Portugal não perdia por mais de três golos há muito, muito tempo. 1983 foi, realmente, noutra vida. Na história, a equipa das Quinas nunca tinha caído por 4-0 em Europeus e Mundiais. Pode juntar o novo recorde á lista na primeira investida em Vera Cruz. Paulo Bento armou uma equipa incapaz de jogar futebol, mentalizada para uma derrota que nasceu de um cúmulo de erros em todas as linhas. A Alemanha nem teve de ser ela mesma para colocar Portugal numa posição humilhante. Se tantas vezes a selecção deu motivos de orgulho a um país cinzento, na Bahia a equipa das quinas envergonhou todos os que gritaram por ela.
Paulo Bento é um seleccionador com tantas limitações que é extremamente difícil partir para cada jogo de Portugal sem temer o pior.
Apesar do brilharete no Euro 2012 - duas derrotas, três vitórias, duas in extremis e uma muito bem lograda - a sua versão de Portugal é talvez a mais triste que alguma vez subiu a um tapete verde. Muitas vezes pré-histórica na forma como entende o jogo, a fase de qualificação num grupo totalmente acessível lançou os velhos sinais de alarme. Se não fosse por um Cristiano Ronaldo em momento estelar - quando ainda sonhava com o Ballon D´Or que acabou por ganhar - contra a Suécia e esta crónica seria apenas fruto da nossa imaginação. Portugal, que durante uma década fez parte da primeira divisão europeia, com Bento transformou-se em chacota internacional. Só faltava um jogo que o confirmasse de forma oficial. Não foi preciso esperar muito. O primeiro desembarque no Brasil chegou em forma de naufrágio.
Bento é limitado como treinador mas é ainda pior como seleccionador. A sua convocatória trazia um cheiro a mofo evidente. Ao contrário de Roy Hogdson, preferiu ignorar a juventude portuguesa para dar minutos e minutos a jogadores que já demonstrarem em inúmeras ocasiões serem verdadeiros yogurtes caducados. Homens da sua confiança - e com o sargento Bento isso é palavra de ordem - e também da mais influente agência de futebolistas do Mundo, os vinte e três resumiam-se a três grupos de jogadores. Os que jamais teriam nível para estar no torneio, a meia dúzia de jogadores de bom nível que Portugal ainda tem e Cristiano Ronaldo.
Se a convocatória já de por si previsível, anunciava que tipo de selecção íamos ver no Brasil, o primeiro onze deixou clara a mensagem final. Miguel Veloso, dono de uma época para esquecer perdida na Ucrânia, foi eleito no lugar de William Carvalho. Bruno Alves suplantou Luis Neto ainda que o seu colega no Zenit tenha sido muito mais eficaz ao longo do ano. Rui Patrício suplantou Beto por capricho puro do seleccionador e tanto Raul Meireles como Nani deixaram claro que nem a forma física nem o estado actual são critérios para o treinador. Portugal estava a caminho de um cabo das tormentas com um capitão com vontade de beijar as rochas.
O jogo começou da forma previsível.
Os alemães cómodos com a bola, os portugueses sem saber o que fazer quando algum ressalto lhes fazia cair o esférico nos pés. Ronaldo, dedicado a conquistar a Bota de Ouro, jogava mas visivelmente fora de forma. É o preço de todos os minutos supérfluos acumulados na liga que lhe agravaram uma lesão identificada - mas ignorada pelo jogador - em Janeiro. Do outro lado Nani perdia cada esférico que recebia. Moutinho, em péssima forma física, era engolido pela combinação entre Khedira, Lahm e Kroos. E não havia mais ninguém para jogar á bola com critério. Previa-se um encontro de máximo sofrimento mas esperava-se que a defesa - o baluarte em 2012 - aguentasse a carga de uma equipa teutónica sem avançado fixo mas com um Muller endiabrado. A equação teve resolução rápida.
João Pereira, o perfeito sinal de que o nível de exigência para chegar a internacional A tem recuado aos níveis dos anos setenta, cometeu um penalty infantil que o número 13 alemão não falhou. Foi o primeiro de três golos para Muller, ele que ainda teve tempo de deixar a sua marca no jogo de outra forma. As suas movimentações foram destroçando uma defesa desnorteada onde se notava que nem Pepe nem Alves tinham capacidade para a exigência do momento. De um erro da dupla de centrais surgiu o canto que Hummels aproveitou para ampliar a vantagem. O guião estava lançado. Do outro lado Portugal resumia a sua exibição a dois remates, o primeiro um esforço ridículo de Hugo Almeida - talvez o pior avançado da história da selecção portuguesa - e o segundo um tiro cruzado de Ronaldo que deixou claro que o número 7 não tem capacidade física para cair em cima do rival como é capaz de fazer. Depois apareceu Pepe e o navio afundou.
O central luso-brasileiro é capaz do melhor e do pior. Um dos melhores jogadores a nível mundial na sua posição, Pepe é também dotado de uma capacidade crónica de cometer erros infantis. Num lance com Muller, depois de fazer falta, ignorou o piscar de olhos do árbitro em deixar o jogo seguir e decidiu voltar para trás para encarar o alemão, deitado no chão. Encostou-lhe a cabeça e foi suficiente. Muller não fez teatro, pelo contrário, mas o árbitro, consciente de quem é Pepe num campo de futebol, não teve meias medidas. Podia ter resolvido tudo com um amarelo mas o acto irreflectido e estúpido de um jogador que até então só tinha cometido disparates foi punido merecidamente com o vermelho. Portugal rendeu-se e esperou o pior. Que veio. Dois golos mais de Muller, ambos com a preciosa colaboração de um cumulo de erros defensivos que não deixaram ninguém bem na fotografia. Nem Patricio - autor de passes inexplicáveis e de uma total insegurança nos cruzamentos - nem André Almeida se livraram. O lateral do Benfica rendeu Coentrão, o único que esteve ao seu nível mas que acabou por cair vitima de uma lesão muscular. Como Almeida está fora de combate. Provavelmente até ao fim do torneio, ou melhor dito, da participação portuguesa em prova. Vai fazer falta, até porque Ronaldo continua desinspirado e mais preocupado com o número de golos de Messi - os seus livres a distâncias impossíveis demonstram-no bem - e Nani é uma sombra do que podia ter sido e nunca chegou a ser. A Alemanha podia ter feito mais sangue. Podia até ter lançado Klose. Preferiu guardar energias para duelos mais á frente. Sabem que podem ir longe e que há que ter cabeça fria. Tudo aquilo que faltou a Portugal.
Bento podia ter tranquilizado a equipa. Perder com a Alemanha era um cenário previsível e são os duelos com o Gana e os Estados Unidos que vão decidir o futuro de Portugal. Perdeu ele próprio a cabeça, durante o jogo e nas declarações posteriores atirando areia para os olhos como lhe é habitual. A péssima preparação fisica realizada pelos portugueses e uma convocatória repleta de lesionados em vez de jogadores em forma e mais jovens também tem as suas consequências. Em 2012 jogaram apenas quinze dos vinte e três. Essa legião pretoriana tem mais dois anos em cima e dois anos decepcionantes. Mas para o seleccionador essa realidade foi ignorada em prole de outros interesses. Agora, nos 180 minutos mais importantes da história recente de Portugal, é com Ricardo Costa, André Almeida, Éder e Varela que Bento terá de evitar repetir a debacle de 2002. Nesse torneio asiático - onde tantas coisas parecidas com este aconteceram (lesão de Figo/Ronaldo, estágio mal preparado, jogadores em más condições físicas, legião de eleitos preferida a jogadores em forma) - as derrotas com os Estados Unidos e Coreia doeram aos adeptos mas vinham em consonância com o historial recente de Portugal no torneio, onde não participava há dezasseis anos. O desastre de Bahia, contra a Alemanha, é algo pior. Em tempos de crise, em tempos de angústia, o futebol tornou-se numa tábua de salvação emocional para um país que gosta de presumir de algo onde sente que tem alguns dos melhores do Mundo. Perder por 4-0 e a forma como se perdeu foi talvez a maior humilhação possível para os adeptos lusos. As limitações de Bento, do seu modelo e da omnipotência do Ronaldo tiveram finalmente factura a pagar. E não é barata.