Sou um dos grandes admiradores de Juan Mata. Talvez porque o vejo jogar desde os dias do Castilla. Porque sempre vi nele todas as condições para ser um jogador de elite. José Mourinho pensa de outra forma. Para ele o espanhol está uns furos abaixo do que ele quer como elemento central do seu esquema ofensiva. Entre o espanhol e Óscar, o técnico sadino prefere o brasileiro. A maioria dos treinadores agradeceria ter um dilema destes nas mãos. Afinal, são dois dos melhores jogadores do Mundo na sua posição. E para o "Happy One" só há espaço para um.
Guardiola chegou a Barcelona com uma ideia.
Quando há jogadores top, há sempre espaço para todos.
Sob essa filosofia não se importou de colocar muitas vezes a Iniesta como extremo. De deslocar Messi para o centro. De enquadrar no mesmo onze a Xavi, Iniesta, Cesc e Messi, mesmo sendo consciente que ficaria pouco espaço para a improvisação. Se tivesse tido Neymar, para abrir o campo, seria outra conversa. Essa ideia é antiga. Até aos anos 70 o jogador prevalecia sobre o esquema. Ao técnico competia-lhe encontrar espaço para por os melhores em campo. Depois apareceu Herrera, apareceu Rocco, apareceu Michels e o modelo de jogo passou a ser a prioridade. Ou o jogador se adaptava ou, por muito bom que fosse, estava destinado ao banco. A Itália do Mundial de 70 foi alternando Rivera e Mazzolla porque ninguém pensava que dois génios como esses pudessem jogar juntos sem comprometer a equipa. O Ajax de Michels e Kovacs, repleto de grandes jogadores, funcionava porque todos eles se manejavam bem em distintas posições. Quando saíram do clube foram incapazes - até Cruyff - de reproduzir o mesmo nível de jogo noutras paragens. E quando chegou a década de oitenta o sistema tinha prevalecido. O Brasil de 82 foi um reflexo de uma era perdida, o AC Milan de Sacchi colocou cada um no seu sitio e a goleada dos homens de Capello a um Barcelona de Cruyff que procurou vencer um duelo equilibrado através das estrelas em campo selou o destino de quem acreditava no valor do jogador.
Portugal, em 2000, e a Espanha, em 2008, começaram a mudar a filosofia. Guardiola exprimiu-a ao máximo. De repente os génios individuais voltaram a ser valorizados mesmo que isso significasse problemas. Compaginar a Rooney e van Persie na mesma equipa funciona ou cria mais problemas do que soluções? Podem Ozil, Isco, Bale e Ronaldo jogar juntos? Ancelotti pensava que não e facilitou a saída do alemão. E em Munique, apesar da fama que precede Guardiola, há quem não entenda o seu esquema onde Lahm é médio para que os bons joguem todos à sua frente sem conceder um lugar a um jogador que paute o ritmo e o equilíbrio. Em Londres, onde Mourinho tem tido problemas para impôr a sua ideia de jogo (que ninguém ainda entendeu muito bem qual é) o Chelsea vive um desses dilemas: modelo vs jogadores.
Hazard, De Bruyne, Mata e Oscar.
São quatro dos melhores do Mundo. Jovens, ambiciosos, talentosos, jogadores capazes de marcar a diferença. Apesar de algumas diferenças pontuais, não são futebolistas distintos. Uns mais velozes que outros, uns mais cerebrais que outros, mas todos eles com o mesmo principio de jogo na cabeça: o jogo associativo.
Para muitos treinadores, ter tanto talento é uma benção. Para alguém como Mourinho, um problema. O técnico português, desde os dias do FC Porto, sempre fez prevalecer o seu sistema aos jogadores. Nas Antas relegou várias vezes o talentoso Alenitchev para o banco porque já contava com Deco no relvado e preferia a consistência defensiva de Tiago/Pedro Mendes ou a abertura de banda que lhe podia dar Capucho (primeiro) e César Peixoto (antes da lesão) depois. Quando chegou Carlos Alberto, e a sua imprevisibilidade, para substituir o trabalhador Derlei, ficou claro que havia num onze uma função para cada jogador e nada mais. O padrão repetiu-se em Londres (entre Robben e Joe Cole) e em Madrid (em Milão faltavam-lhe opções de talento, salvo Sneijder) com Ozil tantas vezes relegado para o banco em jogos importantes. Para ele, jogadores que se decalcam, devem competir entre si por um dos lugares livres no seu esquema, nunca o contrário. Sendo que o belga Hazard é para Mourinho a sua clara coqueluche (com toda a razão do Mundo) e que De Bruyne se revelou uma surpresa (para os mais desatentos), basta olhar para o passado do português para entender que o MVP da temporada passada, Mata, e o talentoso Oscar - que cresceu muito no último ano e meio - teriam de disputar um lugar.
Mourinho gosta de jogadores possantes (de aí a presença de Schurlle), de jogadores rápidos (a primeira razão da contratação de Etoo) e que desequilibrem com o seu talento natural para a finta (de Carlos Alberto a Willian, passando por Robben e Di Maria vai um largo historial). Do que menos gosta são de jogadores que pautam o ritmo do jogo e muitas vezes impedem que se ponha em prática a sua habitual verticalidade e velocidade. Mata é um jogador de pausa, de procurar espaços, de toques decisivos. Óscar também, com a diferença que o faz mais em grandes planícies do que, propriamente, em apertados vales. Mata move-se melhor perto da área, lendo o jogo. Óscar é um jogador (agora), mais rápido e físico, capaz de vir desde o meio-campo para o ataque em condução ou abrindo linhas de passe com lançamentos em profundidade. O brasileiro é um jogador que se enquadra perfeita no ideário de Mourinho. Mata, talvez melhor individualmente, não o é.
Poderia ter-se desprendido do espanhol no mercado mas a opção de reforçar algum rival (seja na Premier, seja na Champions) com um jogador que ele sabe ser de alto nível não lhe agradava. E Mata ficou. Mas terá muitos problemas para ter minutos. Como Torres, que parece incapaz de conseguir repetir a mesma consistência da sua etapa no Liverpool, é uma vitima de uma ideia de jogo que se enquadra pouco com o espírito espanhol. Obi Mikel, Ramires, o eterno Lampard, o esforçado Óscar, o abnegado Schurlle e o esforço físico de Etoo são mais adequados à "Biblia" do português. Para Hazard e, eventualmente, De Bruyne e Willian, sobra o pouco espaço deixado ao talento genuíno e à improvisação, sempre comprometidos ao esforço colectivo. Apesar de ter prometido uma filosofia de estância larga, Mourinho continua a pensar no curto-prazo.
Tele Santana não teria problemas em montar um quadrado entre os futebolistas mais talentosos para mandá-los ao campo a jogar. O seu esquema criou escola, na imaginação dos adeptos, mas não tanto nos relvados. Mourinho sempre foi um técnico com fama de resultadista, uma expressão perigosa num meio onde vencer é tudo. O seu problema não está tanto na busca do resultado mas sim no caminho único para o obter. Com o passar dos anos o português foi abdicando de princípios fundamentais nos primeiros anos por abordagens cada vez mais simplistas e herméticas. Quando o guião não funciona, os problemas são evidentes. O Chelsea com a bola é uma equipa que não sabe o que fazer porque o treinador não quer que a tenham muito tempo. Sem ela sofre porque a maioria dos seus jogadores sente-se mais cómoda com ela. Sem um killer de área, como foi Drogba, e sem um Lampard dez anos mais novo, a equipa londrina sofre porque o seu técnico quer repetir uma fórmula impossível. Continuam a ser uma potência do futebol europeu (com essa equipa, é inevitável) mas deixam mais sombras do que luzes neste arranque de uma nova era que pode ser mais curta do que muitos imaginavam à partida...
Ao Benfica não irá servir de muito a série de elogios que vai receber nas próximas horas. Foi um digno vencido principalmente porque não soube ser um convincente vencedor. Dominou o jogo, foi claramente superior ao Chelsea, mas faltou-lhe a frieza para matar o jogo quando se exigia. Depois, o cinismo dos Blues, algo no qual são especialistas, fez o resto. Os londrinos são o segundo clube na história do futebol a ser, ao mesmo tempo, detentores dos dois troféus de clubes europeus. A conexão espanhola sobrepôs-se ao medo do seu treinador, Rafa Benitez, num jogo onde o minuto 92 lembrará para sempre aos encarnados uma semana negra na sua história. Uma nova forma de maldição, com o selo de Jorge Jesus.
Outra equipa teria fechado a final nos primeiros vinte minutos. Outra equipa teria sabido aproveitar o medo e as deficiências defensivas de um rival que não esteve à altura do estatuto de actual campeão europeu. Mas o Benfica não soube nunca ser essa equipa. E por isso perdeu. Da forma mais cruel possível. Numa reminiscência da derrota contra o FC Porto, num lance inesperado em período de descontos. Um lances que despiu toda a esperança de uma formação que mereceu ganhar mas também mereceu perder.
A forma como a equipa encarnada entrou em campo despejou qualquer dúvida sobre o estado emocional dos jogadores. A derrota contra o FC Porto pode ter colocado em risco as aspirações ao título nacional, mas Jesus soube motivar os seus jogadores. Era uma final europeia o que lhes esperava. Para alguns deles a única das suas carreiras. Para os adeptos de um clube que não vivia uma aventura deste nível há mais de duas décadas, era um jogo muito especial. A atitude dos adeptos encarnados foi absolutamente exemplar, digna de um grande emblema europeu. A dos jogadores não foi diferente. Entraram com vontade de engolir o mundo e esmagaram o Chelsea durante vinte minutos que se fizeram eternos para os londrinos. Benitez teve medo. Sem Hazard - lesionado - preferiu colocar David Luiz como médio defensivo (um erro) e Ramires como extremo (outro favor ao jogo ofensivo do rival) e isolou o tridente Oscar-Mata-Torres, deixando-os à sua sorte.
Se alguém não merecia ter ganho este encontro, esse foi sem dúvida o técnico espanhol. Foi o primeiro treinador a vencer sem mexer na equipa, sem operar substituições mesmo quando havia sinais claros em campo que pediam a presença de Moses ou Benayoun. Não houve vontade de ganhar, apenas de aguentar e especular com o erro do rival. No final, a sorte sorriu-lhe, como em 2005 com o Liverpool, mas o mérito terá de ser distribuido pelos seus jogadores, que aguentaram o embate dos encarnados e souberam recompor-se.
O Benfica podia e devia ter ganho a final nesses vinte minutos iniciais. Tiveram a bola, onde quiseram, criaram oportunidades, foram mais rápidos, mais fortes e mais inteligentes na criação de jogo ofensivo. Mas falharam cada uma das oportunidades claras que construiram. Erros infantis que custaram caro. Um título europeu.
A partir desses vinte minutos o jogo equilibrou-se até ao final mas o Chelsea nunca foi melhor que o Benfica.
Em nenhum momento do jogo essa pressão asfixiante dos lisboetas se reflectiu na sua área. Não é a isso que joga a equipa de Benitez, mesmo que alguns dos seus jogadores o queira. Mata pedia a bola mas ela raramente lhe chegava. Torres lutava só, contra o mundo e Óscar e Ramires defendiam quando deviam pensar em atacar. A memorável exibição de Rodrigo na primeira parte, rasgando a defesa inglesa e abrindo o seu corredor a um incisivo Melgarejo, desapareceu no segundo tempo mas Gaitán e Enzo Perez entenderam-se sempre de forma a superar a conexão Lampard-David Luiz. O argentino Salvio mostrou-se mais apagado do que os seus companheiros mas soube lidar bem com os inesperados erros de marcação de Ashley Cole, um veterano com um jogo para esquecer. No meio, Cardozo, uma autêntica torre, esperava a sua hora. Que eventualmente chegaria.
Na segunda parte, contra a corrente do jogo, literalmente, Cech lançou uma bola larga que Mata controlou e entregou a Torres sem deixar cair. Um gesto perfeito do asturiano que isolou o avançado espanhol. Torres aguentou a carga de Luisão, a saída de Artur e marcou. Sete competições, goleador em todas elas. Superou o recorde de Pedro Rodriguez mas ninguém ainda parece ter-se lembrado. Foi um golo da dupla mais irreverente da equipa inglesa e um balde de água fria para os encarnados. Jesus arriscou tudo lançando Lima e Ola John para o lugar de Rodrigo e Melgarejo mas os seus planos foram destroçados em quinze minutos.
Primeiro porque o golo de Cardozo, depois de um infantil penalty de Azpilicueta, deixava tudo igual mas com um Benfica descompensado tacticamente atrás. E segundo porque a lesão inesperada de Garay forçava o técnico a gastar a sua terceira carta demasiado cedo. A partir de aí o Benfica abdicou, praticamente, e começou a pensar no prolongamento. Começavam a falhar as pernas. A pressão inicial, espantosa, não tinha dado os seus frutos e agora a bola pertencia ao rival que pensava na vantagem de ter mais trinta minutos com um plus de oxigénio no corpo. Apesar de algumas oportunidades, quase sempre frutos dos erros dos ingleses, o Benfica foi recuando no terreno. Lampard tinha acertado na barra - no que teria sido um golo merecido para culminar a sua brilhante carreira individual - e quando Ramires ganhou um canto no último minuto, a alguns o nome de Kelvin veio à cabeça. Antes da final tinha-se falado na maldição de Guttman. Não vinha ao caso, não só porque se referia só à Taça dos Campeões Europeus como também já foi quebrada pelo FC Porto, que rompeu a segunda parte da mítica sentença. Mas o Benfica acabou por sofrer a maldição de Jesus, um treinador talvez excessivamente arrojado, que fisicamente controla mal os tempos dos seus jogadores. Pediu demasiado da equipa cedo demais e foi precipitado a mexer-se no banco. De aí viu, impotente, como Ivanovic cabeceava só para bater de forma inapelável a Artur. Um golo que valia um troféu europeu. Um golo que urgava ainda mais na ferida dos encarnados.
Futebolisticamente a superioridade do Benfica foi constantemente superior. Dominaram todos os elementos do jogo. Menos o mais importante. Foram inocentes quando encararam a baliza e deixaram-se levar, fisicamente, contra uma equipa que está habituada a um modelo mais cínico e cauteloso que guarda sempre um sopro de ar para o final. O Bayern Munchen sofreu do mesmo mal na época passada, marcando a poucos minutos do fim para ver o Chelsea igualar no último suspiro. Ao Benfica faltou maturidade e experiência para encarar a final como um jogo diferente. Se o tivesse feito talvez tivesse ganho como merecia pelo que fez em campo. Será dificil que um projecto habituado a perder alguns dos seus melhores jogadores ano atrás ano volte a uma final nos próximos anos. Mas mais do que em 1990, 1988, 1980 ou 1968, esta formação encarnada sentiu mais perto o mérito de ser campeões de uma prova europeia. Um golo nos instantes finais fez toda a diferença. A história do futebol é feita desses momentos. Os adeptos do Bayern Munchen sabem-no como poucos e não só pela sua experiência com os Blues. Também eles foram superiores ao Manchester United na mítica final de 1999. A história lembra-se de outra coisa. Mas os adeptos bávaros não. Uma lembrança que seguramente vai acompanhar os seguidores do clube da águia nos próximos anos.