Quinta-feira, 02.01.14

"Um pequeno passo para o Homem. Um grande passo para a Humanidade". A 20 de Julho, Neil Amstrong transformou-se no reflexo humano na lua. Não estava só. Com ele levou a alma do Independiente, o único clube que pode dizer com orgulho que esteve na superfície lunar.

Parece mito mas não o é. Algures no solo rochoso da Lua, há um pedaço de um clube argentino para a posteridade. Um clube chamado Independiente, a alma de Avellaneda, um dos subúrbios mais apaixonados pelo "futbol" de Buenos Aires. Um clube que fez de Neil Amstrong, o primeiro astronauta a pisar o solo lunar, o seu mais célebre embaixador. E no momento mais histórico do século XX, quando a voz de Amstrong pronunciou a sua célebre frase, e as suas pisadas na rocha lunar foram vistas por milhões através da televisão, o que podia ser uma pequena anedota transformou para sempre a vida de um clube de futebol. O único que esteve na lua. Quando a tripulação do Apollo 11 voltou à Terra, os dirigentes do Club Atlético Independiente fizeram pública uma surpreendente notícia. Amstrong tinha deixado na lua uma prova da sua ligação com o clube, uma marca para o resto dos tempos: uma bandeira do Independiente na superfície lunar.

Ninguém acreditou na Argentina na fábula de Héctor Rodriguez. Não só porque parecia ridículo que três norte-americanos se preocupassem com um clube de futebol (e ainda para mais, argentino) como parecia fora de qualquer protocolo deixar um elemento terrestre na lua sem um objectivo concreto para a NASA e o governo norte-americano. E assim, durante meses, os adeptos rivais do Independiente, os seus vizinhos do Racing, divertiram-se com novos cânticos que gozavam com a viagem à lua do mais famoso adepto "rojo", utilizando paralelismos com os falhanços das tentativas dos soviéticos - também eles, os "rojos" - em lograr o feito. Mas em Novembro de 1969, meses depois da histórica viagem, a tripulação do Apollo 11 chegou a Buenos Aires numa tour mundial coordenada pela NASA para apresentar os heróis dos tempos modernos ao mundo. Algum jornalista lembrou-se de perguntar a Amstrong se a louca história contada pelos dirigentes do Independiente tinha algum sentido. A resposta deixou a todos surpreendidos!

 

Amstrong confirmou publicamente tudo aquilo que tinha sido contado pela direcção do Independiente.

De um momento para o outro a rábula mais fantástica ganhava forma e dimensão de novela épica. Com o relato a ser dado pelo próprio protagonista da aventura. Meses antes do lançamento da nave espacial, o clube argentino abordou a embaixada norte-americana em Buenos Aires. Como reconhecimento à missão espacial, o Independiente queria associar-se ao projecto e fazer dos três astronautas elegidos - Neil Amstrong, Edwin "Buzz" Aldrin e Michael Collins - sócios do clube. A embaixada entregou ao clube fotos dos três astronautas (com o equipamento espacial) e o Independiente fez da tripulação parte da família do clube, respectivamente os sócios 80399, 80400 e 80401.

A história podia ter acabado aí, um golpe de relações públicas. Mas não. O "Rey de Copas", nome pelo qual o clube de Avellaneda é conhecido - é o terceira emblema com mais títulos internacionais do Mundo, 15, (atrás de Boca Juniores e AC Milan, com 18 cada, ainda que os milaneses contam com quatro Supertaças Europeias) queria marcar a sua presença fisicamente na viagem à lua. Semanas antes da viagem lunar, a NASA recebeu uma caixa enviada pela embaixada norte-americana na capital argentina. Dentro vinham várias bandeiras, cachecóis e camisolas do clube para os três tripulantes e a família. Chegavam com um pedido especial: deixar uma das bandeiras enviadas na superfície da lua naquela que seria a mais importante viagem da História. A carta sensibilização a tripulação e os três concordaram em levar uma bandeira a bordo junto a outros elementos que seriam depositados na lua. Quando a 20 de Julho o módulo espacial aterrou na superfície lunar, a bandeira foi colocada, juntamente com esses objectos, no satélite terrestre antes do regresso da tripulação. Amstrong confirmou então por carta à direcção do clube que tinha cumprido a promessa. Meses depois, em pessoa, voltou a fazê-lo para surpresa de todos os presentes na cerimónia organizada na embaixada norte-americana.

Até hoje, a viagem à Lua tornou-se parte do folclore emocional dos adeptos do clube. Quando o astronauta faleceu - a 25 de Agosto de 2012 - os adeptos do Independiente homenagearam-no com uma ovação póstuma de vários minutos no primeiro jogo em casa da equipa. Afinal, graças a este estranho americano, podiam olhar para a Lua de noite sabendo que parte da alma do clube também os iluminava durante a noite.



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Sábado, 12.05.12

Se perguntarem a um argentino de 40 anos este dirá que o melhor jogador de sempre é Diego Maradona. Se encontrar-mos um veterano de mais de 60 anos este orgulhosamente preferirá Alfredo di Stefano. Agora, se tivermos a sorte de falar com alguém ainda mais velho ele não terá a minima dúvida. O homem a quem o mitico "don Alfredo" tratava de maestro foi talvez o argentino mais inimitável da história das magnificas gerações de potreros que nasceramno país das pampas. O impacto que criou na sua época de glória, antes da chegada da televisão, das cores e dos media foi único. Adolfo Pedernera foi inimitável.

 

Há jogadores que marcaram equipas que fizeram história. Mas só um fez parte, com o mesmo destaque, de duas igualmente épicas e históricas. Durante 20 anos Adolfo Pedernera foi a grande estrela do futebol sul-americano e para muitos um dos melhores jogadores de todos os tempos. Numa era onde ainda não havia praticamente imagens televisivas temos de nos contentar com os relatos entusiastas e as reportagens das suas inúmeras conquistas. Mas o seu curriculum e as palavras pausadas de quem o viu e sobreviveu ao tempo para contar falam por si. Com uma finta e técnica fora do vulgar, Pedernera assumiu-se como o primeiro protótipo do futebolista moderno, actuando em vários sectores do terreno com a mesma eficácia. Desde 1935, onde começou a actuar profissionalmente, até à sua retirada em 1956, Pedernera jogou e fez jogar e liderou as duas melhores equipas da época, o River Plate e o Milionarios de Bogota.

Nascido em Avellaneda, bairro operário de Buenos Aires, de familia de classe média baixa, antes dos 15 anos já era uma estrela no futebol argentino, actuando primeiro pelo Cruceros de la Plata e mais tarde pelo popular Huracan. Com 16 anos transferiu-se para o River Plate e rapidamente criou um entrosamento especial com os seus jovens colegas de equipa. Uma formação absolutamente deliciosa onde pontificavam também Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Felix Loustau e o inimitável Angel Labruna. Juntos formaram La Maquina, o melhor conjunto da história do clube de Buenos Aires que, com esta formação, dominou por completo o futebol argentino vencendo cinco campeonatos em 10 anos (1936, 1937, 1941, 1942 e 1945), permitindo também à Argentina, do qual ele era o lider natural, vencer a Copa America em 1941 e 1945. A máxima de La Maquina era atacar. Percursor do futebol total ofensivo, o técnico da equipa, Carlos Paucelle, dizia que jogava com 1-10 tal era o espirito ofensivo do onze. A equipa vivia num constante toque à procura da baliza porque sabia que perder a bola era letal num onze quase sem elementos defensivos. Ao longo dos anos manteve uma altissima média de golos marcados e pouquissimos tentos sofridos. Pedernera era o simbolo de uma geração mas os problemas financeiros de um clube eternamente mal gerido levaram-no para o México onde jogou a contragosto durante uma época no Atlanta. Depois da viagem ao país azteca, as saudades de casa falaram mais alto e o jogador logrou desvincular-se e voltar ao seu Huracan. Também aqui Pedernera ficou pouco tempo. Em 1949 o futebol colombiano decretou guerra à FIFA e começou a coleccionar os cromos mais valiosos do futebol sul-americano. Pedernera era o ás de espadas. Assimou pelo Milionarios e tornou-se no lider da equipa que juntamente com o River Plate e o Santos melhor marcou a evolução do futebol latino até aos anos 70.

 

Na Colombia juntaram-se-lhe alguns dos mais fascinantes desportistas sul-americanos de então e o clube arrancou para uma época gloriosa com quatro titulos em cinco anos e ainda a primeira experiência de um Mundial de Clube em 1953. Pedernera destroçava pelo lado esquerdo, explodia pela faixa direita e pautava o jogo ao centro. Apontou centenas de golos e foi o patrão deste conjunto que ficaria imortalizado pelo sugestivo nome de Ballet Azul. Com a chegada de um então jovem Alfredo di Stefano, com que se cruzara nos últimos meses no River Plate e que se tinha tornado no seu substituto em Buenos Aires, o craque então de 33 anos encontrou o seu sucessor e tornou-se mentor do futuro avançado do Real Madrid. Mais tarde Di Stefano confessaria que nunca vira ninguém como Pedernera em campo e foi graças ao extremo que o jovem argentino conseguiu brilhar no clube colombiano e chegar ao futebol europeu. Depois de abandonar a Colombia voltou à Argentina onde ainda disputou duas épocas com o Huracan, retirando-se definitivamente com 38 anos.

 

Passou imediatamente aos bancos onde treinou equipas de todo o continente, incluindo a selecção colombiana - a que levou ao seu primeiro Mundial em 1962 - e Argentina, com a qual falhou o apuramento ao Mundial de 1970. Nos anos 70 terminou a sua carreira vivendo em retiro até 1995, onde com 78 anos acabaria por falecer tranquilamente na sua cidade natal. Tinha-se terminado uma era mágica da história, não só do futebol argentino mas do belo jogo de uma era onde os craques tinham auras de semi-deuses inalcançáveis para o mais comum dos mortais.



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Segunda-feira, 19.12.11

poucas fotos que conseguem encapsular o sentido de um jogo tão brutalmente complexo como o futebol. Nenhuma o faz tão bem como este momento em que o mundo - a bola - pára aos pés de um dos jogadores que melhor a souberam entender. À sua frente, o caos. E não um caos qualquer, uma desordem organizada, uma concessão ao desespero de um segundo que logo desaparece sobre um manto de rigor absoluto. A Argentina do "Pelusa" perdeu o jogo frente à melhor Bélgica de que há memória, pioneira na organização defensiva na década que redefiniu o conceito, mas ganhou a história com uma foto que perdura na memória.

 

Maradona recebe a bola. Só.

Diante de si, seis jogadores belgas. Seis jogadores de elite, vice-campeões europeus, totalmente desorientados pelo seu movimento de corpo. Pendentes do seu próximo movimento, da decisão que pode mudar o curso do jogo, da história. A bola cola-se aos pés do jovem astro argentino, debaixo do olhar quase impotente de homens que sabem encontrar-se com algo a que os gregos antigos simbolicamente chamavam de semi-deuses. Poucos jogadores individuais tiveram tanto impacto no jogo como Diego Armando Maradona. Poucos jogadores deram a sensação de surpresa e terror num rival como o Pelusa nesta imagem. Curiosamente, como os não golos de Pelé em 1970, esta imagem tornou-se mais representativa do seu génio do que muitos dos seus golos. O poder do individuo contra o colectivo.

Claro que o lance acabou imortalizado e foi desactivado poucos instantes depois. Não foi um desmarque impossível mas sim um livre indirecto e os homens belgas tinham formado uma barreira que rapidamente se desactivou diante do argentino que, no meio da floresta de homens de vermelho, acabou por perder a bola. Travado várias vezes em faltas (que hoje em dia valeriam mais do que uma expulsão), a exibição do menino que falhou o Mundial de 78 e que no ano seguinte se transformou em estrela precoce no Japão, foi catalogada como desapontante. Era o seu primeiro jogo no Camp Nou depois de ter assinado com o Barcelona e, sobretudo, o primeiro jogo importante com a Albiceleste vestida e o 10 estampado nas costas, como uma cruz. Maradona tentou, jogou e fez jogar, mas a foto acabou por contradizer o que se viveu nos 90 minutos.

 

O poder de uma imagem muitas vezes é suficiente para dar uma imagem oposta ao real.

Nunca em nenhum momento isso foi tão verdade como este frame. O aparente desnorte dos jogadores belgas dá a ideia de uma equipa sem ideais, sem estilo, sem disciplina, submetida ao génio de um só homem, de um poeta de chuteiras. A imagem que melhor imortaliza o papel do individuo entra em choque com um jogo onde se reforçou um conceito que faria escola nos anos 80: o papel táctico do colectivo.

A Bélgica de Guy This tinha-se tornado, desde o final dos anos 70, no exemplo perfeito do que é o futebol de hoje. O talento individual foi colocado ao serviço do bem colectivo, as estratégias defensivas de contenção, pressão e - sobretudo - do jogo com o fora-de-jogo (algo idealizado pelo belga Raymond Goethels, treinador do Anderlecth, durante a década) como armas preferenciais para desactivar o rival. Kempes, Maradona e companhia viram-se superados por essa defesa sempre pronta a dar um passo em frente neutralizando as diagonais dos homens das pampas. Apesar de contar com génios individuais como foram Eric Gerets, Jan Ceulemans, Vandereycken ou Coeck, todos submergiram num só elemento, quase indistinto, que basculou durante os 90 minutos em linhas compactas que anularam o jogo mais lento e previsível de uns campeões do Mundo que (como em 1990) chegaram com a convicção de que a sua superioridade técnica natural seria suficiente.

Mas a Bélgica não era uma equipa qualquer, como César Menotti devia bem saber. Vice-campeões europeus dois anos antes, os belgas representavam a corrente mais conservadora e eficaz do futebol europeu de então, o oposto do futebol espectáculo protagonizado pela França de Platini. Só uma Alemanha tão bem organizada mas com um Bernd Schuster implacável foi capaz de superar a espantosa organização colectiva dos belgas em Itália e neste Mundial de Espanha os belgas acabaram apenas por cair diante da eficaz Polónia de Lato e Boniek na segunda fase de grupos depois de um arranque memorável. O golo de van den Bergh silenciou um Camp Nou disposto a prestar vassalagem ao seu novo ídolo e demonstrou que, apesar de uma imagem valer mais do que mil palavras, um individuo não deixa de ser um variante inferior ao poder de um colectivo durante longos 90 minutos.

Maradona, qual guerreiro cercado pelas tropas rivais, teria dois anos depois a sua desforra, apontando os dois golos que bateram os belgas nas meias-finais (a organização voltou a ser a sua grande arma contra soviéticos e espanhóis) mas aí o número 10 contava atrás de si com um colectivo cujo o ideário billardista se aproximava, mais do que nunca, ao dos homens de Thys. No lance imortalizado há metade da equipa argentina sem marcação e não sabemos se estão de braços no ar a pedir a bola ou se admiram, estáticos, como todos, o momento. Ao ver o jogo, no entanto, entendemos que a realidade é sempre mais complexa do que parece. Maradona recebe a bola numa posição complicada, abandonado, e todos os que se encontram na sua linha de visão estão bem presos pela teia defensiva belga. O passe mais óbvio torna-se presa fácil dos rivais que roubam a bola, a voltam a perder e depois logram armar de forma perfeita a ratoeira do fora de jogo que tão bem  aperfeiçoaram.

Num dos duelos mais apaixonantes do torneio ficou clara a tendência táctica de um jogo que se começava a preocupar cada vez mais com o aspecto defensivo e que via extinguir-se figuras individuais capazes de decidir, aproveitando os espaços, jogos por si só. Nesse momento Maradona representa o eclipsar de uma era que só ele saberia prolongar durante uma década onde o futebol de ataque, despreocupado e inconsequente, foi desaparecendo gradualmente. O grande público lembra-se melhor da derrota de um Brasil inocente frente a uma Itália perfeita mas foi no primeiro jogo do torneio, neste duelo de abertura, que se anunciou o futuro. Por muito que o olhar de terror de Coeck, De Schrivjer, Vercauteren, Gerets, Milecamps e Baeck nos permita imaginar o contrário. Nesse jogo de ilusões que é o futebol às vezes isso é tudo o que precisamos para sonhar.



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Quinta-feira, 06.10.11

Numa sondagem recente os adeptos ingleses consideraram a contratação de Juan Sebástian Verón pelo Manchester United como a pior transferência da história do futebol inglês. Normal. O filho de um dos heróis do maldito Estudiantes estava destinado a uma passagem pelo purgatório nos palcos britânicos. Talvez esse momento tenha marcado um verdadeiro antes e depois. Verón nunca foi um jogador verdadeiramente respeitado porque ele é, de certa forma, um dos últimos de uma estirpe que olha para o jogo mais como uma profunda diversão do que um negócio cínico e calculista. E no entanto a magia da Brujita fará certamente mais falta do que muitos possam sequer supor...

O corpo não aguenta mesmo que o cérebro esteja sempre preparado para mais.

Uma sina, não triste mas inevitável, que acaba com todas as carreiras, dos anónimos às estrelas, dos génios aos vulgares. Verón diz adeus da mesma forma silenciosa que penteia a bola sobre o relvado. Com a mesma certeza de quem se especializou em colocar o esférico com uma precisão geométrica em qualquer espaço livre. Para homens como Verón um campo de futebol não é só um tapete verde de medido em metros. Ele, como Riquelme, talvez o outro espelho perfeito desse lado do futebol que só a América do Sul é ainda capaz de cultivar, joga em milímetros. Milímetros de espaço são verdadeiros oásis que o seu olhar cirúrgico analisa e explora com a determinação de um Colombo.

O futebol nos pés de Verón sempre foi algo mais e no entanto isso só sucedeu porque o argentino olhou para o jogo precisamente como um jogo. Esqueceu-se das dimensões externas, recusou-se a ser um profissional exemplar e nunca perdeu tempo a pensar nos prós e nos contras das suas mudanças pontuais de equipa. Seguiu o seu instinto, o mesmo que fez dele um astro em Itália, um mal amado em Inglaterra e um eterno incompreendido na Argentina.

Quando guiou o histórico Estudiantes de la Plata, a reencarnação da equipa maldita que fez do seu pai uma figura de referência nos anos 70 do futebol argentino, ao titulo continental, muitos eram incapazes de entender que a linguagem de Verón no campo se media numa gramática diferente à dos restantes 21 jogadores. Aquele duelo com o Cruzeiro foi a prova viva de que, com 34 anos, o médio tinha mais critério e sabedoria com a bola de que a maioria das jovens e flamantes estrelas de um futebol mundial órfão de figuras como ele.

 

Verón nasceu num dia em que o seu pai Juan Ramon "La Bruja" Verón marcou o golo da vitória no derby de la Plata.

Só quando chegou ao balneário é que soube, pelo seu técnico, o polémico Billardo, do nascimento do filho. A celebração entrou para a história do outro mundo do futebol argentino e foi com essa condição, quase régia, que o jovem Juan Sebástian cresceu. Talvez esse peso, inesperado, o tivesse moldado de uma forma particular para aguentar o peso de ser a "Brujita".

Em 20 anos de carreira profissional disputou três Mundiais, três performances desesperadamente tristes da albiceleste. Na primeira era a grande promessa, na última o veterano em que ninguém, a não ser Diego Maradona, depositava a mais mínima confiança. Ao contrário de Riquelme nunca disse que não à pátria, nunca se negou, nem nos piores momentos, ao calvário de envergar a "albi". Quando se mudou para Itália, depois de forjar-se na masculinidade profunda do futebol argentino, aterrou num clube repleto de egos mas longe dos seus melhores dias. Ao serviço da Sampdoria passou o duro teste da Serie A e ganhou direito de juntar-se ao grande clube de estrelas de então, o Parma por onde já andavam Cannavaro, Thuram, Buffon, Asprilla, Chiesa e o seu amigo Crespo. No miolo cabia a Verón dictar o tempo, as pausas, o ritmo, as pulsações do jogo. Esse histórico Parma, último suspiro de uma ideia da Parmalat, culminou na vitória histórica em Moscovo, frente ao Olympique Marseille, da Taça UEFA de 1999. Verón, inevitavelmente, foi coroado como um dos mais determinantes jogadores do futebol mundial e quando o dinheiro em Parma acabou surgiu a Lazio e o dinheiro de Cragnotti em Roma para aliciá-lo a mais uma ideia onírica e profundamente anti-sistema.

Nesse Verão todos os grandes da Europa tentaram contratar o argentino mas para Verón era mais importante o desfrute de alinhar num projecto ambicioso mas sem a pressão mediática (e as exigência profissionais) de um dos gigantes do Velho Continente. A aposta de Erikson deu os seus frutos e no ano seguinte a malapata de duas décadas e meia do clube romano chegou ao fim. Verón venceu esse Scudetto a um ritmo diferente dos demais numa equipa não feita à sua medida mas onde todos entendiam que a bola só se movia quando Verón realmente queria.

 

A mudança para Old Trafford, em 2001, quando Ferguson tentou de tudo para recuperar o prestigio europeu abalado por dois anos irreconhecíveis, gastou o crédito de Verón na Europa. Na cinzenta cidade inglesa os seus bruxedos não encontravam aquele olhar extasiado do público e a sua motivação, o verdadeiro motor da sua carreira desportiva, desapareceu. Nem Chelsea, nem Inter conseguiram recuperar o sorriso de um astro que não se sentia cómodo já neste mundo de muitos milhões. O seu regresso a casa, ao Estu, foi tão inevitável como bem sucedida e a forma como recuperou o prestigio de um clube longe dos seus dias de glória deixou a nu, uma vez mais, que no futebol Verón sempre era capaz de sacar um coelho branco da cartola. O adeus de um mito profundamente ostracizado do futebol mundial é alvo de breves apontamentos na imprensa desportiva um pouco por esse mundo fora. Talvez porque a memória é traiçoeira, porque os seus maiores dias já passaram há mais de dez anos. Com a perspectiva do tempo, esse sempre sábio conselheiro, muitos chegarão à conclusão que o futebol sempre será mais futebol enquanto espíritos livres como Verón caminhem tranquilamente com a bola colada aos pés pelos campos verdes desse mundo fora...


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:55 | link do post | comentar

Sexta-feira, 01.07.11

18 anos é muito tempo para qualquer um. Para os argentinos, uma agónica eternidade. Desde a vitória na edição de 1993 no Equador que o futebol argentino não voltou à rua para festejar um titulo. Leo Messi tem nos seus ombros um país ferido no orgulho e à procura de um rumo. O objectivo real da Albiceleste é o Mundial de 2014 mas para La Pulga assinar finalmente a reconciliação com o seu povo, o desafio começa agora!

 

O pequeno Lionel Messi tinha cinco anos e já devorava todas as bolas que lhe caiam nos pés.

Mas nem ele seria capaz de imaginar a importância daquele mês de Julho, o mês em que a Argentina, pela última vez venceu um trofeu internacional Uma Copa America não valia tanto como o Mundial perdido em 1990 e ambicionado para 1994, mas era uma alegria especial para um povo a viver uma autêntica era de encruzilhadas sociais. Aquela equipa orientada por Alfio Basile chegou à final depois de duas eliminatórias sofridas que só os penaltys (e as imensas mãos de Goycochea) decidiram. Na final, frente ao México, convidado pela primeira vez, o jovem Gabriel Omar Batistuta confirmou o seu estatuto de estrela. E levou a equipa às costas uma vez. Os argentinos esperam agora o mesmo daquele pequeno malabarista que já encantava os vizinhos de Rosário, onde dava os primeiros passos.

Messi quer fazer desta Copa América a sua festa pessoal. Como um pequeno a cumprir o seu aniversário, Leo procura reunir amigos e admiradores para a sua consagração oficial com a camisola da Argentina. Nunca, como antes, teve uma oportunidade de ouro para confirmar o seu estatuto de número um mundial como agora, junto dos seus. É certo que o torneio mais antigo de selecções do Mundo não apresenta a mesma dificuldade de um Mundial ou um Europeu, mas não deixa de ser um evento único e inesquecível, capaz de moldar a carreira de um jogador. O jovem argentino fez parte da equipa destroçada pelo Brasil de Kaká em 2007. Por essa altura ele ainda era um dos muitos aspirantes ao trono ocupado pelo brasileiro e que seria herdado por Cristiano Ronaldo. Hoje ocupa-o com a mesma naturalidade com que finta os rivais e tem a oportunidade de ouro de o demonstrar diante dos seus. Com 14 anos Messi foi convidado a representar a selecção espanhola. Recusou, despeitado, porque se considerava argentino da cabeça aos pés. Mas os últimos dez anos foram marcados por uma relação muito dificil com o seu povo. A ausência de momentos estelar nos Mundiais de 2006 e 2010 e na Copa América de 2007, bem como os problemas na fase de apuramento para a África do Sul contribuiram para esse afastamento. A desconfiança de um jogador que, ao contrário de Maradona, cresceu futebolisticamente longe das ruas e dos estádios repletos de hinchas frenéticos também não ajudou. E, para piorar, o jogo do Barcelona, com o número 10 como vector principal, contribuiu ainda mais para que exista uma sensação real entre os adeptos argentinos que Messi não se sente cómodo com a camisola da albiceleste. Esse é o peso do torneio. A Argentina joga em casa e é favorita mas os adeptos estão mais interessados em saber se, finalmente, Messi vai ser Messi com a sua selecção. Não lhe perdoaram outra vez.

 

O torneio disputa-se no próximo mês e há vida para lá da Argentina, ainda em comoção pela dramática despromoção do River Plate.

Os ches são favoritos não só por jogarem em casa. Dispõem da melhor linha avançada do torneio (Higuain, Messi, Tevez, Di Maria, Aguero) e nos últimos meses bateram Brasil e Espanha em amigáveis. A confiança está em alta mas Sergio Batista, o herdeiro de Maradona no banco de sonho de qualquer adepto argentino, já deixou claro que o objectivo continua a ser o Mundial de 2014, o torneio onde a Pulga quer emular, definitivamente, Diego Armando Maradona.

Os argentinos terão um caminho plácido até à final e não se esperam grandes surpresa. Um grupo acessível com Costa Rica, Bolivia e Colombia. A selecção colombiana é, para muitos, o outsider a ter em conta. Falcao, Rodallega, Guarin, Zapata, Ospina e companhia formam um conjunto compacto e que herda na perfeição o ideário futebolistico da escola de Maturana, o pai da selecção que encantou o futebol mundial no principio da década de 90. No outro lado, bem afastado dos favoritos, o Brasil rejuvenescido de Neymar e companhia. É talvez a menos entusiasmante das selecções brasileiras mas os campeões em titulo podem sentir-se cómodos com esse papel de outsiders. A estrela do Santos quer provar ao mundo que os seus malabarismos habituais no Brasileirão (e em menor medida na Copa de Libertadores que acabou de ganhar) se transformam em momentos de glória com a mitica "canarinha" ao peito. Sem Kaká, sem Fabiano, sem Ronaldo ou Ronaldinho, o Brasil vive orfão de estrelas e deposita toda a confiança nos meninos que Mano Menezes quer preparar para brilharem daqui a três anos em casa. O escrete jogará no grupo mais equilibrado - Venezuela, Equador e Paraguai - e, forçosamente, num ambiente hostil. Algo similar sucederá com o outro favorito - talvez mais do que o próprio detentor do titulo - o Uruguai. Com Forlán, Suarez e Cavani inspirados, os charruas são um rival de peso, como ficou demonstrado no último Mundial. O duelo com México (na sua versão mais débil), Peru e Chile parece, à partida, um mero trâmite. O confronto com o Brasil nas meias-finais é um dos jogos mais esperados do certame que quer ver, definitivamente, se o Uruguai realmente ressuscitou de uma letargia histórica de largas décadas ou se a campanha do último Mundial foi apenas um cometa que rompeu os céus e tão depressa apareceu como desapareceu.

 

As últimas edições da Copa América têm sido pouco entusiasmantes. Os problemas de calendário, o cansaço dos jogadores e a perda de competitividade de algumas selecções da América Latina têm transformado o torneio num passeio habitual para as favoritas. Ninguém espera algo muito diferente da edição de 2011. Enquanto o modelo continuar a funcionar como um clube exclusivo da CONEMBOL, a federação continental mais pequena do universo FIFA, o grande público continuará a prestar pouca atenção ao duelo dos grandes nomes do futebol americano. Um problema de organização que não esconde o facto de haver poucos momentos de tanta tensão, magia e sofrimento como os duelos dos titãs das Américas, os convidados à festa do pequeno Lionel, o aniversariante que quer apagar as velas com a taça que Maradona nunca levantou debaixo do braço



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Segunda-feira, 20.06.11

Em 1983 o presidente Rafael Cabrera marcou uma reunião com os máximos dirigentes da Federação Argentina. Liderava um séquito dos principais clubes da liga local e estava preparado a boicotar o torneio nacional se a AFA não aceitasse a sua temerária proposta. Depois de uma dura ronda de negociações o dirigente do River Plate conseguiu o que queria. 38 anos os Milionários de Buenos Aires reencontram-se com o destino que iludiram há 38 anos. Só um milagre pode permitir ao River Plate fintar uma despromoção pendente há quatro décadas.

 

A derrota frente ao modesto Lanús confirmou as piores expectativas no Monumental. O River terá de lutar até ao fim para não cair no poço da 2º Divisão do futebol argentino. Um feito impensável se tivermos em conta que não há campeonato do mundo onde os grandes estejam tão protegidos como o argentino. Por culpa do River Plate e agora, apesar deles.

A equipa de Buenos Aires liderou em 1981 uma rebelião contra o sistema instaurado nos anos 30 pela AFA, a federação argentina. A queda de outro histórico, o San Lorenzo de Almagro, na 2º Divisão, levou a que os directivos dos principais clubes (que incluíam o Boca Juniores, Estudiantes, Independiente, San Lorenzo, River e Racing Avellaneda) instigassem a federação a protege-los contra os mais pequenos. A perda de categoria do San Lorenzo significava um rombo nas contas do clube e era um sério aviso aos restantes grandes do futebol albiceleste. Depois de dois anos de duras negociações a federação capitulou. Foi instaurado um sistema de pontuação altamente complexo que protegia as costas dos grandes locais perante qualquer deslize pontual. As equipas seriam despromovidas não pelo resultado de um ano mas sim pela média das pontuações acumuladas nas três temporadas anteriores. Além do mais, para reforçar ainda mais esse conceito de liga fechada, só os dois últimos seriam despromovidos. Os penúltimos e antepenúltimos classificados podiam ainda jogar um play-off contra o 3º e 4º classificados da 2º Divisão. É nessa situação que se encontra o conjunto buenarense.

A negociação de Cabrera revelou-se fundamental para o clube. Precisamente em 1983, o ano em que o novo sistema foi inaugurado, a equipa terminou no 18º e antepenúltimo posto da tabela. Mas livrou-se de disputar o play-off porque, evidentemente, a sua classificação média das três épocas anteriores (onde contava com dois títulos conquistados com Alfredo Di Stefano no banco de suplentes) garantia a sua sobrevivência. O modelo revelou-se um sucesso para os clubes grandes de tal forma que nas décadas seguintes nenhum deles perdeu a categoria. Havia sempre um ano pretérito com a pontuação necessária para evitar males maiores. Até agora.

 

O descalabro desportivo do River Plate não é recente.

O clube começou a cair do trono a meados da década com a sucessiva venda dos seus melhores activos para o futebol europeu de forma a paliar a imensa divida acumulada nos anos de bonança. Depois da vitória no Torneo de Clausura de 2008 , com Diego Simeone no banco e o jovem Diego Buonanotte como estrela mais reluzente, o clube entrou numa espiral negativa que o levou à dramática situação com que se depara. Em 2009 a equipa somou apenas 14 pontos e terminou o ano no final da tabela depois de uma série de dez derrotas consecutivas. Mas salvou-se. Já sabemos porquê. Aliás, no topo da tabela classificativa por médias, o River ainda era líder, apesar do annus horribilis. Não seria assim por muito tempo. Um ano depois os fracos resultados repetiram-se. O clube, sob a gestão desportiva de Nestor Gorosito e com os veteranos Almeyda e Gallardo no onze titular, terminou o ano no 14º posto com apenas 25 pontos. Daniel Passarella, antiga glória nos anos 70 e 80, chegou à presidência e com ele trouxe dois velhos nomes, Leonardo Astrada e Angel Cappa. Apesar do arranque promissor - e do reforço do plantel - a equipa voltou a desiludir e a tropeçar na tabela.

Em 2010/11 a classificação final do Torneo de Clausura não foi tão má como se imaginaria. O clube, com as promessas Erik Lamella e Funes Mori em destaque, logrou terminar o ano no 9º posto. Mas a soma dos resultados dos anos anteriores atiraram com os Milionários para o 17º posto da tabela classificativa colectiva. E para o duelo desesperado contra o Belgrano. A duas mãos o River terá de evitar o destino. Juntamente com o Boca Juniores, Independiente e Arsenal de Sarandi é uma das poucas equipas que não sabe o que é jogar na 2º Divisão argentina. Conta com o maior estádio do país, o mais espectacular dos historiais mas também uma das dividas mais assustadores. O duelo contra o modesto Belgrano é apenas o primeiro passo que o clube de Buenos Aires tem de dar rumo a melhores dias. A partir da próxima época a posição do clube na tabela classificativa geral baixa ainda mais. O River começaria o próximo ano já despromovido e teria de lutar contra o inevitável. O espectro da descida.

Para muitos a situação actual do River Plate é apenas o espelho da desorganização institucional em que vive o futebol argentino. Num complexo sistema criado para proteger os grandes, o futebol argentino mergulhou numa letargia tremenda que se transformou, de certa forma, num peso difícil de suportar. Os clubes grandes hoje em dia lutam para não perder a sua supremacia moral mas são muitas vezes os pequenos projectos que levam para casa os títulos e as participações nas provas continentais. A liga argentina tem vindo a perder peso na própria América do Sul e os dirigentes têm consciência dessa crua realidade. Reformular o campeonato num país que prima pela desorganização institucional é um desafio que Julio Grondona, actual presidente da AFA, não está disposto a realizar. A longo prazo essa decisão pode significar o estrangulamento de um dos campeonatos que ensinou ao mundo a jogar futebol.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:52 | link do post | comentar | ver comentários (1)

Sábado, 05.02.11

Como se passa de ser um herói aclamado nos conturbados finais dos anos 60 nos relvados argentinos a ter direito a uma página de ódio no Facebook do século XXI? A carreira de Roberto Perfume, um dos centrais icónicos que definiram uma era do futebol che, está marcada pela polémica. Dentro e fora dos relvados. A sua grandeza como futebolista tornou-se diametralmente oposto à sua popularidade como comentador desportivo. A lenda do Mariscal, tenta sobreviver no meio de tantas dúvidas...

 

 

 

Foi o grande critico de Lionel Messi na Argentina e por isso muitos não lhe perdoam. Foi o transbordar do copo de água que levou a que muitos dos seus maiores criticos se juntassem ao grupo online "Odio Los Comentários de Perfumo", que tem aumentado a sua lista de seguidores numa popular rede social. Não seria de estranhar. Aquele que já foi idolo de massas numa Argentina convulsa tornou-se hoje num dos alvos preferidos daqueles que querem esquecer uma era onde o futebol argentino passou primeiro pela violência e só depois pelo amor pela bola.

Perfumo é filho da geração que viu morrer "La Nuestra", o ideal desportivo filho da Maquina do River Plate e que a 15 de Junho de 1958 se desfez implacavelmente aos pés da Checoslováquia. Naquela tarde a Argentina disse adeus ao Mundial da Suécia e o país entrou em depressão. A consequência foi drástica e mais do que despedir um técnico que levava dez anos no seu posto, despediu-se uma ideia de jogo que se aproximava muito ao futebol estético da escola danubiana. Emergiram as figuras fisicamente possantes, aguerridas e dispostas a tudo para ganhar. Poucos jogadores se identificaram tão bem com essa escola como Roberto Perfumo.

Começou a sua carreira no River Plate mas foi a escola do Racing de Avellaneda que fez dele o central aguerrido e implacável que abriria uma escola que ainda hoje sobrevive (basta pensar, por exemplo, em Walter Samuel). Ao serviço dos celestes venceu um titulo nacional e uma Copa dos Libertadores e mais tarde a Intercontinental. Deslocado no lado direito do eixo central da defesa, tornou-se determinante na regenerada selecção albiceleste que viajou até Inglaterra em 1966. O conjunto sul-americano tinha adoptado finalmente o 4-4-2, com Rattin como médio defensivo e Olmeda como médio mais criativo, mas era o papel de Perfumo, como defesa bloqueador, que garantia a estabilidade defensiva que iria permitir aos argentinos chegar ao duelo com os locais nos Quartos de Final. No meio de muita polémica a equipa argentina voltou para casa, mas o modelo e, acima de tudo, o posicionamento chave do central porteño, ficou na retina. Mas em casa o futebol tinha mudado e o sucesso de jogadores como Perfumo entrava mais de acordo com o espirito guerreiro (e até violento) do jogo praticado também então pelo Estudiantes de la Plata do que na tradição romântica dos centrais das pampas. E isso acabou por lhe fazer pagar, a longo prazo, uma pesada factura. A violência das suas entradas aos jogadores do Celtic, na Intercontinental de 67 a três jogos ficaria na memória dos europeus que seguiram o jogo. Venceu a taça (e tive direito a um carro novo depois de ter sido expulso no terceiro jogo por agredir Archie Gemmill) mas perdeu, provavelmente, a imortalidade.

 

Quando os argentinos se esqueceram de que a bola era o principal, como diria anos mais tarde Menotti, o sucesso imediato transformou-se a pouco e pouco numa vergonha nacional. Entre a debacle estética chegou a falta de resultados e a derrota com o Peru - numa péssima tarde do central, ultrapassado facilmente por um tal Teofilo Cubillas - significou também o afastamento precoce da Argentina do Mundial de 70. O ambiente era de cortar à faca, a imprensa tinha perdido a paciência com o jogo duro que Perfumo tão bem demonstrava no terreno e começou a exigir cabeças. O central acusou o toque, entrou em profunda depressão e pediu a transferência para o vizinho futebol brasileiro.

Aí, ao serviço do Cruzeiro, voltou a saborear o sucesso. O seu estilo foi domado pelo ritmo de jogo brasileiro e com os de Belo Horizonte sagrou-se tricampeã brasileiro antes de voltar a uma Argentina à procura de reencontrar-se consigo própria. Absolvido pela imprensa e pela direcção técnica da selecção, chegou a tempo de voltar a integrar (e capitanear) o grupo que viajou à Alemanha para o Mundial de 74. Os titulos com o River Plate, para onde tinha migrado depois da aventura brasileira, ajudaram, mas o seu estilo duro continuava a ser uma imagem de marca dificil de suportar com a progressiva ascensão de defesas mais elegantes - apesar de igual de brutais quando queriam - como Daniel Passarella. Na Alemanha Perfumo jogou, mas foi impotente para travar o futebol eléctrico da Holanda de Cruyff. As sucessivas faltas que era obrigado a cometer ao carroussell ofensivo dos holandeses espelhavam a incapacidade que tinha demonstrado em adaptar-se a este novo ritmo de futebol total.

A carreira na Argentina prolongou-se quatro anos mais (com titulos) mas antes do Mundial que consolidaria a Argentina romantica de Menotti (onde não havia lugar para jogadores como ele), decidiu abandonar o jogo e começar uma carreira de director desportivo primeiro e, mais tarde, comentadores televisivo. Polémico fora dos relvados como dentro, criticou sempre que pôde os jogadores mais virtuosos saídos das pampas, desde Ortega e Riquelme a Messi. Agradava a um sector duro, defensor do billardismo, que o tinha como profeta inicial do futebol de choque argentino mas, ao mesmo tempo, via a sua lenda de El Mariscal tocada junto do grande público.

 

 

 

Perfumo é, como poucos jogadores, o exemplo de uma era. A Argentina desencontrada com o seu coração romântico apelou, como espelho claro da ditadura militar que vergava o país, a que tudo valesse se a glória fosse o resultado final. Talvez o seu estilo duro, implacável e demolidor não cabesse num desenho de Quino, mas ele era também, de certa forma, e como essa irreverente Mafalda, o outro lado do espelho de um periodo que os argentinos ainda não sabem muito bem como digerir e que, em muitos casos, preferiam poder esquecer.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:33 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Terça-feira, 26.10.10

365 dias a imprensa nacional deliciava-se com a fome de golos do renovado Benfica de Jorge Jesus, então a viver o seu expoente máximo na sua bem sucedida corrida ao titulo nacional. Um ano depois o bom futebol e a febre goleadora viajou rumo ao Norte e instalou-se, uma vez mais, no relvado do Dragão. O massacre aplicado à União de Leiria confirma um arranque de época imaculado para uma equipa que já sonha com os festejos de um São João antecipado.

Não há qualquer volta possível a dar a esta equação.

Com a excepção do demolidor Real Madrid de José Mourinho, não há nenhuma equipa no espectro europeu que apresente números tão convicentes e devastadores como o FC Porto. Os 5-1 aplicados a uma sempre dificil turma leiriense são apenas a cereja no topo do bolo. O culminar de dois meses de máximo nível que começaram com a vitória na Supertaça, frente ao eterno rival (que a partir daí entrou num estado vegetativo de que só a agora, a pouco e pouco, vai recuperando). E que se prolongaram com as imaculadas prestações europeias (cinco jogos, cinco vitórias) e com a liderança doméstica, com mais sete pontos que o rival mais próximo. Com 19 golos marcados e apenas 4 sofridos. Melhor ataque, melhor defesa, melhor onze, melhor técnico...

O dificil é realmente imaginar que a situação que agora se vive na Liga ZonSagres pode alterar-se significativamente até ao final do ano. Se o Benfica encandilava a época passada mas quem liderava a prova era o surpreendente SC Braga, agora parece que os dragões (que até já venceram os arsenalistas) têm as portas do titulo escancaradas. Faltam os duelos directos com os dois clubes da capital e ainda vinte e dois jogos pela frente. Muito. Mas a sensação dada no terreno de jogo não deixa muito espaço para recuperar terreno perdido. Não só pela solvência fisica com que os soldados de André Villas-Boas têm demonstrado, mas também pelo povoado banco de suplentes dos azuis e brancos, uma das principais falhas apresentadas na gestão desportiva da era Jesualdo. Não joga Rodriguez, joga Varela. Não joga Belluschi, joga Micael. Não joga Falcao, joga Walter. Não joga Moutinho, joga Souza. Não pode estar Rolando, entra Otamendi. Duvida-se na direita, há Fucile e Sapunaru. Quer-se abrir o terreno de jogo, aquecem Ukra e James. O incombustível Fernando não pode? Que se prepare o jovem Castro. Mais anéis do que dedos, num cofre que o técnico portista, a grande revelação da temporada, tem sabido gerir com precisão suiça.

 

Na noite de ontem, o Dragão voltou aos dias das goleadas do arranque da era Mourinho.

No mandato jesualdino vencer em casa foi sempre um problema e com números pouco expressivos. Fazia parte da sua mentalidade. Com Villas-Boas a equipa segue o espirito de Bobby Robson, o killer instinct que define os campeões. Aos 20 minutos o jogo estava resolvido com mais um golo de Hulk, realmente incrível neste arranque de época (ele que, na época passada, quando suspenso pela Liga era dos mais fracos jogadores da equipa azul). Desde o seu regresso, em Março, que os dragões não perdem. Vitórias em casa e na Europa para espantar fantasmas. E aliciar os grandes da Europa. O brasileiro é o elemento fundamental na estratégia azul. Marca e dá a marcar. Leva uma média goleadora que ombreia com o renascido Cristiano Ronaldo. Na noite de ontem, foram dois mais para a conta pessoal. Já são 13, divididos entre Liga (8) e Europe League (5). Números irresistiveis para uma equipa que conta, além do mais, com o resto do tridente ofensivo no top 3 dos goleadores da Liga. Inédito. 

O colombiano Falcao, depois de mais um inicio de época timido, reencontrou-se com o golo. Dois tentos, muito trabalho e uma ovação das bancadas. Varela, o terceiro em discórdia nesta matemática de resultado fácil, culminou a goleada amenizada por um tento de penalty, convertido pelo leiriense Carlão. Vitória indiscutida, liderança asfixiante e com o derby ao virar da esquina. O Benfica sabe que, qualquer resultado que não seja uma vitória no Dragão é um sério revez na corrida pelo bicampeonato. A pressão está toda do lado dos encarnados. E o renovado FC Porto já provou que sabe jogar bem quando tem o Mundo em contra. Uma renovação de mentalidade, mais do que modelo de jogo, que conseguiu capturar o espirito de injustiçados que já tinha permitido a brilhante recta final da última etapa de Jesualdo Ferreira no banco das Antas. E que sofreu os ajustes necessários (uma defesa alta, um toque de bola ao primeiro toque no miolo, um menor recurso ao contra-golpe como cartilha básica...) para dar o murro na mesa esperado.

Como qualquer lider à 8º jornada, é impossível pensar na ideia de encomendar faixas. Mas as sensações são importantes porque determinam a tendência de futuro. Um bom trabalho de pré-época e uma estruturação adequada permitiram ao FC Porto cumprir sem mácula a sua corrida rumo ao titulo. Os rivais facilitaram a tarefa com erros de palmatória que permitiram abrir uma brecha de sete pontos, quase um ponto por jornada. Resta agora a Villas-Boas gerir essa vantagem durante os sete meses que decidirão, inevitavelmente, a temporada. Mas os rivais sabem que este FC Porto está reformado por dentro e por fora. Este Dragão não tem vontade de brincar.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:53 | link do post | comentar

Segunda-feira, 15.03.10

O Barcelona e Real Madrid continuam, lado a lado, na luta pela Liga BBVA. Empatados em pontos e expectativas. E ontem, depois de mais uma jornada, empatados em hat-tricks. Com perfume argentino. Dois aromas distintos que definem bem o estilo de cada equipa.

Serão os dois avançados elegidos por Diego Armando Maradona para o ataque da albiceleste no próximo Mundial. E são também os lideres pela corrida ao Pichichi que ainda pertence a um uruguaio, este ano bem longe da linha da frente. Ontem decidiram dois obstáculos mais rumo à conquista do título. Cada um à sua maneira, cada um com o seu perfume. Os dois conjuntos seguem empatados na liderança. Apenas o goal-average dicta a teórica vantagem merengue. E ontem, para ajudar, mantiveram-se as distâncias. Graças a dois hat-tricks. Se um deles define a natureza do jogo blaugrana - oportuno, colectivo e eléctrico - o outro é o espelho vivo da realidade madridista. Oportunista e vertical. No meio deste duelo de peritos em tango futebolistico só destoou mesmo o missil com selo lusitano. Afinal, Cristiano Ronaldo voltou a mostrar que em Madrid sente-se menos cómodo com a baliza. Mas que sabe como deixar a sua marca. Só que a noite não foi dele. Foi do eterno rival externo e do novo "rival" interno.

 

Frente ao Valencia o Barcelona esteve muitos furos abaixo do esperado. Controlado na primeira parte por um surpreendente conjunto "che", o Barça estava coxo. Bojan continua a demonstrar que funciona melhor como producto de marketing do que, propriamente, como goleador. E sem um homem com faro de golo, o jogo catalão foi-se esmorecendo. Graças também à implacável marcação do meio-campo do Valencia aos cerebros blaugrana. Desde a bancada, o castigado Guardiola, soube ler o jogo. Lançou o francês Thierry Henry e desbloqueou Leonel Messi. O pequeno argentino agradeceu a companhia. E o veterano francês foi fulcral. A sua movimentação no terreno de jogo ajudou a expandir a dinâmica ofensiva do Barça. E, naturalmente, abriu a Messi os espaços que este precisa. Em três arrancadas, Messi decidiu o jogo. Quebrou os ossos aos centrais do Valencia, revelou-se repleto de oportunismo e pôs o ponto final em três lances que tiveram tanto do seu engenho individual como do espirito colectivo ofensivo tipico neste Barcelona de Guardiola. O hat-trick, o terceiro este ano na Liga, significa que atingiu já os 22 golos na prova, o seu novo recorde. Muito para quem joga de extremo, mas que não deve surpreender os mais distraídos. Afinal esta versão 2.0 do Pep Team está cada vez mais feita à sua medida.

 

Apenas uns minutos depois e a mais de 800 kms de distância, o José Zorrilla via o outro lado do futebol. O lado sem beleza, emoção ou espectáculo. Mas com uma temível eficácia. O Valladolid, histórico como poucos, está prestes a cair no poço da II Divisão. E precisa de oxigénio, e depressa. O Real Madrid de golos, para cimentar uma liderança ficticia. Pelo menos até ao duelo do "siglo", como se costuma vender cada derby como se fosse um fenómeno que não se repete, minimo, duas vezes ao ano. Os de Pucela foram superiores na primeira metade e podem queixar-se, e com razão, de um par de penaltys e de muito azar. Também devem agradecer a complacência com que cada árbitro olha sempre que Cristiano Ronaldo cai no chão. A inveja nunca fez bem a ninguém. O português até já tinha marcado, mas foi o mal amado Higuain quem chamou a si o protagonismo. Gozado por tudo e todos depois dos falhanços frente ao Lyon (não foram poucos os que se lembraram que, em 21 jogos na prova, o argentino só tenha marcado dois golos ao Zurich), Higuain provou que é um futebolista de poucas palavras. E gestos. Basta-lhe um toque. O do oportunismo. Nos três golos com o seu selo o seu mérito é sempre inferior ao do colega. Ele limita-se a dar a estocada, estando já o touro de rastos. O livre de van der Vaart, o toque de cabeça genial de Ronaldo e o remate de este, que o guardião castelhano Justo Villar defendeu para a frente, para os pés do "Pipita", selaram o injusto resultado final. Higuain persegue Messi e cala os criticos. Mas, olhando-se no espelho, deverá repensar na natureza do seu jogo. O seu oportunismo neste lances dificilmente disfarça o nervosismo que lhe entra no pé quando tem de dar mais de três toques seguidos na bola.

Se Messi é o exemplo acabado de um jogador que controla todos os registos do jogo (passe, dominio, finta, remate), tanto em potência como precisão, já Gonzalo Higuain começa a transformar-se num jogador monocórdico, uma especie de pequeno Raúl, com quem tem aprendido. Desperdiça a velocidade, o posicionamento e o um contra um, em troca do último toque. Um negócio digno de Fausto que pode valer-lhe cifras interessantes para quem colecciona estatística. Mas que prende muito a equipa na hora de apostar numa verticalidade sustentada. E define bem a diferença de dois estilos. O Barcelona continua a ser uma equipa, a todos os registos, completa. O Madrid, um puzzle repleto de cacos desfeitos onde cada artesão exime a sua pericia para beneficio próprio. Se logo sobra algo para o colectivo, agradece-se. Talvez nesse detalhe se defina não só uma liga. Pode definir-se uma época.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:03 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Quinta-feira, 04.03.10

Os amigáveis de preparação são sempre terrenos de areias movediças. Vive-se na dúvida e incerteza de perceber onde está o real e onde pulula o imaginário. O campo é rectangular mas o jogo não é quadrado e a dúvida, o direito à dúvida, sempre persiste a cada golo suspeito de uma facilidade que no futuro pode não existir. No entanto as migalhas não deixam pistas e permitem entender que a maturidade competitiva é algo genético. Para o bem e para o mal.

Mergulhamos em quatro estádios ao mesmo tempo. O olhar desvia-nos a acção, os replays concentram a atenção. Quatro, melhor dito, oito realidades lado a lado que deixam pistas importantes e enganos imperdoáveis. Saber qual é qual, aí está o truque. Que poucos dominam. É possível imaginar o leitor a fixar-se apenas no resultado final e cingir-se ao números. O futebol é isso. Números puros e duros. O jogo, a estética, o sofrimento. Isso conta durante 90 minutos. Depois esvanece-se em números. Em cálculos. 0-1, 2-0, 0-2, 3-1. Quatro resultados, oito números. Muitas mentiras encobertas. Não fosse o futebol uma caixa de surpresas e poderiamos tecer já criticas e elogios, antecipar campeões e anunciar derrotados. Mas estamos a 98 dias do inicio da prova mais esperada dos últimos quatro anos. Muitas enfermarias ainda se irão encher com estrelas que nunca pisarão as relvas africanas. Muitos nomes consagrados chorarão ao não ouvir o seu nome. E muitos se surpreenderão com escolhas bem mais polémicas.

No entanto há algo que fica bem patente. A natureza das equipas está, não nos berrantes equipamentos que vão surgindo, mas no seu ADN de jogo. Na forma como encaram cada encontro, amigável ou não. A disciplina táctica, o empenho, a determinação. Essa é a madeira dos campeões, o ponto final que faz a diferença num momento de aperto. Tudo o resto é pura sorte. Pura ilusão e fantasia. Há equipas cujo o ADN está feito para ganhar. Desde sempre. Outras sofreram mutações, progressivas, e hoje são o que nunca se imaginou que seriam. E há aquelas que, pura e simplesmente, nunca mudam. Ontem vimos de tudo. Espelhos preciosos, dicas importantes, realidades imutáveis. Pelo menos em três meses.

Assim é Espanha. Assim é Portugal. Por um lado o ADN perfeito. Uma equipa com um leque de opções imensas, que se dá ao luxo de deixar no banco o melhor jogador do Mundo e, mesmo assim, mandar no jogo. Uma equipa com sorte no ADN - que o diga Ramos, que o diga Casillas - mas que a procura constantemente. Espanha controla, Espanha remata, Espanha finta. Mas, acima de tudo, Espanha deixou de ser a débil fúria. Agora é uma equipa organizada que controla os tempos de jogo. Que sabe encurtar e estender o terreno, que tanto joga em 4-5-1, dando a bola aos seus elementos mais criativos, como aposta num 4-4-2 mais vertical com o apoio dos seus extremos velozes. Com soluções tácticas e de elementos, é no entanto na mentalidade que se nota a real superioridade do jogo espanhol. O ADN da Roja é ganhador por natureza. Os jogadores trocam a bola com confiança. Com claridade. Podem enganar-se, mas assumem o risco. E é assim que desbloqueiam jogos complicados. O de ontem, frente a uma França que já foi assim, há largos anos, era um desses. E a dupla valenciana Silva-Villa assumiu o risco. Ganhou. Está-lhes no ADN.

 

Por outro lado Portugal é uma equipa sem código genético.

Uma equipa amorfa, tensa e nervosa. Não tem coragem para fazer um passe mais largo, mais arriscado. Gosta de ralentizar, de jogar em águas pouco profundas. Troca a bola com segurança numa zona que sabe que domina, pegada à linha de meio-campo. Aí é forte e segura. Atrás teme. À frente teme. Constante temor que nem uma frágil China consegue alterar. Num jogo de preparação Portugal não testou nada. Nem um sistema táctico alternativo ao imposto 4-3-3. Nem jogadores novos ao lote de eleitos. Nem uma nova mentalidade. Jogou como sempre. Lento, para os lados, sem coragem de galopar. De dar o golpe final. Cristiano Ronaldo, uma vez mais assobiado por um público que tem o mesmo ADN da equipa, foi o único a procurar a verticalidade. Mas rema só. Ninguém o segue. Ninguém o entende. É de outra realidade. O problema português não está na goleada que não o foi. Está na debilidade que nunca deixou de ser. Sem Deco (e com Micael a continuar fora dos eleitos, mesmo com a lesão a poder tapar a falta de coragem do seleccionador), Portugal é uma equipa que não pensa o jogo. Está aí, simplesmente, à espera. Nani corre muito, mas joga pouco. A bola é que se deve mover, não o homem. Um principio básico que Nani ainda não compreendeu. Talvez nunca o faça. Meireles e Tiago são macios, débeis e sem coragem para arriscar. Dão segurança no processo de contenção. Mas são como uma folha em branco. Vazios de ideias. E claro, há Hugo Almeida, essa torre só, que se dá mal com a responsabilidade. A baliza encolhe a cada golpe seu. O ADN português ainda não mudou com Queiroz. Talvez nunca mude. Há coisas que a vida não deixa evoluir.

Se a França decai a olhos vistos (a dupla atacante de ontem escalada por Domenech é a mesma que há 10 anos eliminou Portugal do Euro 2000) a Alemanha rejuvenesce de uma forma assustadoramente atraente. Perdeu, é certo. Mas estas são as mentiras de este jogos. A Argentina pode vencer, apesar de Maradona. Não graças a ele. Tem matéria-prima suficiente para estar aí, entre os melhores. A Inglaterra venceu, graças a Capello. Os ingleses começam a mutar o seu ADN. A organização e as transições de jogo capellianas adequam-se bem à raça e determinação britânicas. Talvez em 2012 os Pross sejam a melhor equipa da Europa. Estão a caminho.

Mas o caso mais curioso é mesmo o de Joachim Low. O seleccionador alemão é um case-study autêntico. Adjunto do mediático Klinsmann, trouxe uma disciplina à Mannschaft que o técnico de 2006 nunca impôs. Com ele a equipa é mais segura e determinada. E no entanto, também é mais criativa. E descarada. Low fez o que poucos seleccionadores alemães se atraveriam a fazer. Rejuvenesceu a equipa nacional. A mentalidade germânica sempre defendeu a ideia de que só uma larga carreira dava direito a um lugar na equipa nacional. Low aposta pela juventude, sem passado mas com um futuro de ouro. Nos últimos encontros - oficiais ou não - fez estrear mais de 10 novos jogadores. Todos eles de um futuro promissor. A maioria deles irá à África do Sul. E mesmo assim a equipa se mantém fiel ao seu ADN ciníco, competitivo e eficaz.

Pode ter perdido ontem, mas o futebol engana. E muito. Hoje por hoje o ADN alemão está muito por cima do ADN argentino. E quando for a doer, isso contará mais do que o talento. Assim se decidem campeões. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:46 | link do post | comentar

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