Três anos depois o projecto de Rudi Garcia recebeu a merecida recompensa. Uma equipa montada com alguns tostões, muita imaginação e talento que soube romper com a hegemonia do poder financeiro que na última década tem dominado a Ligue 1. Desde o triunfo do Nantes, em 2001, que nenhum outsider vencia o titulo francês. O génio de Hazard, os golos de Sow, a eficácia de Cabaye, a velocidade de Gervinho e a liderança de Garcia desfizeram o tabu. O futebol francês agradece...
Desde 1998 que o titulo de campeão de França não morava no norte do país.
Então foi o RCD Lens, este ano despromovido, a celebrar o triunfo graças ao trabalho miraculoso do "druida", Daniel Leclercq e o talento do luso francês Daniel Moreira. Treze anos depois, na vizinha Lille, o mesmo modelo voltou a funcionar para quebrar a hegemonia do Midi de Marseille, Bordeaux, Lyon e Monaco. A vitória do Lille foi de tal forma indiscutível que apenas pecou por tardia. Graças à pressão do Olympique Marseille de Didier Deschamps que apurou até ao final da prova as suas opções de revalidar o titulo. O conjunto marselhês icou-se pelas intenções, muito por culpa do Olympique Lyon - outra época decepcionante do melhor plantel do campeonato - e viu como a equipa de Garcia fazia a festa logrando, igualmente, a sua primeira dobradinha.
Liderados pelo genial belga Eden Hazard, chamado a ser um dos mais influentes jogadores europeus da próxima década, o atractivo e incisivo jogo dos lillois pautou o ritmo do torneio. Os nortenhos chegaram cedo à liderança e nunca mais a largaram. Moussa Sow desequilibrava com golos, Gervinho com assistências e Yohan Cabaye, uma das confirmações da prova, marcava as coordenadas do ataque. Um quarteto de luxo que funcionou como um relógio e nunca baixou o ritmo. Rapidamente afastados das provas europeias - onde, como o PSG, investiram pouco - os homens de Garcia cedo anunciaram que o seu objectivo era superar a barreira de 2010. As importantes vitórias frente aos rivais mais directos, Marseille e Lyon, abriram caminho a um titulo histórico, o primeiro desde os longínquos anos 50, quando o conjunto de Lille disputava a supremacia do futebol gaulês com o Stade de Reims.
Época notável logrou igualmente o Olympique Marseille.
O plantel de Didier Deschamps não tinha amplitude de armário suficiente para manter-se no topo a todos os niveis e a séria aposta na Champions League quase deu os seus frutos, até à eliminatória extremamente equilibrada com o Manchester United que marcou o afastamento dos gauleses. Quando quiseram reenfocar atenções na Ligue 1, o atraso para o lider já era significativo. Mesmo assim a equipa liderada, como sempre, pelo argentino Lucho Gonzalez, soube lutar até ao fim e superou, pelo segundo ano consecutivo, os milhões do Lyon. Os "Gonnes" continuam sem saber como recuperar um trofeu ganho por sete vezes consecutivas e perdido desde há três épocas. Nem a compra de Yohan Gourcouff trouxe esse plus de qualidade que tanta falta faz em Gerland. Os lioneses garantiram na última jornada o último lugar do pódio e subsequente acesso à Champions League, na fase de pré-eliminatória, mas deixaram um mau sabor de boca aos seus adeptos que este ano nem tiveram a Europa como distração.
Mérito também para o PSG que começa a consolidar-se, definitivamente, nos lugares altos da tabela, depois de uns anos erráticos, e sobretudo o Sochaux. A equipa de Marvin Martin, a revelação da prova, fez uma época absolutamente estupenda, totalmente por cima das modestas expectativas criadas e superou concorrência de respeito como Bordeaux (à deriva desde a saída de Blanc), Toulouse, Saint-Ettiene, Lorient e Montpellier. No reverso da medalha, à despromoção anunciada do Arles-Avignon juntou-se o drama de dois campeões recentes, Lens e Monaco, que caem no poço da Ligue 1. O caso dos monegascos é ainda mais gritante se olhamos para um plantel que reúne algumas das maiores esperanças do futebol francófono. O preço da péssima gestão desportiva pós-Deschamps chegou finalmente ao principado.
O triunfo do Lille ajuda a relançar a ideia do equilíbrio absoluto porque se rege a Ligue 1 depois da ditadura do Lyon. Em três épocas, três campeões, três sensações, três modelos de jogo e três figuras totalmente diferentes. Mérito para Rudi Garcia, que confirmou todas as expectativas há muito depositadas e, sobretudo, mérito para um projecto desportivo cauteloso, coerente e que sem entrar em loucuras soube dar ao seu treinador as armas necessárias para atacar o titulo. Se é expectável que Hazard, Sow, Cabaye e Gervinho possam nem sequer estrear o novo estádio, baptizado sugerentemente como De la Borne d´Espoir, a verdade é que as bases do sucesso estão lançadas e o conjunto do norte tem hoje todas as condições para manter-se no topo nas próximas temporadas.
Foi uma das máximas revelações do ano na Ligue 1 e tem todas as condições para ser o patrão da defesa que a França há tantos anos procura. Raphael Varane não evitou a despromoção do seu Lens mas deixou destelhos de um talento imenso que relembra, e muito, a classe de um tal Marcel Desailly.
Não é por mero acaso que os muitos rumores sobre o futuro de Varane têm inundado a imprensa gaulesa nas últimas semanas. Com o RCD Lens despromovido, todos sabem que o melhor central jovem do futebol francês não irá acompanhar a equipa no inferno da 2º Divisão. Depois de se falar nas possibilidades de ficar na Ligue 1, ao serviço dos parisinos do PSG, os rumores apontam agora para um futuro ainda mais brilhante: em Old Trafford.
Varane é a escolha natural para suceder a um Rio Ferdinand a quem as lesões, aos 32 anos, não lhe permitem ambicionar por um regresso à sua máxima forma. O jovem central francês tem apenas 18 anos mas a equipa de olheiros do Man Utd, a mesma que tem provocado uma significativa revolução no plantel de Ferguson na última década, está confiante nas suas capacidades. E têm razão. Quem seguiu a evolução do jovem central, desde a sua estreia profissional com 17 anos, sabe que ali mora um talento muito especial. Varane é já uma peça chave da selecção sub-21 gaulesa e ninguém duvida que será ele o nome a seguir nos próximos anos para tapar um buraco que tem permanecido visivelmente aberto desde que a dupla Blanc-Desailly colocou um fim à sua carreira internacional. Nem Gallas, nem Squillaci, nem Givet, nem Abidal convenceram nos últimos anos os adeptos galos e apesar do crescimento notório de outro jovem de futuro, Mohamed Sakho, falta um toque de classe nessa defesa de futuro dos homens liderados por Blanc, um técnico que sabe tudo sobre a arte de bem defender.
Mas Varane é um jogador que aposta por um estilo de jogo mais similar ao de Desailly.
O antigo internacional foi certamente um modelo em que se inspirou na sua infância num bairro social da cidade nortenha e operária de Lille. Como o defesa que despontou no Olympique Marseille (antes da brilhante carreira ao serviço do AC Milan e Chelsea) é um excelente central de marcação mas tem também a abilidade de actuar como médio mais recuado. Notável na recuperação de bolas, Varane sabe jogar com critério e já demonstrou, mais de uma vez, que lida bem com a pressão.
Fez a sua carreira de formação num clube local de Lille mas o clube treinado por Rudy Garcia não lhe prestou a devida atenção e foi o vizinho Lens que fez tudo para o captar para o seu sistema de formação. Tinha nove anos apenas quando chegou ao Felix-Bollaert e desde então tornou-se num dos simbolos da excelente cantera do clube que há dois venceu o campeonato nacional de sub-16, ao lado de Aurier, Situ, Monnet-Paquet, Sow e do igualmente promissor Thorgan Hazard, irmão mais novo do genial Eden.
Depois foi sempre a subir nos escalões de formação até que no passado mês de Novembro chegou a esperada estreia pela equipa titular do Lens. Aposta pessoal do técnico Eric Assadourian, o central estreou-se contra o Montepellier e deixou rapidamente a sua marca. A chegada de Boloni, em Janeiro, levou-o a passar a actuar como médio mais defensivo e aí também voltou a não desiludir. A titularidade, aos 18 anos, estava confirmada e no final da temporada Varane surpreendeu igualmente com o seu bom jogo de cabeça nos lances de bola parada marcando dois golos que acabaram por servir de pouco às aspirações do clube. Clube resignado já em perder a sua maior jóia. Varane tem as malas feitas e um bilhete para Manchester praticamente na mão. Terá de passar pelo habitual periodo de adaptação mas é fácil antecipar uma carreira brilhante para um central com um toque de distinção com a bola cada vez mais inusual.
Exemplo perfeito do excelente trabalho de formação do futebol gaulês, o jovem de origem caribenha terá de saber lidar com a pressão de quem já vê nele a esperança para a renovação do quarteto defensivo gaulês. Ao serviço de Alex Ferguson, pastor de homens por excelência, terá tempo e espaço para crescer. O futuro pertence-lhe por completo.
Como pode a cor da pele influenciar uma decisão desportiva? O racismo europeu que nunca desapareceu debaixo da capa da hipocrisia social sempre encontrou no futebol um escape moral onde a cor da pele nunca permitiu marcar diferenças sociais. A grandeza de Pelé ou Zidane nunca se mediu pelo seu tom de pele. Mas em França, um país de muitas luzes e muitas sombras, a verdade é mais negra que a pele dos jogadores que a Federação Francesa de Futebol quer excluir dos seus programas de formação. É a verdade amoral de um país com memória curta e um sério problema entre as mãos.
Ser africano, caribenho, magrebino, asiático, negro, castanho, amarelo ou vermelho ainda é importante. Pelo menos em França.
E, surpreendentemente, no mundo do futebol. Porque aí o racismo faz menos sentido ainda. Está à vista de todos a qualidade de um atleta, independentemente da sua cor de pele, do seu credo. A sua performance fala por si, não precisa de passar por um canal de avaliação preconceituoso. Em França, país que há anos vive assustado com o seu próprio futuro, isso não é bem assim, nem nunca o foi. O racismo existiu sempre no futebol e de uma forma aberta e socialmente aceite. Os jogadores "importados" das antigas colónias nunca foram tratados ao mesmo nível que os herdeiros dos gauleses, seja lá o que isso for. Roger Milla, o ícone dos Camarões. andou durante anos em clubes pequenos do futebol francês e mais tarde reflectiu o seu desencanto pela forma como dirigentes, técnicos e colegas o tratavam simplesmente por ser negro. Até aos anos 80, e apesar de serem uma presença constante nos clubes da Ligue 1, eram raros os atletas negros, magrebinos ou mulatos que chegavam a representar a selecção. Até Just Fontaine, nascido em Marrocos ( e branco), chegou a ser questionado pela imprensa gaulesa por não ter nascido em território europeu. Com Tigana, Tresor e companhia a situação foi-se alterando. Os franceses aprenderem a aceitar lado a lado os imigrantes das ex-colónias com os emigrantes dos países europeus (como foram Kopa ou Platini, filhos de polacos e italianos respectivamente) junto com os "seus" heróis nacionais. Hoje talvez alguns deles fossem impedidos de actuar com a camisola dos Bleus. Porquê? Porque talvez excedessem as quotas de minorias étnicas que a Federation Française du Foot estava, em segredo, a preparar para o seu futebol de formação.
A polémica estalou quando foram divulgadas as conversas que muitos já sabiam que existiam nos bastidores.
Vários dirigentes e administrativos da FFF confessavam o seu desejo de instituir um número mínimo de lugares reservado para jogadores de ascendência caribenha (como Thuram), africana (como Desailly) ou magrebina (como Zidane) de forma a não asfixiar o progresso natural dos jovens filhos dos "franceses de verdade". Uma quota de 30% para satisfazer todos os interesses era a ideia da FFF. E nem sequer era nova. Este debate repete-se em França em todos os lados num país que ainda não entendeu que a sua identidade nacional não pode excluir todo aquele que não é branco, mas era um tabu no mundo do desporto. Porque se há alguém a que os franceses devem as suas grandes vitórias desportivas, esse alguém é certamente o "jogador imigrante". Os títulos em ténis de Yannick Noah, o talento dos principais jogadores das selecções de rugby e andebol e, acima de tudo, a selecção de futebol que entre 1998 e 2000 venceu tudo o que havia para vencer, falam por si.
Por isso mesmo quando a voz de Laurent Blanc se juntou ao coro de defensores deste gueto futebolístico, o país, ou parte dele pelo menos, entrou em choque. Porque Blanc era o capitão dessa selecção. Era o homem que tinha ganho tudo ao lado de negros como Desailly, Thuram e Vieira ou magrebinos da estela de Zidane. Aquele que melhor deveria entender que o sucesso da França de 1998 foi o sucesso do multiculturalismo é agora o primeiro que quer impedir que essa realidade se repita. Uma amoralidade profundamente perturbadora.
O homem que foi contratado para regenerar uma selecção em estado de sitio rapidamente caiu nas graças de todos. Jogadores, adeptos, dirigentes. Afinal Laurent Blanc era um professional respeitado e um treinador consagrado depois do seu sucesso com o Bordeaux. Aliás os seus primeiros meses à frente da equipa nacional não deixou nenhuma pista sobre o seu posicionamento porque à selecção chamou jogadores de todo o tipo de proveniências. E saiu-lhe bem. Blanc pediu desculpas públicas (ele que foi apanhado a dizer, sem papas na língua, que a poderosa Espanha não tinha esse problema porque não tinha "negros"). Mas isso pode não ser suficiente. O problema é que não é o único. O problema é que é apenas o rosto público de uma ideia enraizada entre dirigentes, treinadores e adeptos. As quotas às minorias no desporto são apenas o espelho das quotas que a sociedade francesa gostaria de aplicar em vários sectores chave do país. Blanc defendia-se, nas polémicas gravações. declarando estar farto de ver como Clarefontaine - a casa dos centros de formação dos gauleses - formava jovens que depois preferiam jogar pelos seus países de origem ou mesmo os países de origem dos seus pais ou avós. Que esse espaço e esses recursos estavam a ser desperdiçado em jogadores sem interesse em defender as cores de França e que podia ser dirigido aos jogadores autóctones. Demasiados negros, demasiados magrebinos, poucos brancos. Uma ideia que não faz sentido mas que tem muitos adeptos. E que podia começar a ganhar forma não fosse a divulgação pública das chamadas gravadas por um membro da FFF de origem argelina, Mohammed Belkacemi. O homem que era responsável por avaliar o trabalho dos jovens que chegavam à selecção vindo das pequenas academias dos banlieus disse basta a uma politica que existe, não oficialmente, em muitos clubes do "hexágono". E não só.
Muitos foram os rumores que falavam em desentendimentos na selecção francesa de 1998. Emanuelle Petit escreveu sobre isso, Aime Jacquet calou-se sobre isso. O sucesso pagou o silêncio de um país que depois de voltar a sentir o sabor da derrota voltou a relembrar fantasmas antigos. Blanc queixa-se agora da fórmula que o fez campeão do Mundo. Ser negro ou magrebino tornou-se um crime público para o futebolista francês quebrando toda a moral de uma sociedade moderna. Quebrando toda a moral de um país que saiu para a rua para glorificar negros, brancos e magrebis da mesma forma, com o mesmo entusiasmo. Talvez se Nasri e Anelka tivessem levado a França à final de Joannesburg nada disto fosse conhecido pelo público. Porque nos bastidores a amoralidade da FFF sempre esteve presente à espera de uma oportunidade para se fazer ouvir.
Quando a época arrancou os analistas preveram uma temporada tranquila, possivelmente culminada com um posto europeu. A realidade é bem diferente. O clube do principado mais famoso do mundo está à beira do precipicio. Em sete anos passaram de disputar a Champions League a olhar bem de perto para o fantasma da despromoção. O AS Monaco está em estado critico.
Quando Ludovic Giuly saiu lesionado, aos 22 minutos de jogo, na histórica final de Gelsenkirchen, poucos imaginaram que a partir daquele momento a vida do AS Monaco iria entrar numa espiral negativa com um potencial final dramático. O monegasco - o único em toda a equipa do Principado dos carros desportivos, casinos, corridas desportivas e filhas da realza polémicas - era a alma do conjunto montado habilmente por Didier Deschamps. Sem ele os restantes jogadores tornaram-se presa fácil para a ave de rapina que era o FC Porto de Mourinho. E a equipa não estava, propriamente, composta por pesos plumas. Patrice Evra, Sebastian Squillaci, Jerome Rothen, Hugo Ibarra, Emanuel Adebayor, Fernando Morientes ou Dado Prso. A derrota por 3-0, a maior numa final europeia desde a vitória do AC Milan diante do Barcelona por 4-0 uma década antes, deixou feridas. E precipitou o êxodo dos craques da equipa. Giuly, o porta-estandarte, rapidamente passou para o Barcelona. Ibarra voltou ao Boca Juniores, Rothen voou para Paris, Evra e Adebayor atravessaram o canal da Mancha rumo a Manchester e Londres, respectivamente, e Morientes continuou a navegar pelo mundo no seu exilio da Castellana. Sem jogadores sonantes, também Deschamps desistiu de levar o clube à glória e o principado viu-se orfão.
A equipa deixou a luta pelos postos europeus e mergulhou numa profunda depressão. Seis treinadores em quatro anos não ajudaram a dar à volta á situação e pela primeira vez em muitos anos o AS Monaco correu o grave risco de descer de divisão. Os dias de glória de Wenger e Deschamps pareciam cada vez mais distantes.
Em 2008 houve uma séria tentativa de mudar o rumo do clube.
A nova direcção, coordenada pelo banqueiro local Ettiene Franzi, entendeu que o futuro de um clube de uma cidade tão pequena e sem poderio financeiro para competir com os grandes da Ligue 1 tinha de passar pela formação. O clube passou a comprar jogadores extremamente jovens e a baixo custo, dando-lhes tempo para crescer. O projecto pareceu começar com o bom pé e depois das chegadas do coreano Park Chu-Young e do norte-americano Freddy Adu, houve quem acreditasse num ressuscitar muito semelhante ao da era Deschamps. Que o técnico no comando fosse o brasileiro Ricardo Gomes, central campeão pelo PSG e uma figura altamente respeitada no futebol francês, era outro bom sinal. Mas o tempo joga sempre contra a juventude e Gomes não resistiu à pressão dos resultados. O seu substituto, o histórico Guy Lacombe, não teve melhor sorte e a equipa acabou nas mãos do desconhecido Laurent Banide, antigo jogador da equipa e treinador das camadas jovens com um largo percurso pelo futebol árabe. Uma aposta que pretende emular o efeito Wenger (também ele técnico de camadas jovens com experiência no continente asiático, no seu caso o Japão), mas que até agora não tem dado frutos. O AS Monaco está na ante-penultima posição do campeonato, a última por debaixo da linha de água. E a situação é dramática. O conjunto monegasco tem menos três pontos que o AJ Auxerre (outro histórico que este ano até disputou a Champions League), menos quatro que o modesto Valenciennes e menos cinco que o Nancy, os restantes clubes nesta luta. Atrás de si segue o RCD Lens, a apenas um ponto. E o relógio continua a contar. Faltam dez jornadas para o final da prova e o calendário dos Rouges et Blanc não é nada fácil. A equipa de Banide tem de jogar com os três primeiros (Lille, Rennes e Lyon), as surpresas Sochaux, Saint-Etienne e Montpelier e o PSG. E também com Nancy, Arles e Lens, rivais na luta pela despromoção. O jogo final, que pode ser decisivo, é no Louis II contra o Olympique Lyon. Quase nada.
E no entanto ao olhar para o plantel da equipa para esta época há algo que convida à esperança. A politica de recrutamento do clube conseguiu juntar um conjunto de grandes promessas do futebol europeu e não só. Ao coreano Chu-Young, um dos porta-estandartes do seu país, juntam-se hoje os gauleses Coutadour, Appiah, Mendy, Ruffier, Makengo e também os africanos Nkolou, Mongongu, Malonga, Gosso, Lolo e Haruna. Uma equipa com imenso potencial que terá de saber sofrer neste sprint final de temporada se não quer cair na segunda divisão do futebol gaulês, algo que não sucede desde meados dos anos 70. O principado sofre como nunca mas ainda há luz ao fundo do túnel.
Poucas equipas jogam tão bem na Ligue 1 como o modesto Sochaux. Uma verdadeira revolução dos pequenos e jovens liderada pelo ritmo frenético e criativo de Marvin Martin, o anti-diva do futebol gaulês. Numa época em que a França procura rapidamente limpar as feridas do corte geracional com a sua idade dourada, muitos acreditam que é Martin o porta-estandarte de uma nova vaga de jogadores que ainda sobem ao relvado pelo prazer de jogar.
Não deixa de ser um miudo de 22 anos. E relembra-o constantemente. Joga a consola, compra roupa nas lojas mais acessiveis e usa orgulhosamente nas costas o número 14, o mesmo do seu "arrondisement", o bairro social onde cresceu em Paris. É um filho da capital que, como tantos outros, teve de ir buscar a sua sorte na provincia. Apesar da sua profunda paixão pelo PSG - era um adepto fervoroso que não perdia um jogo - hoje a sua equipa joga mais a sul e pode mesmo roubar aos parisinos um posto na Europe League da próxima época. E graças aos seus momentos de magia.
Marvin Martin é diferente. Ao contrário de Samir Nasri ou Yohan Gourcouff, os ungidos herdeiros de Zidane que ainda não deram o salto definitivo, nunca quis viver sobre o estrelato de grandeza. É ambicioso como poucos mas sabe que a sua carreira seguirá as etapas naturais que o próprio Zizou ou o alemão Ozil, com quem tanto lhe comparam ultimamemte, foram queimando. Prestes a ser convocado pela primeira vez por um Laurent Blanc que já reconheceu que vê nele algo "distinto", Martin continua a ser o miudo de bairro que desfruta tanto do jogo como quando corria as ruas do seu bairro com a bola colada aos pés. Em Sochaux, terra da Peugeot que criou e patrocina ainda hoje o clube local, é uma estrela. Mas para o resto da França ainda é um relativo desconhecido. Um pais onde as equipas da provincia ainda criam pouco impacto na comunicação social e que se divorciou da selecção depois do triste espectáculo que viveu na África do Sul. É dificil imaginar Martin no papel do rebelde Anelka.
No miolo do terreno de jogo sente-se em casa. Pauta o ritmo de jogo, acelera, desmarca, finaliza.
É um jogador completo a quem só o fisico parece travar para dar o salto para outro nivel. Os olheiros dos grandes clubes da Europa nunca o tiveram debaixo do radar. Fizeram mal. Com o técnico Francis Gillot tornou-se num must see do futebol europeu. Em Sochaux, onde chegou em 2002 com apenas 14 anos, cresceu. Juntamente com o franco-argelino Ryad Boudebouz, Sloan Privat e Geoffrey Tulasne tornou-se no menino dos olhos do clube da cidade. As saídas de Jeremy Menez e Mevult Erdinç, dois amigos com quem partilhou horas de jogos de consola, e do veterano Stephane Dalmat fizeram com que o técnico lhe entregasse batuta da equipa. A aposta funcionou. O Sochaux, que na época passada esteve perto de ser despromovido, é agora o quinto classificado da Ligue 1, colocado nos postos europeus e a poucos pontos da Champions League. É também a equipa que melhor futebol pratica, se nos esquecermos por um momento do Lille de Rudy Garcia. E isso não é um mero acaso.
O ritmo de Martin é fundamental para que o jogo de passe e toque dos jovens amarelos funcione. Martin começou a marcar e a assistir como nunca este ano e a sua parceria com a dupla de atacantes, os também jovens Ideye Brown e Modibo Maiga, funcionou. O Sochaux não é só uma das equipas mais jovens do torneio. É também das mais eficazes.
É expectável que a estância do jovem em Sochaux não dure muito. A chamada de Blanc à selecção confirmará a sua consagração nacional e isso, hoje em dia, significa que os falcões europeus estarão de olhos bem abertos. O exemplo de Ozil, resgatado ao Werder Bremen por apenas 17 milhões de euros pelo Real Madrid está bem vivo. E com o mercado em sérios problemas, é previsivel que jogadores jovens e baratos como Martin sejam verdadeiras pérolas preciosas. Além do mais, o estilo de jogo de toque popularizado pelo Barcelona, e onde Xavi brilha por cima dos demais, fez os clubes voltarem a interessar-se por um tipo de jogador que, segundo o próprio médio catalão, parecia estar em vias de extinção.
A verdade é que Marvin Martin tem todas as condições para triunfar. Não tem pressão, tem talento e faz parte de uma raça de jogadores rara e altamente cobiçada. O seu sucesso actual em Sochaux é apenas o primeiro capitulo de uma história que no final poderá perfeitamente tornar-se num fabuloso destino para o filho mais ilustre do banlieu 14.
Hoje os investidores estrangeiros são os únicos capazes de injectar dinheiro em projectos desportivos, muitas vezes, absurdamente estagnados. Petro-dolares, rupias indianas, rublos russos, tudo vale. No entanto, o modelo dos magnatas com dinheiro, ilusões mas muito pouca paciência não é novo e no passado deixou as suas vitimas. Poucas terão tido o mesmo impacto mediático do que o Matra Racing Paris. Durante dois anos tentou comprar o sucesso. Falhou e caiu na penumbra do esquecimento...
Quando em 1981 o milionário francês Jean-Luc Lagardére se juntou a Daniel Filipachi para comprar o espólio do grupo de revista Hachete, brincou com os amigos comentando que só lhe faltava mesmo comprar um clube de futebol. O homem que relançou a revista Elle era já então dono de uma imensa fortuna, graças à sua posição na empresa Matra (com considerável sucesso no automobilismo). Por essa altura, gastava essencialmente o seu dinheiro na grande paixão da sua vida, os cavalos de corrida. Mas o futebol também lhe tocava na alma e na cidade-luz de Paris não havia uma equipa que apoiar. O PSG vivia a sua primeira década, rodeado de incertezas, e a ideia começou a matutar na mente do empresário. Quatro anos depois comprou o quase extinto Racing Club Paris, um dos primeiros grandes do futebol gaulês que tinha caido praticamente no anonimato nos anos do pós-guerra. O clube estava na Ligue 2, lutando por sobreviver. Lagardére colocou o dinheiro à disposição da direcção com um objectivo claro: fazer do Racing um colosso europeu.
Começou assim a subida ao céu do clube azul e branco. O presidente conseguiu o apoio da Matra e mudou oficialmente o nome do clube para Matra Racing Club, o primeiro caso de uma instituição desportiva europeia que viu o seu nome alterado para incluir uma designação comercial. Um nome que se assemelhava, e muito, ao já usado pela empresa na sua etapa na F1 e que levantou suspeitas sobre o real interesse de Lagardére num negócio com muitos "ses". O projecto, no entanto, começou a dar os seus frutos. Em 1986 o clube venceu o titulo da segunda divisão do futebol gaulês e chegou, pela primeira vez em largas décadas, à elite. Era preciso dinheiro para permitir ao Matra - então alvo de uma imensa campanha de marketing nas revistas e jornais do grupo Hachette - competir com os maiores da época (o Bordeaux de Jacquet, o Marseille de Goethels ou o Monaco de Wenger). E com o dinheiro chegaram as estrelas.
Recém-coroado campeão europeu, o português Artur Jorge foi o primeiro a ser seduzido pela ambição de Lagardére.
Trocou a cidade do Porto pelo conforto de uma vida de luxo em Paris com um recorde milionário para qualquer treinador à época. O objectivo era vencer a prova que o tinha coroado num prazo de quatro anos e para tal chegaram ao modesto Stade des Colombes, nomes à altura. O alemão Piere Litbarski e o uruguaio Enzo Francescoli juntaram-se aos gauleses Pascal Olmeta, Luis Fernandez ou um jovem David Ginola. Mais tarde chegariam ainda o holandês Sonny Silooy, o uruguaio Ruben Paz e o camaronês Eugene Ekéké.
Artur Jorge pediu tempo para formar um onze ganhador - ainda estavamos na época em que só podiam jogar três estrangeiros - mas os resultados demoraram demasiado em chegar. A meio da temporada 1987/1988, o Racing Matra andava perdido na segunda metade da tabela, apesar do talento indiscutivel dos seus artistas, particularmente Francescoli, que confirmou as suspeitas que tinha deixado ao serviço da selecção do Uruguai e que mais tarde inspiraria a Zidane. A segunda volta foi bastante melhor, com a equipa a trepar até ao sétimo posto mas, mesmo assim, fora das provas europeias e a onze pontos do primeiro lugar. O dinheiro de Lagardére começou a desaparecer e os ingressos das bilheteiras do diminuto estádio parisino (7 mil pessoas) e do contracto televisivo eram insuficientes para arcar com os salários principescos das principais estrelas. Artur Jorge partiu (ele que voltaria a Paris para cumprir o seu sonho de campeão com o PSG dois anos depois) e o director desportivo, René Hause, tomou o seu lugar. Mas sem dinheiro, também Francescoli e Litbarki se foram, sem deixar grandes saudades, para brilhar em Marselha e Colónia, respectivamente. E a equipa ressentiu-se em demasia. O projecto começou a desmoronar-se e a equipa terminou a época seguinte num decepcionante 17º posto, salvando-se por um golo da despromoção. Para a Matra e para o seu presidente, era demais. Lagardére demitiu-se, vendeu a sua parte do clube e levou a Matra consigo, deixando o clube em estado de bancarrota. Os melhores jogadores da equipa saltaram do navio em movimento e apesar de ter chegado à sua única final da Taça em 1990, rapidamente a equipa caiu nos escalões do futebol amador francês, onde ainda milita. O dinheiro de Lagardére foi desviado para a France-Galop, empresa especializada em desportos hipicos e nunca mais se aventurou no mundo do futebol.
O projecto do Matra Racing Paris é um aviso a navegantes. Hoje, num mercado mergulhado em negócios obscuros e milionários que entram e saiem com demasiada facilidade, a nefasta gestão do pequeno clube parisino que quis dar um passo maior que a própria sombra podia transferir-se a um qualquer desses clubes com gestões milionárias. O fracasso do Portsmouth inglês, as dividas de West Ham United, o quase desaparecimento do Deportivo Alavés são apenas reflexos desse episódio. Quando o dinheiro quer comprar o sucesso, muitas vezes o único que acaba por conseguir é comprar o fim...lenta e dolorosamente.
Camisola fora dos calções para esconder a barriga. Olhar perdido no coração do tapete verde. Ar cansado. E, de súbito, um toque genial, um golpe de esforço, uma pitada de mestria e et voilá! Assim funcionava o homem que pautou o ritmo do futebol europeu durante grande parte dos anos 80. Quando viu que o fisico não lhe permitia aguentar as exigências do novo futebol, disse adeus. Atrás de si, a glória de uma era. E poucos que se lembravam da sua inoportuna barriga de sofá...
Giovanni Trapattoni berrava, vezes sem conta, a cada jogo da sua super-Juventus.
Durante meia década, os bianconeri foram a equipa italiana por excelência. Em titulos e estilo de jogo eram intocáveis e só nos palcos europeus pareciam ter dificuldades em impor a sua hegemonia. Mesmo assim, durante três anos consecutivos, marcaram presença em três finais. E só perderam uma, uma triste noite em Atenas. A cada jogo, "Il Trap" gritava sempre para o mesmo jogador. Pedia-lhe que corresse, que fechasse espaços, que ajudasse. Mas, a maioria das vezes, gritava em vão. Subitamente, o mesmo pequeno homem de orelhas quentes, arrancava com a bola nos pés e fazia magia. Decidia jogos, épocas. Era assim Michel Platini.
Fisicamente foi o último simbolo de uma era que desprezava a prepração fisica, cada vez mais importante à medida que os anos 80 vão abrindo passo à era do futebol de pressão total. Platini detestava treinar, detestava fazer exercicio e nunca conseguiu, ao largo da sua carreira, esconder uma visivel barriga pouco habitual num desportista de elite. Soltava a camisola, sempre justo e por dentro dos calções até então, para dissimular. Mas nunca conseguiu deixar o vicio do cigarro antes, durante e depois dos jogos. Nem as celebres jantaradas que Il Avvocato, Gianni Agnelli, fingia que não via, nas noites de Turim. Porque no terreno de jogo o pequeno Napoleão respondia. Não corria, para isso estavam os outros dizia sem pejo, mas decidia. Foi Capocanonieri três anos consecutivos. Muito para um número 10 que jogava ao lado de Boniek e Rossi. Foi o herói das grandes noites do clube. Livres directos executados à perfeição, penaltys nunca falhados mesmo quando a tensão era máxima, sprints endiabrados que deixava qualquer defesa de mãos na cabeça. Para Michel tudo servia. Tudo para maior glória. A sua.
Com a Juventus, por quem assinou em 1982 depois de se ter tornado na grande figura de um Mundial ganho, precisamente, por uma Itália repleto de jogadores da Vechia Signora, venceu tudo. Duas Serie A - com um intervalo pelo meio, cortesia do Hellas Verona de Preben Elkjaer Larsen - uma Copa di Italia, uma Taça das Taças (numa histórica final contra o FC Porto), 1 Taça Intercontinental (na sua noite mais brilhante, frente ao Argentinos Juniores), 1 Supertaça Europeia e a tão ansiada Taça dos Campeões. Nessa noite, no Heysel Park, os dois maiores artistas de ambos conjuntos, Platini e Dalglish, abraçaram-se. E perceberam para onde o futebol caminhava. Dois anos depois, ambos tinham, precocemente, pendurado as botas. Mas o francês tinha um curriculum invejável.
De 1983 a 1985 venceu de forma consecutiva três Ballon´s D´Or. O último em lográ-lo. E se muitos acusavam a publicação gaulesa France Football de chauvinismo, esquecendo-se de que eram os correspondentes nacionais que votavam,e não os jornalistas franceses, basta olhar para esses três anos e pensar no que se passava no panorama europeu de futebol. Principalmente naquele ano de 1984 em que Platini fez com a França o que Maradona emularia, dois anos depois, com a Argentina. Vencer uma prova praticamente sozinho.
O seu Euro 84 foi demoniaco. Marcou em todos os jogos, desde o encontro inaugural com a Dinamarca até à final e àquele golo mal sofrido por Arconada. Foi o melhor marcador do torneio e emendou-se depois daquela deprimente meia-final com a RF Alemanha no Bernabéu, dois anos antes. Alemanha que seria a sua carrasca dois anos depois em México. Três dias antes Platini falhara o primeiro penalty da sua carreira. Mas a França seguia em frente. Durante os 90 minutos o seu golo, frente ao Brasil romântico de Sócrates e companhia, tinha sofrido o seu último golo internacional. Ele que em 1978 se tinha estreada a marcar pela França frente à futura campeã, a Argentina. Era a época do Nancy, o seu primeiro grande amor. Depois chegou o Saint-Ettiene e a consagração gaulesa. Seis anos como simbolo máximo da Ligue 1 antes de aterrar no Calcio das estrelas. Em 1987, vendo como chegava o AC Milan de Sacchi e como brilhava o Napoli de Maradona, a Roma de Voeller e o Inter de Mathaus, o pequeno génio entendeu que já não podia esconder um fisico que não lhe permitia exibir-se ao mais alto nivel. E retirou-se, com uma simplicidade assombrosa, num jogo de estrelas frente ao seu grande rival individual da época, o inimitável Maradona.
Durante seis anos Michel Platini foi um jogador inigualável nos palcos europeus. A imprensa mediática nunca lhe deu a devida importância talvez porque metade do tempo elogiava o talento de Maradona e a outra metade criticava o estilo da Juve de Trapatonni. Foi o mentor do futebol-champange e exprimiu o melhor do futebol de toque curto na era que terminou com o dominio do futebol directo do norte da Europa. Inigualável nos relvados, falhou como técnico e emendou a mão como directivo. Agora na UEFA, é igual a si próprio. A barriga continua lá, maior ainda. O génio que brotava com tamanha facilidade das suas botas provavelmente também. Tudo em Platini tem um suave toque de mestria. E de pura eternidade...
Fechou a carreira com uma bofetada de luva branca a todos os criticos que durante anos pediram a sua cabeça. Fartou-se do futebol depois de ter entendido que tinha atingido o ponto mais alto da sua carreira, um feito inigualável. Como ele próprio. Durante vinte anos, Aimee Jacquet foi, muito provavelmente, o mais genial treinador gaulês. Um génio eternamente incompreendido.
Poucos treinadores influenciaram tanto a história do futebol de uma nação como Aime Jacquet.
O técnico que marcou o destino da Ligue 1 durante a década de 80 renasceu, dez anos depois, para fechar um ciclo interminável de sofrimento para os gauleses. Primeiro técnico campeão do Mundo a despedir-se na noite da sua consagração, o seu sucesso foi relegado para um segundo plano. A imprensa, sua inimiga figadal durante décadas, preferiu destacar o talento individual da França multicultural quando já sabiam, como mais tarde se revelaria, que metade dos jogadores daquela deslumbrante selecção nem se falava. A França campeã do Mundo em 1998 completou uma saga pessoal de um homem que tinha sido sempre desprezado como um técnico provisório e que acabou por lograr o que os grandes mentores do passado tinham falhado.
No dia da final contra o Brasil, o destino da carreira do técnico ficou selado. Três golos sem resposta deram o titulo à França e marcaram um adeus depois de quatro anos de polémica como seleccionador nacional. Mas o seu passado de riff-raffes e disputas remontava a muitos anos antes, aos seus dias de jogador no histórico Saint-Ettiene. O Jacquet técnico sempre se pareceu ao Jacquet jogador. Como atleta foi um elemento nuclear na ascensão desportiva dos Les Verts. Chegou ao clube em 1960 com 19 anos, depois de quatro anos a dividir o seu dia a dia entre uma equipa amadora do seu bairro e o trabalho diário numa fábrica de metalúrgia. Dias dificeis na França do pós-guerra que moldou o forte caracter do homem que lideraria o clube de Saint-Ettiene a cinco titulos nacionais durante a década de 60, tornando-se na maior potência desportiva na era pós-Stade Reims. Quando os directivos do clube achavam que estava velho demais, Jacquet rejeitou a reforma antecipada prometida e rumou a Lyon, então um clube de terceira linha. Na capital do Ródano esteve três épocas e ajudou a moldar o conjunto que significaria o rejuvenescimento dos Les Gonnes. Em 1973 colocou final a uma carreira de quinze anos para começar, duas épocas depois, a sua carreira como técnico. Em Lyon precisamente.
Com Platini a liderar o renovado Saint-Ettiene, o trabalho de técnico de Jacquet no Lyon superou as expectativas dos directivos que o tinham apenas contratado até encontrar o homem certo. Em três anos o conjunto do massiço central gaulês voltou a lutar pelo titulo francês, apesar de não estar ao nível da elite gaulesa de então, liderada pelo Nancy, PSG e Saint-Ettiene. O sucesso de Aimé Jacquet foi tal que o Girondins Bordeaux o elegeu em 1980 para liderar o projecto do clube do Garonne liderado agora pelo milionário Claude Bez.
Em Bordeaux o técnico revolucionou o futebol francês. Com Giresse, Tigana, Girard e Lacombe o meio-campo dos girondinos marcou o patrão de excelência do futebol da selecção francesa, com a indispensável adicção de Michel Platini. O Bordeaux, a viver uma grave crise institucional, renasceu das cinzas. Venceu três ligas (84, 85 e 87), duas Taças de França e chegou a duas meias-finais da Taça dos Campeões Europeus, caindo aos pés da Juventus e do AC Milan. Quebrou finalmente o dominio do Saint-Ettiene e erigiu uma escola de bom gosto futebolistico que marcou uma geração. Nove anos depois da sua chegada, e depois de perder pelo segundo ano consecutivo o titulo para o Olympique Marseille de Bernard Tapie, o presidente do Bordeaux decidiu despedir Jacquet. O projecto desportivo tinha chegado ao fim e com ele o mandato do técnico que o impulsionara. Jacquet passou pelos bancos dos modestos Montepellier e Nancy antes de chegar a Clairefontaine. Surgiu primeiro como número dois do recém-nomeado seleccionador Gerard Houllier e depois da eliminação deste na fase de qualificação ao Mundial de 1994, foi eleito seleccionador interino.
A partir de 1994 o mandato de Jacquet começou uma profunda transformação no futebol de um país que sabia que quatro anos depois seria o centro do Mundo. O técnico preferiu abdicar do talento incontrolado de Eric Cantona e David Ginola, as grandes estrelas da época, e apostou numa geração de jovens promessas onde destacavam Zinedine Zidane, Youri Djorkaeff e Christoph Dugarry. No Euro 96 em Inglaterra surpreendeu os criticos com uma presença nas meias-finais quando todos davam os gauleses como presas fáceis dos rivais do Grupo B. A performance valeu-lhe a renovação do contrato e os primeiros ataques da imprensa que o acusavam de ser excessivamente cauteloso. Com Jacquet o eixo defensivo francês, o calcanhar de Aquiles histórico da equipa, começou a funcionar com a precisão de um relógio suiço. Barthez, Blanc, Thuram, Lizarazou e Desailly tornaram-se fixos. Vieira e Deschamps funcionavam no apoio e davam total liberdade a Petit, Djorkaeff e Zidane por detrás do solitário goleador. Um onze sem muitas alternativas (daí as precoces chamadas de Henry e Trezeguet em 98) e que funcionou mal nos amigáveis prévios ao torneio. Durante a prova Jacquet foi diariamente atacado pela imprensa gaulesa. No campo a equipa respondia com convição. No balneário a multiculturalidade tinha provocado a formação de guetos étnicos bem distantes.
O seleccionador sobreviveu às batalhas internas e externas e fez história. A França venceu todos os jogos desde o arranque com a África do Sul à vitória categórica sobre o Brasil. O conto de fadas de Kopa e Platini tinha agora com Zidane e companhia um final feliz. O homem que todos aprenderam a desvalorizar montou o onze que quebrou o enguiço. Depois ajeitou os óculos, olhou para o céu e bateu com a porta. Até hoje. Era um homem feliz então. Doze anos depois continua igual a si mesmo. Sabendo que o lugar no Olimpo será seu para sempre.
Em 1999 Lorenzo Sanz perdeu a cabeça e gastou uma fortuna nunca vista na jovem promessa francesa Nicolas Anelka. O dianteiro tinha impressionado ao serviço do primeiro Arsenal de Wenger e chegou a Madrid rodeado de pompa. Saiu pela porta pequena, com mil problemas no curriculum. Dez anos depois Florentino Perez repetiu a fórmula e o resultado final parece-se cada vez mais com o caso original. Benzema é, cada vez mais, um novo Anelka.
Segundo a doutrina "mourinhiana", Karim Benzema está morto.
O dianteiro leva um ano e largos meses em Madrid com o cartel de goleador. Sem que nunca ninguém se tenha apercebido do seu faro de golo. O jovem que despontou há cinco anos no Olympique Lyon esfumou-se e hoje é uma sombra de si mesmo. Contratado por cerca de 30 milhões por Florentino Perez, o homem das galáxias, o presidente que foi até à sua casa para o convencer a deixar o Ródano pelo Manzanares, Benzema não rendeu nem uma décima parte do seu investimento. No primeiro ano passou ao lado dos golos, apesar das oportunidades dadas por Manuel Pellegrini. Chegou o defeso e o aviso de José Mourinho. Ou o dianteiro gaulês, envolto também em vários escandalos (acidentes de automóvel, problemas de balneário por recusar-se a aprender espanhol, a não convocatória para o Mundial pelo caso Zayra), tinha de se aplicar a fundo para contar para Mou. Uma jogada arriscada porque, tal como Kaká e Cristiano Ronaldo, o francês era um dos meninos-bonitos do "Ser Superior" que controla Madrid com a palma da sua mão (imprensa desportiva incluida), e desafiar um dos homens do presidente era algo que tinha saído muito caro ao técnico chileno.
Mourinho puxou por ele e deu-lhe oportunidades. Titularidades, em detrimento do menos dotado mas mais eficaz Higuain, e minutos a sair do banco onde o jogo "se vê melhor", para o português. Nada. Benzema desaproveitou cada uma delas e na goleada ao Racing Santander foi estrondosamente assobiado pelas bancadas do Bernabeu. Mourinho avisou-o. Murcia podia ser a sua última oportunidade. Uma hora depois do arranque do jogo, Benzema foi rendido. Caras largas no banco, nenhum gesto de ambas as partes. O principio do fim está cada vez mais ao virar da esquina.
Há dez anos o cenário foi o mesmo. No lugar de Mourinho, o plácido Vicente del Bosque. O homem que nunca arranja problemas.
Há poucas semanas o actual seleccionador espanhol confessou que os piores momentos como técnico foram vividos com Anelka sob as suas ordens. Porque não foi nada fácil. O adolescente Anelka despontou no PSG e foi logo "raptado" por Arsene Wenger para o seu recém-criado Arsenal. Na Premier League o dianteiro explodiu e transformou-se num dos mais letais goleadores do futebol europeu. Com 20 anos era uma estrela cintilante e portava-se como tal. Lorenzo Sanz, presidente então da entidade merengue, não resistiu ao talento do francês, mesmo avisado do seu dificil caracter. E contratou-o por 23 milhões de libras, o recorde máximo à época.
Anelka chegou a uma equipa repleta de jovens espanhóis como Raul, Morientes, Guti, Michel Salgado que vinha de uma série de meses convulsos que terminaram com a nomeação do interino Del Bosque como técnico. A equipa teve um desempenho doméstico sofrivel frente ao Barcelona de Louis van Gaal mas foi escalando eliminatórias europeias até que se viu na iminência de disputar um posto na final com o eterno rival. Nesse jogo, contra o Barça, Anelka foi o que esperavam dele. Estelar. Decidiu o apuramento do Real Madrid para a final espanhola, frente ao Valencia, em Paris.
Entretanto o seu caracter tinha-o tornado já persona non grata no balneário para os jovens espanhóis e para os veteranos Hierro e Sanchis. Recusava-se a falar espanhol, faltava aos treinos com assiduidade e um dia, pura e simplesmente, recusou-se a treinador. Foi o culminar de uma série de braços-de-ferro entre equipa e jogador. Foi multado e suspenso por 45 dias e colocado de parte pela equipa técnica. No final do ano, o novo presidente....Florentino Perez, vendeu o jogador ao PSG por cifras similares à da compra e livrou-se de um problema. O dianteiro demorou quase uma década até encontrar um clube estável e agora no Chelsea é um homem novo. Terá Karim Benzema de esperar, também ele, uma década, para finalmente provar o que vale?
Karim Benzema tem todas as condições técnicas para brilhar. Mas psicologicamente é um desastre, o jogador que gosta de ser a estrela e que a equipa existe em função da sua presença no terreno de jogo. Como ele houve dezenas de casos no passado e continuarão a existir no futuro. Resta saber se o dianteiro emendará a postura até ao final do ano ou se a sua aventura madrileña acabará por ter o mesmo fim que o seu compatriota há uma década atrás.
O abelhudo micro da reporter da Sexta espanhola apanhou um avispado Cristiano Ronaldo farto das perguntas sobre a sua falta de pontaria. Chamou-lhe "la puta ansiedad". Um problema que a imprensa gosta de hiperbolizar ao extremo e que afecta, num momento ou outro, qualquer jogador que viva do golo. Uma crise goleadora que já deixou de afectar o português mas que grassa por meia Europa deixando vitimas ilustres pelo caminho...
David Villa fintou o problema da "ansiedade", reforçando a ideia de que ele, como qualquer goleador de top que se preza, vive com ela desde que tocou pela primeira vez na bola. E é a mais pura realidade. No mundo do futebol jogam 11 contra 11 mas só há dois modelos de jogadores com os focos constantemente em cima: o guardião e o goleador.
Uma relação intimamente ligada com a sua evidente productividade. Um médio centro pode perder bolas e compensar com recuperações. Os extremos podem baixar o volume de assistências e resolver o problema com golos. Os centrais podem falhar marcações mas emendar-se com cortes cirúrgicos. Os guarda-redes e os ponta-de-lanças. Não vivem com a opção. O guara-redes é o eterno bode espiatório das derrotas, o homem que raramente é alabado pelas suas defesas e que acaba facilmente crucificado pelos erros. E vive com isso, melhor ou pior. Já o avançado pode trabalhar para a equipa, e aliás, esse dianteiro corporativo ganhou popularidade nos últimos anos com os técnicos mais disciplinados, mas o adepto nunca o perdoará se passa por um daqueles periodos de seca angustiado, de pólvora molhada. De perda do instinto assassino que faz parte do seu ADN. Sem golos o avançado perde a chama. Ele perde a confiança, o técnico duvida, o público assobia e o defesa rival cresce. É uma equação de fácil resolução. Basta a bola entrar. Uma vez. Mas, primeiro que entre...
Cristiano Ronaldo viveu esse estigma no inicio do ano.
O Bota de Ouro 2007/2008 tardou vários meses - e milhões de remates disparatados depois - até encontrar-se com o golo. E agora é o Pichichi da Liga Espanhola (e o rei das assistências também) e o jogador mais em forma do campeonato do país vizinho. E no entanto, há poucas semanas, tinha de conviver com a "puta ansiedad". Um problema que a imprensa desportiva diária, na eterna busca pela sobrevivência/lucro, gosta de enfocar. Comparativas, estudos, análises, flashbacks. Tudo vale para despojar o dianteiro do seu orgulho até que a bola não rompe com a lógica e establece a tranquilidade do golo ao seu dono, o goleador.
Agora são outros os "ansiosos". Em Espanha, David Villa, tem de viver com o peso da sua chegada a um clube que arrancou a época de forma mais titubeante que se imaginava. Nem o goleador do ano passado, Leo Messi, nem David Villa parecem encontrados com o golo. O argentino está numa forma deficiente desde o Mundial. O espanhol, goleador do torneio e contratação mais cara do defeso estival, já marcou com a camisola blaugrana. Mas pouco, demasiado pouco. Contra o Valencia, a sua antiga equipa, tiveram de ser Iniesta e Puyol a salvar a honra do convento. Pela equipa espanhola, só de penalty, na Escócia, o dianteiro conseguiu marcar. Depois de dezenas de oportunidades clamorosas ao lado. O seu companheiro de selecção, a meias entre lesões e um clube em pleno estado comatoso, Fernando Torres, é outro caso se ânsia incontrolada. O seu treinador, Roy Hogdson, menos compreensivo que Guardiola ou Mourinho, já deu a receita ao desinspirado homem golo. Mas até a bola não entrar, as palavras servirão de pouco. E que dizer de Diego Milito, o Principe que Mourinho ergueu em San Siro e que agora vive à sombra do vazio. Não marca, não faz jogar, não ilusiona. Esfumou-se no espaço e no tempo. Edin Dzeko e Ivica Olic, promessas eslavas cumpridas da Bundesligas vivem também o seu divórcio com o "thor". Como os Gomis, Lisandro, Gervinho e companhia na Ligue 1. Ou o inefável Wayne Rooney, que há meio ano que não marca a não ser de penalty. A ansiedade é um virus internacional.
Como sempre as ondas vão e vêm e o mar segue igual. O goleador que não marca hoje inevitavelmente marcará amanhã. Se exceptuarmos os casos dos dianteiros pontuais, com um ano em alta, a maioria dos grandes avançados do futebol internacional vivem de altos e baixos. Épocas de grande productividade vão caminhando ao lado de épocas de longas secas goleadores. Mas é preciso vender, interessar o público, dividir para reinar. Falcao, Liedson e Cardozo deixaram de valer porque a bola deixou de entrar? Villa, Torres, Rooney, Milito e companhia já não fazem parte da elite? Ilusões vendidas em papel barato de baixo custo. O futebol vive a sua própria linguagem, e no campo não há espaço para a "puta ansiedade".