Num país onde os jogadores criativos eram olhados com sérias suspeitas, foram heróis sem glória. Durante uma década ofereceram o lado mais irreverente e artístico do futebol alemão mas a história deixou-os para um segundo plano. Assistiram ao final da era dourada do futebol germânico e deixaram no relvado a esperança de uma renovação que demorou uma década a fazer-se realidade.
Os anos 90 foram, talvez, a nível de resultados, uma década inesquecível para a selecção germânica. Igualou o registo de finais e títulos conquistados nos gloriosos anos 70. Começou a década com um Mundial e no meridiano dos anos 90 conquistou o seu terceiro Europeu, deixando para trás uma final inesperadamente perdida contra a Dinamarca. E no entanto, quando a década chegou ao seu final, o futebol alemão preparava-se para despertar de uma longa festa com uma dor de cabeça que nenhuma aspirina, por si só, era capaz de curar.
Os problemas, de natureza diversa, congregaram-se no tempo e no espaço para provocar uma depressão que durou quase uma década. Foi o tempo da Alemanha repensar a sua própria abordagem ao futebol. Devolveu-se o jogo aos adeptos, baixaram os preços, renovaram-se os estádios a pensar no Mundial de 2006, apostou-se na formação definitivamente, com a integração progressiva de minorias étnicas e controlaram-se as contas dos clubes com precisão teutónica. Sobretudo, devolveu-se o protagonismo aos artesãos aos génios do meio-campo que tinham sido praticamente relegados para um segundo plano emocional nos anos de glória do futebol alemão.
O abandono definitivo do libero, a passagem progressiva do 3-5-2 para um modelo mais adequado às exigências do futebol moderno trouxe consigo uma nova estirpe de jogadores. Mas a sua influência vinha de atrás no tempo. Durante anos eles foram os heróis silenciosos dos triunfos da Mannschafft. Os heróis da imprensa e do público ora manobravam a bola desde a linha mais recuada, ao melhor estilo de Beckenbauer e Mathaus, ora decidiam jogos com golos oportunos e determinantes, de Muller a Rummenigge, de Hrubesch a Klinsmann. Mas era no meio do terreno que se coziam as vitórias, onde habitavam os génios malditos do futebol alemão.
Durante pouco mais de uma década, deambularam pelos relvados europeus, jogadores atipicamente germânicos. Capazes de improvisar, de procurar no toque curto a resposta à equação de espaços. Jogadores fisicamente pouco imponentes, tacticamente sábios e filosoficamente rebeldes. Os adeptos europeus tinham na memória, vagamente, as genialidades de Netzer e Schuster, mas em ambos os casos, o seu génio individual tinha sido sacrificado em prole do colectivo e de jogadores capazes de percorrer mais kilómetros sem a bola do que com ela, capazes de ocupar os espaços antes que criá-los. Lothar Mathaus, consagrado definitivamente no Itália 90, foi o exemplo perfeito desse todo terreno alemão que fez escola no futebol continental.
Enquanto isso, ao seu lado, gravitavam ao seu lado actores secundários com um papel fundamental na narrativa. De Thomas Hassler a Andreas Moller, passando por Steffen Effenberg e Mario Basler, o futebol alemão da complexa década de 90 teve os seus idolos quase anónimos para o grande público, o mesmo que aplaudiu a coroação de dois médios como Mathaus e Sammer, com funções primordialmente de contenção, como génios superlativos. Ambos estiveram por detrás dos dois triunfos internacionais alemães da década, mas não estavam sozinhos nessa cruzada. Entre eles somam mais de 220 internacionalizações pela selecção alemã, episódios de uma era de interrogantes. Estiveram nos momentos de consagração mas também (des)apareceram no sol californiano dos Estados Unidos, em 1994, e do França 98. Quando em 2000, a Alemanha acabou o grupo da morte do Euro 2000 em último lugar, por detrás de portugueses, romenos e ingleses, sem pena nem glória, foi sobre eles que caiu o peso da crítica quando nunca antes lhe tinham sido entregues as coroas de flores da glória.
Hassler e Moeller eram os perfeitos estranhos na equipa que Beckenbauer levou ao título mundial, em 1990, e que realizou um excelente Europeu, dois anos depois na Suécia, apenas para cair na final. Jogadores capazes de romper os espaços em velocidade, com uma visão de jogo perfeita, aproveitavam o trabalho e a presença de Mathaus no miolo para mover-se com a liberdade que necessitavam para explorar todo o seu potencial. Tal como a maioria dos grandes jogadores europeus da época, atingiram o pico individual a jogar na exigente liga italiana e demonstraram mais tarde no futebol alemão, o primeiro com o Karlsruher e o segundo com o Dortmund, que eram lideres naturais dentro e fora de campo. Foi sobretudo graças a eles que a Alemanha superou a mediania do Euro 96 para sagrar-se campeão da Europa apesar dos louros terem sido divididos publicamente entre os golos oportunos de Bierofh e o trabalho defensivo de Sammer. Espelho de velhos relatos.
Basler e Effenberg eram jogadores malditos antes da glória ter aparecido à sua porta. Curiosamente, protagonizaram a fábula mais trágica da história do futebol bávaro, no relvado de Camp Nou numa noite de Maio de 1999. Eram os génios que faziam mover a máquina do Bayern Munchen que venceu uma Champions League em 90 minutos para depois perdê-la em 180 segundos. Dois anos mais tarde tiveram direito a desforra, mas foi um prémio de consolação para quem tinha chegado já ao ocaso definitivo da sua carreira. Sem terem sido tão influentes no jogo da Mannschafft como Hassler e Moeller, foram dois elementos importantes na narrativa histórica desse período. Effenberg pagou o preço de ser a reencarnação de Schuster, passando quatro longos anos afastado da selecção pela sua atitude rebelde, enquanto Basler foi forçado a viver na sombra de um Sammer reconvertido em herói depois de um Euro 96 que ninguém esperava.
Quando a carreira deste quarteto de ases chegou ao fim, curiosamente o futebol alemão notou-o profundamente. A meados da década de 90 já eram todos veteranos de mais de 30 anos e nos torneios seguintes mostraram-se incapazes de aguentar o ritmo dos seus rivais, mais jovens e ambiciosos. Mas não havia substitutos à altura e o seu mandato prolongou-se no tempo. Quando finalmente pareceu desenhar-se uma dupla de sucessor, o jovem Sebastian Deisler não aguentou a pressão e o promissor Michael Ballack preferiu tornar-se numa réplica de Matthaus abdicando das condições técnicas que o faziam ideal para ser o sucessor moral de Moeller e Hassler.
A Alemanha penou durante quase uma década até que o novo sistema táctico, treinado desde as categorias base, permitiu ao clubes colher uma seiva de novos talentos, os Ozil, Reus, Gotze e Muller que estão chamados a ser os máximos protagonistas desta década. Mas, desta vez, os heróis dos adeptos e da imprensa alemã deixaram de ser Khedira e Gomez, mas sim estes génios individuais, criativos e imprevisíveis génios que deixaram para trás o rótulo de malditos que a geração magnifica da década de 90 teve de suportar enquanto o futebol alemão pensava que a época de glória ia durar para sempre.
Viveu profundamente a metamorfose do futebol alemão, ferido no orgulho menos pela guerra e mais pela ascensão estética dos seus grandes rivais do centro europeu. Esteve em dois dos momentos chaves da história do futebol europeu, sempre do lado que a história preferiu esquecer. Mas o homem que engoliu a "Laranja Mecânica" merece bem o seu lugar na história de um jogo que também ajudou a moldar.
Quando o árbitro britânico Graham Taylor apitou para o final do encontro que marcava o fim do Mundial de 74, os alemães deitaram as bandeiras aos céus em delirio. O resto do Mundo olhou estupefacto. Como era possível que a selecção, consensualmente considerada não só como a melhor do torneio mas também como uma equipa que tinha marcado um antes e um depois do jogo, tivesse caído de forma tão clara aos pés de outra equipa. Essa outra equipa era a RF Alemanha. A selecção, já se sabe, a Holanda. A equipa que o mundo aprendeu a amar profundamente e que entraria para a história, efectivamente, como a percursora do jogo moderno. Só um homem, provavelmente, podia entender a importância daquela vitória. Helmut Schön, então seleccionador alemão, tinha estado sentado no banco - como adjunto - 20 anos antes, em Berna, quando o mesmo cenário colocou um fim às ambições da equipa dos mágicos magiares. A vitória da RFA então sobre a Hungria foi, para os anos 50, o mesmo que a mesma vitória dos germânicos, diante da Holanda, para o futebol da década de 70. O dedo de Schön esteve em ambas. Personagem extraordinário, ele foi quem definiu o ritmo e o espirito de sobrevivência, da metamorfose do futebol alemão ao largo da segunda metade do século XX.
Como ajudante de Sepp Herberger, pertence ao ex-jogador do Dinamo Dresden, a táctica de marcação homem a homem ao mentor do jogo hungaro, Hidgekuti. Vinte anos depois, os seus onze jogadores exploraram bem os espaços deixados pelo estilo de jogo veloz e móvel da mitica "laranja mecânica". Dois triunfos históricos que definiram o futebol europeu, marcando num primeiro caso, o último suspiro do WM. E no segundo, a vitória do 4-4-2 sobre o mais anárquico 1-3-3-3, imposto por Michels.
O destruidor de mitos, como poderia ser conhecido, nasceu em Dresden no lado oriental alemão e jogou largos anos pelo Dinamo local, chegando a internacional na equipa que viveu os dias mais sombrios do futebol germânico. Ao serviço da Mannschaft conheceu Herberger, eleito seleccionador no pós-guerra, e tornou-se no seu braço direito depois de em 1952 ter sido eleito, interinamente, seleccionador do Sarre, provincia independente alemã do pós-guerra. Farto de viver na recém-criada RDA, desertou pelo arame farpado que dividida a cidade e rumou a Munique. Com o seu mentor, em 1954, teceu uma teia à equipa hungara de Gustav Sebes, alinhando uma equipa propositadamente débil no primeiro jogo, na fase de grupos, onde foram goleados, para depois apresentarem-se na máxima forma no jogo decisivo. Uma tarde perfeita para Rhan, Seeler, Walker e companhia e que significou o primeiro titulo futebolistico da então RFA. Acima de tudo, foi a vitória do parente pobre do futebol centro-europeu. Os alemães tinham crescido a ver os elogios do mundo ao jogo dos austriacos de Meisl nos anos 30 e aos hungaros de Sebes na década de 50. Mas nem o Wunderteam, nem os Magiares chegaram a vencer um titulo mundial, e os alemães sim.
A vitória foi tão importante para a federação da RFA que Herberger e Schön tornaram-se intocáveis. O primeiro seria seleccionador nos dois Mundiais seguintes - onde a RFA foi absolutamente relegada para um terceiro plano - e Schön ficaria com o posto a partir do fracasso do Euro 64, quando se cumpriam 10 anos da glória de Berna. Prometeu uma nova atitude e demonstrou-o rapidamente. Em Inglaterra chegou até à final, graças a um 4-2-4 móvel, com Beckenbauer como elemento nuclear na transição defesa-ataque. Quatro anos depois, no México, só a lesão do capitão e o cansaço acumulado impediu os alemães de aguentarem o ritmo da Itália. Mas em 1972 ninguém os conseguiria parar. Schön tinha adoptado, finalmente, o 4-4-2, inspirando-se na série de talentos que emergiam entre Munique e Monchenlagdbach. Deu a batuta do jogo a Netzer, apostou na eficácia de Heynckhes e Muller e transformou Beckenbauer no lider, recuando-o para a posição de libero, onde o Kaiser estava destinado a comandar o jogo. A vitória no Europeu, frente à URSS, foi o inicio da grande era do futebol alemão. Dois anos depois, com o Mundial organizado em solo germânico, a responsabilidade era máxima e o sucesso mediático da Holanda de Cruyff, aliado à derrota inicial com a vizinha RDA (no único jogo entre as duas Alemanhas da história) minou a confiança dos adeptos. Mas o seleccionador tinha as suas ideias. Abandonou o virtuosismo dos jogadores do Borussia e apostou na velocidade e força d consagrando Holzenbhein, Bonhof, Overath e Grabowski atrás do possante Hoeness e do ágil Muller. Os alemães chegaram merecidamente à final e no jogo decisivo começaram a perder desde o primeiro minuto. Mas souberam controlar os ritmos, explorar os erros defensivos da linha mais recuada dos Orange e antes dos 45 já tinham dado a volta ao marcador. Uma vitória histórica, que só Schön seria capaz de explicar.
O homem que definiu o gene competitivo dos alemães ainda seria finalista vencido do Euro 76 (o tal penalty de Panenka) e só uma má performance na Argentina, dois anos depois, o motivaria a deixar um posto que conhecia de memória. Mas a sua herança competitiva e táctica ficou, de tal forma que o conjunto orientado pelo seu adjunto, Jupp Derwall, repetiu os ensinamentos de Schön até à exaustão quando venceu o Europeu de 80 e marcou presenças na final de 82. Seria um dos seus melhores alunos, aquela cuja ruptura mais lhe custou, que levaria as suas ideias um pouco mais longe para devolver a Alemanha aos titulos mundiais: um tal de Beckenbauer.
Os amigáveis de preparação são sempre terrenos de areias movediças. Vive-se na dúvida e incerteza de perceber onde está o real e onde pulula o imaginário. O campo é rectangular mas o jogo não é quadrado e a dúvida, o direito à dúvida, sempre persiste a cada golo suspeito de uma facilidade que no futuro pode não existir. No entanto as migalhas não deixam pistas e permitem entender que a maturidade competitiva é algo genético. Para o bem e para o mal.
Mergulhamos em quatro estádios ao mesmo tempo. O olhar desvia-nos a acção, os replays concentram a atenção. Quatro, melhor dito, oito realidades lado a lado que deixam pistas importantes e enganos imperdoáveis. Saber qual é qual, aí está o truque. Que poucos dominam. É possível imaginar o leitor a fixar-se apenas no resultado final e cingir-se ao números. O futebol é isso. Números puros e duros. O jogo, a estética, o sofrimento. Isso conta durante 90 minutos. Depois esvanece-se em números. Em cálculos. 0-1, 2-0, 0-2, 3-1. Quatro resultados, oito números. Muitas mentiras encobertas. Não fosse o futebol uma caixa de surpresas e poderiamos tecer já criticas e elogios, antecipar campeões e anunciar derrotados. Mas estamos a 98 dias do inicio da prova mais esperada dos últimos quatro anos. Muitas enfermarias ainda se irão encher com estrelas que nunca pisarão as relvas africanas. Muitos nomes consagrados chorarão ao não ouvir o seu nome. E muitos se surpreenderão com escolhas bem mais polémicas.
No entanto há algo que fica bem patente. A natureza das equipas está, não nos berrantes equipamentos que vão surgindo, mas no seu ADN de jogo. Na forma como encaram cada encontro, amigável ou não. A disciplina táctica, o empenho, a determinação. Essa é a madeira dos campeões, o ponto final que faz a diferença num momento de aperto. Tudo o resto é pura sorte. Pura ilusão e fantasia. Há equipas cujo o ADN está feito para ganhar. Desde sempre. Outras sofreram mutações, progressivas, e hoje são o que nunca se imaginou que seriam. E há aquelas que, pura e simplesmente, nunca mudam. Ontem vimos de tudo. Espelhos preciosos, dicas importantes, realidades imutáveis. Pelo menos em três meses.
Assim é Espanha. Assim é Portugal. Por um lado o ADN perfeito. Uma equipa com um leque de opções imensas, que se dá ao luxo de deixar no banco o melhor jogador do Mundo e, mesmo assim, mandar no jogo. Uma equipa com sorte no ADN - que o diga Ramos, que o diga Casillas - mas que a procura constantemente. Espanha controla, Espanha remata, Espanha finta. Mas, acima de tudo, Espanha deixou de ser a débil fúria. Agora é uma equipa organizada que controla os tempos de jogo. Que sabe encurtar e estender o terreno, que tanto joga em 4-5-1, dando a bola aos seus elementos mais criativos, como aposta num 4-4-2 mais vertical com o apoio dos seus extremos velozes. Com soluções tácticas e de elementos, é no entanto na mentalidade que se nota a real superioridade do jogo espanhol. O ADN da Roja é ganhador por natureza. Os jogadores trocam a bola com confiança. Com claridade. Podem enganar-se, mas assumem o risco. E é assim que desbloqueiam jogos complicados. O de ontem, frente a uma França que já foi assim, há largos anos, era um desses. E a dupla valenciana Silva-Villa assumiu o risco. Ganhou. Está-lhes no ADN.
Por outro lado Portugal é uma equipa sem código genético.
Uma equipa amorfa, tensa e nervosa. Não tem coragem para fazer um passe mais largo, mais arriscado. Gosta de ralentizar, de jogar em águas pouco profundas. Troca a bola com segurança numa zona que sabe que domina, pegada à linha de meio-campo. Aí é forte e segura. Atrás teme. À frente teme. Constante temor que nem uma frágil China consegue alterar. Num jogo de preparação Portugal não testou nada. Nem um sistema táctico alternativo ao imposto 4-3-3. Nem jogadores novos ao lote de eleitos. Nem uma nova mentalidade. Jogou como sempre. Lento, para os lados, sem coragem de galopar. De dar o golpe final. Cristiano Ronaldo, uma vez mais assobiado por um público que tem o mesmo ADN da equipa, foi o único a procurar a verticalidade. Mas rema só. Ninguém o segue. Ninguém o entende. É de outra realidade. O problema português não está na goleada que não o foi. Está na debilidade que nunca deixou de ser. Sem Deco (e com Micael a continuar fora dos eleitos, mesmo com a lesão a poder tapar a falta de coragem do seleccionador), Portugal é uma equipa que não pensa o jogo. Está aí, simplesmente, à espera. Nani corre muito, mas joga pouco. A bola é que se deve mover, não o homem. Um principio básico que Nani ainda não compreendeu. Talvez nunca o faça. Meireles e Tiago são macios, débeis e sem coragem para arriscar. Dão segurança no processo de contenção. Mas são como uma folha em branco. Vazios de ideias. E claro, há Hugo Almeida, essa torre só, que se dá mal com a responsabilidade. A baliza encolhe a cada golpe seu. O ADN português ainda não mudou com Queiroz. Talvez nunca mude. Há coisas que a vida não deixa evoluir.
Se a França decai a olhos vistos (a dupla atacante de ontem escalada por Domenech é a mesma que há 10 anos eliminou Portugal do Euro 2000) a Alemanha rejuvenesce de uma forma assustadoramente atraente. Perdeu, é certo. Mas estas são as mentiras de este jogos. A Argentina pode vencer, apesar de Maradona. Não graças a ele. Tem matéria-prima suficiente para estar aí, entre os melhores. A Inglaterra venceu, graças a Capello. Os ingleses começam a mutar o seu ADN. A organização e as transições de jogo capellianas adequam-se bem à raça e determinação britânicas. Talvez em 2012 os Pross sejam a melhor equipa da Europa. Estão a caminho.
Mas o caso mais curioso é mesmo o de Joachim Low. O seleccionador alemão é um case-study autêntico. Adjunto do mediático Klinsmann, trouxe uma disciplina à Mannschaft que o técnico de 2006 nunca impôs. Com ele a equipa é mais segura e determinada. E no entanto, também é mais criativa. E descarada. Low fez o que poucos seleccionadores alemães se atraveriam a fazer. Rejuvenesceu a equipa nacional. A mentalidade germânica sempre defendeu a ideia de que só uma larga carreira dava direito a um lugar na equipa nacional. Low aposta pela juventude, sem passado mas com um futuro de ouro. Nos últimos encontros - oficiais ou não - fez estrear mais de 10 novos jogadores. Todos eles de um futuro promissor. A maioria deles irá à África do Sul. E mesmo assim a equipa se mantém fiel ao seu ADN ciníco, competitivo e eficaz.
Pode ter perdido ontem, mas o futebol engana. E muito. Hoje por hoje o ADN alemão está muito por cima do ADN argentino. E quando for a doer, isso contará mais do que o talento. Assim se decidem campeões.
A vida é feita de altos e baixos. O futebol não poderia ser diferente. Mas há casos e casos e a época 2008/2009 vai certamente ficar para a história. Nunca se tinha vivido um arranque de época tão entusiasmante, com equipas vindas praticamente do nada a tomar de assalto os primeiros postos. E agora, a um dia do final da época na maioria das ligas europeias, podemos constatar que foi sol de pouca dura, que a realidade é crua e que quanto mais alto se sobe, mais alta é a queda. O que é novidade é que tenha sido um fenómeno simultâneo em quase todas as ligas. De todas as equipas sensações da primeira volta – e houve-as para todos os gostos e feitios – nenhuma sobreviveu ao dobrar de ano e algumas quantas acabam a época com a corda na garganta. Quem disse que o futebol era imprevisível?
Comecemos por este pequeno país à beira mar plantado.
Em Itália e Inglaterra o fenómeno foi ainda mais acentuado, já que as grande sensações da época começaram a sonhar alto e terminam o ano com um pé no poço.
Resta-nos nesta história o caso mais singular entre todos. E também o mais elucidativo, que disto de brincar aos campeões não é para todos. Devia, mas não é. Na Alemanha surgiu do nada um clube de uma cidade minúscula, que com o dinheiro do seu presidente, um milionário antigo jogador da entidade, foi subindo a pulso de divisão. Contratando jogadores desconhecidos, o TSG 1899 Hoffenheim irrompeu na Bundesliga como um trovão. Os golos de Vedad Ibisevic e os passes de Carlos Eduardo foram rasgando as defesas contrárias, e depressa o pequeno clube subiu ao primeiro lugar. E foi mesmo campeão de Inverno, feito histórico nestas terras e ainda para mais com esta concorrência. Quando voltou o campeonato, já sem a estrela da casa, os adeptos azuis voltaram à realidade. A equipa durante uns dois meses ainda lutou por estrear-se na Europa, mas foi caindo na classificação à medida que outros iam trepando. Como o Wolfsburgo, que percebeu que o importante não é começar bem, é acabar melhor. A equipa do oeste alemão dificilmente irá à próxima Taça UEFA. Mas pelo menos deixou o aviso. Para o ano não se surpreendam.
Depois do que vimos este ano ficam duas coisas claras. Começar bem não significa terminar lá em cima e que ser pequeno, para algumas coisas, ainda conta. Especialmente se há que correr dez meses sem parar.
Foi uma despedida que soube a pouco mas a UEFA já se foi e com sabor a caipirinha misturada com vodka de primeira. O Shaktar Donetsk entrou para a história como o primeiro clube ucraniano a vencer uma prova europeia desde a independência mas o triunfo é mais brasileiro que outra coisa. A armada desconhecida vinda directamente do sambódromo mundial foi demasiado para um clube que teve saudades também do seu intérprete mais virtuoso e que nunca se soube reencontrar em campo. Justiça seja feita a taça ficou em boas mãos, mas quem esperava o espectáculo do Carnaval teve de contentar-se com um forró de favela.
O quinteto de brasileiros do Shaktar entra directamente para o hall of fame de vencedores de uma prova que diz adeus e no final foram eles quem realmente fez a diferença. O projecto milionário de Donetsk não serve para consumo caseiro (que o diga a vantagem que tem o já campeão Dynamo) mas nesta edição europeia assentou que nem uma luva. Ontem, em Istambul, foi demasiado para um Werder Bremen constantemente nervoso e sem uma única ideia na cabeça. Feitas as contas ás estatísticas que daqui sempre saem, no final os teutónicos até atacaram mais, mas os “ucraniano-brasileiros” foram sempre mais eficazes e claros nas transições. Resultado: cada ataque do Shaktar era um perigo real, cada avançada do Werder uma sequencia atabalhoada de jogadores que não sabiam o que fazer com a bola. Notava-se que faltava ali o chefe e que os demais eram simples operários, habituados a obedecer sem que lhes peçam que mandem em si mesmos. Diego foi a chave do Werder Bremen dos últimos três anos. No jogo mais importante da década estava na bancada. E no campo a equipa esteve ausente. O ataque foi ineficaz do principio ao fim – por muito que Pizarro gesticula-se a torto e a direito – e o meio campo, mais habituado a conter que a criar, pediu demasiado ao jovem Ozil que tem talento mas ainda não anda para estas andanças. A defesa, essa, foi o verdadeiro calcanhar de Aquiles como se viu ao minuto 15. Um passe a rasgar a toda a linha, uma série de trapalhadas e Luiz Adriano a bater um desamparado Wiese.
A festa brasileira tinha começado antes, com todo o seu esplendor. Qual estarolas, entre eles passava todo o jogo do Shaktar, que entre o técnico romeno, capitão croata e quinteto brasileiro pouco tem de ucraniano a não ser a tenacidade. William a Fernando, Fernando a Ilsinho, Ilsinho a Jadson e Luiz Adriano. Enfim, é só trocar os nomes que o resultado vai sendo o mesmo e os ataques sucedem-se para desespero de Schaaf. O golo de Naldo – o mais inconformado ao final – foi mais erro alheio que mérito próprio e só durante esses vinte minutos finais da primeira parte se viu algum traço de esclarecimento por parte do onze alemão. Soube a pouco. Os teutónicos atacaram mas os ucranianos controlaram. O jogo seguia empate e cada lance venenoso dos avançados brasileiros era um ai Jesus na defesa alemã. A passagem dos 90 foi vendo a Lucescu ir trocando o seu esquadrão brasileiro por jogadores da casa, mais habituados ao choque físico que se esperava no prolongamento, já que os alemães, pouco hábeis mas bastante voluntariosos, não pareciam desarmar. O espectáculo, esse tinha ficado em casa certamente, até porque nunca se viu em campo verdadeiros momentos de grande futebol. Do prometido pouco, do visto menos ainda.
Chegamos a esses trinta minutos fatais, onde ninguém arrisca e onde poucos chegam a petiscar, e tudo ficou na mesma, com os ucranianos a entrar e os brasileiros a sair, e com os amarelados alemães (Medina Cantalejo gostou de ir distribuindo cartões escusados a torto e a direito) a sair por outros gigantes de poucas ideias e muita força. Por largos momentos este Werder não era o mágico onze que tinha eliminado AC Milan ou Hamburgo mas sim o espelho daquelas equipas teutónicas dos anos 80 e 70, mas sem qualquer tipo de eficácia. E o pezinho de samba do escrete laranja foi fazendo das suas até que um centro medido a régua e esquadro encontrou o pé atrevido de Jadson. O brasileiro desconhecido até este ano – como os colegas que fazem este “samba Donetsk” – quis ficar para a história e rematou suavemente, mas com o engenho necessário para fazer com que o nervoso Wiese não agarrasse a bola por completo. O escorregão foi fatal, a bola deslizou sobre as redes e já estava Jadson e amigos a festejar na bandeirola de campo para delírio dos milhares de ucranianos que baixaram até ao Bósforo. Feita a festa na bancada sul, lançado o desespero entro os que já pouco acreditavam e Diego, de telemóvel na mão, a acertar detalhes do contracto milionário com a Juve.
Os 120 minutos foram passando e no final os jogadores ucranianos aplaudiram os rivais, que acabaram por sê-lo pouco em campo, antes de subirem à tribuna. Srna, o irascível croata de bandeira ás costas, subiu ao palco para receber do senhor Platini – que volta a recuperar uma tradição antiga – essa pesada taça que já por tantas mãos ilustres passou. A história fecha-se com chave de ouro para os de Donetsk que ainda devem andar de festa rija. A Taça UEFA chegou ao fim, mas para o Shaktar promete ser apenas o princípio de uma era de sucessos.
Em casa de um desses países que pertence à nova vaga de fundo europeia – falta a Rússia, vencedora do ano passado – a final entre a velha e renascida Europa e a nova e dinâmica dinastia, é mais do que um confronto de duas equipas. São dois clubes que apostam em homens de mentalidade ofensiva, equipas de ataque constante. O titulo doméstico perdeu-se e agora o que conta é entrar para a história. Favoritos nestes jogos não há, e menos quando há um lugar para preencher numa lista para a história. Istambul une Ásia e Europa e será igualmente a ponte entre o passado e futuro da prova, o passado e futuro do futebol europeu.
Longe do glamour da finalíssima da Champions na Cidade Eterna, nas margens do Bósforo viver-se-á mais uma dessas noites onde o que menos importa são os nomes. O que conta é a bola a rolar…seja de que cor seja!