Anfield Road não celebra um título de liga desde o ocaso dos anos oitenta. O Calderón está à quinze anos à espera de voltar a Neptuno. Roma e Sporting, flamantes equipas nos princípios do milénio, voltam a sentir-se protagonistas. 2014 pode transformar-se num dos anos mais transcendentes do futebol europeu recente. Enquanto o dinheiro continua a sufragar títulos e transferências milionárias, permanece vivo um espaço emocional para a boa gestão desportiva demonstrar que é uma alternativa real ao mundo dos novos-ricos.
O mais provável é que Maio se despeça com os campeões do costume.
Manchester City, Barcelona, Juventus e SL Benfica repetirão títulos recentes. Tèem sido, inevitavelmente, figuras de proa das suas respectivas ligas. São os clubes que mais investem, os que melhor souberam contornar os obstáculos. Serão campeões justos e previsíveis. Mas este ano terão também sobrevivido a uma dura pugna com inusuais suspeitos. Com clubes que, sem as mesmas armas financeiras e argumentos desportivos, encontraram um atalho fundamental para permanecer vivos. A memorável temporada de Reds, Colchoneros, Giallorossos e Leões é a prova de que se pode vencer no mundo do futebol com meia dúzia de tostões e cabeça. Sobretudo, cabeça. A época desastrosa de FC Porto, Real Madrid, Manchester United e AC Milan, os mais lógicos rivais aos mais que possíveis ganhadores do ano, foi reflexo de uma soma de péssimas decisões desportivas. O dinheiro estava lá. Todos eles gastaram e gastaram muito. Mas não gastaram bem. Sobretudo, entregaram as rendas da equipa a homens que não estiveram a altura do desafio. Ao contrario das grandes surpresas do ano que devem o seu sucesso inesperado mais aos seus hábeis treinadores do que, propriamente, ao trabalho dos seus dirigentes. Nos bancos de suplentes o papel do treinador é habitualmente relativizado em prole das estrelas dos relvados. Mas uma constelação de grandes nomes nem sempre faz uma equipa. E muito raramente uma equipa funciona sem um grande treinador. Brendan Rodgers, Diego Simeone, Rudy Garcia e Leonardo Jardim foram, destacadamente, os melhores generais das suas respectivas ligas. Podem ganhar ou perder no final da batalha. Mas isso será um detalhe. Será culpa do abismo financeiro que existe entre os seus clubes e os rivais. Estarem a lutar em Abril por algo que os seus adeptos nem sonhariam, já é mais do que uma vitoria moral.
Das quatro equipas que deram cor a temporada europeia, parece mais evidente que Sporting e Roma estão descartados da corrida pelo titulo. No entanto, os seus casos sao os mais impressionantes. No caso dos romanos, a equipa deu um salto de gigante na hierarquia do Calcio. O investimento norte-americano foi ponderado e o clube continua a depender, talvez em excesso, do peso emocional de Francesco Totti, o eterno rei de Roma. Mas á volta do seu herói das arenas, Garcia montou uma equipa jovem, barata e ambiciosa que durante largas jornadas apresentou o melhor futebol do Calcio. Depois de um arranque para os livros de história, a equipa da Loba perdeu o gás e não aguentou a concorrência com uma Juventus que tem um dos melhores meio-campos do Mundo, com Pogba e Vidal como escudeiros de Pirlo. O titulo Bianconeri ja se adivinhava, a oposição romano foi a grande surpresa especialmente com o pedigree dos clubes lombardos e o grande investimento realizado pelo Napoli. Sem tanto dinheiro, sem tantos nomes sonantes, Garcia soube dar a batuta da equipa a quem podia fazer a diferença. E reduziu em campo diferenças abissais fora dele. Leonardo Jardim fez o mesmo.
O Sporting dos últimos anos foi sempre um pálido reflexo da herança orgulhosa do Leão. Depois de dois títulos em três anos e de uma geração promissora, desmantelada cedo demais, o hara-kiri institucional do clube lisboeta foi assustador. Para muitos a recuperação seria lenta. O sucesso desportivo de 2014 apanhou todos de surpresa inclusive o flamante novo presidente do clube. Sem gastar praticamente nada no defeso, com uma equipa de jovens promessas e segundas filas, o Sporting tem sido o único clube a dar batalha ao Benfica de Jesus, o mesmo que sobreviveu a um annus horribilis para encontrar-se com uma temporada mais plácida do que podia pensar á partida. Eliminados pelos Águias depois de um memorável duelo na Taça de Portugal, os Leões mantiveram-se de pé na luta pelo titulo de liga até ao fim, algo que não acontecia há cinco longos anos. Jardim, de longe o melhor treinador do campeonato, encontrou em William Carvalho e Freddy Montero os seus melhores aliados. O Sporting pode, pela primeira vez em doze anos, acabar a época à frente do FC Porto. Com um orçamento muito inferior, mas com um treinador muito melhor. Os Dragões deitaram por terra o Tetra no dia em que trocaram o pouco espectacular mas fiável Vitor Pereira por Paulo Fonseca. O maior erro de gestão desportiva de um Pinto da Costa cada vez mais ausente e de uma “estrutura” que falhou num momento delicado no processo de escolha e de substituição (tardia) do principal (mas não único) calcanhar de Aquiles do FC Porto 2013/14. O titulo nunca foi real, a temporada do Benfica foi mais tranquila mas o que o coloca no mapa o genuíno fracasso dos azuis da Invicta é a sua incapacidade de ultrapassar uma equipa leonina que foge determinado para um pote de mais de 10 milhões de euros que serão fundamentais para salvar o clube. Contra todas as expectativas.
Do outro lado da barricada, o das equipas que sonham até ao fim, estão Atletico de Madrid e Liverpool.
Os colchoneros, desde que Simeone aterrou no Manzanares, têm recuperado o sabor das vitorias.
Á Liga Europa de 2012, sucedeu-se a Copa del Rey de 2013 em casa do histórico rival, esse que nao batiam à quase quinze anos. Podia ser sonho de curta duração. Mas não foi. O arranque do Atleti na liga foi convincente, vencendo no Bernabeu e empatando em casa com o Barcelona. A caminho do sprint final, os madrilenhos lideram a classificação. Contra o Real dos 100 milhões gastos em Bale, o Real de Ronaldo, Benzema, Modric. E contra o Barcelona dos 100 milhões (e continuem a contar) de Neymar, o Barcelona de Messi, Iniesta e Xavi. Com um orçamento infimo, um plantel de gladiadores e um treinador com alma de potrero, o Calderon sonha. O Atletico está na luta pela Champions League – pela primeira vez desde 1997 – e pelo titulo de liga que não celebra, precisamente, desde essa etapa. Quando Simeone ainda capitaneava em campo o que agora ordena do banco. Não haveria campeão mais justo numa liga de milhões atirados ao lixo do que uma equipa que com negócios oportunos, jogadores da cantera e o símbolo do “Ardaturanismo” bate o pé aos grandes e devolve a ilusão dos días do SuperDepor, do Valencia campeão e da equipa do Doblete.
Em Inglaterra, o Liverpool vive um estado distinto de euforia. Dominadores absolutos do futebol ingles durante tres décadas, os Reds vivem vinte e quatro anos de desespero. Nenhum titulo de liga, dois títulos continentais e muitos sonhos desfeitos pelo caminho. A Kop espera ansiosamente pelo momento em que o Youll Never Walk Alone volte a ser entoado ao som de “We are the Champions”. Mas ao contrario dos espanhóis, o sucesso parece ter caído do céu. Depois de uma época passada sofrível, não muito diferente das anteriores, os homens de Rodgers voltam a ser protagonistas. Devem-no aos golos de Suarez, ao espírito guerreiro de Sturridge, à aparição de Sterling e ao talento de Coutinho. Devem-no à liderança de Gerrard. E a gestão de Rodgers. Aplicando os conceitos defendidos pela filosofía Moneyball, os gestores do Liverpool encontraram o caminho do arco-iris de forma surpreendente, quase como por acaso. Lideram a Premier League em Abril pela primeira vez em duas décadas. E só dependem de si para serem campeões. Nos duelos directos com os milionários de Londres e Manchester vão dar forma ao sonho. Podem ainda acabar fora dos postos Champions. Mas Anfield já so pensa no futuro que lhe relembra o passado. Nesses dias de glória perdidos no tempo em que o rio Mersey adormecia embriagado de euforia. No primeiro ano sem Ferguson no activo – com um Manchester United em autodestruição, um Arsenal eternamente inconstante e um Chelsea em reconstrução - os Reds podem voltar a ser campeões. O mundo torce por eles.
No final os vencedores podem continuar a ser os de sempre e tudo o que se viveu em meses de competição acabar numa mera anedota sem repercussões futuras. Mas a gestão desportiva brilhante destes quatro clubes aponta um caminho que cada vez mais equipas vão ter de seguir para reduzir o fosso das grandes fortunas que assaltaram o futebol e abriram caminho a uma nova hegemonia reduzida a petro-dolares, rublos e velhos nobres com créditos ilimitados na banca. Os que acreditam num futebol diferente vão sempre tomar partido nesta luta. A vitoria de um, nem que seja, será celebrado seguramente em casa dos outros. Todos sabem que não lhes resta mais do que continuar a lutar.
Karl Rappan, Nereo Rocco, Helenio Herrera. Para os mais puristas são a encarnação do diabo, a santissima trindade das trevas futebolisticas. Para os amantes dos desafios tácticos verdadeiros pioneiros, heróis malditos que a histórica do politicamente correcto quer varrer para debaixo do tapete. Mas a grandeza histórica deste trio de ases não é mais do que a consequência lógica do pensamento de Gipo Vianni, o homem responsável pelo "pecato originalle" do catenaccio a la italiana.
Conta a lenda, e nisto do futebol italiano cada história tem a sua lenda respectiva, que Gipo Viani era um homem infeliz.
Filho do Venetto, encontrava-se entalado no meio dos "terroni" de Salerno, esse porto costeiro a sul da costa Amalfitana, esse pedaço de Eden desprovido de pecado. Mas apesar da perfeição que o rodeava nas montanhas, no mar e nas curvas das mulheres que lhe tanto faziam perder a cabeça, Vianni não dormia. Semana atrás de semana a sua Salernitana não encontrava o caminho para a vitória e começava a afundar-se perigosamente na classificação. Oito anos depois de ter começado a sua carreira como treinador, a sua vida nos bancos parecia ter perdido o sentido. O problema do seu esquema estava numa defesa que ainda se regia pelo velho "Metodo", defendido até ao fim pelo grande Vittorio Pozzo, o técnico que fez da Itália a temida bicampeã Mundial nos dias em que Viani era jogador. O jovem tinha conhecido a Pozzo quando este o convocara em 1930 para jogar com os Azzurri. Um encontro que o marcou profundamente e que lhe permitu, no futuro, seguir a carreira de técnico numa era onde só os internacionais podiam sacar a titulação de treinador. Mas se a defesa das equipas de Pozzo pareciam inquebrantáveis, a sua era um verdadeiro quebra-cabeças. A lenda, e a mitologia italiana, como as suas mulheres, não se entende sem a lenda, conta que enquanto pensava, Viani olhou para o mar e viu um grupo de pescadores preparar-se para mais uma jornada de trabalho. E prestou atenção. Quando os dois pescadores mais jovens lançavam as suas redes, um pescador mais veterano atirava ao mar uma terceira rede. Se os peixes mostrassem habilidade suficiente para escapar aos seus jovens pescadores, seguramente que seriam apanhados pela sua veterana rede pesqueira. Na cabeça de Viani fez-se luz, talvez iluminada pelo sol intenso do golfo Amalfitano. Mas lenda ou não a restante temporada da Salernitana entrou para os livros da história do Calcio.
Viani foi o primeiro treinador italiano a establecer os principios e métodos do pensamento que derivou no Catenaccio.
A colocação de um terceiro central, retirado do ataque, permitiu estruturar uma defesa de três homens, com a cobertura dos dois interiores, que realmente se transformava numa teia de cinco jogadores, preparada para enfrentar-se, de igual para igual, com os cinco dianteiros que a maioria das equipas ainda apresentavam segundo o velho esquema do 2-3-5 de Pozzo.
A esse terceiro elemento defensivo mais tarde o grande Gianni Brera chamou de "libero" e encontrou eco na ideia que, do outro lado dos Alpes, começava a defender Rappan. Mas para Viani o esquema era mais do que uma questão de homens. O terceiro central obrigava também a equipa a reaprender a ocupação dos espaços. O quarteto da frente recuou progressivamente no terreno até formar uma linha de três elementos - dois extremos bem abertos e um jogador livre, o célebre Trequartista - por detrás do dianteiro solitário. Atrás desse quarteto os dois laterais, interiores reconvertidos ao jogo nas alas, os três centrais e um médio de cobertura. O campo encolheu, a equipa agrupou-se em zonas mais compactas e assim encontrou a fórmula perfeita para asfixiar os rivais.
Dentro do universo amador da Serie B, a experiência da Salernitana foi um sucesso e os restantes técnicos italianos começaram a olhar atentamente para a experiência de Viani. Afinal os anos 50 foram aqueles onde os campeões do Scudetto foram-no também com o menor número de golos marcados da história. Mas nenhum parecia tão redundatemente sedutor como o Vianemma, nome com que baptizaram o pré-catenaccio. O sucesso de Vianni foi tal que três anos depois o técnico estava em San Siro a orientar um histórico AC Milan com quem venceu dois titulos consecutivos (1957 e 1958) e a que levou á sua primeira final europeia, perdida por 3-2 no prolongamento contra o Real Madrid. Numa equipa sem amadores mas com génios como a tripla sueca Gre-No-Li (Gren, Nordhal e Liedholm) e o espirito de luta de Czeiler, Radice, Bagnoli, Buffon, Schiaffino e Cesare Maldini, o stopper perfeito para o técnico italiano. No final do duelo europeu, Di Stefano e Kopa, diz a lenda, presentaram a Liedholm a taça, como sinal de respeito, reconhecendo anos mais tarde que essa tarde foi a única vez onde a hegemonia merengue nos palcos europeus esteve verdadeiramente ameaçada.
Vianni sentia-se velho e cansado mas sabia reconhecer que o seu sistema estava longe de ser perfeito. Em 1958 abordou pela primeira vez um jovem e promissor técnico para se juntar ao seu staff técnico. Nereo Rocco recusou o convite mas depois de uma segunda abordagem deixou-se seduzir e em Milão juntou-se a Vianni e a Brera em tertúlias intermináveis pela noite num pequeno restaurante perto do Duomo e da sua Madoninna. Quando um ataque cardiaco obrigou a Vianni a um forçado repouso, Rocco pegou nas rédeas da equipa e transformou o Viannema num sistema ainda mais pulido e eficaz. Em 1963 bateu a memória do seu mentor ao derrotar o Benfica na final de Wembley. No ano seguinte Helenio Herrera, adepto do futebol espectáculo em Barcelona, soube levar ainda mais longe o ideário de Vianni e transferiu a sede do poder futebolistico do AC para o Inter de Milão, duplo campeão italiano e europeu nas seguintes temporadas. A história ficou com os titulos e o nome dos últimos, mas ainda hoje há quem se lembre que foi, segundo a lenda, o Éden italiano que levou a Vianni a cometer o seu pecado original.
Move-se com a ligeireza reptiliana de quem procura um lugar ao sol. Em Nápoles encontrará essa caldeira de emoções que tem o condão de despertar heróis das profundezas do Vesúvio. No Chile é já uma glória superlativa, um herói a caminho de novos episódios para a próxima saga. O mediatismo social rende-se à fantasia de videojogo de Neymar mas o futebol da América do Sul sabe que o seu perfume mais doce no passado ano chegou dos pés de Eduardo Vargas...
A histórica relação entre o porto napoliano e a América Latina fazia prever algo assim.
Antes de se consagrar numa estrela mundial - os titulos ajudam nestas coisas de que o mundo te preste atenção - já os olheiros do Napoli tinham marcado a letras grandes o nome de Vargas. O pequeno grande herói da Universidas de Chile, um dos clubes mais históricos do futebol sul-americano, levava um ano completo impressionando com o seu estilo de pincel. Aos 22 anos é um dos jogadores mais promissores do futebol mundial e no Chile só não tem ainda contornos divinos porque pertence à mesma geração de um Alexis Sanchez que em Barcelona começa a demonstrar ao grande público o que os mais atentos conheciam da sua etapa a jogar pelo River Plate numa linha atacante que incluia a Buonanotte e Falcao.
Vargas transformou o modesto futebol chileno durante o último ano. Respirando essa audácia que define os bons dos grandes, levou a Universidad ao titulo continental Sudamericano, o equivalente da Europe League do outro lado do "charco", e completou um ramalhete de quatro titulos no mesmo ano para o clube da capital chilena, um feito inédito no seu impecável historial. Começar por Vargas é começar pelo fim, pela emoção do momento em que construiu a reviravolta que destroçou a vantagem inicial de dois golos da Liga de Quito nessa dupla final continental. Vargas tinha ouvido os cantos de sereia da Europa em Junho mas a ambição de reinar no continente primou e os onze golos que apontou no torneio transformaram-no na figura inquestionável de uma esquadra que já tinha vencido o torneio de Apertura chileno e a Supertaça frente ao eterno rival, Colo-Colo, em ambos casos com a sua inevitável contribuição. Quando o conjunto se juntou para celebrar, pela quarta vez no ano, a vitória no torneio de Clausura, já nem era preciso imaginar com muita força como Vargas tinha sido, mais uma vez, o herói do momento. Com o azul da "U" ao peito, o avançado destroçou as defesas contrárias e transformou-se no mais jovem jogador de sempre do futebol chileno a receber um prémio continental. Começar por Vargas é começar pelo anúncio da sua viagem a Itália onde se encontrará em casa, no clube mais sul-americano do Calcio, onde disputará com Lavezzi e Cavani, profetas como ele no Uruguai e Argentina, um dos lugares nessa dianteira que Mazzari quer transformar no sabre mais letal do futebol europeu quando a Champions League volte a soar pela pedra do San Paolo.
Mas o Vargas de hoje, herói épico, poeta de rua, começa antes do dinheiro, dos titulos e da fantasia.
O futuro herói da "U" começou a despontar na universidade rival, a Católica, com apenas 12 anos. Mas o campo de treinos era tão distante da sua pobre casa no humilde bairro de Renca que os pais acabaram por proibi-lo de partir só, todas as noites, num autocarro que circulava toda a capital e se adentrava na profundidade suburbana de uma cidade onde o frio tem outro significado. Talvez por isso Eduardo estivesse fadado a brilhar, a ultrapassar essa distância tão gigantemente curta. Talvez por isso o programa televisivo Futbol7, patrocinado pela Adias, tenha sido só um pretexto para a vida acertar contas com ele. Deslumbrou, como não o iria fazer depois de tanta vontade acumulada nas tripas, e ganhou direito à posteridade. Começou a fazer parte dessa geração que o demónio Bielsa iria lançar pouco depois com Sanchez e Vidal, ainda num papel secundário, e encontrou no Cobreloa o porto de abrigo necessário. Chegou ao clube com 17 anos e durante três foi o seu porta-estandarte, soube a que sabe a terra ensangretada das divisões regionais, sentiu na pele a dureza da entrada de defesas mais velhos, mais fortes mas com menos fome e trepou até encontrar-se cómodo no tapete verde e macio da primeira equipa. Só saiu de lá para continuar a subir.
2010 chegou depois do sucesso em Toulon - onde marcou três belos golos - e com a compra definitiva do seu passe, depois de largas negociações, pela Universidad de Chile. Já não havia volta atrás.
No primeiro ano jogou forçosamente descaido para a direita e encontrou a sua veia mais goleadora. Saboreou o perfume do futebol continental, destroçando as defesas de Flamengo e Alianza de Lima (na Copa Libertadores) e deu ar fresco ao conjunto azulon no Torneo de Clausura. Mas 2010 não era ainda o seu ano, soava a pouco, faltava algo. Talvez aquele golo a Iker Casillas, um golo que ainda ecoa nos Andes. Talvez o regate que permitiu a reviravolta no segundo jogo da final contra a Liga de Quito, um regate que perdurá na memória. Ou talvez seja tudo aquilo que ficou ainda por fazer?
Com a mais bela baía do Mundo a cada despertar, a Eduardo Vargas talvez o som do autocarro que o deixou de levar aos treinos por insistência dos pais comece a ouvir-se cada vez menos. Na sua pequena Renca natal já há uma rua com o seu nome, pequena ainda, mas ninguém questiona que daqui a nada esse trecho de asfalto se transforme numa avenida de direito. Lá longe será o rebulicio de Nápoles, os gritos de paixão dos legionários de San Gennaro e a sua própria voz interior, essa que não o deixa parar, que determinarão o seu futuro. Tecnicamente tem todas as condições para ser mais um nessa dinastia sul-americana que fez da baía um lar digno de heróis. No Chile ninguém se esquece dele, ao contrário de Vidal e Sanchez ele conseguiu triunfar em casa. E por isso estará sempre nos seus corações. Quando voltar, será com uma coroa de louros na cabeça, desses colhidos ao pé das cinzas da história...
Os filhos do Mediterrâneo profundamente católico aprenderam ao longo dos tempos a celebrar o dia do santo de quem herdaram o nome da mesma forma que celebram o seu próprio dia de aniversário. Talvez hoje existam muitos Andrés por esse lago fora a receber felicitações. A nossa vai para um santo muito especial, um homem que, em retrospectiva, foi provavelmente o melhor jogador de futebol que passou pelos relvados desse Mundo fora na última década. San Andrea...Pirlo!
Na passada noite nem o frio deixou em casa os mais incautos, desejosos de ver mais um duelo santoral, um verdadeiro confronto entre santos do Norte e do Sul desse país único e inexplicável que é Itália. O San Gennaro local, essa aura de invencibilidade que rodeia a equipa napolitana de Walter Mazzari, defrontava o San Andrea que o norte aprendeu a venerar nos últimos 10 anos. O santo de Pirlo, o arquitecto perfeito.
Hoje todos falam de Xavi e do Barcelona como a sumula perfeita do futebol de toque, da visão e leitura de jogo mas esses são os que se esquecem que o médio catalão - pretendido em 2003 pelo AC Milan de Ancelloti - foi um dos jogadores mais assobiados do Camp Nou até que em 2005 o talento de Ronaldinho iniciou uma mutação histórica na vida do conturbado Barça. Se o final da década confirmou o génio do filho favorito de Terrasa, os dez anos que definiram o arranque do novo milénio pertenceram totalmente a Andrea Pirlo.
O italiano pode não ter sido o jogador mais espectacular da década (esse titulo será eternamente de Ronaldinho) mas foi certamente o mais genialmente regular futebolista que os campos de futebol viram nos últimos dez anos. Aos títulos colectivos faltaram os individuais - mas nisso Pirlo, como Xavi, pertence a outro tipo de jogadores, muito menos preocupados com as capas de jornais - para que o grande público se desse realmente conta da sua importância. Porque Pirlo definiu o futebol de um país de uma forma que poucos jogadores podem reclamar.
Aprendeu dos melhores, criou expectativas como nenhum outro futebolista italiano nos últimos anos e teve de viver uma mutação táctica que o transformou num futebolista único e especial. Do Brescia à Juventus sentiu na pele o que é ser parte do esqueleto futebolístico de um país e agora, no ocaso da sua carreira, demonstra ter finalmente superado todos os fantasmas dos seus antecessores directos.
Assistir aos jogos da Juventus de Conte, como o disputado no San Paolo - aqui os santos estão por todos os lados - é um desses prazeres futebolísticos que o cinzento Calcio sempre guarda na manga. Sabendo que Pirlo está em campo transmite uma tranquilidade única que deita borda fora qualquer preconceito. O técnico bianconero montou o seu projecto à volta do genial centro-campista e logrou em três meses o que a Vechia Signora não conseguia desde os dias de Marcello Lippi: encantar.
Pirlo pensa, sente e ouve o jogo como nenhum outro futebolista. Enquanto alguns dos seus colegas arrancam em solos espantosos, o tempo musical de Pirlo é sempre constante, sempre intenso, sempre tranquilizante. Em Nápoles viu a sua equipa sofrer dois golos na primeira parte e arquitectou - ai essa palavra, sempre constante em cada um dos seus 507 jogos - uma reviravolta que terminou num inesquecível 3-3. Um resultado que serve perfeitamente para os transalpinos sonharem com um regresso aos títulos. Titulos é algo que não faltam no curriculum de Pirlo. Não só ao serviço do AC Milan (duas Champions, dois Scudettos) mas também com a Itália. Apesar do génio individual de Del Piero e Totti, apesar do Ballon D´Or de Cannavaro, a Itália de 2006 define-se num só jogador: Pirlo.
Quando o médio surgiu, a finais dos anos 90, ao serviço do modesto Brescia, todos elogiavam o futuro sucessor de Del Piero como o trequartista que iria continuar a saga de sucesso dos números 10 à italiana. O seu impacto no futebol de formação italiano foi tal - e nessa altura a Itália jovem era tremenda - que levou o Inter a resgatá-lo ao seu primeiro clube. Mas esses eram os dias da esquizofrenia morattiana e Andrea nunca sentiu a comodidade necessária a quem precisa de tempo e espaço para trabalhar. Em 2001 apareceu o AC Milan com um projecto de futuro e o jovem trocou o azul pelo vermelho do equipamento e continuou a sua formação. Dois anos depois, com Ancelloti como mentor, a sua mutação táctica tinha terminado. Jogar ao lado de Rui Costa (e mais tarde Kaká) permitiu-lhe trabalhar mais o sentido posicional do seu jogo e a pouco e pouco abandonou o histórico espaço do trequartista para dictar o tempo do jogo sobre a linha do meio-campo. E a definir-se como o jogador completo.
A destreza de Pirlo com a bola só é equiparável à sua capacidade de jogar sem ela.
Poucos jogadores sabem preencher os espaços defensivos como o filho de Flero, uma dessas pequenas localidades lombardas perdidas entre a bruma e o verde que descansam aos pés dos Alpes. A evolução táctica de Pirlo, da frente para trás, permitiu-lhe ampliar a sua visão de campo, a conectar directamente com a primeira linha defensiva e a saber manobrar, a régua e esquadro, os ritmos de jogo da equipa. Uma equipa que conta habitualmente com Pirlo e subitamente vê-se sem ele sente rapidamente a diferença. No AC Milan actual, de onde o jogador saiu depois de duas épocas onde sofreu, fisicamente, uma série de sete anos irrepetíveis (e desgastantes) não há quem pense o jogo com critério e a bola voa sem parar para dizer olá. A Juventus, espessa e impessoal como poucas equipas sobre o mandato de Del Neri ou Ferrara, é agora um conjunto tão resplandecente como a primavera italiana.
Ao contrário de Xavi, um playmaker clássico com uma vocação profundamente ofensiva, o médio italiano sente-se igualmente cómodo a atacar e defender. Com e sem a bola nos pés. Os seus passes são habitualmente letais mas os seus desarmes, tacklings controlados ao milésimo exacto, são igualmente fascinantes. Filho do Calcio como poucos jogadores, Pirlo agradaria tanto a Gianni Brera como a Arrigo Sacchi, os dois grandes patronos do futebol defensivo e ofensivo que transformam a liga italiana na competição tacticamente mais estimulante do Mundo. A final de Berlim - onde foi coroado como o melhor em campo - foi o exemplo perfeito da sua transmutação. Durante 120 minutos foi o futebolista total, algo que os franceses nunca conseguiram encontrar nem em Vieira, nem em Zidane, excelentes e únicos na sua posição mas incapazes de desdobrar-se em dois. Com Pirlo a Itália de Lippi jogava sempre com 12 no terreno de jogo. E esse é o melhor elogio que se pode fazer a qualquer jogador.
Os italianos têm sido habituados nas últimas décadas à eterna guerra entre os operários e os artistas, as prima-donas e os camponeses dos relvados. Um futebol onde por cada Baggio há um Baresi, por cada Totti um Gattuso. Com Pirlo não há discussão porque ele é a súmula perfeita de todas as grandes qualidades do futebolista transalpino. Profissional até à medula, não precisa de encarnar um ideal nacionalista como é habitual no discurso dogmático do genial Xavi Hernandez. Eficaz ao mesmo tempo que espectacular, determinante ao mesmo tempo que é low profile, Andrea Pirlo pode não ter sido tão espantoso como o inimitável Ronaldinho e não ter tido uma imprensa tão favorável como a que recebeu Xavi neste ocaso de carreira. Mas dificilmente encontrarão um futebolista tão completo, tão imprescindível e tão inimitável durante a década de 2000 que
Materazzi celebra um triunfo histórico com uma máscara de Berlusconi. O Comité da Liga chama Mourinho a justificar as suas polémicas declarações sobre a verdade desportiva num país onde há nem meia década o campeão foi despromovido por corrupção. A Juventus de Ferrara afunda-se na classificação depois de muita polémica à mistura com a conivência da imprensa. E pelo meio o futebol italiano continua a viver o seu longo e tormentoso pesadelo. Um jogo cada vez para "buffones".
O Inter acabou com nove jogadores o derby de Milão. Na fria e seca cidade lombarda as pessoas reuniram-se à volta da segunda maior catedral do burgo, o belo San Siro, para um duelo daqueles que em Itália ganha sempre outras proporções. E assim foi. Uma vez mais. Gattuso dizia que Mourinho nem dormia, do medo que tinha ao renascido AC Milan. Mas dos rossoneri pouco se viu. E isso que o simpático árbitro até ajudou. Expulsou Sneijder de imediato e ainda teve tempo de mandar Lucio tomar banho mais cedo. Pelo meio o futebol ficou nas mãos dos guerreiros de Mourinho que, de novo sem espectáculo, deixaram KO uma equipa onde Ronaldinho, o regressado, andou desaparecido. De tal forma que até um penalty, esse pontapé que o mitico avançado brasileiro nunca falha, acabou desperdiçado. O Inter venceu, justamente, e manteve em nove pontos - que podem ser seis - a vantagem classificativa. E no final voltaram os "buffones" de sempre.
Marco Materazzi, o enfant-terrible do futebol italiano, entrou em campo a festejar com os colegas. O defesa de 36 anos não jogou, como tem sido hábito, mas fez a capa de todos os jornais com a sua máscara de Silvio Berlusconi. Um presidente sorridente. Mas o país não achou tanta piada. Para além de dono do clube milanês, Berlusconi ainda é primeiro-ministro. E depois de há um mês ter ido a Milão levar com uma réplica do Duomo na face, ontem saiu humilhado pelos seus eternos rivais. Só que em Itália nada é o que parece.
O jogador foi imediatamente crucificado e Berlusconi, uma vez mais, adoptou o papel de virgem ofendida. Num acto sem precedentes, a Liga italiana suspendeu o defesa por um jogo por ter "insultado a figura do primeiro-ministro". Hugo Chavéz não faria melhor.
E apesar de todos se terem rido do incidente, a Liga decidiu voltar à carga. Aumentou a suspensão a Wesley Sneijder para dois jogos, por "palavras injuriosas" à equipa de arbitragem e chamou José Mourinho para explicar as suas polémicas declarações contra a verdade desportiva do futebol italiano. O mesmo que ainda há quatro anos viveu sobressaltado pelo tão celebre Moggigate.
Itália tem uma relação especial com o futebol. Em vez de veteranos jornalistas, os programas desportivos são apresentados por mulheres de proporções mais do que generosas. Um painel de mais de dez convidados analisa, todos os fins-de-semana, cada lance, cada palavra, cada gesto do jogo. Já não se passam só resumos dos lances. Analisa-se a táctica de cada treinador e há muitas entrevistas em directo quando noutros países o black-out é mais do que habitual nas relações com a imprensa. E no meio de todo esse teatro, das campanhas jornalisticas, do vitimismo, vai grassando uma liga sem chama e apelo a um público cada vez mais rendido à eficácia germânica, ao show inglês e às estrelas que deambulam por terras espanholas. O Calcio definha e os "buffones" mandam no burgo.
Ninguém parece importar-se com a subida do nível médio das equipas de metade de tabela. Napoli, Palermo, Genoa, Parma e Sampdoria exibem-se a óptimo nivel. A Roma está de regresso à luta pelo titulo. E na parte baixa da tabela a luta é intensa. O futebol, no entanto, fica à porta. É Berlusconi, o omnipresente. É Mourinho, o maldito. É isto e aquilo. É pouco jogo.
A anedocta de Materazzi e as proporções que tomou só existem em países como a Itália. Países onde o espectáculo vale mais do que o jogo. Houve uma clara regressão desportiva num país que nos anos 80 e 90 iluminava as restantes ligas europeias. E no meio de todo o circo montado, olhamos para o pequeno rectângulo à beira-mar e percebemos que Portugal não é mais do que uma Itália em pequenino. E tudo fica mais claro!
O futebol está repleto de histórias curiosas. O que hoje damos por certo já foi duvidado. E o que nos parece uma aberração, muitas vezes tem razão de existir. Olhemos, por exemplo, para a Juventus. Choveram críticas ao último equipamento cor-de-rosa que a equipa utilizou como segunda opção e nos jogos europeus. Criticou-se a Nike por desrespeitar o espirito forte e colectivo da Vechia Signora. Mal sabiam eles que os "bianconero" nem sempre o foram e que o rosa é mesmo a sua primeira cor.
Em 1903 a Juventus era já uma das formações mais respeitadas de Itália. A terceira mais antiga, depois de Genoa e Udinese, a "Vechia Signora" rapidamente lançou as bases que a tornariam na mais bem sucedida formação do futebol italiano. Mas por essa época o clube não tinha ainda um touro como simbolo. Nem equipava de branco e negro. Longe disso.
O primeiro equipamento da Juventus era cor de rosa. O clube tinha escolhido o nome de Juventus por ter sido organizado por um grupo de jovens estudantes burgueses italianos e ingleses que residiam na cidade. Para respeitar a filosofia do projecto escolheram o rosa como cor do equipamento. Uma cor ligeira e divertida, como deveria ser a equipa em campo. A equipa tinha sido fundada três anos antes do final do século XIX e em 1900 inscreveu-se na recém-criada federação italiana. Começou por disputar os campeonatos regionais do Piemonte e rapidamente passou para o campeonato nacional. Por essa época exibia um equipamento com calções negros e camisola cor de rosa. O mesmo que a Nike recuperou há algumas épocas e que tanto escândalo lançou. Só em 1903 a história se reescreveu e começou a formar-se a lenda bianconera.
Com a equipa a lutar pelo titulo nacional italiano a Juventus vivia uma complicada. As discussões entre os fundadores eram constantes e Alfred Dick, responsável número um pela criação do clube, acabou por abandonar o projecto com vários colegas. Juntou formaram o Foot-Ball Club Torino que rapidamente se iria tornar no grande rival da Juventus. Com ele partiram vários jogadores e do cor-de-rosa original da sua Juventus passou a um grenã que faria história no Calcio.
Entretanto os jogadores da Juventus, ainda à procura da sua identidade, decidiram trocar de equipamento. Foi fundamental a influência de John Savage, um industrial inglês que residia na cidade e que habitualmente acompanhava os jogos da Juventus. Ao ver que o equipamento original começava a perder cor devido às constantes lavagens, Savage decidiu encomendar de Inglaterra um novo kit para oferecer aos amigos. Para tal desenhou um equipamento dividio a meio entre o negro e o cor de rosa e entrou em contacto com um colega de Nottingham, solicitando-lhe que este lhe enviasse vários exemplares deste novo modelo. Só que a cópia remitida perdeu cor e ao ver um equipamento negro e esbranquiçado, este decidiu enviar, em contrapartida, réplicas do equipamento do seu clube, o histórico Notts County, o primeiro clube da história. Quando a mercadoria chegou a Turim Savage viu-se surpreendido e pediu desculpas aos colegas. Mas estes apaixonaram-se pelo novo equipamento e adoptaram-no de imediato. As riscas pretas e brancas verticais davam, segundo eles, uma aura de força implacável que acabaria por se tornar na imagem de marca do clube.
A partir de 1903 a Juventus nunca mais voltou a abandonar as cores adoptadas. Os adeptos por toda a Itália começaram a utilizar a alcunha de "bianconeros" e ao criar o primeiro emblema mantiveram as cores como fundo do escudo de Turim onde pontificava já o mitico touro negro (que nos anos 80 e 90 foi substituido temporalmente por uma zebra). Com a compra do clube pela família Agnelli, nos anos 20, a equipa deixou de importar os equipamentos de Inglaterra e passou a produzir as suas próprias camisolas. Que ainda hoje utiliza. Durante anos utilizou o azul como segunda cor, por homenagem à cidade de Turim, cor que esteve presente na mágica noite que lhes valeu o segundo título de campeões europeus. Até que o cor-de-rosa voltou à ribalta e lançou de novo o debate sobre as origens históricas dos clubes, desconhecidas hoje pela maioria dos adeptos. Um recuperar do passado que está presente também na modernização do emblema e na constante utilização de estrelas para simbolizar o número de ligas ganha pelo clube.
No Verão de 2004 a cidade do Porto vivia um mixto de emoções imprevistas poucas semanas antes. A equipa tinha conseguido o feito de sagrar-se campeã nacional e da Europa mas de rajada tinha perdido o seu técnico e mentor e alguns dos seus maiores craques. Na viagem inversa chegava uma jovem promessa do futebol brasileiro. Um pequeno grande génio que o Dragão não soube aproveitar e que é hoje, o novo rei de Itália.
Diego Ribas tem vivido estes anos à sombra. Primeiro despontou no Santos ao lado de Robinho e viu os sprints e malabarismos do jovem colega suplantar em fama os seus passes deslizantes e aberturas teleguiadas. Mais tarde viveu à sombra do gigantesco Kaká na sua melhor era rossonera que o afastou do "escrete canarinho" de forma constante. E claro, a sombra da liga alemã, menosprezada por tudo e por todos, uma liga de alto nivel mas que vende poucas capas de revistas. Resultado, o Mundo parece que só agora despertou para o génio deste jogador imenso que há meia década que se assume como um dos mais completos do futebol mundial. E aí está ele, como no Olimpico de Roma, literalmente arrasador. É o novo rei de Turim, o cérebro à volta do qual Ciro Ferrara monta a melhor formação da Vechia Signora em largos anos. Mas também o futuro rei de Itália, um país orfão dos seus dois maiores craques, Zlatan Ibrahimovic e o próprio Kaká, que recebe de braços abertos este pequeno grande craque.
Aos 24 anos finalmente Diego é reconhecido. Custou mas já está.
Ao contrário do seu amigo Robinho, a sua carreira foi constantemente uma subida a pique. Cheia de contrariedades e obstáculos. Foi nesses momentos que o jovem médio mostrou ter uma maturidade que muitos lhe negavam a dar quando deu o salto para o Velho Continente com a missão de fazer esquecer o melhor Deco e liderar uma armada com buracos por todos os lados. Diego foi executado na praça pública como o grande culpado pelo falhanço do FC Porto pós-José Mourinho. Uma culpa pesada e injusta para um jovem que então contava com 19 anos e estava a estrear-se na alta roda mundial depois de três anos fabulosos no Santos. Diego nunca teve uma orquestra afinada à sua volta. Perdeu os vários companheiros ao longo do primeiro ano (Derlei, Carlos Alberto, Maniche, Costinha, ...) e foi arma de arremesso entre os três técnicos azuis e brancos que passarão pelo Dragão. Na época seguinte caiu no ostracismo ditado por Co Adriaanse e apesar do titulo conquistado saiu pela porta pequena, apupado pelos adeptos que achavam que tinham comido gato por lebre. Trocou o ameno Porto pela fria Bremen o que significou uma passo mais na maduração do seu jogo. Deixou de ser um mero malabarista com visão excepcional para ser um motor non stop durante os 90 minutos. Um verdadeiro maestro. Em três anos no norte da Alemanha fez sonhar os adeptos locais como poucos jogadores até então. Levou a equipa à final da Taça UEFA, perdida entretanto. Com Diego a sofrer na bancada. Porque em campo seria outra história.
Adivinhava-se a etapa seguinte. Com meia Europa a falar de Cristiano Ronaldo, Kaká e Zlatan Ibrahimovic, a Juventus mostrou ter a esperteza de outras eras e não o deixou escapar. E agora aí está, patrão de um meio campo repleto de talento, lider de uma equipa desejosa de voltar à ribalta, Diego é cada vez mais um dos melhores futebolistas do mundo. Dunga não devia perder a oportunidade de explorar um jogador com o seu nivel táctico, mas mesmo com o Brasil a virar-lhe as costas, o médio sabe que em Turim encontrou o lugar perfeito para se sentar definitivamente no trono. Um trono que foi consecutivamente de Platini, Laudrup, Baggio, Zidane, Nedved...e que agora é seu. De pleno direito.
Durante anos Turim foi uma autêntica fornada de pequenos génios com a bola colada aos pés. Um viveiro de talento que entre os dois grandes clubes da capital – a Juventus e o Torino – foram espalhando o perfume do seu futebol pelo Cálcio. No entanto, desde o aparecimento de Alessandro del Piero, já lá vão quinze anos, que nunca mais nasceu nas ruas da capital do Piemonte um futebolista capaz de prender o adepto ao seu lugar enquanto que passeia a sua classe pelo relvado. Até hoje. Sebastian Giovinco está chamado a retomar a tradição gloriosa dos criativos piemonteses.
De promessa nigeriana a jovem estrela italiana. A vida de Stefan Okaka já deu várias voltas e ainda vai pelo princípio. O jovem avançado viveu na pele o problema da emigração através dos pais, ilegais chegados a Itália directamente da Nigéria para começar uma nova vida. O jovem nasceu em Castiglione del Lago mas só aos 17 anos conseguiu realmente obter a nacionalidade italiana. Por essa altura já era a grande estrela da formação do AS Roma e rapidamente se tornou numa das maiores promessas do Cálcio.
Okaka surpreendeu tudo e todos quando se tornou na estrela do campeonato de juniores italiano de 2007. O jovem que tinha começado a jogar aos seis anos no clube local de Castiglione rapidamente se tornou numa pequena estrela local, de forma a que pouco tempo depois captou a atenção dos grandes de Itália. Em 2001 passou pelo Parma e logo mudou-se para o Cittadella, tudo para seguir os pais, imigrantes ilegais que tinham chegado a Itália pouco tempo antes do seu nascimento. Foi só em 2004, já com 15 anos que finalmente chegou ao Olímpico de Roma. E surpreendeu tudo e todos. No seu segundo ano já jogava pela equipa de juniores e foi assim que se sagrou campeão italiano, eliminando com os seus golos, a Juventus na meia-final e a Atalanta na grande final. Rapidamente se começou a especular sobre o seu caso e depois do próprio clube romano ter acelerado o processo, Okaka finalmente conseguiu para si e para os pais, a nacionalidade italiana.
José Mourinho não tem propriamente fama de descobrir jovens talentos. Gosta de trabalhar com jogadores já feitas e aperfeiçoa-los ao máximo. Foi assim desde os dias do FC Porto onde poliu diamantes já consagrados enquanto que no Chelsea beneficiou dos milhões de Abramovich para montar o plantel ao seu gosto. Mas como a necessidade faz o artista, no San Siro o técnico português teve de olhar para os mais novos e descobrir uma solução para o problema nas laterais. E da cartola sacou um génio. No ano em que se retira o maior defesa lateral de todos os tempos nasce uma estrela cintilante. O futuro é de David Santon.