Domingo, 06.06.10

Estavam condenados a um final triste depois de uma década de grandeza. Rejeitaram a cruz e caminharam de cabeça erguida. Eliminaram todos os favoritos pelo caminho apenas para cair, de pé, frente a uma azzurra com mais sorte do que nunca. Um Mundial surpreendente onde veterania e juventude disputaram um duelo único com um vencedor surpreendente e um vencido ainda mais inesperado.

 

As casas de apostas não enganavam ninguém. Brasil, Argentina, Alemanha, Espanha e Portugal arrancavam como favoritos do regresso do futebol à Alemanha. Não havia sinais de Itália ou França entre o lote de principais candidatos. Uns por serem demasiado imprevisíveis. Outros por estarem reformados. Ou isso diziam. Durante as semanas anteriores à prova o seleccionador Domenech foi acusado de continuar a apostar numa geração já acabada. Zidane tinha anunciado o final da carreira. Vieira, Barthez, Desailly e companhia rapidamente iam segui-lo. Parecia uma triste repetição do Mundial anterior. Mais ainda depois dos secos partidos da fase de grupos. Um apuramento in extremis frente ao estreante Togo e com direito a muito sufrimento. E nenhuma emoção.

A casta de campeão é um fenómeno curioso de que poucos países conseguem presumir. Portugal, por exemplo, voltou a demonstrar que não o tinha, depois de uma cavalgada rumo às meias-finais, eliminando os violentos holandeses num jogo inesquecível e aguentando a Inglaterra até aos penaltys. Um golo marcado nos três jogos a eliminar é pouco. Muito pouco. Tal como holandeses - como sempre deslumbrante no principio e decepcionantes no final - ou ingleses, com o carrasco do costume. Mas há paises que conseguem sempre ir até ao fim. Independentemente do que os espera. Assim se exibiu a Itália. Depois de suar muito na fase de grupo aguentou a Austrália até um golo oportuno nos instantes finais. E superou uma débil Ucrânia na fase seguinte. Para se encontrar com a Alemanha. A mesma de que muitos desconfiavam e que acabou por exibir o melhor futebol do torneio. Dominou (e goleou) na fase de grupo, vergou a Suécia e não teve perdão da Argentina. Nesse duelos de imortais, Del Piero emergiu como herói. E acabou com a única equipa alemã realmente atractiva desde 1974.

 

Do outro lado todos esperavam um duelo entre Brasil e Espanha, dois favoritos máximos para os apostadores.

Só que ambos se cruzaram pelo caminho com a elite dos reformados. E sairam penosamente vergados por uma insultante superioridade gaulesa. No dia do jogo contra a Espanha, o jornal Marca publicou a inesquecível foto do colectivo espanhol com o sugestivo titulo "Estes são os homens que vão reformar Zidane". Esqueceram-se que o futebol é coisa de 90 minutos, 120 se for preciso vá lá, e que Zidane, Ribery e Henry estavam mais do que habituados a fanfarronices. Os gauleses destroçaram a ambiciosa equipa espanhola e apuraram-se com um concludente 3-1. Seguiu-se o Brasil dos Ronaldos, e com ele o melhor jogo do torneio. A França repetiu o feito de oito anos antes, neutralizou o jogo brasileiro, e venceu por 1-0. De uma acentada estavam de fora dois favoritos. Faltava o terceiro. De penalty Zidane tratou de bater uma selecção portuguesa que nunca soube ser eficaz. Nem Figo, nem Pauleta, nem Cristiano Ronaldo conseguiram desfeitiar Barthez. O massacre alargou-se pelo tempo mas, na hora H, a equipa dos reformados, a equipa dos acabados, era a equipa finalista. E subitamente, eram favoritos.

Um presente envenenado entregue pela Azzurra de Lippi. O golo inaugural de Zidane na final parecia ser o final perfeito para um conto de fadas. Mas existe Materazzi. O destruidor italiano por excelência, prototipo do anti-jogador, marcou o golo do empate e depois provocou habilmente o temperamento facilmente irritável do francês careca que destroçou o final perfeito de uma carreira de altos e baixos. Doze anos depois a final foi decidida no duelo dentro da grande área. Onde a Squadra Azzurra nunca teve muita sorte. Até essa noite fresca de Berlim.

 

Há quatro anos atrás o Mundo vibrou com um torneio repleto de cartões e escassez de golos. Um torneio onde os melhores de hoje já por lá passeavam, com maior ou menor destaque. Cristiano Ronaldo, Messi, Kaká, Xavi, Ribery, Robben, Rooney, Sneijder, Torres, Villa, Tevez, Pirlo, Drogba, Park Ji Sung, Cahill, Donovan, Castillo e companhia. Os mesmos por quem o Mundo suspira agora. Agora já não vale a pena olhar para trás...o tempo escasseia. A bola vai começar a rolar! 



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Domingo, 30.05.10

Depois de França ter aberto o Mundial a 32 equipas, a FIFA decidiu começar a emendar o atraso de décadas e levou, pela primeira vez, o torneio ao continente asiático. A dupla Coreia do Sul-Japão emergiu como organizadora e montou um torneio onde houve pouco futebol, menos público mas muita emoção. No final o Pentacampeonato ficou no pano de fundo de uma prova marcada pela arbitragem e pelas misteriosas aspirinas dos velozes coreanos.

 

Na fase de grupos caiu a melhor selecção do Mundo. Aparentemente. Cairam também argentinos e portugueses. A Holanda nem viajou. De um só golpe a ordem establecida de favoritos começou a inclinar-se para o campo das improbabilidades. E assim foi até à inédita final de um Brasil surreal e uma Alemanha demasiado cinzenta para ser verdadeira. Dessa final de Ronaldo, e de poucos mais, ninguém se lembra. Da campanha de ambas formações também não há vivalma que se recorde. Da forma como o Brasil superou a Bélgica, passou por cima da frágil Inglaterra e acabou por derrotar - pela segunda vez - a surpreendente Turquia. Dos alemães a história lembrará apenas os golos de Klose ao passar por cima de Paraguai, Estados Unidos e Coreia do Sul. Paramos aqui. Na selecção coreana. A sensação da prova. Por mil e uma razões.

Quando o torneio arrancou poucos apostavam nas equipas da casa. Eram selecções historicamente frágeis e sem historial de sucesso. No entanto as fichas estavam todas no Japão de Nakata. Ninguém pensou na Coreia de Hiddink. O mago holandês. A pouco e pouco, no entanto, a balança foi mudando. Os coreanos mostraram-se aguerridos. Estranhamento velozes. Irredutivelmente resistentes. E sempre com um piscar de olho ao homem de negro de turno. Assim, a passo e passo, fizeram história. Que provavelmente nunca igualarão.

Primeiro empataram com a Polónia. Resultado normal. Logo a seguir foram vencer os Estados Unidos, que por sua vez tinham espantado o Mundo ao bater um débil, eternamente débil, combinado português. No jogo final o empate servia às duas equipas. João Vieira Pinto deu uma ajuda, Park Ji Sung fez história. Portugal para casa, Coreia do Sul em frente. No duelo dos Oitavos começou a outra parte da história.

 

Na primeira fase poucas equipas tinham realmente entusiasmado. O Brasil mostrou-se eficaz e a Espanha voltou a dar o seu melhor rosto. A Itália, sempre presente, surgia como uma possível outsider graças aos golos de Del Piero e Vieri. Relembrando o feito dos vizinhos do norte, em 1966, os coreanos lograram bater o onze italiano por 2-1. Com a diferença de que, por várias vezes, a equipa de arbitragem foi negando o empate à azzurra depois da Itália ter começado o jogo praticamente a vencer. Começava um debate cruel que, a seguir, levou a Espanha a voltar a cair antes de tempo. O jogo foi um longo e agonizante duelo com vários foras-de-jogo e penaltys por assinalar a favor dos espanhois. Estoicos, os coreanos aguentaram até aos penaltys. Aí a malapata voltou a levar consigo o exército castelhano para casa. E pela primeira vez uma equipa asiática cometia o feito de chegar até às meias-finais. Tudo podia acontecer. Em Seul sonhou-se demasiado. Do outro lado, apesar de cinzenta, estava a Alemanha. Uma equipa que não entende de arbitros ou favoritismos nem de misteriosas aspirnas. O cinismo alemão funcionou, o sonho coreano terminou.

 

O Brasil agradeceu as ajudas externas. Sem grandes rivais pelo caminho suou apenas o necessário e indispensável. Rivaldo esteve a serviços minimos, Ronaldinho ainda não era ele e Ronaldo ia facturando rumo à história. Chegado o dia final já ninguém se lembrava do Senegal, da Turquia ou até mesmo do onze coreano. Mas poucos queriam lembrar-se desde escrete que acabou por conquistar o histórico Penta. O futebol recebeu um fraco favor da FIFA nesta viagem ao Oriente e jurou não voltar a viver tamanha aventura. Agora prepara-se para mergulhar em África.



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Domingo, 23.05.10

A vitória da França no seu Mundial não foi apenas o primeiro triunfo gaulês na história do torneio. Foi a consumação final da evolução desportiva do jogo para um evento global. Um triunfo de uma selecção com elementos dos quatro cantos do Mundo num torneio onde brilharam selecções de todos os continentes. No final o herói foi um filho de argelinos transformado em principe da Europa. E rei do Mundo. O Hexágono adormeceu em paz consigo mesmo à medida que nos Champs Elysées a foto de Zidane iluminava o Mundo.

 

O Brasil tentou voltar a ser uma equipa especial mas algo batia mal no ritmo cardíaco de um conjunto que misturava a classe dos virtuosos como um espirito obreiro inusual. A velocidade substituiu o toque de bole e as vitórias foram mais dificeis. Mas iam chegando. A conta-gotas. A Holanda, fascinante em cada movimentação, voltou a cair no momento mais temido. Às portas da glória. Itália, Argentina e Alemanha, em versões bem mais soft de outras edições, não superaram os Quartos, enquanto que a ambiciosa Nigéria, a veloz Dinamarca e a ousada Croácia iam pondo emoção a um torneio global. Os naturalizados começaram a emergir com naturalidade. Os representantes dos quatro cantos do Mundo mostraram que o futebol se estava a tornar mais competitivo onde menos se esperava. A Nigéria mostrou um ar da sua graça. O México voltou a provar ser uma formação temível enquanto que a França acabou por resumir em cada traço do seu jogo o espirito do Mundo. A vitória dos Bleus foi sentida como uma vitória de todos. Não pelo longo historial de malapatas passadas que ainda persegue equipas como Holanda, Espanha ou Portugal. Mas pela forma como Aimee Jacquet, odiado por tudo e todos, abdicou do galicismo tradicional e abriu as portas da sua selecção a jogadores vindos de todos os lados. Até mesmo do Hexágono. À medida que confeccionou um onze multi-racial, Jacquet mandou uma mensagem ao mundo. A cor, raça e origem não contam quando a bola começa a rolar.

 

Barthez, Guivarch, Deschamps, Petit, Dugarry, Lebouef e Blanc eram os únicos gauleses puros. Tudo o resto misturava o perfume das pampas argentinas (David Trezeguet) com as areias do deserto do Magrebe (Zidane). Havia espaço para os ecos das montanhas arménias (Djorkaeff), das ilhas das Caraíbas (Thuram, Henry) ou de recantos escondidos de África (Vieira, Desailly, Makelelé) ou do País Basco (Lizarazu). A mistura de tantas etnias e filosofias foram a chave para definir o modelo de jogo francês. Uma defesa sólida, um meio-campo que misturava a força africana, a cerebralidade europeia e a magia magrebina e um ataque veloz com as aves das Caraíbas. Com esta formação os gauleses foram ultrapassando os obstáculos. A expulsão de Zidane manchou a primeira ronda, mas a equipa superou sem sobressaltos os principais rivais. Depois sofreu, e mostrou saber sofrer, até a cabeça de Blanc inaugural o infame historial de golos de ouro. Os penaltys, outro sofrimento largo demais para o majestuoso Stade de France, valeram o apuramento face à Itália. E nas meias-finais, o eterno carrasco não apareceu. Em seu lugar a Croácia do genial Suker, o homem que podia ter definido o torneio com a sua eficácia. Não fosse, claro está, o perfume veloz de Guadaloupe a surgir pelos pés do improvável Thuram, convertido em herói por uma noite. Longa noite parisina.

 

No dia da grande final a polémica tomou controlo de tudo e todos. O Brasil de Ronaldo esteve para não o ser. As voltas e reviravoltas valeram de pouco ao escrete. O "Fenomeno", ainda o era, estava lá. Mas ausente. Passou ao lado do jogo. Mas não esteve só. Nem Bebeto, Rivaldo ou Djalminha souberam sambar o onze gaulês. E Zizou, sempre ele, desaparecido durante boa parte do torneio, emergiu de cabeça, essa cabeça calva de berbere do deserto, e levantou o Mundo. Dois golpes e um soco dado por Petit bem no estomago de Taffarel. O Mundo descansava sobre os gritos de eternidade de um país que nunca percebeu realmente o que era e quem lá cabia. Naquela noite, em França viveu o Mundo. Viveu o futebol global. Viveu o presente e o futuro. E os gritos não tiveram dialecto. Só emoção.  



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Domingo, 16.05.10

No Mundial mais atipico de que há memória venceu o Brasil menos brasileiro da história. Pelo meio o espectáculo ficou a cargo das selecções convidadas, equipas por quem ninguém apostava que seguissem em frente na fase de grupos e que acabaram por ser os responsáveis pelos melhores momentos de um torneio feito à medida para o Tio Sam mas de que não se guardam saudades.

 

Jogos à tarde com um calor abrasivo para que a Europa seguisse o torneio feito pela FIFA para o mercado americano.

A entrega do Mundial aos Estados Unidos seguiu-se aos pedidos dos norte-americanos depois do sucesso do torneio mexicano. Os gigantes estádios de futebol americano foram adaptados para receber o soccer. Os hinos e as bandeiras encheram as ruas. O futebol ficou preso na alfândega e poucos imigrantes clandestinos conseguiram passar. Não veio do Brasil mais tristonho. Da Itália mais resultadista. Nem da sempre irreverente Holanda. Muito menos da Argentina do ET caído em desgraça. Ou da Alemanha destroçada. O futebol chegou dos pés das pequenas equipas europeias que foram rasgando a monotonia de jogos calculados ao mais minimo detalhe. Mas sem pingo de emoção. No final só o futebol de Bulgária, Roménia e Suécia soube encandilar os milhões de espectadores sedentos de uma prova à altura do torneio depois do magro sabor de boca do torneio anterior. E se no final a hipocrisia do jogo belo que o foi menos levou as duas selecções mais cansativas à primeira final decidida por penaltys, ninguém se esquecerá dos gritos de Hagi, Stoichkov e Ravelli, underdogs à americana.

 

A prova teve milhões dentro e fora dos estádios. Mas poucos jogos para lembrar.

Na fase inaugural houve poucas surpresas, salvo a eliminação precoce e trágica da ambiciosa Colombia. Os favoritos seguiram, a conta gotas, num torneio onde não havia França, Inglaterra, Portugal ou Dinamarca. Até que chegou o momento dos convidados. Num jogo inesquecível George Hagi, conhecido como o "Maradona dos Carpatos", mostrou que o titulo lhe acentava que nem uma luva. O verdadeiro 10 via o jogo da bancada, depois de mais uma suspensão, a última. A Roménia vulgarizou a favorita Argentina e o golo memorável do artista romeno foi um dos momentos mais altos do torneio. Os romenos seguiam em frente para defrontar o frio onze sueco, repleto de futebol alegre e despreocupado. Os golos de Thomas Brolin, o herói loiro que depois desapareceu tão rápido como irrompeu, tinham levado a Suécia a empatar com o Brasil e logo a bater a surpreendente Arábia Saudita. No confronto europeu que se seguiu os romenos começaram melhor mas os golos só chegaram no final. Brolin, inevitavelmente, abriu a contagem. Três minutos depois o empate do igualmente loiro e letal Raducioiu. O mesmo deu a volta ao marcador já bem entrado no prolongamento até que a cabeça de Kenneth Anderson levou o jogo para penaltys. Aí erigiu-se a figura mitica de Thomas Ravelli. O guardião fez defesas impossíveis e prolongou o sonho. Que terminaria aos pés do Brasil, cinco dias depois, do baixinho mortal chamado Romário.

 

No entanto o Mundial de 1994 será sempre da Bulgária de Stoichkov e companhia.

O dianteiro do Barcelona foi o melhor marcador do torneio (empatado com Salenko que marcou todos os seus cinco golos num jogo) e uma das mais espantosas figuras da prova. Os bulgaros sobreviveram a um grupo onde estavam também nigerianos, argentinos e gregos. Depois de baterem o México do florescente Jorge Campos a equipa de Kostadinov, Letchkov e Penev defrontou a titubeante Alemanha. Não houve história e apesar do golo inaugural germânico a superiordade bulgaro foi constante. Os golos de Stoichkov e Letchkov fizeram história. Pela primeira vez a Bulgária chegava às meias-finais de um Mundial. Subitamente a equipa de leste via-se a lutar pelo titulo. Mas faltava um último obstáculo. O sempre irritante degrau chamado Itália. Num encontro tenso, repleto de pequenas faltas a meio campo, outro génio decidiu o jogo. Os dois golos de Roberto Baggio em cinco minutos paralizaram o ataque bulgaro que tentou, sem sorte, remar contra a maré. No final a equipa ficou tão desanimada que acabou injustamente goleada pela Suécia no jogo do terceiro e quarto lugar.

Quando Baggio falhou o penalty, os bulgaros suspiraram pela ocasião perdida. E Stoickhov teve de ver o seu rival Romário levantar o trofeu. O quarto e mais penoso da história canarinha. Um trofeu ganho à americana.



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Domingo, 09.05.10

Muitas bancadas vazias, um calor inesquecível. No meio dos gritos de alegria dos estreantes irlandeses e da euforia dos locais, o futebol desenrolou-se a conta-gotas. No final ganhou a melhor equipa mas a grande sensação tinha caído dez dias antes do violento encontro final. Em Itália os Camarões demonstraram, pela primeira vez, a força da raça africana.

A imagem de Roger Milla a dançar sobre a bandeirola de canto ficou para a história.

No entanto, o mitico avançado não era titular. Não havia pernas para tanto. Tinha estado na mitica formação do Espanha 82 e voltaria a despedir-se no Mundial dos EUA 94. Mas aquele foi o seu Campeonato do Mundo. O primeiro em que África hipnotizou. Apesar da boa campanha de Argélia e Marrocos nas duas provas anteriores, a magia da África Negra ganhou uma legião de fãs que ainda se mantém e que justificou, e muito, que tarde ou cedo o continente tivesse o seu próprio Mundial. Estamos a menos de um mês desse feito histórico. Nessa aventura italiana os Camarões deslumbraram do principio ao fim. No jogo de abertura defrontavam os campeões em titulo liderados por um "Deus" em pessoa. O jogo foi duro e acabou com os africanos com menos um jogador. A Argentina, muito inferior à equipa de 86, viu-se superada várias vezes. Até que, perto do fim, Oman-Byik subiu às nuvens e baixou com um golpe de cabeça indefensável. Pumpido, que dias depois partiria o braço num choque involuntário com um colega, largou a bola para dentro das redes. Estava consumada a surpresa. Os Camarões seguiam em frente como primeiros do grupo e na fase seguinte cruzavam-se com outra equipa sensação, o exército de Rene Higuita. O guardião da Colombia esteve irrequieto do principio ao fim e perdeu o controlo depois do golo inaugural, já no tempo extra, dos Camarões. A meio campo tentou fintar Milla, que, uma vez mais, tinha saído do banco de suplentes. O avançado foi mais esperto, driblou dois defesas e não perdoou. A Inglaterra era o obstáculo para lograr um feito ainda mais histórico para África. Era a melhor selecção Pross dos últimos anos. Talvez a melhor até hoje desde 1970. E jogava como tal. E no entanto os Camarões souberam dar a volta a um golo inaugural de David Platt. E deixaram os ingleses do bad-boy Gascoine em desespero. Até que este inventou um lance de génio e Liniker converteu o inevitável penalty. No prolongamento outro golpe seco do avançado acabou com o sonho. Milla aplaudia, camisola branca no corpo. Esta tinha sido a sua festa.

 

A prova italiana deveria ter consagrado o futebol que melhor identificava então o desporto-rei na Europa. Mas não o logrou.

Holanda dos milaneses Van Basten, Rijkaard e Gullit foi um fantasma, empatando os jogos da fase de grupos e saindo pela porta pequena frente à Alemanha depois da cuspidela do central do AC Milan a Rudi Voeller. Espelho da falta de mentalidade dos campeões de Europa que voltavam a falhar na hora H. O Brasil de Careca com o 3-5-2 de Lazzaroni nunca entusiasmou e acabou por cair no engano argentino de beber uma água pouco misteriosa. Um golo, do loiro Cannigia, confirmou a falta de competitividade do pior escrete de que há memória. E quanto à Itália, a jogar em casa, foi saltando etapas graças aos atrevidos golos do desconhecido siciliano Toto Schilacchi. Um jogador que não existiu antes nem depois daquele Junho. A prova nunca se esquecerá dos simpáticos irlandeses, capazes de vergar os rivais britânicos e a poderosa Orange antes de bater a seca Roménia de Hagi nos penaltys. Onde cairiam face aos anfitriões. Ou da dinâmica Chescolosváquia, que voltava a uns Quartos de Final, 28 anos depois de 1962, liderados por Thomas Skurhavy. Uma prova de equipas pequenas onde o futebol acabou quase sempre por cair em segundo plano face a um jogo calculado, faltoso e pouco ambicioso da maioria dos candidatos ao titulo.

No jogo final consumou-se tudo aquilo que foi o Itália 90. A Argentina de Maradona confiou demasiado no seu génio, mas este não apareceu. Depois, como fez ao longo de toda a prova, recorreu à violência. Pela primeira vez um jogador foi expulso numa final. A Argentina teve dois defesas a caminhar, desesperados, mais cedo para os balneários. Do outro lado Beckhambauer sorria. Ninguém acreditava nele. Mas a sua armada com Moeller, Hassler e Mathaeus no eixo central tinha coração, talento e espirito de grupo. No ano em que a Alemanha voltou a falar a uma voz o Mundo uniu-se para aplaudir a sua taça. Mereceram-na por isso e por muito mais. 



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Domingo, 02.05.10

O Mundo percebeu que havia um alienigena à solta no quente Verão mexicano de 1986. Sozinho Maradona ganhou um Mundial. Um dos mais espectaculares de que há memória. Entre os muitos heróis ofuscados pelo endiabrado argentino, destacou-se um abutre solitário que numa tarde inesquecível em Queretaro destroçou a melhor selecção europeia. Chamavam-lhe El Buitre e os dinamarqueses perceberam porquê.

Quem se lembra daquele mês de Junho tórrido de 1986 talvez não saiba que o Mundial esteve para ser disputado na Colombia.

Problemas financeiros levaram a prova pela segunda vez ao México. Havia dúvidas. Viveram-se certezas. Foi o mais espectacular torneio em largos anos. Repleto de heróis improváveis e momentos históricos. Portugal voltou à ribalta e começou em grande. Saiu pela porta pequena, espelho da mentalidade infantil e egoista bem lusa de Saltillo. A campeã em titulo, a Itália, não aguentou o peso do troféu. O mágico Brasil de 82 estava cansado. Passou pela prova sem pena nem glória, tal como a França, que mostrou ser incapaz de derrotar a sua besta negra. As grandes referências do Mundial acabaram por cair mais cedo do que o desenrolar do torneio parecia antever. Se Maradona estava num Mundial à parte, as três grandes selecções foram tropeçando pelo caminho. E facilitaram o resultado final. A explosiva URSS de Igor Belanov, um dos jogadores mais completos do futebol europeu, dominou um grupo onde estava a França de Platini. Depois, numa luta desigual contra a séria Bélgica de Ceulemans e Scifo, a surpresa. O mágico dianteiro do Dynamo Kiev apontou um hat-trick. De nada lhe valeu. Os belgas apontaram 4 golos ao imbatível Dassaev. Chegariam longe. Bem longe. Noutro jogo, em Queretaro, definiu-se o maravilho Mundial azteca. Duas das melhores formações europeias, que tinham precisamente sido rivais dois anos antes em França, mediram forças. Com um resultado inesquecível.

 

A Danish Dynamite foi a sensação da primeira fase.

Mantendo o ritmo endiabrado do Euro 84, os comandados de Sepp Piotnek arrasaram como poucos nas jornadas inaugurais. Bateram o Uruguai por seis golos, derrotaram a Escócia e vergaram a temida Alemanha. O mago Elkjaer Larsen e o jovem Michael Laudrup combinavam à perfeição no ataque, mas era o meio campo com Lerby, Olsen e Arnesen quem fazia o trabalho duro. Considerados como favoritos para a segunda fase, os dinamarqueses teriam de medir forças com La Furia. A selecção espanhola, vencida do Europeu de França, tinha uma das melhores gerações da sua história. Chamaram-lhe Quinta del Buitre. Pelo magro, sério abutre madrileño chamado Emilio Butrageño. O avançado do Real Madrid liderava uma equipa por onde passeavam classe homens como Martin Vazquez, Camacho, Señor, Gallego, Chendo, Salinas, Zubizarretta, Michel ou Goikotxea. A 18 de Junho os rivais mediam forças. Arnesen estava suspeno mas o seu velho amigo, Jesper Olsen, abriu cedo o marcador. De penalty. Confirmava-se o favoritismo dinamarquês e Larssen e Laudrup moviam-se à vontade. Dois minutos antes do intervalo surgiu nos céus o abutre. O empate de Butrageño mudou o ritmo do jogo. A Espanha voltou mais furiosa que nunca para o segundo tempo e aos 56 o avançado deu a volta ao marcador. Os dinamarqueses perderam a confiança em si mesmos e abriram espaços que o médio Goikotxea aproveitou para ampliar a vantagem. A Danish Dynamite lançou-se desesperadamente ao ataque e Butrageño agradeceu. Em oito minutos voltou a bisar apontando o seu quarto golo no jogo. E na prova. Seria também o seu último. Mas a favorita Dinamarca ia para casa. Os espanhois temiam a URSS mas acabaram por defrontar a Bélgica. Pensando já no duelo com Maradona, foram perdulários. E cairam nos penaltys. Sina que está ainda por mudar. E este foi mais o Mundial do alienigena e menos do abutre.

Maradona tinha saído pela porta pequena no Mundial de Espanha. Jurou a si mesmo que não voltaria a passar pela mesma humilhação. Billardo não era Menotti e Valdano, Pascuali, Burruchaga, Pumpido e Brown não eram provavelmente os melhores jogadores da história argentina. Mas isso importava pouco. O número 10 decidiu ganhar o Mundial sozinho e ninguém soube travá-lo. Empatou com a Itália, bateu a Coreia do Sul e Bulgária. Aguentou as violentas entradas dos defesas uruguaios, enganou meio-mundo contra a Inglaterra por duas vezes e deixou pregado ao solo o guardião belga. Na final, frente à sufrível RF Alemanha, não precisou de tanto. Ao sétimo jogo descansou. O Mundial era seu.



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Domingo, 25.04.10

Poucas vezes uma equipa logrou atingir tal patamar de empatia com o público. A cada troca de bola daqueles onze diabetres o Mundo sorria e bailava ao ritmo do seu samba. Um sonho com final triste aos pés de um cínico dianteiro com ouvido para óperas trágicas. Nunca o samba brasileiro pareceu tão triste como no final de um jogo que definiu o futebol de hoje.

Foi a última vez que uma equipa assumidamente ofensiva brilhou num Mundial de Futebol. A sua queda, esperada pelos mais cinícos, definiu a evolução futebolistica dos 30 anos seguintes. Defesas sólidos, guarda-redes de alto nível, um meio-campo mais físico e um killer na área. A fórmula de Enzo Bearzot não se limitou a dar o inesperado Tricampeonato do Mundo à Itália, equipa por quem ninguém - nem os italianos - se atrevia a apostar. Foi uma fórmula que destroçou o samba mágico que saía dos pés dos homens de Tele Santana, o último dos românticos. Quatro anos depois o Brasil foi uma sombra de si mesmo. Oito anos depois tornou-se numa equipa irresponsável. Doze anos depois viria o esperado Tetra. Com um futebol ainda mais cínico que o italiano. O escrete canarinho aprendeu a licção e nunca mais voltou a bailar ao ritmo do seu futebol de toque e corre, cortesia de pequenas grandes genialidades de um tridente de luxo como nunca mais se viu para aquelas bandas. Depois de perder por 2-1 face à Polónia em 1974, no jogo do Terceiro e Quarto lugar, o Brasil não tinha conhecido o sabor da derrota num Mundial. Foram precisos 8 anos e 10 jogos para cair o pano. Numa quente tarde de um Mundial apaixonante até à última noite.

 

A 5 de Julho Itália e Brasil encontraram-se no calor tórrido de Barcelona. O desaparecido Sarriá cheio esperava um embate de titãs. Ao Brasil bastava um empate, fruto da vitória por 3-1 face à Argentina (os italianos tinham vencido apenas por 2-1). Eram favoritos. Tinham passado incólumes a primeira fase com duas vitórias por 4-0 frente a Escócia e Nova Zelândia e um triunfo por 2-1 face à URSS. O jogo de toque de Sócrates, Eder, Falcão e Zico enebriava qualquer adepto. Era a equipa mais forte do gigante sul-americano desde 1970. E tinha consciência disso. O público esperava que o jogo fosse um mero trâmite para o embate contra os polacos nas Meias-Finais. Mas do outro lado estava a ferida Itália. Uma equipa que chegou a Espanha marcada pelo fantasma da corrupção desportiva e que tinha sido apurada graças a três empates. A vitória sobre os argentinos chegou depois de um jogo violento com Maradona como único objectivo. E Rossi, o avançado repescado por Bearzot, ainda não tinha marcado. Até então.

O encontro teve sempre uma direcção. As redes de Dino Zoff sofreram um largo acosso do ataque brasileiro. Mas aos 5 minutos, no primeiro ataque italiano, Rossi surgiu do nada e abriu o marcador. Os brasileiros nem se imutaram e continuaram a sua dança. 10 minutos depois o professor Sócrates empatava. Os jogadores sorriam e dançavam, ecos de uma equipa que jogava, acima de tudo, por prazer. Nem contemplavam a hipótese de perder. Mais tarde Zico confessaria que esse foi o seu problema. Nunca mataram o jogo, trocando a bola por diversão quando podiam ter procurado o golo da vitória mais cedo. Oportuno como poucos, Rossi voltou a marcar, aos 25. E depois a Itália colocou-se toda na linha defensiva. E começou o massacre. Remates de Junior, Serginho, Zico, Eder, Socrates e, sobretudo, Falcão. Um deles rasgou as redes de Zoff ao minuto 68. Havia tempo. O Brasil abrandou o ritmo, confiante de que o golo era algo inevitável. O futebol não podia ser tão ágrio. Mas foi. Um toque subtil de Paolo Rossi, um coro de lágrimas perdidas no tempo. Uma celebração histórica. Ao minuto 74 o futebol moderno começou. O romantismo tinha acabado.

 

A Itália na sua versão mais racional foi poupando esforços até rasgar uma cansada Alemanha na final. Pelo caminho ficaram momentos históricos como o duelo franco-alemão, a péssima performance da anfitriã Espanha, a polémica argelina ou o ocaso de Maradona. Uma Inglaterra eliminada sem perder um jogo e uma Polónia que devolvia a ilusão aos que já não acreditavam no marechal Lato. Um Mundial histórico que definiu um antes e depois da história do torneio. Os fracassos sucessivos da Laranja Mecânica e do Samba brasileiro deram passo a outra mentalidade desportiva. Nunca mais o futebol seria visto como uma alegre diversão. Os cinicos competitivos tinham pregado o último caixão no futebol jovial.



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Domingo, 18.04.10

Poucos eventos desportivos foram tão politizados como o Mundial de 1978. Um Mundial desenhado, desde as profundezas, à medida da selecção argentina. Uma equipa em descrédito, muito longe da elite, que foi ultrapassando timidamente cada obstáculo para chegar à final dos papeis brancos e derrotar, uma vez mais, a amaldiçoada Holanda.

 

Para a história fica o sorriso sinistro de Videla, o homem que ajudou a dar forma ao Mundial da sua Argentina.

Uma prova repleta de polémica mesmo antes da bola ter arrancado. E que ainda hoje perdura. Goleadas inexplicáveis, estádios repletas de agentes especiais destacados para fazer prisões selectivas e um astro mundial que se recusou a viajar por não querer jogar num país onde pessoas desapareciam. Provavelmente só o Mundial de 1934, sob o signo de Mussolini, foi tão politizado como este. Em ambos os casos a estratégia funcionou. Mas ao contrário daquela squadra azzura, a Argentina não era no terreno de jogo favorita. Ganhou o favoritismo a pulso, entre bons jogos, um público fanático e uma série de erros alheios. Ou talvez não. Em todos os seis jogos que antecederam a final os argentinos beneficiaram de jogar depois dos rivais, sabendo precisamente do que necessitavam para seguir em frente. Naquela tarde em Buenos Aires, com o Mundo em suspenso, a sorte esteve sempre do seu lado. O remate no ferro de Filol a poucos segundos do fim evitou a desgraça. A maior frescura fisica e a falta de crença de uns holandeses abandonados ao seu próprio desespero fizeram o resto. Um 3-1 que espelha pouco o que se passou nos longos 120 minutos de jogo. Pela segunda vez uma final ia a prolongamento. Pela segunda vez o tempo extra deu o titulo ao onze anfitrião. Kempes entrou na galeria dos goleadores. O jogo fisico de Passarella e Houseman, o talento de Villa e Ortiz e a classe de Ardilles fizeram o resto.

 

Foi o Mundial das surpresas na primeira fase. Nos quatro grupos os favoritos apuraram-se no segundo posto. A Polónia confirmou a boa forma e superou uma pálida RF Alemanha, bem longe dos seus melhores dias. A favorita Holanda caiu aos pés da Escócia, nessa noite histórica, para acabar atrás do Peru de Cubillas. O mesmo superior Peru que cairá, pouco depois, por seis golos, diante de uma Argentina a quem tinha ganho os confrontos anteriores com folgadez. A Áustria bateu Espanha e Suécia para passar à frente do desorganizado Brasil que depois de dois empates acabou por passar graças a uma vitória sobre uma equipa austriaco cheia de reservas. Quatro depois um cenário similar voltaria a ter a Áustria como triste protagonista. Por fim a Argentina, que tinha o beneficio de jogar em casa, não soube bater uma renascida Itália e viu-se relegada para o segundo posto. O conjunto albiceleste tinha batido uma tenra França e uma frágil Hungria. Mas sempre a sofrer mais do que esperado. Mas evitou os tubarões europeus. Os que se foram degladiando entre si entre jogos adormecidos e golos espantosos. O remate de Arie Haan decidiu uma mano a mano entre holandeses e italianos. A mesma Holanda que tinha trucidado por 5-1 a Áustria acabava por adormecer num empate a zero com a RF Alemanha. E só esse triunfo sofrido decidiu o passaporte para a grande final. Do outro lado, nada mais do que polémica a pautar cada jogo do onze argentino. A equipa orientada por Cesar Luis Menotti começou por vencer a Polónia por 2-0 com dois polémicos golos de Mario Kempes. Horas antes o Brasil tinha marcado mais um golo ao Peru. Ambos empataram a zero no confronto directo e na noite do jogo decisivo, em Rosário, o onze celeste entrou em campo a saber que o Brasil tinha marcado outros três golos à Polónia. Era simples. A Argentina tinha de vencer por cinco golos de diferença. Ou não havia final.

 

A história tratou de contar o resto. Os defesas peruanos não reagiam aos lançamentos rápidos de Ardilles e Luque. O guardião peruano não se estirou ás bolas. O mago Cubillas, desapareceu. Tudo parecia fácil demais. Os brasileiros desesperavam com a marcha do marcador. Depois do 2-0 ao intervalo, os argentinos conseguem três golos em 15 minutos. Para não deixar dúvidas apontam um sexto, já desnecessário. O Brasil caía, por dois golos. Dois polémicos golos. Por isso quando a bola de Resenbrink esbateu com o poste de Fillol, o general Videla sorriu. Kempes e Bertoni fizeram a festa depois. Os papelinhos voltaram a voar, os desaparecidos ficaram no esquecimento. O futebol saiu corado de vergonha do Monumental. Seria a última vez.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 16:12 | link do post | comentar

Domingo, 11.04.10

Aqui começou a longa e amarga viagem dos "ses" holandeses. Numa prova feita à sua medida, os soldados de Rinus Mitchell pareciam invencíveis. Mas não o eram. A RF Alemanha, ferida no orgulho, provou saber bem onde estava o calcanhar do Aquiles futebolístico. Desde essa longa tarde até hoje, a história continua a dever uma à mágica "laranja mecânica".

 

Há histórias que começam melhor contadas de trás para a frente.

Munique, Olympiastadion. Tarde de 7 de Julho de 1974. Minuto 43. A dois do intervalo. Bola pelo lado direito do ataque da RFA. Centro para trás. Dominio em queda de Gerd Muller. O "Torpedo" gira, em queda. Remata, colocado. Corre de braços no ar. A reviravolta está completa. O marcador ficará imutável durante largos 50 minutos. A Holanda, máxima favorita, caía pela primeira vez. A primeira de tantas vezes. De tantos "ses". E se a equipa tivesse sido mais contundente nessa tarde de 74. E se Cruyff tivesse ido ao Mundial de 78. E se Rijkaard não tinha perdido a cabeça em 90. E se Gullit tivesse ido aos EUA em 94. E se os penaltys não tivessem amaldiçado a equipa em 98...e se, e se.

A ferida RFA, que tinha começado a prova com uma amarga noite, ressuscitava perante o olhar surpreso dos seus adeptos, que pareciam condenados à assistir à coroação dos irresistível holandeses. Muller, o mal-amado goleador, cumpriu a sua própria história. Com esse golo calou os mais criticos e repetiu o feito de Rahn, 20 anos depois. Os melhores caiam na final frente aos mais eficazes. Os temiveis teutões.

Num jogo em que a Holanda tinha passado os primeiros instantes a demonstrar a sua superioridade, foi a humildade que ganhou. Os holandeses estavam demasiado confiados em si mesmos. Tal como os hungaros, em Berna. Sabiam-se superiores. Poderiam ter morto o jogo depois do 1-0 inaugural de Neeskens. Mas não o fizeram. Entreteram-se a trocar a bola entre si, em mostrar ao mundo o seu futebol total. Foram apanhados desprevenidos. Penalty e golo de Breitner. E depois chegou Muller. O letal dianteiro que personificava a alma da RFA. A história fala, ainda hoje, de injustiça. Não o foi. Beckhenbauer, Netzer, Vogts, Maier, Schwarzenbeck, Heynckhes, Breitner, Muller e companhia não mereciam ter passado para a história sem um Mundial nas vitrines. E mereceram o seu. Não tão espectaculares. Não tão efusivos. Mas igualmente mágicos.

 

A caminhada para a glória da RFA começou com um golpe seco no estomago.

A Holanda iria fazer seu um Mundial marcado pelos confrontos com os rivais sul-americanos. A forma como bateram a Argentina (4-0) e o decadente Brasil (2-0) pautou o nível que se esperava de uma equipa que, mesmo assim, tinha empatado com a Suécia num jogo soso e tinha adormecido durante grande parte do jogo inaugural com o Uruguai. Mas a memória é selectiva. Já com os alemães, ela é bem mais longa.

Os organizadores tinham tudo para emergir como triunfantes. Tinham vencido o Europeu, dois anos antes, de forma clara. Tinham na sua liga duas das melhores equipas da Europa, incluindo o novo campeão europeu de clubes, o Bayern Munchen. A equipa nacional, orientada por Helmut Schoon, era composta por jogadores do Borussia Moncheblagdbach e do clube bávaro. Uma mistura que se revelou certeira. Nos dois primeiros jogos da fase de grupos, disputados em Berlim e Hamburgo, os alemães jogaram de forma timida e contraída. Bateram por 1-0 o Chile com um golo madrugador de Breitner e frente aos estreantes australianos triunfaram por uns claros 3-0. A 22 de Junho tinham um encontro com a história que decidiria mais do que o simples vencedor do Grupo A. Era uma questão de orgulho e prestigio. Contra a RDA, pela primeira vez. Um jogo especial para um seleccionador que era, ele próprio, um fugitivo do regime comunista. E que queria, mais do que nunca, vencer. Nessa longa noite em Hamburgo o jogo foi tenso. Violento até. Os jogadores da RDA utilizaram o fisico como nunca. Os da RFA eram, cada vez mais, macios e inofensivos. Até que um disparo monumental ao minuto 77 de Sparwasser, até então um dos muitos anónimos que vivia por trás da cortina de Ferro, fez história. No primeiro duelo entre as Alemanhas, venceu a vermelha. A jogar de azul. Uma noite de sonho em Berlim oriental. Na RFA ninguém acreditava. Schoon foi obrigado a ir a uma conferência de imprensa especial com Beckhambauer. Mas a derrota funcionou como estimulo. Os jogadores, até então desunidos por questões de prémios, deixaram de lado as diferenças. E a RFA renasceu.

 

Curiosamente a passagem como segundo de grupo permitiu à RFA escapar das garras da "Laranja Mecânica" quando esta estava no ponto certo. Os holandeses dominaram o seu grupo, onde os perigosos sul-americanos surgiam por ter terminado os respectivos grupos apenas no segundo lugar. A RFA teve de medir forças com um insuspeito trio bem europeu. A super Polónia de Lato, a fisica Suécia de Edstrom e o belo jogo da Jugoslávia. Um grupo feito à sua medida. No primeiro jogo os renascidos alemães trucideram os jugoslavos. Dois dias depois da humilhante derrota. A 30 de Junho, debaixo de um temporal, recuperaram duas vezes de um resultado em desvantagem para vencer por 4-2 a Suécia. No último e decisivo encontro, Muller apareceu. E derrotou sozinho a surpreendente Polónia. Três dias depois voltaria a aparecer. Dos quatro golos que apontou ao longo do Mundial só dois foram decisivos. Precisamente os últimos. Os que ditaram os livros que fizeram parte da história. Que hoje deixou para segundo plano essa noite em que na RDA se sonhou com uma superioridade em que nem eles mesmos acreditavam.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 14:39 | link do post | comentar | ver comentários (3)

Domingo, 04.04.10

Na véspera da final já se sabia que o troféu Jules Rimet tinha os dias contados. Frente a frente duas selecções bicampeãs do Mundo que queriam levar para casa, de forma definitiva, o troféu que marcou as primeiras nove edições da prova. O mundo reuniu-se no México para o mais belo espectáculo de futebol da história. No final, Pelé saltou mais alto que o Mundo e consagrou a equipa perfeita.

 

Foi o Mundial de tantas coisas. De jogos inesquecíveis. De defesas espantosas. De jogadores esforçados, lesionados, a aguentarem até ao fim. Estrearam-se os cartões, as substituições, o goal-average na fase de grupos e defrontaram-se todos os campeões nos últimos jogos. E, acima de tudo, o México 1970 foi o Mundial dos dois melhores golos da história…que nunca o foram. Ambos com a mesma assinatura. O nome próprio da prova que acabou por ser o símbolo de uma equipa perfeita, montada ao mais mínimo detalhe por um Mário Zagallo que completava a idade de ouro do futebol brasileiro. Na final do lotado Azteca mais do que a coroação de Pelé, chegou-se ao final de uma era. O futebol romântico apoiado no 4-2-4 tinha chegado ao seu final da forma mais espectacular possível. Os anos seguintes iam ser marcados pelas revoluções tácticas holandesas e alemãs, o futebol mais físico das equipas britânicas e pela aplicação do 4-3-3 e 4-4-2. Mas então ninguém pensava nisso apesar de já haver um par de sinais. Naquele Verão o Brasil cegou o Mundo com o seu futebol de ataque, baseado no toque e transições rápidas. O golo que fechou o Mundial teve o condão de fazer a bola passar pelos pés dos 11 jogadores no terreno de jogo num exercício de perfeccionismo que não voltou a ser igualado. O escrete canarinho confirmou o Tri, ficou com o troféu mais apreciado e carimbou a letras de ouro um título que muitos duvidavam que seria capaz de lograr.

 

A verdade é que o Brasil chegou fragilizado ao torneio. João Saldanha, o jornalista nomeado seleccionador, tinha sido despedido meses antes. Pelé, entretanto afastado, tinha sido reincorporado e o novo técnico, o ex-jogador Mário Zagallo, tinha de encontrar uma forma de fazer alinhar em campo as estrelas de Santos e Botafogo, as equipas mais em forma no Brasil. Na linha de meio campo alinhou lado a lado o cerebral Gerson e o dinâmico Clodoaldo. Nas alas colocou, bem abertos, os rapidíssimos Jairzinho e Rivelino. Pelé surgia como falso avançado atrás de Tostão, um avançado com instinto matador como poucos teve o país do golo. Com esta linha ofensiva parecia impossível travar o Brasil. Mas havia candidatos igualmente fortes. A Inglaterra surgia, campeã do Mundo, com uma equipa melhorada em relação à sua versão de 66. A finalista vencida, a RF Alemanha, apostava no crescimento de Franz Beckenbauer, o novo patrão da equipa tinha uma arma secreta no ataque: Gerd Muller. Por fim estava a Itália. A campeã da Europa alinhava a sua segunda geração dourada, com Fachetti, Riva e Rivera à cabeça. Os italianos eram os favoritos. E foram-no confirmando, cinicamente, em cada eliminatória.

 

Muitos lembram-se da defesa de Banks impossível a um cabeceamento genial de Pelé. Outros das fintas inesquecíveis do peruano Cubillas. Ou das saídas loucas do guardião uruguaio Mazurkiewicz. A história guardou um leque de jogos inesquecíveis e esqueceu-se dos protestos dos jogadores, forçados a jogar debaixo do calor do meio-dia mexicano para que os adeptos europeus acompanhassem o jogo ao final do dia pela televisão. A Inglaterra sofreu com uma infecção alimentar nas vésperas do duelo contra a RFA. Esteve a vencer por 2-0 mas Alf Ramsey teve medo e tirou Charlton para colocar um terceiro defesa. Os alemães venceram por 3-2 no prolongamento. Noutro jogo dos Quartos a Itália goleou o México por 4-1 deixando para trás o futebol defensivo. O Brasil vergou o Peru e a URSS caiu aos pés do Uruguai. Enquanto o Brasil seguiu implacável rumo à final, a Itália e Alemanha deram um espectáculo como pouco se viu. O jogo foi até prolongamento e terminou em 4-3 a favor da Azzura. Pelo meio, a imagem de Beckenbauer, braço ao ombro por um choque a poucos minutos dos 90, ficará sempre como um ícone da resistência germânica. E da classe do seu líder.  Para muitos ainda é o melhor jogo da história!

 

Mas a eternidade é matreira e fica com pequenos detalhes. Ainda hoje o México 70 lembra-nos esses dois golos impossíveis que só um génio do nível de Pelé pode ousar em sonhar concretizar. Na fase de grupos, no duelo inaugural com a Checoslováquia, o número 10 brasileiro viu o guardião checo, Viktor, adiantado. Ainda antes do meio campo tentou um remate poderosíssimo que gelou as bancadas durante instantes. A bola roçou o poste e saiu. Injustamente. Uma semana e meia depois, nas Meias-Finais, o Brasil defrontou a equipa que lhes tinha arrebatado a Copa América, dois anos antes, o Uruguai. Num gesto de audácia extrema, Pelé recebe uma bola centrada por Rivelino. Em vez de tentar driblar o guardião uruguaio deixa-a passar, corre à volta do guarda-redes e vai buscá-la ao outro lado para surpresa da defesa Uruguai. Em queda, Pelé remata. A bola cruza toda a área e passa rasa ao poste direito. Não entra. Injustiça. Uma semana depois o número 10 subiu ao mais alto do Azteca e abriu as hostilidades da final. Para trás tinham ficado os seus dois golos mais belos. Que importa que não tivessem entrado.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:35 | link do post | comentar

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