Xabi Alonso é um notável jogador. Mas foi preciso lesionar-se para que Vicente del Bosque tivesse encontrado a coragem de fazer o mais difícil. Voltar à origem. A exibição memorável da selecção espanhola contra o Uruguai fez o relógio voltar atrás no tempo, aos dias apaixonantes de Luis Aragonés e uma equipa que encantava pela sua capacidade de fazer da posse de bola uma arma de ataque. Pelo seu talento em recuperar a bola tão bem como a movia por um terreno de jogo onde mandava a criatividade e o espírito ofensivo. Um Mundial e um Europeu ganhos sem convencer depois, a Espanha volta a ser ela mesma. E essa é a melhor notícia!
Em 2008 o futebol despertou para o fenómeno tiki-taka.
Ainda não tinha chegado Guardiola e o seu projecto de renascimento da filosofia de rondo, pressão asfixiante e precisão ofensiva. A Europa de clubes ainda vivia sob o signo da Premier League, do seu modelo físico, de transições rápidas, de jogo vertical e apoiado e da sua dificuldade em fazer da posse de bola uma arma para defender e atacar porque a sua resistência física estava preparada para esse modelo. E chegou o Europeu. O modelo que a Espanha tinha ensaiado nos meses anteriores funcionou. Era a mesma ideia defendida por Aragonés desde 2004, o mesmo que entusiasmou na fase de grupos do Mundial de 2006 mas que não aguentou com a matreirice de Zidane, desejoso de uma despedida à altura. Aragonés sobreviveu a uma profunda guerra no balneário da selecção. Colocou todo o seu prestigio, que era muito, para vencer o braço de ferro com o que ele considerava como um sério problema. Raul, Michel Salgado e companhia foram afastados da selecção. Começava uma nova era.
Aragonés desenhou uma Espanha de raiz.
Um 4-5-1 (ou 4-3-3, como se queira ver), em que a associação no meio-campo de quatro jogadores imensamente talentosos era compensada defensivamente com o trabalho imenso de um só médio recuperador. O compromisso era conseguido porque todos os restantes elementos da equipa sabiam que, sem bola, deveriam realizar uma pressão constante para fechar espaços, morder os rivais e recuperar o esférico. Com a bola podiam descansar, sim, mas sobretudo atacar. Procurar aproveitar as falhas na movimentação do rival, surpreendido pela perda de bola tão rápida, para criar perigo. Jogar com os olhos postos na baliza contrária. Um modelo vertical, mas apoiado na capacidade de circulação horizontal de uma geração de futebolistas maravilhosos. Um modelo que sabia que tinha pontos fracos mas que os transformava em fortaleza quando tinha a bola nos pés. Dessa forma, Aragonés conseguiu juntar numa mesma equipa a Villa, Xavi, Iniesta, Torres, Cazorla ou Fabregas com Senna como elemento mais recuado. As aparições de Xabi Alonso, David Silva e De la Red confirmavam a excelência de uma geração que merecia acabar com uma série de 44 anos sem títulos. Com Aragonés o título chegou porque Espanha foi uma equipa ofensiva, uma equipa autoritária, uma equipa que sabia defender no campo do rival e fazer da posse de bola uma ferramenta para encontrar o atalho mais rápido para o golo. Essa foi a melhor versão da história do futebol espanhol. A selecção que deixou saudades.
Aragonés tinha queimado o seu prestigio na sua luta interna com a influência de Raúl e do grupo de adeptos do Real Madrid.
Na federação, Fernando Hierro, tinha encontrado já o seu substituto antes do torneio sequer ter dado o pontapé de saída. Com a vitória da selecção, houve um momento de embaraço. Finalmente, Del Bosque entrou para comandar uma nau ganhadora. Tinha o duro objectivo de estar à altura do que parecia ser um feito histórico. Mas o trabalho de casa estava feito. Por Aragonés, que tinha deixado um balneário exemplar e uma rotina de jogo reconhecida internacionalmente e admirada. E pelos clubes, que apostando na prata da casa lhe deixaram à disposição uma geração memorável. Particularmente beneficiou-se do génio de Guardiola, que levou a ideia de Aragonés a outro plano, com a ajuda de um tal Messi. O técnico catalão lançou, do nada, as figuras de Busquets e Pedro, futebolistas que Del Bosque rapidamente introduziu no seu modelo. Mas a sua selecção era diferente. O 4-5-1 (ou 4-3-3, sem alas) transformou-se num 4-2-3-1. Alonso, habitual suplente com Aragonés, tornou-se em titular indiscutível ao lado de Busquets, o sucessor de Senna. Essa transformação forçou o treinador a retirar um dos muitos criativos que tinham espalhado magia na Áustria. Xavi e Iniesta eram figuras nucleares, Torres e Villa os goleadores e Pedro um joker precioso.
Inicialmente Del Bosque transformou a Villa em extremo e em Pedro no seu suplente preferencial. Depois abdicou de Torres, colocou Villa no centro e definitivamente entregou a titularidade ao canário. Até que a lesão do asturiano e a má forma do madrilenho lhe permitiu provar a fórmula do falso nove, com Cesc Fabregas ou David Silva no eixo do ataque. Essas mudanças não eram só de cromos.
Geniais, todos, eram jogadores com uma visão de jogo diferente da que tinha Aragonés. Espanha horizontalizou-se. Passou a usar a bola para defender mais do que para atacar. Longos períodos de trocas de bola em posições cómodas permitiam a aproximação da linha defensiva ao ataque, defender mais longe da baliza de Casillas e a incorporação dos laterais ao ataque. Mas também ralentizavam o jogo, davam ao rival a possibilidade de defender ocupando os espaços, procurando a sua oportunidade. Foi assim que a Suíça venceu o primeiro jogo do Mundial que a Espanha ganhou com a pior média de golos marcados da história. Apenas um por jogo na fase a eliminar, sofrendo em todos os jogos por criar perigo real e suportando com sorte e mérito as raras oportunidades dos contrários. As de Ronaldo, Cardozo, Ozil e Robben. Era um modelo mais pragmático, mais italiano, menos ofensivo e estilizado que o de 2008. Mas a vitória escondeu o debate e a renovação de alguns jogadores deu a sensação de um futuro brilhante. Dois anos depois, na Polónia, a equipa abdicou definitivamente do avançado, voltou a oferecer uma versão que até aos próprios espanhóis começava a aborrecer e depois de mais uma série de jogos sem entusiasmar, encontraram-se na final com uma Itália quase infantil a quem deram um impressionante correctivo. A mensagem estava clara. Quando Espanha queria dar uma velocidade mais ao seu jogo, era imbatível. Mas raramente se dava a esse trabalho.
No duelo com o Uruguai, o de abertura da Confederações, Del Bosque não tinha Alonso.
Podia ter substituido o basco por Javi Martinez, autor de uma época memorável na mesma posição em Munique. Não o fez. Decidiu aceitar que a sua versão de quatro anos poderia ser mais fácil de controlar, por previsível, por monótona e por horizontal, por uma equipa habituada a defender, esperar e jogar nas costas do rival. O seleccionador espanhol lançou então Fabregas, mas na posição em que jogava com Aragonés, escorado ao lado esquerdo do ataque, mas não como extremo, em sucessivas trocas de posição com Iniesta, abrindo o carril a Jordi Alba. Para fixar os centrais uruguaios e empurrá-los para a sua área, voltou a optar por um avançado puro, Roberto Soldado, mantendo Pedro como falso extremo direito, um jogador especializado em diagonais e remates impossíveis. Atrás, Xavi mantinha a batuta do jogo, com mais jogadores a moverem-se à sua volta e, portanto, mais linhas de passe possíveis e um maior dinamismo ofensivo. Busquets, como Senna, tinha mais do que capacidade para controlar o aspecto defensivo do jogo, apoiado muito de perto por uma linha defensiva alta.
Com essa aposta, esse 4-5-1 tão ofensivo, Espanha voltou a deslumbrar. O seu jogo ofensivo voltou a ser vertical, rápido, incisivo e com a baliza como alvo preferencial. A posse de bola, imensamente superior à do rival, tinha encontrado um sentido pragmático e não apenas o de uma arma física de descanso, à espera que a marcação defensiva do rival cometesse o habitual erro para o golo da praxe. Era, de certa forma, o voltar às origens. Alguns dos nomes próprios tinham mudado mas a essência era definitivamente a mesma. E muito distante do paradigma habitual de Del Bosque. Um modelo que pode voltar a ser colocado de lado quando Alonso esteja em condições de jogar. Ou, e isso seria uma grande notícia, um modelo recuperado para atacar o segundo título mundial consecutivo, transformando a Espanha na terceira selecção da história capaz de manter o troféu em casa. Uma Espanha com o formato de Del Bosque já seria, inevitavelmente, a máxima candidata ao troféu. Com o desenho original de Aragonés o seu favoritismo é ainda maior. E os adeptos que perdeu durante anos com a sua viragem mais conservadores, voltarão de braços abertos. Porque este foi o formato que permitiu um dia pensar que havia realmente algum paralelismo com a mítica camisola amarela do Brasil sob o céu silencioso do México.
Existem quatro correntes distintas sobre a forma como deve ser desenhada a estrutura de uma selecção nacional. Quatro visões, algumas delas bastantes distanciadas, que contam com as suas virtudes e riscos. São pontos de vista que necessitam também de adaptar-se à realidade local de cada projecto e ás inevitáveis crises geracionais que afectam todas as nações do mundo do futebol. O caso português já viveu em vários desses extremos. Agora continua a subsistir, com Paulo Bento, o mais recente dos modelos, o familiar.
Do grupo fechado de Scolari à liderança dividida no Euro 84. Da equipa forjada com base em dois clubes, em 66, à geração dos melhores que navegavam pelo futebol europeu. A história do futebol português é rica nas variantes de como se desenhou o espírito do chamado Clube Portugal. Já foi coisa de dez jogadores de dois clubes só, para potenciar os laços rotineiros e a influência clubística. Já se jogou ao ritmo de interesses pessoais, procurando colocar os melhores em cada momento. Já se confiou nos melhores jogadores, independentemente do seu estado de forma, simplesmente porque eram muito bons. E agora Portugal revisita o conceito de núcleo fechado, de família, inaugurado por Scolari em 2003.
O caso português não é singular. Todos os países de topo do futebol mundial passaram, com os seus mais e os seus menos, por todos estes modelos ao longo da sua história. Em Espanha vive-se actualmente o apogeu da ideia que em Portugal existiu com a Geração Dourada. Os melhores jogam, sempre, independentemente de como estão ou de se há novos futebolistas no horizonte. Mas em Espanha também já se bailou ao som dos interesses dos clubes, também já se tentou criar uma família fechada, com Clemente na década de noventa e houve uma época em que, pura e simplesmente, jogavam os que estavam em melhor forma.
Para um seleccionador - e até o nome tem truque, porque seleccionar e treinar não é mesmo e até aos anos oitenta muitas selecções tinham dois profissionais para dois postos distintos - é complicado eleger o modelo a seguir.
Se convocar sempre os jogadores que estão em melhor forma - algo que muitos defendem - corre-se o risco de não ter nunca um núcleo estável porque a forma é, como já se sabe, volátil. No entanto, ter sempre os jogadores na melhor condição física e psicológica pode garantir que a equipa que sobe ao campo está motivada e preparada para todos os desafios. Montar um combinado nacional à volta dos maiores talentos individuais, também gera um problema. Podem ser os melhores, os que mais aportam e melhor entendem o jogo mas, muitas vezes, não estão nas melhores condições e surge o fantasma de jogar por estatuto. O modelo aproxima-se mais ao de um clube, com um núcleo fechado de estrelas e suplentes de luxo, ignorando muitas vezes a principal vantagem de uma selecção: poder ir mais além nas escolhas. Também há os que preferem montar um esquema baseado no sucesso individual de um ou dois clubes, trazer o máximo número de jogadores desses emblemas e complementar a convocatória com talentos individuais. Ganha-se em estabilidade e rotinas, algo que falta no curto espaço de tempo de preparação para os jogos internacionais, mas perde-se em novidade e inovação. Por fim há o modelo mais recente, o de criar um grupo fechado, com jogadores bons e medianos, conscientes todos do seu lugar, onde a competitividade existe mas parte de bases estabelecidas. Onde o treinador é técnico, pai e sargento. Onde os interesses de um grupo se sobrepõem aos individuais mas onde a porta está quase sempre fechada ao resto do mundo. Esse é o modelo português da última década.
Nos anos 60 a selecção das Quinas era formada por jogadores do Benfica e do Sporting, com a ocasional incorporação de futebolistas do Belenenses, FC Porto e Setúbal. De aí passou-se ao período pós-25 de Abril, onde cada clube queria controlar a selecção e para agradar a gregos e troianos convocavam-se individualidades e não se pensava no grupo. Com os meninos de ouro forjou-se um grupo de vinte jogadores que, passasse o que passasse, tinham lugar garantido. Foi esse o cenário que entrou em colapso em 2002, no Mundial do Japão e da Coreia do Sul, quando parte do balneário estalou com o favoritismo atribuído por Oliveira a Baía sobre Ricardo, ao lesionado Figo e a um questionadíssimo Pauleta. Quando chegou Scolari, esse era o monstro que tinha de domar, para triunfar no Europeu.
O brasileiro fez a sua limpeza. Manteve ao seu lado o núcleo duro da selecção dos anos noventa (Figo, Fernando Couto, Rui Costa, Paulo Sousa) mas afastou os mais polémicos Baía, Jorge Costa e o suspenso João Vieira Pinto das suas equações. Com os mais indomáveis Sérgio Conceição e Abel Xavier teve os seus problemas. Para compensar, começou a chamar regularmente jogadores de low profile que fizessem o core da sua família. Chegaram os mais novos (Jorge Andrade, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira, Miguel, Ricardo Quaresma e Cristiano Ronaldo) e os que traziam experiência, como Costinha, Nuno Valente, Maniche. A esses juntou obreiros prontos a obedecer a qualquer ordem mas sem projeção internacional como foram Luis Loureiro e companhia. E chegou Deco, o jogador que quebrou não só o tabu dos naturalizados mas também a ideia de que os jogadores da Geração de Ouro actuavam por decreto. Rui Costa foi a sua vitima colateral.
Scolari criou um núcleo fechado mas aproveitou-se, como Otto Gloria, do trabalho de dois clubes, a juventude das promessas do Sporting e a solidez dos jogadores do FC Porto de Mourinho. Foi essa a sua base durante o seu mandato. Mas sem renovação, sem espaço para a novidade, o grupo estagnou, envelheceu e quando o brasileiro disse adeus, deixou uma equipa sem líder, decadente e com um hábito de trabalho mais similar ao de um exército do que a uma selecção nacional. Queiroz tentou lutar contra esse mundo, abriu a convocatória a outros jogadores, mais jovens, mais promissores, capazes de trazer algo novo, mas nunca conseguiu controlar um balneário saudosista do modelo Scolari, particularmente porque interessava ao homem que representava a maioria dos seus jogadores-chave, Jorge Mendes.
Para isso chegou Paulo Bento. Um treinador razoável, que noutro cenário nunca seria seleccionador e que foi um dos jogadores que sofreu com a nova ordem de Scolari. Mas a quem o papel de sargento assentava bem. Bento herdou uma pool de jogadores muito pior do que a que tinha o brasileiro. Desde o Mundial da Alemanha que a aposta na formação tinha desaparecido, que não havia jogadores para substituir quem tinha partido. Um buraco etário imenso que continua à espera que a geração que actualmente tem entre 17 e 22 anos possa substituir.
Consciente da situação, o seleccionador optou por voltar aos principios mais básicos do scolarismo.
Independentemente da qualidade individual, formou um grupo fechado de vinte jogadores. Boa ou má forma, houvesse ou não melhores jogadores fora do núcleo, esses eram os seus espartanos. Deu o protagonismo mediático à sua estrela individual e rodeou o onze base de suplentes sacados da carteira de Mendes. Muitos deles sem nível para uma selecção, ainda assim decadente, mas que cumpriam os serviços mínimos que se lhes eram exigidos. Isso explica que os Micael, Oliveira, Amorim, Sereno, Zé Castro, Almeida, Eduardo e companhia sejam convocados com regularidade. Os problemas começaram a surgir quando até as opções para o onze se foram reduzindo. Sem jogadores de nível para posições chave como os centrais, médio defensivo, criador de jogo e ataque, o modelo tornou-se obsoleto. Mas nem assim Bento mudou o seu rumo. Manteve-se fiel a um esquema táctico para o qual não tem jogadores e preferiu chamar mais legionários para as posições deficitárias, brutalizando a equipa e tornando-a mais amorfa. Boa para torneios curtos mas um problema sério durante uma temporada onde se exige mais do corpo aos jogadores de topo para estarem frescos nos jogos importantes.
Só nos últimos encontros Bento foi forçado a confrontar-se com a realidade. O seu grupo tinha falhas importantes e escassez de meios. Depois do Euro 2012 começou a aparecer - finalmente - outro perfil de futebolistas. São jogadores que terão de aceitar as regras da família mas que sabem que não têm muita concorrência para o lugar. O descarte de Quaresma, Tiago, Manuel Fernandes, Rolando e Ricardo Carvalho abriu ainda mais as feridas na defesa e no meio-campo. Sereno, Zé Castro, Ricardo Costa, Ruben Micael, Carlos Martins e Varela não são, claramente, a solução. Mas são os homens de confiança. E por isso aparecem em cada lista. O aparecimento progressivo de futebolistas como Vieirinha, Luis Neto, Pizzi ou André Martins é um sinal positivo para o futuro imediato. Pode não ser suficiente para chegar ao Brasil com um plantel coerente e afastado desse espirito autoritário que tão bem caracteriza Bento, um homem que tacticamente é mais um problema que uma solução, mas indica que o futuro tem opções que não podem ser filtradas por não pertencerem a determinado grupo ou agente. Atrás deles vêm os André Almeida, André Gomes, André Santos, Tiago Ilori, Wilson Eduardo, Bruma, Castro, Ricardo, João Mário das selecções jovens mas também outros eternos descartados como Bruno Gama, Paulo Machado, Eliseu, Duda, Antunes ou Vaz Tê, jogadores que podem oferecer mais do que os que vão regularmente à selecção sem pertencer a esse mundo fechado.
Com pouco mais de 50 jogadores de nível aceitável por onde escolher - consequência de uma péssima gestão federativa e dos clubes com o qual Scolari pactuou e da qual Paulo Bento não tem culpa imediata - é normal que as opções para os jogos decisivos de qualificação para o Mundial sejam reduzidas. Partindo do principio que, salvo lesão, os nomes fortes estarão presentes, quer tenham condições físicas e psicológicas para os duelos ou não, as vagas diminuem. É fácil perceber que nem há um modelo de clube suficientemente forte para sustentar a selecção, nem uma geração de ouro que permita esquecer a ideia de que não é necessário ter demasiadas opções para resolver os problemas. Bento tem como alternativa forjar uma selecção no Outono com os que estejam realmente bem ou manter-se fiel ao seu espírito de grupo. O ideal seria criar um compromisso entre ambas mas isso exige diplomacia, liderança e saber adaptar o sistema táctico aos recursos disponíveis, algo de que o seleccionador nacional ainda não demonstrou capacidade para ser capaz de realizar.
Um possível Portugal 23 para o Outono baseado apenas na qualidade individual, na aportação colectiva e no espírito colectivo (sem ter em conta, naturalmente, lesões e um estado de forma deficiente).
Guarda-Redes - Rui Patricio, Beto
Defesas Laterais - João Pereira, Silvio, Fábio Coentrão
Defesas Centrias - Pepe, Luis Neto, Bruno Alves, Tiago Ilori
Médio Defensivo - Custódio, Miguel Veloso, André Almeida
Médios Interiores - João Moutinho, André Martins, Paulo Machado, Bruno Gama
Extremos - Cristiano Ronaldo, Nani, Vierinha, Bruma
Avançados - Hélder Postiga, Pizzi, Edér
Alternativas (Raul Meireles, André Santos, Danny, Ricardo, Ruben Amorim, André Gomes, Antunes, Mika, Duda, Eliseu, Josué)
O regresso de Luis Filipe Scolari ao banco da selecção brasileira demonstra bem o estado de desorganização absoluto em que vive o futebol brasileiro a um ano e meio do seu Mundial. Tal como em 2002, o "sargentão" chega em cima da hora para resgatar a honra de uma selecção de quem muitos esperam que se torne em campeã mundial. Nunca, na história do futebol, uma equipa que recebeu dois Campeonatos do Mundo, salvo o México, falhou em vencer pelo menos uma dessas edições. Depois da depressão de 1950, o desespero da canarinha já se faz sentir a 18 meses do seu encontro com a história.
Quando Ghighia marcou o golo que deu ao Uruguai o seu segundo Mundial, um país inteiro entrou numa profunda depressão que nunca curou verdadeiramente. Sim, o Brasil tem cinco Mundiais, tem algumas das melhores equipas da história do futebol e foi palco de artistas e génios tácticos que ajudaram a mudar a face do jogo para sempre. Mas aquela tarde no Marcanã nunca teve cura.
Perder um Mundial em casa acontece a poucas selecções quando são favoritas.
Uruguai, Itália, Inglaterra, RF Alemanha, Argentina e França contam-se entre os países que venceram torneios diante dos seus. De todos os vencedores de um Mundial de futebol, só o Brasil e a Espanha não o fizeram em frente dos seus adeptos. O caso espanhol é recente, a sua performance em 1982 foi deprimente em todos os sentidos, mas ninguém duvida que se em 2018 o Mundial fosse em Espanha, que eles seriam candidatos sérios ao titulo. E o Brasil?
A selecção canarinha chega a 2014 sem ser o favorito de ninguém. E isso não só parece algo sui generis em si como também ameaça prolongar a ressaca moral do futebol brasileiro. A FIFA ofereceu ao país uma oportunidade única de desforrar-se de si mesmo e limpar os esqueletos do armário. Mas a direcção sem rumo do futebol canarinho tem-se encarregue de destruir esse projecto. A contratação de Luis Filipe Scolari, um acto de puro desespero, é apenas a ponto do iceberg de um problema bem mais gordo.
Ninguém questiona que o favoritismo colectivo do próximo Mundial está nos ombros da selecção espanhola.
Se a Brasil de 1970 foi, provavelmente, a mais entusiasmante selecção da história, esta Espanha pode ser a mais longeva e estender a sua hegemonia a um segundo Mundial consecutivo não é uma ideia descabelada. Individualmente a figura do torneio será Lionel Messi que talvez tenha a última oportunidade de ser campeão com uma Argentina que aprendeu a gravitar à sua volta.
O Brasil não é favorito a não ser no plano emocional. Não possuiu uma geração inesquecível como os espanhóis e é uma equipa com muitos projectos de grandes jogadores mas sem um líder moral como Messi. E é, sobretudo, tacticamente, uma equipa sem rumo, sem um plano definido que ora baila ao som do falso nove ora procura manter-se fiel ao 4-2-3-1 que tem perseguido desde 2006 sem significativo sucesso pelos antecessores de Scolari.
Num ano em que o técnico viu a equipa que treinou descer pela primeira vez em largos anos - o histórico Palmeiras - e depois da péssima carreira pós-selecção portuguesa, muitos questionam a eleição de Scolari. A verdade é que o homem ideal para o cargo chamava-se Guardiola mas os brasileiros não podiam viver com um treinador estrangeiro no momento mais importante da sua história desde 1970. E que tanto Muricy Ramalho como Tite eram nomes pouco consensuais não só nos corredores da CBF mas, sobretudo, entre os adeptos. A falta de um génio táctico ao futebol brasileiro tem-se notado.
Desde o notável trabalho de Carlos Alberto Parreira em 1994 que a táctica desapareceu do futebol brasileiro e o génio individual tornou-se no protagonista solitário com melhores e piores resultados mas cada vez mais ao som da actualidade e distanciando-se das suas origens. Do Brasil de 1998 de Zagallo ao de Menezes vai muita diferença e talvez o de Scolari tenha sido o mais original de todos.
O "sargentão" beneficiou de três elementos fundamentais para ganhar o último Mundial canarinho.
O seu 3-4-3, contrário à tendência da época, funcionava porque então o Brasil contava com os dois melhores laterais ofensivos do Mundo (Cafú e Roberto Carlos) e o melhor tridente ofensivo em gerações (Ronaldo-Ronaldinho-Rivaldo). Tudo o resto era composto por operários que faziam o típico trabalho físico que tanto impressionava o técnico. E por fim, uma debacle das equipas europeias, que pagaram o preço da longa época no futebol europeu e a incapacidade de se adaptar ao clima asiático. Portugal, França, Itália, Espanha e Inglaterra foram caindo, por motivos extra-desportivos e por má gestão, e ficou o Brasil para vencer a mais fraca selecção alemã de que há memória.
Lembrar 2002 é importante para perceber que a escolha de Scolari é, sobretudo, uma escolha desesperada num homem que vendeu um perfil ganhador, mas que depois dessa gesta particular nunca mais voltou a saborear o triunfo. Há dez anos que a sua aura se foi perdendo e o futebol evoluiu. Scolari poderá tentar recuperar esse modelo táctico (tem Alves e Marcelo mas na frente não há Ronaldo e Rivaldo e Neymar ainda não está à altura de Ronaldinho) mas sobretudo o que terá de criar é um bloco emocionalmente forte para superar a pressão emocional tremenda que significa jogar um Mundial em Copacabana.
Scolari é o homem do aparelho, o homem dos escritórios. A sua relação com a Nike e a CBF manteve-se viva durante largos anos. Mesmo com a uma directiva progressivamente afastada da herança de Ricardo Teixeira, os velhos contactos continuam a gravitar na mesma órbitra. O Brasil sabe que, tacticamente, não superará o modelo espanhol e individualmente não encontrará um rival à altura de Messi. Essa foi a base da sua grandeza histórica (o 4-2-4 e 4-3-3 e o génio de Pelé e Garrincha). Terá de recorrer, como em 2002, à épica emocional e ao trabalho colectivo como arma de fogo para não entrar na galeria negra da história da única grande selecção que nunca soube o que era festejar um Mundial com os seus.
De Portugal já ninguém se surpreende no "planeta futebol" que acabe tropeçando nos jogos de qualificação mais fáceis. Não é uma sina, como os mais supersticiosos podem pensar, mas sim reflexo de uma selecção que funciona melhor como "underdog", em elemento de bunker mental e num futebol de reacção. Os resultados superlativos do último Europeu deixam claro que o problema de jogo continua a agravar-se nos jogos mais menosprezados na mente de técnicos e jogadores pela absoluta falta de mentalidade competitiva que está por detrás do sucesso de qualquer equipa ganhadora.
Se perder em Moscovo é um mau resultado, porque uma qualificação num grupo destas características quase sempre é um mano a mano, empatar em casa com a Irlanda do Norte é voltar às calculadoras precoces, ao sentimento de pequenez que transmite a selecção portuguesa longe dos grandes palcos. Empatar num jogo de qualificação não é um fenómeno anormal. Mas o empate de Portugal tem pouco a ver com o épico 4-4 do Alemanha e Suécia ou o agónico 1-1 do Espanha vs França.
Primeiro porque estes foram duelos entre rivais directos, algo que a Irlanda do Norte jamais será. E depois porque, sobretudo, não é novidade. Qualificação atrás de qualificação, desde 2004, que Portugal tropeça com os mais inesperados rivais e obriga-se a si mesma a fazer cálculos com os dedos, como um miúdo da primária, para sonhar com grandes gestas. Há três anos um jornal português publicou na capa, depois de um resultado similar, "Adeus África". Portugal acabou por se qualificar. Tem-no feito de forma consecutiva desde 2000 para todos os grandes torneios, um feito histórico. Mas sempre com essa dose de sofrimento que nos reduz à condição de pequenez futebolística aos olhos do Mundo.
A presença de Cristiano Ronaldo, como antes de Luis Figo, Deco e Rui Costa, dá a Portugal uma aura de importância aos olhos do Mundo mas quem está dentro do Mundo do futebol sabe que, em fases de qualificação, o comportamento da equipa das Quinas assemelha-se sempre mais ao de uma selecção de segundo nível a quem o cartaz de cabeça de série nunca funciona muito bem.
Portugal não sabe competir como favorito. Não sabe pensar e organizar o jogo, ditar os tempos e os modos em que o rival é forçado a jogar. Deixa-se levar sempre pela corrente, pelos humores do adversário e acaba sempre por ter de reagir quando se lhe exige controlo e acção. Esteve a perder com o modesto Luxemburgo, com a Rússia e com a Irlanda do Norte e na soma dos três jogos conseguiu quatro pontos contra os nove dos russos. Não que a equipa de leste seja uma superpotência, apesar de ter todas as condições para vir a sê-lo nos próximos anos, a começar pelo seleccionador, um competitivo nato chamado Fabio Capello. Mas nestes duelos a condição de superioridade técnica, evidente, conta menos que a vontade de vencer e o savoir faire que sempre faltou a Portugal. Nos sprints finais a mentalidade dos jogadores e técnicos é alterada pelas urgências e os play-offs transformam-se numa cruzada de sofrimento rumo à glória. Fica bem à selecção esse espírito épico mas desnecessário se as coisas fossem bem feitas desde a raiz. Ninguém dúvida agora que recuperar seis pontos a esta Rússia é missão quase impossível e que os duelos contra Israel serão fundamentais para garantir o lugar no terceiro play-off consecutivo.
O fenómeno é extensível a vários mandatos de seleccionadores e a vários jogadores que é difícil repartir culpas com facilidade.
Trata-se, sobretudo, da falta de gene ganhador da selecção lusa, aquela que pior ratio histórico tem em grandes provas internacionais, a única que nunca venceu um torneio apesar de quatro semi-finais e uma final disputadas. Num país de 10 milhões isso poderia até ser um êxito, e de certa forma é-o, se não se desse o facto de países mais pequenos tivessem ultrapassado essa realidade sócio-económica precisamente por possuir o killer-instinct que sempre falha quando Portugal sobe ao terreno de jogo.
A equipa das Quinas jogou com a Irlanda do Norte da mesma forma que joga sempre quando não tem de temer o rival.
Desconcentrada, tímida, sem vontade de competir. Uma sensação de falsa superioridade moral que acredita que a bola acabará por entrar porque nós somos quem somos e eles só são quem são. A história está cheia de exemplos de rivais como os irlandeses que fizeram a Portugal o que a equipa lusa costuma fazer às selecções grandes nos torneios onde realmente brilha. Nessas provas, o espirito de bunker formado nas concentrações, a sensação de nunca ser favorito e partir sem pressão, é suficiente para deixar ver outro rosto de Portugal. Em 2004 os nervos puderam com a estreia num Europeu que estávamos fadados a ganhar. Em 2006, num dos grupos mais acessiveis da história, ninguém deslumbrou nos jogos iniciais e quatro anos depois Portugal voltou a ter dificuldades em afirmar-se como uma selecção a respeitar. Para não falar no medo com que se jogou com Brasil, Espanha e Alemanha nos torneios seguintes. Mudam os técnicos, mantêm-se os problemas emocionais.
Tacticamente este Portugal é igual ao do último Europeu, mas sem a pressão e critério que desaparecem quando a cabeça não acompanha. Ronaldo não brilha tanto nestes jogos talvez porque sabe que não há tantos olhos em cima, tantos votos por contar. Nani desaparece ainda mais no buraco negro em que se está a transformar a sua carreira e a defesa desliga de forma colectiva abrindo espaços e deixando Patricio exposto ao mais inesperado dos rivais. O golo irlandês não foi muito diferente do golo russo e a falta de reacção foi idêntico. Num país sem um lote de jogadores de qualidade para escolher até as baixas de Coentrão e Meireles se notam, especialmente quando o seleccionador aposta na versão de "sargentão" e na sua família e prefere excluir Eliseu e Paulo Machado, jogadores que aportariam muito mais do que Miguel Lopes e Ruben Micael. Sem um goleador, especialmente porque o jogador das 100 internacionalizações tem um ratio goleador monumentalmente inferior com a sua selecção do que com os seus clubes, e sem um pensador de jogo, que João Moutinho voltou a provar ser incapaz de ser, a coluna vertebral da selecção desfaz-se com tremenda facilidade e deixa as suas fragilidades expostas á mais cínica e oportunista das selecções.
Esse velho fado dificilmente mudará no futuro se não houver uma profunda mudança de mentalidade a nível geral no futebol português, similar às produzidas em França, Espanha e Alemanha, países que estão agora a capitalizar as metamorfoses internas da última década ao nível de todos os escalões do seu futebol. Portugal terá de jogar contra o tempo e provavelmente vencerá com solvência os duelos com Israel e numa boa noite pode até mesmo bater os russos em casa, particularmente se jogar com a mesma atitude que tanta falta lhe faz nos jogos que realmente importam. Mas dificilmente se livrará de um novo play-off para chegar de novo ao Brasil sem a aura de favorita como tanto gosta. Depois, será a altura dos seleccionadores e jogadores que se mostraram incapazes de competir contra selecções dos últimos escalões do futebol europeu reclamar o protagonismo e grandeza nos resultados. Ídolos de pés de barro.
Até aos anos 90 a FIFA tinha claro onde estava o verdadeiro poder nas estruturas directivas do mundo do futebol. Por isso os Mundiais, a sua prova rainha, o evento máximo do beautiful game, oscilava entre Europa e América, sem nenhuma discussão aparente. Mas os tempos mudaram, o dinheiro começou a faltar e Joseph Blatter teve de piscar o olho às restantes confederações e criou o critério de rotação continental. Mas conhecendo os novos horários do próximo Campeonato do Mundo, fica claro que, apesar de minoritário, o mercado europeu continua a ser a grande preocupação dos homens da FIFA.
Na África do Sul, a entrar em pleno Outono, os horários dos jogos eram os mesmos do que os espectadores europeus.
A diferença horária de uma hora permitia adequar os horários reais aos horários televisivos do público europeu e não houve demasiada polémica. Todos estavam contentes. Todos menos todos os adeptos fora do Velho Continente, habituados, mas cansados, de ter de ver todos os grandes torneios fora de horas. As polémicas na Europa à volta do conceito de rotação de continentes doeram à FIFA. Durante cinquenta anos a organização sempre teve predilecção pelos palcos e pelo público da Europa, mas a globalização e a necessidade de agradar a asiáticos e africanos como se agradava a europeus e americanos obrigou Blatter a dar o braço a torcer. Com os respectivos efeitos colaterais.
Na Europa não está o principal mercado do Mundial. Está o mais antigo e prestigiado, seja lá o que isso signifique em contexto de mercado de audiências, mas não é difícil ver mais pessoas a seguir o torneio na Ásia, na América Latina e até mesmo em África do que na Europa. E no entanto tudo ainda é feito à sua medida. Depois das criticas dos horários do Mundial de 1994, nos Estados Unidos, com jogos em horários de altas temperaturas para não desagradar os europeus, a FIFA capitulou e o Mundial da Ásia, no Japão e Coreia do Sul, viu-se essencialmente pelas manhãs para respeitar o horário local e a saúde dos jogadores, por muito que os Europeus tenham tido sérios problemas em conciliar a vida laboral e o seguimento da prova. A péssima performance dos países favoritos não ajudou e na Europa o torneio foi um relativo fracasso o que deixou o aviso para edições futuras. Como a do Brasil 2014.
A FIFA anunciou hoje os horários do próximo Mundial e assustam.
Num país que em Junho vive um Outono tropical, que oscilará entre uma humidade e calor asfixiante especialmente nos jogos a norte, e chuvas e temporais, nas zonas costeiras, é importante ter em consideração tanto os horários como as condições em que se vão disputar os encontros. Pelos jogadores, pela qualidade do jogo e pelos próprios espectadores que vão estar fisicamente presentes na prova. Mas para a FIFA esses conceitos são superficiais quando se trata de discutir os horários televisivos, a salsa do futebol actual.
A prova arranca a 12 de Junho e o jogo inaugural será disputado às 21h00 portuguesas (mais uma no horário central europeu) - 17h00 - em claro prime time. A final, a 13 de Julho, um mês depois, será uma hora antes, 20h00 horas portuguesas (21h00 europeias) e, inevitavelmente, às 16h00 brasileiras. A final de um Mundial no calor de uma tarde brasileira é um cenário, no mínimo, surrealista.
Na fase de grupos, onde haverá uma média de três jogos diários, vão-se usar vários cenários, desde jogos às 13h00 da tarde (hora de máximo calor) até às 21h00, também do Brasil, o que permite uma oscilação no mercado europeu das 17h00 e 01h00 da madrugada. No continente asiático, onde está o verdadeiro core de audiências, os jogos serão essencialmente transmitidos durante a madrugada, sem qualquer consideração pelos seus espectadores enquanto que o continente africano seguirá o torneio com horários similares ao Europeu.
Na fase a eliminar, os jogos serão disputados durante a tarde brasileira e prime-time europeu. Sem qualquer respeito pelos jogadores e pelos adeptos locais.
Para uma organização que diz que gere o jogo para o seu próprio bem, o Mundial é a verdadeira prova de fogo de como gere os destinos do seu jogo. E este Mundial prova, de uma vez por todas, que há muito que os senhores de Zurique se esqueceram do futebol para concentrar-se nos seus rendimentos. Enquanto se equaciona um Mundial no Inverno europeu para não coincidir com o calor asfixiante dos horários de Junho no Qatar, o último torneio americano nos próximos 14 anos deveria ter em consideração os próprios sul-americanos, que não recebem uma prova desde o longínquo 1978. Em vez disso, a FIFA aposta sobretudo pelo mercado europeu, talvez pensando em contentar os seus associados quando cheguem as próximas eleições - onde a UEFA terá um papel fundamental - e nos contratos com as multinacionais que fazem da Europa o seu mercado preferencial, pelo maior poder de consumo que ainda ostenta. O Brasil, mercado emergente como será a Rússia em 2020, recebe o torneio mas continua a ser forçado a adaptar-se à vida diária dos seus antigos conquistadores.
Para um adepto europeu estes horários são boas noticias. Mantém-se a tradição absoluta de seguir a prova rainha na comodidade dos horários pós-laborais, sem grande ginástica logística. Para o resto do mundo a situação continua a parecer-se com a asfixia de longas décadas de autoritarismo eurocêntrico. Os sul-americanos terão de decidir entre trabalhar e ver os jogos no seu torneio. Os asiáticos terão de esquecer-se de dormir durante um mês tudo para que na Europa o jantar seja acompanhado dos pratos fortes da jornada. Sepp Blatter fecha o ciclo que abriu João Havelange. Dar ao Mundo uma mão assegurando-se de que na outra fica com as suas carteiras, a sua moral, o seu futuro!
Arranca a fase de qualificação para o Mundial de 2014 na zona europeia. Com o resto do mundo em etapas mais avançadas, os europeus começam o sprint maratoniano que abre as portas a um torneio que ninguém quer perder. Portugal repete como cabeça de série e como máximo favorito a marcar um lugar antes de tempo nesse reencontro lusófono com Vera Cruz. Um caminho traiçoeiro e que procura saber se a equipa das Quinas aprendeu a meter-se por desvios perigosos.
Desde 2006 que Portugal não consegue vencer o seu grupo de apuramento e nas últimas duas ocasiões falhou mesmo a qualificação directa para um grande torneio internacional.
No entanto, nas provas em que acaba sempre por chegar, a performance acaba por superar a maioria das equipas que manejam com mais tranquilidade e eficácia a fase de qualificação. Dirão os adeptos que preferem sofrer antes para desfrutar depois, mas o problema não está nem na prestação final nem na angústia que significa decidir um ano de trabalho num jogo de ida e volta. Se em 2008 o segundo lugar do grupo, ganho pela Polónia, serviu pelas contas que evitaram que os segundos fossem forçados a mergulhar num play-off, a partir daí Portugal por duas vezes encontrou a Bósnia no caminho para a África do Sul e Ucrânia.
Sempre partindo como cabeça de série, consequência da brilhante trajectória da última década e meia, o conjunto das Quinas encontra sérios problemas em exibir-se de acordo com o prestigio acumulado em fases de apuramento. É uma velha doença do futebol português que durante 32 anos marcou presença apenas em quatro provas internacionais tropeçando sempre na fase prévia por este ou aquele motivo. Desde o França 98, e dessa maldita expulsão de Rui Costa na Alemanha, a equipa das Quinas nunca falhou um grande torneio mas isso não significa que não tenha deixado para os últimos dias a confirmação do bilhete de avião.
Paulo Bento mostrou no último Europeu que é capaz, num microcosmos particular, de criar um grupo motivado, disciplinado tacticamente e preparado para saber sofrer. A prestação de Portugal superou todas as expectativas e o terceiro posto, medalha de bronze merecidíssima, foi um prémio a essa postura profissional que tantas vezes falhou no passado. No entanto, os problemas crónicos do futebol português não desaparecem por um bom torneio de Verão, e notam-se sempre mais nas longas viagens por esse continente fora e nesse pulso com os clubes mais poderosos do continente do que propriamente em Mundiais e Europeus.
Bento sabe que tem um grupo traiçoeiro.
Na teoria o apuramento directo tem de ser assumido desde o primeiro dia, sob pena de Portugal continuar a cair nesse eterno fado de vitimização que tão bem cai na pele lusa. Portugal não é só a melhor equipa entre as seis do grupo como é também aquela que parece mais preparada para chegar comodamente ao Brasil.
Está a anos-luz do futebol duro e intenso dos irlandeses de Belfast e arredores, dos homens de Israel e, evidentemente, de luxamburgueses e azerbeijanos. No duelo directo com a Rússia, uma potência por direito próprio, Portugal tem a vantagem de ser um projecto em desenvolvimento avançado enquanto que os russos apostam forte não em 2014 mas sim no seu próprio torneio de 2018. Para isso contrataram Fabio Capello, um homem duro que fará progressivamente a triagem da geração que falhou na Polónia estrepitosamente e que dará passo a uma nova vaga de promessas que estão ainda a dar os primeiros passos como internacionais.
Portugal, pelo contrário, não apresentará mudanças face aos últimos anos. Por um lado é um aspecto positivo porque garante ao técnico que a sua "família", como sucedeu com Scolari, lhe dará tranquilidade e confiança, seguro que os seus conceitos tácticos e posturas serão bem assimilados. Ninguém espera que em dois anos o papel de Cristiano Ronaldo, Nani, Raul Meireles, João Moutinho, Pepe, João Pereira, Fábio Coentrão e Bruno Alves seja questionado e com Rui Patricio como homem de confiança nas redes, só o eterno debate do dianteiro e do médio mais defensivo podem levar Bento a fazer alterações a médio prazo.
Nelson Oliveira terá em Espanha a oportunidade e os minutos que não teve na Luz para justificar a aposta que o técnico tem feito e Miguel Veloso, na Ucrânia, passará um curso intensivo que não lhe dará espaço para erros. Não se vêm caras novas no horizonte para um primeiro plano que nos planos do seleccionador é fundamental. O técnico utilizou apenas 16 jogadores no último torneio e salvo lesões, é dificil pensar que aumente em demasia o leque nos jogos a eliminar.
No entanto esta realidade, como já sucedeu no final dos dias de Scolari, esconde sobretudo a incapacidade do futebol português de produzir ao mesmo ritmo de sempre novas esperanças para o futuro. Os projectos das equipas B podem ser uma opção mas demorarão até se afirmarem definitivamente como alternativas e só a crise económica dos clubes os poderá forçar a apostar no producto nacional, quase sempre mais barato, e na sua própria formação. Os fracos desempenhos das selecções de sub-21 e sub-19 no entanto não escondem uma realidade difícil para um futuro próximo e até bem depois de 2014 ninguém espera uma mudança de cromos substancial nos planos da equipa das Quinas.
A fase de qualificação arranca com um jogo fácil. Desses em que Portugal se maneja francamente mal.
Portugal ensinou o mundo a preparar-se para uma equipa que rende muito bem com nomes consagrados e sofre em demasia com selecções sem perfil competitivo. As viagens ao leste da Europa tornaram-se, na última década, num problema sério e lidar com o kick-and-rush das Irlandas sempre foi um problema no esquema de jogo dos lusos. E serão esses os jogos fundamentais da fase.
Portugal poderá ter um duplo duelo com os russos - que em 2005 foram presas fáceis, eles que viviam então também uma fase de profunda reestruturação que resultou no excelente Euro 2008 - mas se não somar a totalidade dos pontos contra os restantes rivais, acabará por ser forçada a jogar demasiado em pouco tempo. Os oito confrontos com israelitas, irlandeses, luxemburgueses e azerbeijanos não podem saldar-se com menos do que 22 pontos conquistados, vantagem que permitirá um tropeção ou uma má noite em Moscovo ou na recepção a uma selecção russa que está orientada por um homem especialista em duelos de elevada pressão psicológica e que terá também a oportunidade de limpar a imagem depois de um período à frente da selecção inglesa cheia de interrogantes.
Bento, que fez parte como jogador de muitos desses jogos onde se perderam pontos infantilmente no passado, sabe perfeitamente que a margem de manobra é reduzida. Estar no Mundial de 2014 mais do que uma obrigatoriedade, é uma profunda necessidade.
Portugal tem vivido de um ranking favorável que lhe tem permitido escapar a confrontos com rivais mais poderosos. Se não há uma geração de futuro capaz de pegar na herança deixada por Cristiano Ronaldo e companhia, a selecção tem de pelo menos manter as performances desportivas em alta quando ainda dispõe de jogadores de elite como o extremo do Real Madrid, para garantir que ao longo desta década, as fases de qualificação que venham sejam igualmente caminhos com rosas mas sem espinhos.
Depois de falhar um Mundial, em França, que podia ter significado o arranque precoce da "Geração de Ouro" junto de uma imensa comunidade emigrante que ficou sem ver os seus heróis, falhar um torneio num país com quem Portugal partilha mais do que a língua seria um desastre não só futebolístico mas também sociocultural.
Uma das principais vantagens do calendário que esperam os homens de Bento está no facto de que nenhum dos duelos com os russos ficam reservados para o sprint final. Em Outubro e Junho os mano a manos entre eslavos e ibéricos deixaram pistas mas não serão determinantes. Portugal tem espaço para progredir com tranquilidade e conseguir assim o feito histórico de somar a sua oitava fase final consecutiva, um feito reservado apenas às grandes selecções mundiais.
Quando era jogador nunca foi um exemplo fora do campo e nunca deixou de ser um génio dentro dele. Negou-se a treinar com a anuência de Cruyff, chegou de helicópetro ás concentrações, disputou a soco o titulo de "bad boy" do futebol brasileiro com Edmundo e passou tantas horas no ginásio como em festas em favelas e hotéis de luxo de Copacabana. Com todo esse historial nas costas era dificil imaginar o que viria a passar mas Romário está decidido a salvar o futebol brasileiro.
Era dificil de acreditar mas Ricardo Teixeira encontrou finalmente a sua nemésis.
O enteado de João Havelange, talvez o pior dos directivos de quem falava Juca Kfouri quando dizia que Deus deu ao Brasil os melhores jogadores e piores dirigentes do Mundo, foi forçado a sair finalmente do seu trono sagrado na CBF. A pressão da investigação jornalista da equipa de Andrew Jennings e do próprio Kfouri, a inimistade com Dilma Roussef foram elementos fundamentais na sua saida. Mas quem deu o tiro de graça foi Romário.
O "Baixinho" foi o herói de um futebol brasileiro orfão de lideres depois da debacle emocional do Mundial de 90 quando a nostalgia do futebol arte da geração de Telé Santana já era um longo adeus. O país perdoou-lhe tudo. A sua indisciplina crónica, a sua falta de profissionalismo absoluta, os casos com as mulheres, as discussões com os colegas e os rivais, as suas amizades com alguns dos traficantes mais perigosos do Rio de Janeiro e, sobretudo, do seu ódio crónico á imagem sagrada de Pelé. Em troca Romário deu-lhes o melhor futebol que o país viu nas eras entre Zico e Ronaldo. Terminou com a seca de 24 anos sem vencer um Mundial de Futebol, nuclear na campanha dos Estados Unidos em campo e fora dele. Tornou-se no terceiro maior goleador da história do país, apenas atrás do "Rei" e de Friedenreich, por muito que muitos dos golos fossem abertamente questionados por todos. Passou pela Europa onde se doutorou com Cruyff e enimistou com Robson, Ranieri e Aragonés voltou ao Brasil como semi-deus. Depois fez-se politico. As más linguas, e no Brasil a má lingua é um desporto nacional como jogador futvoléi nas suas praias perfeitas, diziam que a sua carreira politica, como a de muitos nomes ligados ao futebol, era apenas uma forma de se proteger face aos problemas fiscais que há anos o enfrentavam a Brasilia. Provavelmente teriam razão mas na capital artificial do gigante sul-americano Romário transformou-se, como Pelé, no rosto mais claro de oposição á CBF. O histórico avançado do Santos não teve o poder politico e mediático para vencer a luta com Teixeira e num último acto de desprezo o ex-presidente da Confederação recusou-se a convidá-lo para a cerimónia de apresentação da fase de apuramento para o Mundial de 2014. Mas com Romário, o homem que viveu com ele um dos episódios mais tristes da história da CBF na ressaca do Mundial dos EUA, não encontrou forma de vencer.
As criticas do "Baixinho" começaram por centrar-se na organização do Mundial.
Romário utilizou o seu lugar em Brasilia e o seu poder nas redes sociais para atacar violentamente a organização do torneio. Um torneio onde todos, incluido o próprio Sepp Blatter (que aprovou em 2000 a rotatividade de continentes também a pedido expresso de Teixeira), começam a termais dúvidas do que certezas. As obras levam um atraso histórico, há ainda sérios problemas de financiação com estádios e infra-estruturas, aeroportos e estradas por construir e um pais com uma tremenda pujança financeira que começa a questionar-se, na pessoa da sua nova presidente, se gastar tanto dinheiro para enriquecer a FIFA - da qual Teixeira continua a ser membro honorário - é realmente um bom investimento.
Das criticas ao torneio - que a imprensa brasileira apoia entusiasticamente- o ex-dianteiro apontou baterias a Teixeira. Criticou a sua gestão de mais de duas décadas, a profunda desorganização do futebol nacional no Brasil, o mitico e polémico contrato com a empresa americana Nike e, sobretudo, o investimento paralelo que pode fazer valer a Teixeira e alguns dos seus principais colaboradores contratos milionários com a própria FIFA. O mano a mano durou meses e inicialmente Teixeira, habituado a ser desafiado por tudo e todos, se mostrou condescendente. Aceitou colaborar com o avançado na sua campanha a fazer dos que padecem de sindrome de Down (como uma das filhas de Romário), declarando um investimento de 32 milhões de reais e uma série de bilhetes gratuitos para as organizações patrocinadas pelo deputado. Mas não chegou. No final o cerco mediático organizado por Romário deu ainda mais destaque ás revelações da Folha de São Paulo sobre os seus negócios paralelos. A má performance do Brasil em campo, as queixas de corrupção secundadas pela procuradoria geral e a perda de apoio na FIFA obrigou Teixeira a ceder o seu posto ao seu braço-direito, José Maria Marin. O novo dirigente não só garantiu que a filha do seu antecessor, directiva na CBF, iria manter-se no cargo onde foi colocada pelo pai, como garantiria uma reforma milionário para o ex-presidente até 2030.
Os que pensavam que a luta de Romário era apenas com Teixeira ficaram surpreendidos quando o homen do PSB-RJ anunciou que continuaria o seu combate até limpar a CBF de todo o rastro de "teixeirismo", declarando publicamente o apoio a Ronaldo Nazário como eventual candidato presidencial para a federação brasileira de futebol, no próximo ano.
Com a reeleição praticamente garantida, Romário emulou Pelé em campo e fora dele. Nos anos 90 o histórico jogador brasileiro desafiou os poderes da CBF com a lei que levou o seu nome e que tinha como objectivo reformular totalmente o mais caótico campeonato do Mundo. O poder do lobby da CBF no Senado destroçou uma lei prometedora. Passados quase 15 anos outro homem de 1000 golos prepara-se para continuar a luta para salvar o seu futebol. Entre festas, jogos de futvolei em Copacabana e sessões do Senado, o "Baixinho" revelou-se ser maior que a sua própria lenda. Os cartolas do futebol brasileiro que se cuidem...
Analizando friamente os números é fácil chegar à conclusão que há poucos países capazes de provocar tantas desilusões futebolisticas como o México. E no entanto escasseiam as nações com tanto potencial para aspirar ao ceptro mundial. O futebol azteca vive nesta contradição andante e continua a viver numa eterna depressão entre extasiantes promessas e constantes desilusões. Poderão os heróis de 2005 e 2011 formar a equipa capaz de contrariar as evidências?
Duas vezes o México logrou alcançar os Quartos de Final de um Mundial de Futebol.
As duas foram nas provas que organizou, as duas deixaram poucas saudades nos adeptos. Os mexicanos estão habituados a vir cedo para casa neste tipo de torneios. E isso, num país com 115 milhões de habitantes onde o fanatismo do futebol é uma religião alternativa ao profundo catolicismo e ao misticismo tribal, deixa muito que pensar. Pode um país com tamanhas condições desportivas, com um longo historial, repetir, ano após ano, prova após prova, os mesmos erros? No papel parece impossível. Na realidade está o caso mexicano.
Esquecendo gigantes como China, India ou Estados Unidos, o México é um dos poucos países que superam os 100 milhões de habitantes onde o futebol é sagrado. Desporto nacional quase em estado puro, para os mexicanos a obsessão com uma bola só é comparável à sua paixão pela Coca-Cola ou pelo picante da sua maravilhosa cozinha tradicional. Na rua os miudos mexicanos não se distinguem dos potreros argentinos ou dos malandros brasileiros. Como gotas de água ensaiam regates, experimentam fintas, desafiam a gravidade e viciam-se no golo. Ainda não mergulharam no pecado capital da Europa, esse vicio pelos jogos de consola que transformou o jogador de rua no jogador de comando, e por isso a rua ainda é deles. E para bola qualquer coisa serve.
Esses miudos são hoje a grande esperança de um país que, juntando tradição com população, pode ser considerado como a maior potência desportiva que não consegue ser potência desportiva. O México conta, até hoje, com um paupérrimo historial. Nos Mundiais eliminações precoces. Na Copa América, onde participa há vinte anos, o segundo lugar, por duas vezes, foi o máximo que conseguiu. Uma Taça das Confederações (em 1999) e nove campeonatos regionais são um balanço humilde para quem pode aspirar a tanto. Afinal não é a liga mexicana uma das mais exitantes do futebol internacional? E não é, sobretudo, o seu sistema de formação, um dos mais elogiados do Mundo?
A resposta é afirmativa em ambos os casos mas o México que se tornou na última década numa potência juvenil comete os mesmos pecados que outros casos pretéritos como Portugal, Gana ou Nigéria, países com bons resultados nas camadas de formação que falham a dar o salto para a equipa principal. Um problema que pode ter fim à vista.
Em 2005 o México surpreendeu o mundo ao bater o Brasil na final do Mundial de sub-17 disputado no Peru.
Um torneio a que muito poucos davam real importância até então mas que nos últimos anos tem ganho admiradores incontestáveis, entre os quais homens como Arsene Wenger, Pep Guardiola ou Louis van Gaal. Nessa equipa estavam verdadeiras pérolas aztecas como Giovanni dos Santos, Carlos Vela, Effrain Juarez, Sergio Arias ou Hector Moreno. Jogadores que rapidamente deram o salto para a Europa. Talvez cedo demais. Estrelas locais nos seus clubes, na Europa não aguentaram nem a exigência táctica nem a pressão mediática que se lhes exigia. Vela e dos Santos, os simbolos desta geração, foram o exemplo do salto falhado. Arsenal e Barcelona fizeram-se com os serviços de ambos jogadores e depois de algumas oportunidades na primeira equipa ambos desapareceram do mapa. Dos Santos, a quem muitos comparavam com Messi nos seus principios, perdeu-se entre Tottenham e Galatasaray para despontar no Racing Santander no final da época passada. Vela andou por Salamanca, Osasuna e agora milita, por empréstimo sempre, na Real Sociedad. Na selecção ambos tornaram-se espelho desse falhanço habitual dos nomes mais mediáticos do futebol mexicano.
Carbajal, o guarda-redes com mais torneios da história (cinco) nunca passou da primeira fase. Hugo Sanchez, herói do futebol mexicano dos anos 80, foi uma das grandes desilusões do Mundial de 1986. Chegou como estrela absoluta, marcou um golo e desapareceu do radar durante todo o torneio. Nunca mais voltou a pisar um Mundial na sua carreira. Em 2006 o México, já com alguns nomes da sua formação, a que se aliavam veteranos como Jesus Arellano, Guille Franco, o eterno Cauthemotec Blanco e companhia, caiu vergado pelo portentoso remate de Maxi Rodriguez nos Oitavos de Final. Quatro anos depois, na África do Sul, agora com Vela, dos Santos e Barrera, filhos da geração de 2005 (que no Mundial de sub-20, dois anos depois, ficou-se pelos Quartos) voltaram a ser derrotados pela Argentina de Messi. E a ferida tornou-se mais evidente.
Se a essa geração de 2005, agora na casa dos 20 baixos, se começa a exigir algo mais, que podem pedir os mexicanos aos heróis deste passado Verão. Depois do trabalho fenómenal do seleccionador Jesus Ramirez, o México conseguiu produzir uma nova geração de talentos para não esquecer. A vitória frente ao Uruguai no último torneio - aliada ao terceiro posto no Mundial de sub-20, meses depois - deixa uma vez mais a ideia de que há poucos paises tão bons na actualidade como o México na prospecção de jovens estrelas.
Ao futebol mexicano ajudou, sobretudo, a inclusão dos seus clubes nas provas da CONMEBOL. O México tornou-se presença assidua da Copa dos Libertadores e da Copa Sudamericana e por duas vezes equipas mexicanas (Cruz Azul e Chivas Guadalajara) chegaram à final do máximo torneio de clubes do continente. Esse crescimento sustentado e o desafio de competir contra clubes de ligas mais competitivas como a argentina, brasileira, colombiana ou uruguaia desportou ainda mais o México do seu isolamento.
Não estranha portanto que do nada surjam pequenos grandes génios como Enrique Flores, Carlos Fierro, Julio Gomez e, sobretudo, Jorge Espericueta. Ele é, aos seus 17 anos, a máxima promessa de um país que conta já com Javier Hernandez, como principal simbolo desta nova vaga. A estes heróis, campeões do Mundo depois de dois jogos épicos com Alemanha e Uruguai, há que juntar os homens que viajaram até à Colombia para conquistar o terceiro posto. Erick Torres (também campeão do Mundo), Tauffic Guarch, Ulisses Dávila e Jorge Enriquez são hoje nomes obrigatórios nas listas de futuriveis de qualquer grande clube. E permitem aos mexicanos sonhar com uma possível fusão das gerações de 2005 e 2011 numa selecção que poderia ser verdadeiramente temivel no Mundial do Brasil.
No meio de todo este optimismo (e um onze com Torres, Chicharito, Enriquez, Espericueta, Fiero, Dos Santos, Vela, Juarez, Salcido, Moreno ou Ochoa permitem sonhar com isso mesmo) há episódios que nos continuam a relembrar que o México é um verdadeiro quebra-cabeças. A suspensão de vários jogadores da selecção B enviada à Copa América, onde se encontrava outra eterna promessa, Jonathan dos Santos, depois de várias festas organizadas no hotel da concentração permite entender que há ainda uma profunda diferença entre o talento genuino - onde o México tem poucos rivais, talvez nem sequer na Argentina e Brasil - e o profissionalismo exigido para a competição do mais alto nivel. Mesmo assim, tendo em conta o sucesso recente e as licções aprendidas, é fácil entender que há poucos países que possam oferecer tanto ao futebol nos próximos anos como a nação azteca. Conquistar as Américas, sonhar com o Mundo, tarefas hérculeas para um povo habituado às lágrimas da derrota. Mas não impossível, não quando ainda há sitios onde o futebol é um feitiço eterno.
Trinidad está em festa. Mesmo que a família FIFA esteja mais entretida com as lutas de poder nos corredores de Zurique. Quando a bola comece a rolar pelo relvado - ou algo parecido - do estádio Malabar, o Mundial de 2014 arrancará oficialmente. O primeiro de 832 jogos antes da fase final, a disputar no Brasil. No entanto os fantasmas que rodeiam a organização do evento não permitem grandes festejos. Trinidad está em festa mas provavelmente eles serão os únicos com algo que celebrar.
Desta vez a figura omnipresente de Jack Warner, o homem mais corrupto do futebol caribenho e vice-presidente da FIFA suspenso de funções, não estará debaixo dos holofotes. Nem a do seu amigo, até à pouco, o presidente Sepp Blatter. Noutra ocasião os dois pesos pesados da organização que gere o futebol mundial estariam seguramente em Malabar para dar o pontapé de saída para o próximo Mundial. Não vai ser assim.
A FIFA quer esquecer, de momento, que a CONCACAF existe. A confederação de países que garantiu três eleições consecutivas para Blatter virou-lhe as costas e agora sofrerá as consequências, como sucedeu já com a UEFA no passado. O suiço não é homem de esquecer. A sua gestão - e a sua amizade com o presidente da CONCACAF e vice-presidente da FIFA, o tobaguenho Jack Warner - significou uma época de prosperidade para o futebol das Caraíbas. Mais dinheiro do que nunca, duas presenças num Mundial (Jamaica e Trinidad e Tobago), torneios juvenis e, sobretudo, um sério investimento nas infra-estruturas locais. Uma delas resultou no estádio Larry Gomes, construido de propósito para o polémico Mundial de sub-17, um torneio que funcionou como lavagem de dinheiro para a gestão de Jack Warner e que poucos paises participantes recordam com ilusão. O estádio recebe hoje um duelo sem qualquer importância no panorama internacional.
Montserrat, uma minuscula ilha caribenha que joga em "casa" por não ter ainda um estádio disponível no pequeno país com 40 kms de extensão que ainda pertence ao Reino Unido. E que é a 202º selecção do ranking FIFA. A antepenúltima. Dizemos que ainda não tem estádio , porque a FIFA já financiou a construção de um novo recinto, cujas obras estão por completar, cortesia do amigo Warner com ajuda do amigo Blatter, quando a amizade ainda fazia da CONCACAF um dos maiores recipientes do dinheiro gerado pela FIFA. Belize, o país da América Central que surge como visitante, está um pouco melhor. É a selecção número 172. O jogo, aparentemente insignificante, reveste-se de importância porque significa que o Mundial de 2014 arrancará oficialmente. Claro que para o grande público o torneio em si só terá lugar em Junho de 2014. Mas até lá o mundo do futebol irá lutar até às últimas consequências para conseguir um bilhete milionário para o torneio. Há 32 vagas e 198 selecções que ambicionam participar (as selecções do Butão, Mauritânia, Guam e Brunei preferiram não inscrever-se). Claro que nenhuma delas estará amanhã em Trinidad.
O jogo significa que arranque a pré-eliminatória da fase de qualificação da CONCACAF, a confederação com a série de apuramento mais larga. Da qual resultarão apenas três participantes. O jogo de amanhã abre a série de pré-qualificação que seguirá durante os próximos dois meses entre as selecções que falharam o apuramento para a Golden Cup. A partir de 30 de Julho começa a segunda etapa da qualificação, já aberta a todas as confederações. CONCACAF, CAF e AFC contam com várias fases prévias até chegar à definitiva fase de grupos, a disputar entre o final de 2012 e todo o ano de 2013. A partir de Setembro de 2012 começam igualmente a jogar as selecções da UEFA, CONEMBOL e OFC. Só em Dezembro de 2013 serão conhecidos os 32 finalistas, 832 jogos depois.
Mas o ambiente não está para festas.
A FIFA nunca viveu dias tão negros e a percepção geral é que o organismo vive a maior crise de credibilidade da sua história. Desde a eleição de Sepp Blatter que os problemas se têm multiplicado. A compra de votos nas eleições presidenciais e votações para organizar o Campeonato do Mundo foram os temas mais debatidos nos Media. Mas havia muitos esqueletos guardados no armário do suiço que nos últimos anos têm visto a luz do dia. O escândalo financeiro da ISL, os contratos com as empresas Visa e Mastercard, a venda de bilhetes do organismo no mercado negro e os contratos televisivos foram, a pouco e pouco, deixando a nu todas as manobras que se cozem em Zurique à medida que as equipas vão disputando as eliminatórias de acesso ao torneio de maior apelo popular do mundo.
E no entanto os problemas de Blatter não se limitam à sua gestão presidencial. O seu "Mundial" no Brasil, uma aposta tão pessoal como a entrada no mercado asiático em 2002 ou a recompensa à fidelidade africana em 2010, está a dar-lhe mais dores de cabeça do que imaginava. A três anos de arrancar o torneio, Ricardo Teixeira, enteado de João Havelange, vice-presidente FIFA e eterno dono da CBF, continua sem ter uma estrutura organizativa hábil capaz de manejar os muitos problemas que lhe vão aparecendo. O mais grave de todos é a possível exclusão de São Paulo do torneio. A maior cidade da América Latina, sede de alguns dos clubes mais exitosos do Mundo, recusa-se a endividar-se para beneficio exclusivo da FIFA e o estado de deteriori em que sobrevivem alguns dos seus estádios mais emblemáticos pode significar que os paulistas terão de ver o seu Mundial através da rede Globo. Um problema de sensibilidade politica, de profundo endividamento autárquico e das guerras internas entre cariocas e paulistas dentro da própria CBF tem deixado o problema aumentar como uma bola de neve. Em vez de contribuir para o apaziguamento, tanto a FIFA como Ricardo Teixeira têm devotado os últimos meses a criticar a federação paulista e a sua eterna indecisão de avançar, ou não, para a construção de um novo estádio no estado.
O problema de São Paulo é o mais mediático mas em nenhum outro estádio brasileiro as obras seguem de acordo com o previsto. E muitos têm encontrado sérios problemas de financiamento. E o pior nem está na construção dos recintos. Quinto maior país do mundo em extensão, o Mundial do Brasil depende fortemente da facilidade de deslocação de equipas, adeptos, imprensa, patrocinadores e directivos. E aí o drama é ainda mais significativo. A organização do certame já assumiu, de cabeça baixa, que a maior parte dos aeroportos não estarão preparados a tempo do torneio. E os que estejam funcionarão a meio gás. A revista Veja publicou no passado mês uma reportagem especial em que denuncia que só 7,5% das obras nas infra-estruturas estão completas e que a este ritmo o Brasil estará pronto para receber o Mundial...em 2038.
Entretanto o dinheiro investido pela FIFA e pelo governo de Dilma Roussef, que está pessoalmente empenhada em mudar o curso dos eventos, na organização começa a desaparecer e muitos olham já com severa suspeita para o próprio Ricardo Teixeira, homem já levado aos bancos dos tribunais várias vezes por desfalque financeiro com fundos do organismo que gere o futebol mundial. O Brasil há muito que solicitava o Mundial e Havelange e Teixeira forçaram Blatter a optar pelo país e assim romper com a habitual rotação de sedes entre a Europa e o resto do Mundo. Mas as suspeitas de que o país se iria transformar num possível pantanal para os interesses da organização (já para não falar do futebol em geral) começam a ganhar contornos de crua realidade. Não só o Brasil está muito atrasado para organizar um Mundial de alto nível como há uma série probabilidade de que não o consiga fazer dentro do prazo. O Mundial não estará em causa, mas a sua qualidade e o nome da FIFA sim.
Em Trinidad poucos se importarão com todos estes problemas, para eles o jogo de hoje é uma pequena festa que anuncia o Verão. O Belize é favorito, afinal o ranking da FIFA impõe uma significativa diferença de mais de 30 posições entre os centro-americanos e os homens de Montserrat, todos atletas amadores locais. Mas amanhã ninguém no mundo se importará com o resultado final ou sequer com o destino de ambos os países nesta corrida de loucos aos milhões e à glória que um Mundial oferece. A crueza do mundo do futebol é apenas um espelho da sociedade e enquanto Ricardo Teixeira e Sepp Blatter trocam emails preocupados, alguém em Trinidad estará feliz. Afinal, é através deles que o futebol, na sua vertente mais pura, sobrevive.
Enquanto os estádios na África do Sul começam a ser deixados ao abandono, a FIFA começa a olhar com séria preocupação para a próxima sede do seu cobiçado Mundial. Faltam três anos para o Brasil receber o mundo do futebol mas os problemas acumulam-se, as soluções escasseiam, os números não quadram e o fantasma de uma substituição de última hora é algo bastante real...
Primeiro foram os problemas com o mítico Maracanã. Depois a guerra entre a FIFA e a prefeitura de São Paulo que ameaça deixar a maior cidade da América Latina sem um único jogo do Mundial de 2014. Agora é tudo o resto. O Mundial do Brasil ainda não arrancou e já está nas bocas do Mundo. Pelo pior motivo. A FIFA aprendeu a lição da África do Sul e sabe que tem pouca margem de manobra. Os estádios sul-africanos que não foram vendidos a empresas privadas estão, como o Soccer City, ao abandono. Literalmente. Pode o mesmo cenário voltar a repetir-se?
Tudo indica que sim. O Brasil, histórico do futebol como nenhum outro país, é também um quebra-cabeças logístico e financeiro para a FIFA. Apesar de emergir de forma cada vez mais clara como uma nova potência mundial, a corrupção local e os graves problemas estruturais de um país que pisa o acelerador agora para recuperar o atraso de muitos anos complicam, e muito, a organização de um torneio tão complexo como um Campeonato do Mundo. E os problemas nem são as distâncias entre sedes nem mesmo a imensa criminalidade que abunda nos principais centros urbanos do país. Hoje em dia é o próprio esqueleto do torneio, as suas principais instalações, que se encontram no ponto de mira. E sem estádios não há jogos, sem jogos não há Mundial. A CBF, controlada pelo omnipresente Ricardo Teixeira - para muitos um forte candidato à sucessão de Sepp Blatter - distribuiu contratos, favores e dinheiro. Mas o retorno tem sido praticamente nulo. Os prazos já estão a ser largamente ultrapassados e actualmente, das 14 cidades-sede, só duas podem prometer ter tudo a tempo para o Mundial. A própria organização da Taça das Confederações - marcada para Junho de 2013 - está em equação já que nenhum dos dois estádios que parecem cumprir todos os requisitos (estar prontos até Janeiro do mesmo ano) têm dimensão suficiente para albergar os jogos entre os campeões continentais de selecções. Cuiabá (no Mato Grosso) e São Salvador da Baía são as únicas cidades que têm seguido à risca os prazos, mas até elas já apresentam significativas derrapagens nos orçamentos. Mas são cidades pequenas dentro do organigrama FIFA e isso levanta vários problemas.
Os casos mais sérios que a organização do torneio tem de resolver centram-se em São Paulo, Brasilia e Curitiba.
No caso paulista há uma real possibilidade da cidade ser retirada definitivamente do calendário. Nem o Morumbi, nem o Paceambu nem o Antárctica, os três estádios mais emblemáticos da cidade, têm condições para albergar um jogo do torneio e os seus donos não têm demonstrado o mínimo interesse em melhorar os recintos. A própria prefeitura - a câmara municipal local - não está disposto a fazer um esforço financeiro para trabalhar nas profundas reformas que todos os recintos necessitariam. Ricardo Teixeira anunciou em Junho que a cidade estava oficialmente fora dos seus planos mas nem a FIFA nem o governo estão interessados em perder uma cidade de 20 milhões de um torneio da magnitude de um Mundial. Será provável que em última análise a situação seja desbloqueada mas os prazos apertam e a cidade corre contra o relógio.
Já a capital vai receber, de longe, o maior investimento individual num recinto, o Mané Garrincha, que será ampliado a 70 mil espectadores. Mas as obras estão paradas por ordem do tribunal federal que detectou várias irregularidades nos contratos. Uma situação que se repete por todo o país e deixa a nu a corrupção omnipresente em todo o esquema organizativo do torneio. Curitiba, por outro lado, está em stand-by. Há um estádio - o Arena da Baixada, do clube local, o Atlético Paraneense - mas o dono está pouco interessado em estar dois anos sem casa e, ainda por cima, ter de desembolsar una quantia que triplica o seu orçamento anual. Os governos estaduais e locais estudam criar uma bolsa de apoio financeiro mas as obras são profundas e nunca estariam prontas antes de 2013.
Casos graves mas que não caminham sós. Em Manaus, no coração do Amazonas, nem o aeroporto local nem o estádio receberam ainda o investimento previsto porque o banco federal bloqueou o aval por falta de garantias. Situação em tudo similar ao que se vive em Fortaleza, Natal e Belo Horizonte - que ambiciona a receber o jogo inaugural caso São Paulo esteja oficialmente fora. Já o Rio de Janeiro - que com a Copa América em 2015 e as Olimpíadas em 2016 terá um triénio repleto de eventos - vive em suspenso as obras de melhora no mitico Maracanã. Mas os atrasos são evidentes e o dinheiro escasseia. A isso alia-se o problema dos acessos, com sucessivos atrasos nas melhoras dos aeroportos locais. Demasiados senãos para deixar boas perspectivas para o futuro.
A FIFA e a CBF têm dois anos para apresentar seis estádios (de 14) prontos para albergar a Taça das Confederações e um ano mais para ter tudo a postos para o Mundial. Se em casos anteriores a FIFA já foi forçada a correr contra o relógio, os problemas no Brasil são mais profundos e passam por estruturas locais, alojamento, transportes, segurança e, acima de tudo, tentar escapar de uma sombra de corrupção que pautou a candidatura desde o primeiro dia. 64 anos depois o Mundial pode voltar a visitar a terra de Vera Cruz. Mas muitos começam a perguntar-se se a visita valerá realmente a pena...