Pinto da Costa é um homem desorientado. O fracasso não é um conceito a que esteja habituado. Depois de mais de trinta anos, o presidente do FC Porto fez dos títulos e do reconhecimento global o seu cartão de visita. Mas o seu egotismo também tem as suas consequências. Para os adeptos dos Dragões a mais recente chama-se Paulo Fonseca. O presidente do clube tricampeão nacional criou um pequeno monstro e agora não sabe o que fazer com ele. Porque todos sabem que a origem de uma época de desnorte recai na mais temerária de todas as suas decisões.
Sempre incisivo com a imprensa, o mito Pinto da Costa forjou-se (também) com tiradas inesquecíveis para os jornalistas sedentos de sangue. Testemunhei em pessoa, trabalhando, como o presidente do FC Porto consegue ser criativo, perspicaz e incisivo com a imprensa. Mas no final do jogo com o Estoril, e a sua subsequente presença à porta do parking interior do estádio do Dragão, esse Pinto da Costa foi substituído por um ogre desorientado e ultrapassado pelas circunstâncias. Era a primeira derrota para o campeonato em casa dos Dragões em cinco anos. Mais um dos muitos recordes negativos estabelecidos esta temporada. Interrogado pelos jornalistas sobre o futuro do treinador, um dos inevitáveis responsáveis pela situação, ao presidente azul-e-branco faltou-lhe o jogo de cintura dos seus tempos áureos. Foi agressivo, mal-educado e ditatorial. Normalmente os grandes homens quando começam a ver o poder (ou a razão) a escapar-se-lhe das mãos transformam-se em algo parecido. E momentos como este são raros na carreira de Pinto da Costa.
Desde que assumiu a presidência do clube, em 1982, apenas por cinco vezes se viu perante esta situação. Nada mal. As duas primeiras soube resolve-las bem. Foram apostas arriscadas e pessoais que saíram mal. Tanto Quinito como o regresso de um sempre contestado Ivic não caíram bem com os adeptos e os jogadores. Duraram pouco. Para o lugar do primeiro, Pinto da Costa conseguiu resgatar Artur Jorge da sua primeira aventura por Paris. A equipa falhou o título nesse ano (apesar de estar só a um ponto da liderança no momento da troca) mas foi campeã no ano seguinte. Quatro anos depois, quando o bicampeão brasileiro Carlos Alberto Silva voltou ao Brasil, o líder dos dragões decidiu recuperar Ivic. O técnico jugoslavo esteve pouco tempo no cargo apesar de uma histórica vitória em Bremen (com uma equipa a jogar com cinco defesas). Bobby Robson, despedido pouco antes por Sousa Cintra enquanto liderava o campeonato, também não conquistou o título mas lançou as bases do Pentacampeonato. Foram dois erros graves sem grandes consequências pelo acerto e o timing na tomada de decisão presidencial. Mas também induziram o líder do FC Porto a crer na sua própria infalibilidade. E a política de riscos foi aumentando e com ela o desnorte.
O ponto critico no eterno mandato de Pinto da Costa aconteceu na era pós-Mourinho.
O próprio treinador sadino tinha sido uma correção de um erro inicial (previsível) chamado Octávio Machado. Mas quando o campeão europeu (e de tudo) partiu para Londres, ao presidente do FC Porto não se lhe ocorreu melhor ideia que contratar um italiano sem prestigio, experiência e flexibilidade para o cargo. O disparate Del Neri não sobreviveu à pré-época e o seu sucessor, Victor Fernandez (uma velha paixão) também não aguentou para lá do Natal. Numa espiral autodestrutiva o terceiro acto foi ainda pior. José Couceiro piorou os registos do seu antecessor e os dragões perderam o tricampeonato exclusivamente por culpa próprio. O mesmo é dizer, por consequência da megalomania de Pinto da Costa. Desde então o modelo manteve-se com um parêntesis - Jesualdo Ferreira - mais consequência das circunstâncias (o bater da porta de Co Adriaanse com a época a começar, do que por vontade própria. Tanto o holandês como, mais tarde, Villas-Boas, Vitor Pereira e Paulo Fonseca seguiram o mesmo padrão de treinadores quase desconhecidos, sem experiência e fáceis de controlar por uma direcção cada vez mais preocupada com realidades paralelas do jogo do que, propriamente, com uma filosofia de sucesso a médio prazo. O clube aumentou exponencialmente a sua faceta de emblema vendedor, reduziu ao mínimo os ciclos de treinadores e jogadores, sempre á procura do próximo negócio milionário. O sucesso desportivo deixou de ser a consequência de um bom trabalho feito para ser o oxigénio necessário para manter a escalada de gastos nesta corrida ao El Dorado. Ferido de morte pelas escutas do caso Apito Dourado, Pinto da Costa foi perdendo o fulgor de outrora, retirando-se estrategicamente para a sombra, delegando cada vez mais poder na tribo aduladora que o rodeava e se preparava para colher os despojos. O que antes era uma forte direcção pessoal escondeu-se atrás do manto sagrado da SAD e dos negócios e homens que circulavam à sua volta. Mas para manter essa espiral de contratações, valorizações e vendas era necessário manter a linha de treinadores que pedem pouco e agradecem muito porque, na prática, sabem que sem o clube não são ninguém. Com o dinheiro investido e a qualidade individual ao longo dos anos, um FC Porto liderado por um treinador de prestigio poderia ter ido muito mais longe de onde foi. Mas nas mãos de jovens turcos com vontade de agradar, o desnorte tornou-se inevitável. E o maior desnorte possível chegou com Paulo Fonseca. Em quatro anos o antigo jogador do clube (por um par de jogos, para os mais esquecidos) passou da III Divisão para a Champions League. Rapidamente deu para perceber que era mais uma aposta de risco que saía mal. Corrigido a tempo, corria o risco de tornar-se numa anedota. Mas a Pinto da Costa faltou-lhe a sagacidade e força de outros momentos. Talvez "queimado" pelos seus erros anteriores, preferiu esperar. E à medida que o cenário ia piorando, o divórcio com os adeptos e jogadores confirmando-se, a inactividade do presidente parecia cada vez mais evidente. Paulo Fonseca poderá sair antes da época mas será sempre demasiado tarde. E se o erro na sua escolha podia ser o erro de qualquer um, mantê-lo no cargo durante oito longos meses vai contra todos os instintos de liderança de um presidente sem igual na história do futebol português.
Para os adeptos do FC Porto a situação de Paulo Fonseca é nova. Não pela evidente incapacidade do treinador em lidar com a situação e com o cargo. Não é o primeiro nem será o último treinador promissor a falhar o salto a um grande. Acontece em todos os lados. A situação é mais grave porque evidencia a evidente perda de liderança (e de qualidades de liderança) do homem em quem os adeptos sentiam que podiam confiar em todas as circunstâncias. E um sinal, evidente se fazia falta, que todos são finitos e que o futuro do FC Porto pós-Pinto da Costa tem tudo para ser similar ao que sofreu o Benfica e o Sporting no final das suas respectivas épocas douradas. Não será um final abrupto (ambos clubes tiveram quase uma década no topo, partilhando o sucesso com o seu sucessor, antes de cair) mas o ciclo histórico de quase três décadas que Pedroto idealizou e Pinto da Costa concretizou já esteve mais longe. O Império Romano caiu muito depois do seu fim efectivo. Paulo Fonseca, sem o saber, pode ser a primeira pedra num caminho de obstáculos para o futuro. O próximo defeso - e a soma de decisões do presidente dos dragões a vários níveis - poderá ser o mais importante da história moderna do clube que dominou como nenhum outro a história do futebol português.