O Dortmund jogou melhor mas o Bayern soube ter a eficácia que lhe tem faltado nas finais europeias pós-Muller. Foi um título merecido para uma geração brilhante de jogadores que fazem parte já da elite histórica do futebol europeu. Os bávaros são indiscutivelmente a mais forte equipa da Europa e Pep Guardiola terá muito trabalho pela frente para emular o feito de Jupp Heynckhes. Ao Dortmund, a melhor equipa em campo, fica a honra de terem sido protagonistas de uma das mais espectaculares finais das última décadas. Com Klopp ao leme, para o futuro, tudo é possível.
Robben. O holandês que sempre perde.
Todos os jornais europeus já tinham a crónica do jogo escrita. Pelo menos os parágrafos em que iam desenterrar o passado do mágico extremo, os falhanços contra o Inter em 2010, na final do Mundial desse mesmo ano frente ao seu amigo Casillas. Ou o penalti desperdiçado contra o Chelsea, já no prolongamento de uma final que o Bayern não podia perder. Esse parágrafo estava escrito porque, uma vez mais, a sorte parecia estar contra ele. Três falhanços durante o jogo condenavam-no à penitência eterna. O rosto de Weidenfeller parecia uma assombração do passado quando a quatro minutos do fim, a história fez justiça. O mesmo Bayern que tinha perdido em cinco minutos uma final contra o FC Porto, em três minutos outra com o Manchester United e que tinha caído nos penalties frente ao Chelsea podia, pela primeira vez, agradecer ao cronómetro. Não ia haver tempo para mais. O toque de calcanhar de Ribery, o erro de marcação de Hummels, a saída desesperada de Weidenfeller. Gestos que passaram ao lado da visão de Robben, o jogador que só via a bola, a baliza e os braços abertos no ar. Os braços de alguém que resolvia todas as contas pendentes com a sua espantosa carreira. Um golo que merecia como poucos, um golo que marcou com a frieza dos grandes momentos. Um leve desvio, depois de mais uma diagonal letal, como a que lhe permitira, meia hora antes, desenhar o tento inaugural dos bávaros. Então Robben surgiu na sua faceta de assistente de luxo para Mandzukic marcar. Mas a glória suprema, o golo do título, estava-lhe reservado. Quando o esférico entrou já Arjen se sentia imortal.
O Borussia Dortmund entrou muito melhor no jogo, pressionando a saída de bola dos bávaros em cima da sua grande área.
O esforço físico dos homens de Klopp foi brutal. Durante os primeiros vinte minutos asfixiaram o Bayern e acumularam oportunidades de golo. Oportunidades que Manuel Neuer, imenso como sempre, foi resolvendo com perícia e sorte. Quando a balança se equilibrou, o cansaço fisico começou a fazer-se sentir e já não era toda a equipa que rondava como abutres a área bávara. As respostas dos amarelos vinham, sobretudo, da conexão entre Reus e Kuba, pelo lado direito. Ambos procuravam avidamente Lewandowski, em perpétuo movimento entre a defesa contrária, mas o ritmo já não era o mesmo e a solidão do avançado polaco foi-se acentuando. Tinham entrado definitivamente no jogo os futebolistas fundamentais no esquema de Heynckhes, os mesmos que tinham trucidado o Barcelona numa eliminatória para a posteridade. Javi Martinez, Schweinsteiger e Muller encontraram-se, associaram-se e inverteram o ritmo do encontro. Com Robben e Ribery bem tapados pelo apoio dos extremos do Dortmund a Pieszcek e Schmelzer, era pelo corredor central que o Bayern iria procurar explorar as suas mais valias. De aí nasceram as primeiras ocasiões, as que meteram o medo no corpo dos homens do Ruhr. A cadência da final seguia a todo o vapor, lembrando que há vida no futebol europeu para lá do circuito mediático Barcelona, Real Madrid, AC Milan e Manchester United. Para os que seguiram a transformação recente da Bundesliga, o ritmo e a qualidade do jogo vividos em Wembley não era novidade. Só faltavam os golos. Chegaram na segunda parte.
Primeiro Ribery e Robben, afastados do protagonismo pela pressão táctica do Dortmund na primeira parte, exploraram a falha de marcação dos amarelos e desenharam o golo de Mandzukic. Não foi preciso muito para o empate. Um erro de Dante - que devia ter sido expulso - propiciou o penalty que Gundogan converteu com frieza. Tudo igualado mas sensações novas. O Dortmund tinha mais critério mas o Bayern mais velocidade e Thomas Muller reapareceu como figura principal espalhando o medo entre a linha defensiva rival. Poderia ter sido ele o herói da noite. Ou talvez Schweinsteiger, a par de Lahm, o herdeiro de uma geração que viveu duas amargas derrotas. Mas foi Robben. Um lançamento largo, um toque de Ribery, um desvio do homem que nunca decide.
Não havia tempo para mais, não havia mudança táctica que desse cabo da vontade de vencer de um clube desenhado para lutar contra a sua malapata. O último clube a vencer a prova por três vezes consecutivas vive, desde 1977, uma luta contra o seu próprio ADN. Derrotas inesperadas contra Aston Villa, FC Porto, Manchester United, Inter e Chelsea criaram uma lenda que só uma equipa ainda mais maldita como o Valencia permitiu quebrar. A quatro minutos do fim Heynckhes era o quarto treinador da história a vencer a prova com duas equipas diferentes. O eterno goleador maldito do Monchengladbach, o homem que a direcção do Bayern entendeu que não seria capaz de devolver o Bayern à glória, o treinador que será rendido pelo génio de Pep Guardiola, não podia perder. Klopp tem tempo. Chegará a sua hora. Como o Dortmund jogam muito poucas equipas. Mas esta era a noite de Jupp. A noite de Robben. A noite de Lahm e Schweini. Hoje era a noite de ajustar contas. A noite histórica que Pep terá quatro anos para melhorar. O desafio começa em Julho!
Em 2012 a imprensa salivou com a possibilidade de uma final da Champions League entre os maiores colossos mediáticos do futebol europeu. Nenhum chegou ao jogo decisivo. Um ano depois repetiu-se o cenário. E uma vez mais, parece altamente improvável que o cenário se repita. O festival orquestrado pelo Borussia de Dortmund expôs todas as fragilidades do jogo colectivo do Real Madrid. Vinte e quatro horas depois, o representante alemão aplicou quatro golos ao rival espanhol. O golo de Ronaldo dá aos adeptos merengues pouca esperança. Em Wembley começam a esperar uma invasão alemã.
No Westfallenstadion houve uma equipa. Uma grande equipa.
Como já tinha sucedido na fase de grupos, o Dortmund foi categoricamente superior a um rival sem jogo, sem individualidades, sem treinador. Jurgen Klopp soube nos últimos dias que ia perder as suas duas referências ofensivas. Encarou o fado como algo inevitável e exigiu-lhes compromisso. E eles responderam. Mario Gotze foi imenso. Sozinho, fez o que quis de Xabi Alonso e Sami Khedira, e marcou o ritmo do jogo dos alemães. Robert Lewandowski fez aquilo que só Ferenc Puskas foi capaz de fazer na história: marcar quatro golos nas últimas duas rondas do torneio. Quatro golos perfeitos, exemplos do seu maravilhoso reportório. O terceiro, um golpe de magia a lembrar o próprio dianteiro húngaro, acabou definitivamente com a resistência dos espanhóis. O primeiro foi um puro gesto de atacante curtido. O segundo espelho do seu instinto oportunista. O último, concretização de um penalty perfeitamente assinalado pelo holandês Bjorn Kuipers. Da arbitragem o Real Madrid não tem razões de queixa, bem pelo contrário. Tal como sucedeu com o Manchester United e o Galatasaray. Um penalty por marcar de Varane sobre Reus antecipou a confusão que permitiu ao Real Madrid empatar. Foi nos suspiros finais da primeira parte, cortesia do impecável Matt Hummells - já o tinha feito contra o Shaktar - concretizada por Cristiano Ronaldo.
O português foi o espelho da sua equipa. Marcou mas esteve muito longe do seu melhor. Á sua volta o panorama era ainda mais desolador. Gonzalo Higuain, Mezut Ozil e Luka Modric nunca entraram em jogo. Os seus substitutos, Benzema, Di Maria e Kaká, também não. Gastando fortunas o Real Madrid forjou uma equipa que parece ser incapaz de ultrapassar a barreira das meias-finais. Olhando para a formação e para o mercado centro-europeu, a contar cada cêntimo, o Dortmund montou uma equipa quase perfeita.
Klopp ganhou a batalha táctica quando condicionou, uma vez mais, o modelo de Mourinho.
O português colocou Modric ao lado de Alonso e entre os dois, como é habitual, houve uma confusão constante de missões e espaços. Ozil, atirado para o lado direito, desapareceu do jogo ao suspiro inicial. Nunca mais se voltou a ver. No meio, Gundogan. O médio centro emulou o papel de Javi Martinez, na véspera, e dominou o meio-campo com autoridade e classe. Há dois anos Nuri Sahin era o dono dessa posição e foi contratado pelo Real Madrid. Não funcionou na capital espanhola e hoje é suplente de mais um turco-alemão com muito futebol nos pés e, sobretudo, na cabeça. Através da sua visão de jogo, o Dortmund controlou o encontro. As diagonais dos extremos destroçaram os laterais espanhóis e Pepe foi incapaz de lidar com Lewandowski que soube sempre fugir do mais certeiro Varane para passear pela área do português, irreconhecível. A máquina alemã estava perfeitamente oleada. Todos sabiam o que tinham de fazer, todos sabiam a que ritmo jogar e nunca, em nenhum momento, se viveu uma sensação de igualdade.
Claro que o Real Madrid teve mais posse de bola, essa condição inequívoca para vencer com categoria um jogo de futebol. Mas raramente soube o que fazer com ela. O Dortmund ocupou todos os espaços onde se moviam os seus criativos. Deixou apenas Khedira livre. E isso significou um congestionamento no jogo ofensivo do rival. Com paciência, o Dortmund manteve o controlo do jogo deixando o rival jogar longe da sua área. Com cada recuperação de bola, os alemães demonstraram que também manejam o contra-golpe com a mesma eficácia que o projecto de Mourinho. O treinador português esteve no banco de suplentes mas nem se deu por isso. Tacticamente foi superado do primeiro ao último segundo do jogo. Apático, previsível, sem soluções, o Special One foi vulgarizado por um treinador alemão que tem no bolso a admiração de toda a Europa.
A matemática permite sempre sonhar e o Real Madrid foi um clube construído com reviravoltas históricas. Um 3-0 não é um resultado impossível mas contra uma equipa tão bem organizada e letal como o Dortmund parece algo absolutamente utópico. Tal como o seu eterno rival, o clube espanhol sofreu na pele a afirmação definitiva do futebol alemão como o novo farol do futebol europeu. Em Inglaterra esperam uma invasão alemã, um duelo entre duas escolas parecidas mas forjadas com meios distintos. Poucas finais em tempos recentes teriam o condão de colocar frente a frente dois projectos desportivos tão fascinantes.