorte esteve do lado dos heróis de Nicósia. Ao contrário de outros pequenos clubes europeus como o Viktoria Pilzen, BATE Borisov ou Dinamo Zagreb, o grupo onde foi enquadrado era bastante equilibrado. Um Shaktar decadente face ao ano prévio, um FC Porto desencontrado e um Zenith irregular permitiram somar pontos importantes que garantiram um apuramento inesperado e precoce. O sorteio dos Oitavos também abria as portas ao sonho. Afinal este Olympique Lyon está longe de ser a “besta negra” dos gigantes europeus. Mas a diferença brutal de orçamentos, massa salarial, expectativas e plantel era tal que nem os homens de laranja da PAN.SY.FI, a claque oficial do clube fundada em 1979, se atreviam a sonhar com tamanha audácia. Mas o futebol, como a poesia, permite sempre fintar o brutal realismo do dia a dia.

 

Mesmo com todos estes atenuantes, imaginar uma equipa de um país que nunca esteve sequer perto de apurar-se para um evento internacional é um logro tremendo. A vitória do APOEL é também uma vitória para Platini e a sua Champions League mais plural. Uma vitória para o futebol europeu que não pode cair no jugo de uma asfixiante Euroliga. E uma vitória para o futebol do Chipre, uma nação que se tem reencontrado a pouco e pouco com a sua essência. Se nas ruas de Nicósia e nas praias de Larnaca a bola sempre fez parte da herança cultural do país, o som do hino europeu no GSP Stadium é também uma forma de agarrar pelos braços um país que navega a contracorrente e procura não perder de vista as margens de uma Europa onde se integra com a mesma certeza com que se deixa levar pelos ventos quentes do sul que roçam os ciprestes do monte Olimpus.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:38 | link do post | comentar

Terça-feira, 06.12.11

Seguramente que qualquer leitor do Em Jogo conhece James Will. Seguramente que muitos o viram jogar, a parar remates indefensáveis, a realizar defesas impossíveis no último minuto debaixo de um imenso temporal. Ou a comandar a área com a destreza dos mais hábeis e o espirito dos mais guerreiros. Seguramente que James Will é um nome tão familiar para qualquer um como seria Luis Figo...certo? Errado. James Will é o paradigma do erro, o exemplo da abordagem do futebol profissional ao futebol de formação que tem alimentado e destruido carreiras vorazmente durante os últimos 30 anos. Will é o anonimato da mesma forma que Figo representa o sucesso máximo. Cruzaram-se no caminho e pareciam ir por caminhos similares. Mas um continuou e o outro ficou para trás. E não foi o único.

Poucas pessoas realmente viram jogar James Will.

Uma das razões mais evidentes foi a curtissima carreira do jogador. E Will seria um de muitos anónimos que não singraram no jogo não fosse por um mero detalhe: em 1989 a FIFA achou por bem otorgar-lhe o prémio de Melhor Jogador do Mundial de sub-17, realizado na sua Escócia natal. Torneio que perdeu, na final, contra a Arábia Saudita. Nessa prova brilharam grandes futuros craques do futebol mundial como Fode Camara, Khalid Al Romahi ou Gil. Claro que, no meio deste talento que os olheiros da época se prestaram a encumbrar como estrelas futuras, havia um tal de Luis Figo, então ainda um mero júnior do Sporting CP que anos mais tarde se convertiria no simbolo do futebol mundial, depois de Florentino Perez fazer dele o primeiro "Galáctico". No dia em que assinou o contracto com o Real Madrid é dificil saber se algum dos anteriores jogadores ainda eram futebolistas profissionais. Will desde já não o era.

O guarda-redes escocês foi a grande figura do conjunto da casa e exibiu-se a alto nível. Mas nunca chegou a assinar um contracto profissional. Fartou-se das exigências do futebol de elite e seguiu a sua vida como policia de trânsito na sua pequena localidade. O futebol pode ter perdido um grande guarda-redes - como a FIFA sugeriu e muitos olheiros comprovaram - mas a sua experiência tornou-se no paradigma futuro de uma politica incapaz de entender as gigantescas diferenças entre o futebol de formação e o futebol profissional.

Com a globalização os clubes (e alguma imprensa) dedicam esforços à procura de prodigios cada vez mais precoces. Contratam jogadores imberbes, imaginam que em cada miudo de bairro está o próximo Messi e suspeitam a cada simples demonstração de talento os milhões que podem estar ali no futuro. E no entanto a maioria dos jogadores aos 17 anos (e aos 15 e aos 19) é um potencial Will mais depressa do que um potencial Diego Armando Maradona, que dez anos antes venceu o mesmo troféu que o escocês, mas que precisou de meia dúzia de anos para realmente "explodir" como futebolista.

 

A lista de "Wills" do futebol moderno não tem fim.

A cada torneio UEFA e FIFA surgem nomes que depois caem no esquecimento. Demasiadas expectativas, um torneio bom de um jogador com condições medianas, a performance colectiva capaz de exaltar o individuo, o peso do rival ou, simplesmente, a falta de comportamento profissional de um jogador que é ainda um miudo...tudo são factores que muitos esquecem na ânsia de ser os primeiros a descobrir a grande novidade a seguir. A maioria dos jogadores jovens sucumbem à pressão de serem exibidos como bandeiras. Muitos desistem como James Will. Outros são atraidos pelos milhões dos grandes clubes europeus para acabar por jogar em equipas de escalões inferiores, lamentando-se do que podia ter sido e não foi. E outros, pura e simplesmente, colapsam.

Arsene Wenger inaugurou a corrida às jovens promessas mundiais mas teve o savoir faire suficiente de seleccionar jovens que correspondiam a comportamentos padrão que definiam uma margem de sucesso considerável. Qualquer manager ou olheiro de elite sabe que um torneio curto é a pior forma de conhecer o valor real e potencial de um jogador. Normalmente aqueles que mais brilham neste tipo de competições são os que menos longe chegam como profissionais. Estrelas cadentes de um mundo sem perdão.

É no estudo continuado, na análise estatisticas de comportamentos, exibições e atitudes durante um largo periodo de tempo que se descobrem as verdadeiras pérolas do futuro. Muitos deixam-se levar pelo comportamento mediático das estrelas de domingo. Figo nesse torneio não brilhou talvez ao mesmo nível que Will. Mas profissionalmente a sua carreira foi ascendente, em todos os sentidos e beneficiou, de certa forma, dessa pressão ausente que sofreu o escocês e também nomes tão familiares como Nii Lamptey, Daniel Addo, Mohammed Kathiri ou Sergio Santamaria, todos eles detentores do mesmo troféu. Mesmo as consagrações de Landon Donovan, Sinama-Pongolle ou Anderson acabaram por ser mais prejudiciais do que benéficas para os jogadores e nos tempos recentes talvez só mesmo Cesc Fabregas (já então pupilo de Wenger) tenha escapado a uma maldição repleta de lógica e disfarçada de preconceito. O futebol de formação de hoje é cada vez mais uma escola de resultados e imediatismos. Os clubes e as federações procuram productos para vender agora e não estão dispostos a formar jogadores e profissionais para cinco anos. No último Europeu de sub-20 as selecções mais prometedoras, Espanha e Colombia, ficaram pelo caminho. E no entanto é fácil ver que daquele grupo sairão mais desportistas de elite do que das selecções finalistas, Brasil e Portugal.

 

A abordagem em modelos de jogadores mais fisicos e menos técnicos - e o caso francês é evidente - pode dar resultados no momento mas, a longo prazo, não dá frutos. Por cada Figo haverá sempre 100 James Will, jogadores de consumo imediato e precoce que, como as estrelas pop juvenis, se tornam em one hit artists superados facilmente pela fornada que vem já a seguir. O paradigma do erro, em que Portugal apostou recentemente, acreditando que o futebol de formação se faz de titulos e não da preparação de futebolistas de futuro não é caso único e no entanto não deixa de ser um erro repetido vezes sem conta. O projecto de formação do FC Porto, onde tanto dinheiro se investiu, foi coroado de titulos e no entanto não há a perspectiva de nenhum jogador da cantera estar agora ou no amanhã nos quadros da equipa principal. Se o sucesso espanhol mede hoje tudo, deveria ser óbvio para todos que apostar em futebolistas é mais rentável do que apostar em ganhadores, por muito que demore dez anos até que os génios de Xavi, Xabi Alonso ou Andrés Iniesta sejam devidamente reconhecidos. Pérolas individuais existirão como sempre, jovens potreros de bairro encandilarão olheiros atentos mas essa fome de descobrir the next big thing será sempre mais um handicap do que o caminho a seguir. O futebol de formação, como qualquer projecto educativo, precisa de tempo, espaço e ar para respirar. James Will sentiu na pele a asfixia de ter de ser alguém antes do tempo. Há 22 anos o paradigma do erro estava aí e poucos quiseram ver. Hoje há muitos como ele quando a sua história - e a de tantos outros - devia, a pouco e pouco, converter-se na excepção que faz a regra!



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:40 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Sexta-feira, 25.11.11

As provas europeias parecem ser, cada vez menos, coisa de ingleses. À parte do ostracismo votado à Europe League/Taça UEFA na última década, a perda de importância dos clubes ingleses na Champions League começa a ser evidente. De três semi-finalistas em 2008 podemos passar ao extremo de um só concorrente nos oitavos de final. Mais sério do que isso é a perda de competitividade dos insulares face aos seus rivais europeus, um problema que tem a sua génese não na grande competição continental mas nas entranhas da própria Premier League.

 

O futebol europeu rege-se sempre por fases e o periodo de predominância inglês parece estar, definitivamente, superado.

Se nos anos 80 foi necessário o desastre do Heysel para acabar com um mandato absoluto de dominio britânico entre 1977 e 1985 (sete titulos em nove anos), agora a implosão desportiva dos grandes da Premier League vem desde dentro.

Sob a ameaça da aplicação do Fair Play financeiro que continua a ser uma das grandes bandeiras de Michel Platini, os ingleses têm de decidir que caminho querem seguir. Se por um lado são um oásis nos desafios morais à hegemonia da FIFA - a questão do racismo, da corrupção e introdução de tecnologia são belos exemplos - por outro o nivel de endividamento da maioria dos clubes (da Premier e do Championship) coloca seriamente em risco o futuro de uma liga que se soube reinventar como nenhuma outra depois do Relatório Taylor e que agora vive afogada nas próprias dividas.

E no entanto a presença do Manchester United na final de Londres tapou, de certa forma, uma tendência que se vem verificando desde 2009 e que parece irreversível. A supremacia do dueto espanhol Barcelona-Real Madrid (hegemónicos em tudo, desde o dinheiro ingressado, a atenção televisiva e as propostas futebolisticas) bem como o fortalecimento claro da realidade futebolistica na Alemanha (que as campanhas exitosas de Bayern Munchen e Schalke 04) ajudam a explicar a perda de preponderância desportiva da Premier. Mas o problema é mais profundo.

A taxa de endividamento dos principais clubes ingleses é a mais alta do espectro europeu. A carteira de Abramovich e Al Mansour tem ajudado a maquilhar a desastrosa realidade financeira de Chelsea e Manchester City, porta-estandartes desta liga de novos ricos capazes de destabilizar o mercado como ninguém. Mas começa a revelar-se insuficiente para resolver todos os problemas. No caso do Arsenal, a clara perda de poder económico a que se seguiu a forte aposta na construção do Emirates (que só agora se acabou de pagar), contribuiu para a perda de poder futebolistico que passará por um natural processo de reestruturação antes de voltar à elite. E por fim, em Manchester, o histórico United continua a aparentar uma imagem invejável de saude financeira que esconde a imensa divida do império dos Glazer transportada para as costas do clube. Mais abaixo tanto Tottenham como Liverpool debatem-se com uma eventual mudança de estádio para recuperar poder económico com os rivais directos enquanto que a habitual classe média (Everton, Aston Villa, Newcastle, Blackburn Rovers, Bolton, Sunderland) conta os tostões para chegar ao fim do mês com a balança no verde. O dinheiro começa a escassear, os preços inflacionados de jogadores no mercado Premier - onde os clubes locais continuam a apostar - não parece baixar (viu-se nos casos de Adam, Henderson, Carroll, Jones, Meireles, Arteta) e a evolução técnico-táctica que contribuiu para a mutação da competição entrou numa fase de estagnação evidente.

 

Não foi alheio ao processo de auto-destruição do Calcio, há uma década atrás, os mesmos sintomas que se vivem na Premier.

Aquela que foi, entre os finais dos anos 80 e grande parte dos 90, a grande liga europeia, entrou num poço de onde ainda não voltou muito por culpa do endividamente dos seus clubes (com a Lazio, Napoli, Sampdoria, Parma e Fiorentina como casos mais evidentes), pela violência e falta de interesse dos adeptos por um espectáculo que ia perdendo qualidade e, como antecedente dessa realidade, a progressiva migração dos melhores jogadores para outras ligas (espanhola e inglesa). A Premier vive hoje esse pesadelo.

Nos últimos cinco anos abandonaram o campeonato alguns dos seus mais brilhantes interpretes, como Fabregas e Cristiano Ronaldo, e apesar de algumas incursões pagas a preço de ouro (caso do City com Silva, Aguero, Balotelli, Dzeko), desde há vários anos que os principais clubes ingleses têm falhado nas tentativas em incorporar os melhores jogadores do continente. Os grandes negócios realizam-se entre eles (Torres, Nasri, Berbatov, Jones, Henderson, Meireles) e a aposta começa a ser - seguindo o exemplo do Arsenal - em jogadores jovens, de preço mais acessível e com margem de progressão (David Luiz, Javier Hernandez, Luis Suarez, Luka Modric...).

Hoje os Neymar, Gotze, Hazard, Pastore, Cavani, Falcao e companhia dão-se ao luxo de rejeitar ofertas de clubes de top da Premier, seja pela melhoria de condições nos seus clubes de origem, seja porque a liga perdeu grande parte do seu real atractivo. Ao contrário de Espanha, onde muitos dos nomes continuam a procurar um lugar ao sol, Inglaterra tornou-se outra vez num destino cinzento, envolto numa capa escura de smog.

Se a partir de 1995 a grande mutação da Premier começou a tornar-se evidente com o contributo de jogadores de fora como Cantona, Zola, Bergkamp, Asprilla, Pires, Overmars, Anelka, Vieira, Ginola e companhia, permitindo ao futebol local abandonar o estandardizado 4-4-2, o jogo directo e a total falta de pressão entre linhas, hoje parece que as equipas inglesas ficaram paradas no tempo. Da hegemonia de técnicos estrangeiros a principios da década passada (Houllier, Ranieri, Benitez, Mourinho, Wenger) passou-se a um cenário onde só o francês e Villas-Boas sobrevivem, o primeiro no enésimo projecto e o segundo numa mutação desportiva longa e complexa. O 4-5-1 e 4-2-3-1 tornaram-se num santo e senha dificil de mudar e, sobretudo, fácil de anular quando as equipas das ilhas viajam ao continente. A versão mais conservadora do Manchester City - clube para muitos candidato ao máximo troféu europeu - foi incapaz de reacionar diante de um 3-4-3 móvel e asfixiante do Napoli. Como antes, diante do Bayern Munchen e até mesmo frente aos napolitanos em casa. O Chelsea de Villas-Boas tem tentado apostar num 4-3-3 que na Europa acabou, em momentos, por ser vulgarizado por uma versão mais fluida e acutilante tanto por Valencia como por Leverkusen. E no caso do Manchester United a realidade bateu à porta de um sir Alex Ferguson, habituado a tratar com pouco interesse uma fase de grupos que antes era apenas um trâmite. Frente ao Basileia e Benfica, em Old Trafford, a péssima exibição do sector defensivo facilitou os dois empates consentidos. Fora de portas a incapacidade de criar jogo num meio-campo lento e previsivel transformaram os duelos em Portugal e na Roménia em verdadeiros suplicios. Salvou-se o Arsenal, talvez por ser um projecto novo e, portanto, mais aberto à mudança, mas que beneficia da mentalidade continental do seu técnico, mas olhando para os cinco jogos disputados é dificil ver nos gunners um candidato sério a chegar às meias-finais.

A realide é desarmante, um 45% de vitórias em 20 jogos de equipas inglesas, a mais baixa percentagem dos últimos 10 anos. E um espelho de uma realidade que sim existiu durante os anos 90 onde, por várias vezes, os ingleses caiam aos pés de equipas mais acessiveis como o IFK Goteborg, Legia Warsawm RCD Lends, Dynamo Kiev, Fiorentina, Basel, Rosenborg ou Spartak Moscow. Numa Premier que então ainda se debatia com os problemas estruturais pós-Taylor, essa era a realidade que hoje parece ter regressado apesar da diferença de orçamentos entre os clubes ingleses e os continentais (salvo Barça e Madrid) seja maior do que nunca.

 

Em 2008 o futebol inglês viveu o apogeu de lograr três semi-finalistas na Champions League. O sucesso do Liverpool três anos antes e a presença do Arsenal na final de 2006 e do próprio Liverpool em 2007 davam a ideia de uma hegemonia clara e facilmente reconhecida. O United, vencedor dessa final totalmente inglesa, voltou em 2009 e 2011 mas numa versão mais pobre, facilmente domada pelo Barcelona de Guardiola. E a performance dos ingleses foi decaindo progressivamente, tanto nos casos de Chelsea e Arsenal como nas presenças, esporádicas, de Liverpool e Tottenham. Este ano, pela primeira vez, há sérias possibilidades do futebol inglês chegar à fase a eliminar com apenas uma equipa em prova. Um cenário que talvez doa menos do que a constatação de uma crua realidade. No panorama actual é muito complicado que um clube inglês possa aspirar a estar em Munique no próximo mês de Maio. As goleadas entre favoritos na Premier atraem os espectadores mas deixam a nu os problemas técnico-tácticos dos principais clubes e a falta de competitividade quando viajam à Europa tem tomado proporções alarmantes. Apesar de manter todos os condimentos de um espectáculo sem igual, à perda de competitividade da Premier League vai, seguramente, unir-se uma perda de prestigio, perda de financiamento e perda de interesse. Já vimos este filme em Itália e sabemos o dificil que é recuperar de um choque tão grande. Os ingleses sempre demonstraram saber reinventar-se mas este desafio parece ser mais sério do que muitos possam imaginar.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:30 | link do post | comentar | ver comentários (4)

Segunda-feira, 05.09.11

Uma semana depois da derrota mais dolorosa, Arséne Wenger parece um treinador muito mais tranquilo do que seria de supor. O técnico do Arsenal foi seriamente contestado por um sector bastante forte dos adeptos gunners mas soube reagir com a prontidão que se esperava. Depois de mais de dezasseis anos à frente do clube londrino, Wenger continua a ser um homem que deixa sensações contraditórias. O francês soube reeducar o gosto futebolístico dos filhos do "boring Arsenal" mas continua a ser contestado pela falta de resultados. É o preço pagar por ter sabido esconder os graves problemas de um clube que há largos anos está longe da elite britânica.

Parecia uma gralha. Um erro gráfico talvez.

8-2 não seria realmente um 0-2? Não se teriam os senhores enganado? Quantos adeptos não devem ter pensado isso - e muito mais - quando se conectaram para saber do resultado do histórico confronto de Old Trafford entre gunners e red devils. Os que viram o jogo, no entanto, levaram com a crua realidade em directo. Uma realidade enganadora mas, não por isso, menos dolorosa.

Quando David de Gea parou o penalty de Robbien van Persie o jogo estava ainda tremendamente equilibrado apesar do 1-0. Como se de uma espécie de cerco se tratasse, esse foi o momento em que a fortaleza cedeu. O plus de confiança transformou o jogo ofensivo do Man Utd (foram oito, podiam ter sido doze) e descaracterizou por completo um Arsenal que, em momentos, se assemelhava mais ao Brighton and Hove do que à equipa que tem marcado presença de forma consecutiva entre a elite europeia na última década. Num dia inspirado de Wayne Rooney, Ashley Young, Nani, Phil Jones, Tom Cleverley ou mesmo Anderson pouco mais havia a fazer. Para piorar mais a situação - ou justificando-a, em parte - os gunners jogavam contra o eterno rival repleto de baixas da máxima importância. Só isso justificou a estreia de Alex Chamberlain, os minutos de Coquelin, Jenkinson e Traoré e a falta de critério colectivo de um onze orfão do talento de Nasri e da cerebralidade de Fabregas

Sem os seus dois maestros (e sem Vermaelen, Sagna, Gibbs, Whilshere ou Song) era fácil de imaginar que o Arsenal seria derrotado por um Manchester há largas semanas a evidenciar que Ferguson conseguiu reerguer, uma vez mais, das cinzas, um clube a quem muitos estão mais do que fartos de passar a extrema unção.

8-2 foi um resultado tremendo mas Wenger é um pragmático. Sabe que o jogo pode ter deixado uma marca profunda nos adeptos, mesmo naqueles mais fiéis que contradizem o discurso do resultadismo, mas aos jogadores transmitiu a ideia de que, no máximo, perderam-se três pontos e um confronto directo difícil de igualar. Nada mais. Uma derrota aparentemente previsível nos seus cadernos e que, simplesmente, acelerou o inevitável. Três dias depois o Arsenal mostrou-se hiper-activo no fecho do mercado com as chegadas do veterano Meertesacker, os talentosos  Benayoun e André Santos e o homem que terá por obrigação liderar a carga do meio campo, o espanhol (ironia das ironias) Mikel Arteta. Quatro nomes a que se podiam ter juntado outras (Cahill do Bolton, Gotze do Dortmund, Hazard do Lille), não fossem as ofertas dos gunners rejeitadas sem qualquer opção de negociar.

 

Se Wenger já montou e desmontou equipas de alto standing é difícil pensar que o alsaciano perdeu a habilidade de repetir o feito.

Até porque o Arsenal pós 2008 é tudo menos uma equipa de top. Em 2006 a equipa chegou ao mais alto. Uma final de Champions League, a única espinha ainda atravessada no historial do clube e do técnico. Desde dois anos antes que o clube não vencia um troféu doméstico e desde então a razia foi in crescendo. À medida que os artífices dessa campanha foram deixando o clube, as caras novas foram incapazes de manter o ritmo. Mas, sobretudo, e isto para um homem como Wenger é fundamental, a balança do poder financeiro da Premier mudou drasticamente as regras do jogo.

Quando o clube decidiu gastar todas as fichas numa só jogada não foi capaz de prever o que o fenómeno Abramovich seria capaz de fazer ao futebol inglês. Estávamos em 2003, o ano em que se forjou a lenda dos Invencibles, e ao Manager foi-lhe dito que o dinheiro para transferências iria acabar durante os anos seguintes. Todos os rendimentos do clube seriam redirigidos para a construção (e pagamento) do novo estádio, o Emirates Stadium, ele também uma petição expressa de Wenger, cansado de ver um Old Trafford com 75 mil almas contra as 32 mil que abarrotavam o velho Highbury. Economista, apaixonado das finanças e gestor de elite (basta ler Moneyball para entender como Wenger mudou o rosto do futebol moderno), o técnico gaulês traçou um plano de futuro que contradizia em grande parte o que tinha feito nos anos anteriores. Apostou nas camadas jovens do clube (reforçadas por contratações de promessas em todo o planeta graças a uma aplicação informática que lhe permitia estudar em detalhe características chave nos jogadores mais interessantes que os seus olheiros descobriam), apostou em jogadores desconhecidos do grande público e, sobretudo, apostou em reduzir a carga salarial do plantel.

Simon Kuper defende (e no meu entender, correctamente) a teoria de que é o que um clube gasta em salários o que determina o seu real posicionamento no mercado e nas expectativas que pode ter. No arranque da década o Arsenal era o clube que mais gastava em salários, só ultrapassado pelo Manchester United. Uma década depois o clube caiu para um sétimo lugar por detrás de United, Chelsea, City mas também Aston Villa, Tottenham ou Liverpool. Sairam os pesos pesados, os mais novos cobram relativamente pouco comparado com os de outros clubes e sempre que um jogador com o perfil, digamos, de Nasri (o caso de Fabregas é muito especial) quer renegociar o contrato em alta, o clube prefere vender. Essa politica marcou a segunda etapa do técnico no clube e de certa forma os seis anos sem titulos ou os 8-2 em Old Trafford apenas espelham essa realidade. O Arsenal não tem poder financeiro para competir pelo titulo. Nem sequer pela Champions League. Hoje, tecnicamente, os gunners são uma equipa de Europe League e têm-no sido nos últimos anos. Mas a boa gestão de Wenger, o seu estilo de jogo, as grandes descobertas do técnico foram mantendo o Arsenal acima do esperado, dando a ilusão de poder que realmente não tinha. O clube nem pode gastar 40 milhões num jogador nem sequer - e isso é o mais problemático - gastar as fortunas em salários anuais que recebem os mais bem pagos, os jogadores de top. Uma realidade que começa a mudar agora. Mas só agora. Agora porque o clube acabou de pagar o estádio (seis anos depois). Agora porque o clube pode voltar a investir. E agora que o inferno passou, agora que o clube pode voltar ao seu rumo depois do mais difícil, agora Wenger perde a confiança?

 

O certo é que Arsene Wenger continua a ser o santo e senha para a maioria dos gunners. E com todo o sentido. O "boring Arsenal" de George Graham venceu títulos mas nunca convenceu ninguém. Wenger venceu títulos também mas sempre encantou, mesmo nas mais cruéis derrotas, até ao mais imparcial dos adeptos. Tacticamente é um treinador de top mas é como gestor de recursos - humanos e financeiros - que o seu papel na história está assegurado. Transformou o Arsenal numa potência real e deixou as bases de futuro para um projecto sólido e sustentável. Sem o dinheiro de sheiks ou magnatas, sem o background económico do Man Utd (que antecipou em 15 anos tudo o que os restantes clubes fazem hoje) conseguiu dar luta até ao fim ano após ano. Ninguém pode dizer que 2011/12 vai ser diferente. Arsene já nos surpreendeu outras vezes no passado. O desafio é difícil mas se há alguém que se sente estimulado por jogar contra as expectativas é o homem em que os gunners ainda confiam.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:04 | link do post | comentar | ver comentários (2)

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