As almas de Carrow Row inspiraram fundo. Olharam para o céu. Olharam para o relógio. Viram como estava o vento desde a portuária e longínqua Portsmouth. E soltaram as asas. Finalmente podiam voar rumo à mítica elite. Em dois anos o milagre devolveu o histórico Norwich City aos grandes do futebol inglês. Uma dupla promoção prodigiosa e que devolve os "Canários" ao confronto directo com a elite britânica. Uma história com um surpreendente mas necessário happy-ending.
Paul Lambert entrou na mitologia "canária". E não é para menos.
Nos inicios de 2010 o Norwich andava pelo meio da tabela da League One, a terceira divisão inglesa. Era muito pouco para um clube com uma história imensa, um clube que fez parte dos fundadores da Premier League. Um clube que representava uma zona geográfica inglesa há muito afastada do resto do país, East Anglia. No meio dos pântanos, do vento e das correntes, os adeptos dos populares "canários", um dos poucos clubes ingleses a equipar de amarelo e verde, pensavam que os dias de glória nunca mais chegariam. E então chegou o escocês Lambert. E com ele um novo espírito. A equipa começou a trepar postos na tabela classificativa e quando a época passada chegou ao fim o Norwich sagrava-se campeão com cinco pontos de avanço. Tinha menos 18 que o líder quando o técnico se apresentou aos adeptos.
Se já essa subida era para recordar, o que se viveria em Carrow Row em 2011 será certamente para entrar nos livros de história. O conjunto chegou ao Championship com objectivos claros de manutenção. Não havia dinheiro nem condições para competir com os despromovidos da Premier League ou os grandes nomes como Leeds, Nottingham e Middlesborough que tinham falhado o assalto final no ano anterior. Talvez por isso o arranque tranquilo, sem demasiados altos e baixos, fosse visto com aprovação. Passo a passo, pensavam, lá chegaremos. Daqui a uns anitos talvez possamos ser nós. Mas Lambert não é homem de conjecturas futuras. E chegado o mês de Dezembro a equipa começou a reagir à pressão psicológica do seu próprio Manager. Os ataques convertiam-se em golos, as defesas multiplicavam-se e os jogos pendiam, cada vez mais, para os amarelo e verdes. O Norwich repetiu a façanha e trepou, trepou e trepou na tabela classificativa. Até que se colou ao líder, o recém-milionário - e igualmente histórico - Queens Park Rangers. E não o largou. Até que a matemática tornou o sonho em realidade.
O voo dos canários custou muito a equipas que apostaram forte na subida à Premier League.
Se o QPR - e o dinheiro investido por Ecclestone e Briatore - era um fortissimo candidato desde o principio, as campanhas de Middlesborough, Portsmouth, Nottingham, Cardiff, Burnley, Hull e Reading pareciam condenar qualquer outro conjunto a aspirar a ter, apenas, um ano tranquilo. Mas o Norwich City - e o mítico Leeds United, de certa forma - nunca se resignaram. E à medida que alguns candidatos mostravam não ter ritmo para lutar pelos primeiros postos, as posições na tabela foram-se invertendo. O Norwich, sem nenhuma estrela a que se agarrar, imitou o modelo do modesto Blackpool, que em 2010 tinha logrado um feito similar. O conjunto, capitaneado magistralmente por um treinador que sabe o que é ganhar. Lambert, internacional escocês de topo nos anos 90, sagrou-se campeão europeu com outra equipa amarela, o Borusia Dortmund, em 1997. Também então os germânicos foram subestimados pela concorrência. E acabaram por sagrar-se justos campeões da Europa.
Esse espírito guerreiro foi inculcado num plantel de nomes aparentemente desconhecidos para a imensa maioria mas que já valem o seu peso em ouro na história do clube. Quando a equipa bateu a 21 de Abril o seu rival regional histórico, o Ipswich Town, por 1-5, tornou-se claro que só uma hecatombe podia acabar com o sonho do Norwich. Para trás tinha ficado uma série de seis jogos seguidos sem perder, todos com rivais directos, todos com superioridade contrastada no terreno de jogo. Que o nome mais sonante da equipa seja Henry Lansbury, um jovem emprestado pelo Arsenal, diz muito da natureza de um projecto sólido que não arrisca sem ter a certeza de que vale a pena. Desde há 20 anos que uma equipa não conseguia duas promoções consecutivas. Isso diz muito do feito logrado pelos homens de Lambert que agora terão de saber sobreviver no meio dos falcões da Premier League.
O titulo pode pertencer ao QPR e há ainda muito drama e emoção à espera na luta dos play-offs onde quatro equipas (Cardiff, Swansea, Reading e Nottingham) ainda sonham com a promoção. Mas ninguém será capaz de roubar o protagonismo mediático a um conjunto histórico que ultrapassou todos os problemas possíveis e imaginários e logrou em 18 meses o que grandes tardaram anos em conseguir. 2011 será sempre um ano doce na história do Norwich City, um ano onde se provou que os Canários podem ser pequenos mas também sabem voar...