André Villas-Boas tem motivos para lamentar-se numa noite histórica para o FC Porto. Foi a quarta vitória europeia, a sétima conquista internacional do clube português. Mas foi também a exibição mais cinzenta, nervosa e calculista de toda a temporada. Pouco para uma equipa que deixou a Europa com mel na boca e que na grande noite desiludiu os que imaginavam uma equipa de tracção dianteira com fome de golos pronta a romper todos os recordes. O Braga não estava pela labor mas a verdade é que o justo vencedor da Europe League também não procurou esforçar-se em demasia. O titulo é mais do que justo mas, na ressaca da vitória, fica a ideia de uma final que teve mais de jogo da Liga Sagres do que a glória de uma noite europeia.
No final dos 90 minutos o delírio apoderou-se dos adeptos do FC Porto.
Mas foi um delírio contido de uma equipa que tem consciência de que a imagem dada não tinha sido a esperada. O técnico confirmou-o por palavras mas não era preciso. A falta de inspiração foi evidente.
Depois de uma campanha espantosa, com goleadas históricas e pouco habituais, o FC Porto mostrou-se em Dublin não como uma banda nova capaz de entusiasmar os fãs em concertos históricos. Foi antes um desses grupos de veteranos que sobe ao palco para tocar os greatest hits com pouca vontade e menos engenho. Ao contrário de Gelsenkirchen e Sevilla - nisto Viena foi um caso à parte - nunca houve essa sensação de superioridade que se podia esperar. Entre a comitiva azul e branca, adeptos incluidos, havia uma sensação de superioridade natural depois de um campeonato perfeito e um apuramento categórico para Dublin. Muitos imaginavam outro FC Porto alegre, vistoso, ofensivo e asfixiante no palco irlandês. Uma exibição para o mundo ver. Porque se muitos não viram como o campeão português desfez o Spartak ou o Villareal, muitos seriam os que acompanhariam com interesse a consagração dos homens de Villas-Boas.
No final, por mérito do Braga também, ficou uma imagem pálida de uma equipa que rematou uma vez à baliza. Bastou-lhe para vencer o troféu, mérito de Falcao, mas não para convencer os amantes do futebol de ataque que o jovem técnico tão bem soube explorar durante o ano. Villas-Boas estava nervoso. Os jogadores mais. Normal numa grande final. Caíram na teia táctica montada pelo Braga, que preferiu não deixar jogar a encarar o rival e assim tornou o jogo mais monótono e contido. O golpe de Falcao evitou uma mudança profunda ao intervalo que certamente já deveria andar pela cabeça do técnico. Poupou o risco que o FC Porto nunca teve no segundo tempo. Quando entrou Belluschi, foi para o lugar de Guarin, o melhor de um miolo sem espaço para pensar. Quando lançou James foi para render Varela, apagadíssimo, mas o jovem colombiano foi incapaz de acelerar com critério e dar mais largura ao terreno de jogo.
Villas-Boas perdeu o jogo táctico mas ganhou o duelo no terreno de jogo.
Não soube como responder ao previsível planteamento recuado de Domingos, reforçando o seu jogo a meio-campo desde o inicio (a equipa azul e branca esteve em constante inferioridade numérica) onde lhe faltou sempre um homem. Onde sobrava um inconsequente Varela fazia falta um Belluschi ou Micael com critério. Fiel ao seu ideário táctico o portuense esperou por um golpe de génio dos seus jogadores, a classe que os homens do Braga não tinham. Sabia à partida que sofrer um golo era difícil e que marcar tornar-se-ia mais provável à medida que o tempo fosse discorrendo. Mas sofreu na espera e sem corrigir o posicionamento no terreno de jogo. Hulk nunca soube aproveitar o pouco espaço que teve e perdeu-se, demasiadas vezes, em lances individuais. Abdicou de lances de bola parada estudados por remates sem sentido e foi o espelho da falta de alegria e classe desde FC Porto campeão comparado com a equipa que chegou até à final.
Mas no meio de todo este cinzentismo - e o FC Porto sabia-se superior e jogava com isso, sem procurar nunca o risco - o Braga nunca soube reagir à altura e deixou os azuis e brancos ainda mais cómodos. Villas-Boas foi mais Mourinho e menos Robson do que nunca e com a entrada do médio argentino deu um claro sinal de estar satisfeito com o rumo do jogo. Um segundo golo não era, nem ia ser, uma prioridade.
Depois do susto de Mossóro, com um Helton imenso (na sua melhor época em Portugal), o Braga demonstrou que o quarteto defensivo do Porto (especialmente Otamendi e Sapunaru, os mais desastrados) joga mal sob pressão. Mas os poucos erros individuais não tiveram continuidade e sempre que a bola chegava a Moutinho ou Fernando o jogo adormecia outra vez. Os médios do FC Porto nunca procuraram as diagonais a rasgar, a velocidade dos flancos e contribuíram, e muito, no afunilar do jogo ofensivo. A certa altura dava quase a sensação de haver um pacto de não-agressão entre todos, evidenciado várias vezes pela atitude de Helton, aplaudindo os rivais efusivamente. Ao clube do Porto não interessou nunca procurar uma vitória expressiva, o Braga nunca lhe deu demasiados espaços mesmo quando perdia e o golo de Falcao poupou a Villas-Boas exercer mais como táctico e menos como psicólogo.
No final, a sua desilusão, é algo que só pode atribuir a si mesmo e aos seus homens. Pouco incomodados é certo, para eles - e para muitos adeptos - as finais são só para ganhar. Mas depois de ter surpreendido os adeptos neutrais e ter ganho uma considerável legião de adeptos fora de Portugal (como sucedeu com o Dortmund alemão), fica a sensação de que vencer era quase um trâmite e era a imagem de uma equipa descomplexada e atacante que o clube deveria ter procurado dar. Optou pelo cinismo calculista de quem se contenta com a glória do sucesso e talvez com razão. Mas ninguém dúvida também que o clube do Dragão perdeu uma oportunidade de ouro para deixar ainda mais vincada a sua marca no seu impressionante historial europeu.
Em Dublin o Sporting de Braga apresentou a sua cara mais cinzenta. Foi uma equipa sem recursos e incapaz de dar a volta a um FC Porto muito nervoso e sem a solvência habitual. Domingos Paciência tentou vencer o jogo no tabuleiro de xadrez com Villas-Boas mas o golo de Falcao obrigou a sua equipa a fazer o que pior sabe e em 90 minutos o Braga nunca deu a sensação de poder ir mais longe. Uma carreira europeia com um mérito colectivo tremendo que terminou com a exibição mais pequena do ano.
Será fácil num futuro próximo catalogar esta final da Europe League como uma das mais pobres dos últimos tempos.
Faltou-lhe, quiçá, a emoção do prolongamento a que o Fulham obrigou o Atletico de Madrid na época passada ou a solvência das vitórias de Zenith St. Petersburg, Shaktar Donetsk ou Sevilla nas edições anteriores. Para muito contribuiu a postura do Braga.
O conjunto minhoto sabe quais são as suas limitações. No passado sábado não teve pulmão e know-how para dar a volta a um Sporting que foi tudo, menos entusiasmante. Ontem voltou a defrontar-se com os seus próprios fantasmas.
Uma equipa perfeita na organização defensiva (só cometeu um erro, mas para Falcao isso é suficiente) mas que depois tem muitas dificuldades no processo criativo. Domingos Paciência tentou prolongar ao máximo o marcador a zero, deixar os jogadores mais nervosos do que já estavam e tentar aproveitar um lance fortuito para ganhar. Não quis dar espectáculo, quis ser efectivo. Essa é a sua imagem de marca mas essa é também a realidade do seu plantel, especialmente depois da perda de Matheus, o único talento individual que podia ter destroçado a defesa azul e branca só com o movimento de corpo. Foi uma postura extremamente eficaz e para a qual André Villas-Boas nunca teve resposta. Guarin, Fernando e Moutinho estavam cercados por um quarteto asfixiante (Vandinho, Custódio, Viana e Lima) e a bola nunca chegava com regularidade ao tridente da frente. Silvio forçou Hulk a jogar sem os espaços que tanto gosta de explorar e do outro lado do terreno Varela nunca soube ganhar os duelos a Miguel Garcia. Um posicionamento táctico perfeito que deixou de funcionar ao minuto 44. Falcao fugiu a Rodriguez, olhou para Guarin e pediu a bola. A conexão colombiana destroçou com três toques toda a estratégia bracarense e Domingos percebeu então que a vitória seria quase impossível.
Mesmo a perder o técnico nunca arriscou muito, faz parte do seu carácter.
A lesão do central peruano, que deu lugar a Kaká, também não lhe deu a margem de manobra necessária. Mossoró, outro que entrou ao intervalo, teve a única oportunidade clara do Braga em todo o jogo mas os nervos encolheram a baliza e agigantaram Helton. A final acabou aí, depois veio a agonia de 40 minutos soporíferos. O Braga procurou mais a baliza do Porto mas sem critério, sem calma e sem uma única jogada com pés e cabeça. Nem nas bolas paradas, e foram várias, conseguiu ser eficaz. Cantos mal marcados, lançamentos laterais mal calculados, livres desperdiçados e Domingos desesperado. Na inoperância do tridente ofensivo preferiu abdicar de Lima em vez de Paulo César, sem ritmo de jogo. Errou e Meyong não trouxe nada de novo ao jogo do Braga. A equipa continuou a defender bem e a não dar espaços ao rival, mas ao mesmo tempo acabou por adormecer o jogo. Precisamente o que pretendia o rival.
No final dos 90 minutos o Braga pode queixar-se de uma expulsão perdoada a Sapunaru - por segundo amarelo - mas também pode olhar para o jogo bastante duro dos seus defesas (Paulão, Silvio e até Hugo Viana, substituído ao intervalo mais pelo cartão do que pelo seu papel no terreno de jogo) e perceber que o árbitro espanhol podia ter sido mais exigente nos critérios de penalização. Mas, acima de tudo, tem de queixar-se de si mesmo e das incapacidades que revelou durante todo o jogo. Se é verdade que em toda a campanha europeia na Europe League - precisamente depois do adeus de Matheus - o Braga só marcou 2 golos num jogo, também é verdade que em nenhum dos restantes encontros deu tanto a sensação de ser incapaz de incomodar minimamente o rival. Foi um jogo de equipa pequena, pelo menos no panorama europeu, que também não deve surpreender porque as limitações financeiras estão à vista de todos. Sem o técnico, Arthur, Vandinho, Silvio, Rodriguez e algum mais, o próximo ano revelar-se-á um verdadeiro desafio para António Salvador e Leonardo Jardim, o previsível herdeiro de Domingos Paciência. O que os adeptos do clube minhoto não se podem esquecer, apesar da fraca imagem deixada em Dublin, é que a campanha europeia foi, por si só, um pequeno grande milagre, talvez irrepetível, pelo menos nestas condições financeiras e desportivas.
Numa final que foi, pela primeira vez na história, 100% portuguesa, o Sporting de Braga ajudou a contribuir para um jogo muito ao estilo de Liga Sagres. Sem emoção, sem golpes directos, sem um ritmo intenso e com muito calculismo táctico à mistura. Espelho do futebol português actual, o Braga representa essa madurez táctica que começa a chegar aos clubes portugueses mas também esse cinismo que retira a componente espectáculo ao futebol luso. No final o conjunto bracarense tem de sair de cabeça erguida. A eles não se podia pedir mais.
A conexão colombiana voltou a funcionar e serviu para o FC Porto vencer, com serviços mínimos e muitos nervos á mistura, a sua segunda Europe League. Num jogo mais disputado do que emotivo, os azuis e brancos marcaram numa das poucas ocasiões criadas e depois geriram o resultado frente a um Braga combativo mas sem ideias. Numa final muito morna, os dragões entraram para a elite das poucas equipas europeias com quatro vitórias nas provas europeias.
Um remate á baliza em oito ocasiões dizem muito de como o FC Porto esteve longe da imagem que deixou ao longo do ano.
A equipa com instinto assassino que fez uma campanha imaculada - e que asfixiou os rivais na prova nacional - mostrou o seu lado mais inofensivo e nervoso numa final em que o Braga nunca soube aproveitar o futebol macio e pouco esclarecido dos azuis e brancos. Até ao remate de Falcao, ao minuto 44, não tinha existido nenhuma ocasião de perigo em ambas as balizas. O Braga lutava muito - e bem - mas depois, com a bola nos pés, não sabia como coordenar os movimentos ofensivos e rapidamente perdia a possessão. O Porto, que tinha mais posse de bola, não sabia o que fazer com ela quando se encontrava com uma muralha defensiva de 4+1 (um excelente Vandinho) que não dava margem de manobra ao jogo em velocidade de Hulk e Varela. O avançado Falcao asfixiava-se no miolo sem poder conectar com Guarin e o jogo adormecia a cada minuto que passava.
Era esse o plano de Domingos, especializado em adormecer o rival e aproveitar as poucas ocasiões que a sua equipa habitualmente dispõe. E parecia estar a funcionar, plenamente, quando surgiu Guarin, com um recorte sublime e um centro milimétrico que entrou o avançado mais em forma do futebol mundial. A conexão colombiana funcionou em conjunto no momento certo. E deu o único ar de classe a um jogo que esteve longe dos pergaminhos de uma final europeia.
Com a necessidade de arriscar o Braga não se sente cómodo mas curiosamente foi Mossoró,ao minuto 46, que teve a única oportunidade de golo do segundo tempo. Falhou, clamorosamente, e deixou a nu todas as debilidades ofensivas de uma equipa construida detrás para a frente de tal forma que a qualidade do quarteto defensivo está ainda a anos-luz da qualidade do seu tridente da frente.
O Braga tentou tudo mas com uma ineficácia assustadora. O Porto preferiu não arriscar, não acelerar, sentindo-se cómodo com a curta vantagem que tinha. Só Bellushi, que entrou de forma surpreendente para o lugar de Guarin, o melhor do Porto até então, rematou á baliza. Os demais perderam a dose de pragmatismo que deu bom nome á equipa em toda a Europa e perdeu-se em lances individuais que podiam ter tido piores consequências não fosse a inoperância atacante do Braga.No único momento em que os bracarenses podiam ter dado um passo em frente no jogo, o árbitro Velasco Carballo, autor de uma arbitragem também longe do nível máximo europeu, errou ao não expulsarSapunaru. Poderia ter oferecido um jogo diferente. Acabou por nem sequer espicaçar o orgulho dos arsenalistas. Domingos não tinha margem de manobra no banco. André Villas-Boas, suplantado tacticamente na primeira parte, preferiu não gastar todas as armas que tinha no banco. Foi tão pragmático como os jogadores e no final conseguiu o objectivo. É o mais novo treinador a vencer uma prova europeia. Está muito perto de emular a histórica tripla de Mourinho. E mostrou, talvez pela primeira vez neste ano, que também sabe ganhar sem dar espectáculo com um futebol mais cínico e calculista. Um futebol que dá, de qualquer forma, títulos. O FC Portonão esteve ao seu nivel da época 2010/11 nem sequer ao nível das três anteriores finais que ganhou. Mas não precisou de mais face a um rival que, depois de uma temporada absolutamente fantástico, se viu sem recursos para ferir um rival mais débil do que nunca.
O FC Porto foi um merecido vencedor da Europe League 2010/11 mais pela grande épcoa europeia que realizou do que, propriamente, pela qualidade do jogo exibido durante a final. Para o próximo ano está no lote de candidatos a surpreender na Champions League mas Villas Boas sabe, melhor do que ninguém, que a equipa tem de dar ainda muitos aspectos a melhorar. Em Bragaa festa é justa e merecida. Uma noite histórica que possivelmente nunca mais se volte a repetir mas que, pelo menos, avala um excelente projecto desportivo que ainda pode dar mais de si. Numa festa absolutamente portuguesa não houve a emoção das grandes finais europeias mas no final para vencedores e vencidos isso acabou por importar pouco. Assim é, também, o futebol!
Michel Platini instaurou um novo modelo de distribuição de finais europeias e Dublin foi uma das primeiras cidades satélite beneficiadas pela politica da UEFA de levar os grandes eventos a estádios de elite fora do circulo habitual de anfiteatros escolhidos. A capital irlandesa tem pouquíssima tradição futebolística e isso nota-se no ambiente. No relvado do Aviva Stadium estão as memórias passadas do mitico Lansdowne Road e os versos soltos perdidos de uma harpa que se ouve lá ao longe...
Apesar do relativo sucesso recente do futebol irlandês, que atingiu o seu pico entre 1988 e 2002, se há um país das ilhas britânicas onde o beautiful game continua a perder, claramente, para o rugby, é a Irlanda. Nenhum clube irlandês de futebol tem, sequer, a mínima tradição na competição. Ao contrário da Escócia, com um papel fundamental na definição do jogo, ou até mesmo o Pais de Gales, sempre pronto a recorrer ao velho estilo britânico em pleno século XXI, os irlandeses preferem o estoicismo do desporto que durante tantos anos partilhou tudo, menos o nome, com o futebol. Não é por acaso, aliás, que o clube com mais adeptos na ilha seja...o Celtic de Glasgow, primeiro conjunto derrotado pelo Braga na sua campanha deste ano. E clube derrotado, igualmente, pelo FC Porto na sua primeira final da Taça UEFA. Ironias do destino.
Talvez por isso não se viva um ambiente puramente futebolístico à volta do duelo derradeiro do torneio. Michel Platini, na sua guerra aos colossos do jogo, está determinado em levar as grandes finais europeias a países periféricos e sem grande tradição neste tipo de eventos. Foi assim com a Turquia, por exemplo, e volta a sê-lo com os irlandeses, país que nunca teve um clube numa eliminatória dos oitavos de final de qualquer prova europeia. No entanto o Aviva Stadium, construído por cima das cinzas do mítico Lansdowne Road, é um estádio de elite, cinco estrelas, construído para o competitivo mundo do rugby. Mas com o certificado de qualidade da UEFA. Aliás, a final disputa-se no terreno do Wanderers FC muito por culpa do estádio do Wembley. Tudo porque o rival do Aviva na disputa pela final da Europe League era o londrino Emirates Stadium. Quando a UEFA decidiu que o estádio de maior nomeada do futebol internacional, reconstruído de raiz, acolhesse a sua primeira final europeia, o recinto do Arsenal ficou automaticamente excluído por estar igualmente na capital inglesa. Sem rival, Dublin ficou com a festa.
52 mil lugares, um design inovador e distribuído de forma desigual – o que pode supor alguns problemas logísticos curiosos – o Aviva Stadium é detido pela federação de rugby irlandesa que compartilha o recinto com a selecção de futebol do país. Um modesto clube, o Wanderers, joga ocasionalmente os seus jogos mais significativos no estádio, mas são os duelos dos clubes mais importantes de rugby do país – bem como os confrontos do torneio das VI Nações – que dão colorido às bancadas. Com apenas um ano de vida, é um recinto sem história e magia particular, sem lembranças que envolvem os adeptos na mística do momento. Filho da politica de renovação de estádios, transformados em centros comerciais desportivos, com naming garantido para os próximos dez anos, é um estádio que não permite evocar o passado. Só a imagem da linha de comboio próximo transforma a memória e devolve, nem que por momentos, à vida, o primeiro grande ícone desportivo do desporto irlandês. Em Lansdowne Road os irlandeses viveram as suas noites mais intensas, mais apaixonantes e mais imprevisíveis.
Mais de 100 anos de duelos contra os rivais ingleses escondem muitas histórias, desde a marcha solidária de um grupo de jogadores do clube de rugby local com o exército dos Aliados durante a 1 Guerra Mundial às celebrações durante um Irlanda-Inglaterra transformadas em batalha campal dias depois do anuncio do desarmamento do IRA. Pequenos retalhos que definem a memória de um tapete tão verde com as terras da árida Irlanda e que os adeptos portugueses poderão relembrar na tensão dos momentos decisivos da primeira final da Europe League da nova década.
Em Dublin acabará por escrever-se, a ouro, mais uma página histórica do futebol português. Um estádio que relembra outras noites, as noites em que a selecção portuguesa superava os seus fantasmas e transformava-se numa potência europeia por direito próprio. Seja o Braga, seja o FC Porto, a festa será portuguesa, com certeza. Mas não faltará uma harpa, uma Guinness e um delírio de Samuel Beckett perdido no ar, perdido entre a eterna melancolia da bola que está prestes a entrar e que se suspende, no ar, até ao fim dos dias...
As equipas conhecem-se à perfeição e repetem em Dublin os duelos mais equilibrados que viveu a Liga Sagres na época que agora chega ao fim. Domingos e Villas-Boas nutrem uma longa admiração mútua. E sabem perfeitamente como passar-se a perna. Talvez por isso o duelo de hoje no Aviva Stadium seja muito mais equilibrado do que o cartel pode deixar antever.
Poucas vezes teve de suar tanto o FC Porto de Villas-Boas como nos duelos contra o Braga durante esta temporada.
O triunfo na cidade dos arcebispos deu o mote para o sprint rápido rumo ao titulo, antes que a época se tornasse numa longa maratona. A vitória no jogo do Dragão cimentou uma liderança intocável desde o primeiro dia. Mas os resultados em ambos os jogos enganam. Foram duelos muito mais tensos, equilibrados e disputados que pode parecer à primeira vista. Sem uma chispa de superioridade clara, os campeões nacionais sabem que vão encontrar uma equipa que se organiza como ninguém e que deixa poucos espaços para os matadores azuis e brancos. Mais do que nunca a luta a meio-campo vai determinar o rumo do encontro mas é nos espaços que se vai decidir a final. Nos poucos que deixe o Braga e que aproveite o FC Porto e nos muitos que os bracarenses encontrarão entre a linha de meio campo e a baliza de Helton.
Defesa adiantada, armadilha preparada
Villas-Boas já deixou claro que jogará como sempre e isso significa arriscar.
Especialmente com uma equipa que se desdobra com rapidez e precisão cirúrgica quando tem relva para correr. A adiantada defesa de quatro já deixou mais do que um arrepio nos duelos com Sevilla e Villareal, as equipas que melhor souberam aproveitar o adiantamento do quarteto defensivo azul e branco. Mas essa defesa adiantada é, de certa forma, um risco em formato de armadilha. Villas-Boas é um técnico que prefere jogar com a bola do que explorar os espaços. Mas também tem consciência que equipas bem organizadas no seu meio-campo, como é o caso do Braga de Domingos, precisam de um incentivo para abrir brechas na muralha. Ao adiantar o quarteto defensivo o FC Porto não ganha só em pressão alta e bolas recuperadas. Como o canto da sereia, atraia os lançamentos do rival e procura descolocar as suas peças chave no miolo para depois explorar esse posicionamento ofensivo. Foi assim que começaram as vitórias contra Sevilla e Villareal e foi dessa forma que as duas equipas russas foram massacradas pelo ataque liderado por Falcao e Hulk. O brasileiro é perito em explorar esse espaço mas é o colombiano quem melhor entende esta espécie de maré defensiva, penetrando nas brechas rivais quando menos se espera. Se o Braga opta por uma defesa zonal, como é o mais provável, Falcao terá certamente mais de uma possibilidade de apanhar a defesa em contra-pé e fazer o que sabe melhor. Mas os seus golos começam onde o trabalho defensivo acaba. Rolando, Otamendi, Sapunaru e Alvaro Pereira são os principais artífices do ataque porque, como a defesa de Sacchi no AC Milan, determinam o acordeão ofensivo do FC Porto.
Jogo de xadrez
O Aviva Stadium não viverá um desses jogos que tanto apaixona os adeptos britânicos de contragolpes.
Será, sobretudo, um jogo pausado, com um ritmo próprio, o que dicte quem tem a bola. E prevê-se que será o FC Porto. Moutinho e Guarin pautaram as velocidades a que se dispute o encontro e obrigarão Mossoró e Hugo Viana a correr, mais do que a pensar o jogo de ataque do Braga. É nesse carrossel, nesse jogo de circulação, que se começará a decidir o ritmo do encontro. Varela e Hulk terão, como principal missão, abrir ao máximo a largura do campo, emulando os princípios de jogo do Barcelona de Guardiola. Não só conseguem tapar o jogo lateral do Braga, sempre perigoso nas subidas de Silvio e Miguel Garcia, mas também forçarão a defesa de quatro do Braga (que será sempre de 4+1, porque se espera um Vandinho muito recuado) a abrir-se e deixar espaços para as diagonais de Falcao. Ter a bola no pé permitirá ao FC Porto explorar as suas armas sem deixar a sua baliza demasiado exposta. Ter a bola, para o Braga, significará, sobretudo, poder respirar. Uma necessidade que certamente Domingos passará aos seus jogadores. Explorar os contra-golpes mas, sobretudo, adormecer o jogo, respirar e não correr riscos desnecessários. Afinal o Braga chegou a Dublin sem nunca marcar mais de um golo por jogo desde o duelo com o Lech Poznan. Por isso não sofrer será sempre a primeira prioridade dos minhotos que sabem que têm pela frente a dupla de ataque mais eficaz do futebol europeu.
Em última análise o jogo poderá ser decidido no banco de suplentes. Se houve algo que André Villas-Boas já demonstrou é a sua capacidade de mudar radicalmente um jogo pelos seus ajustes da linha de fundo. O Braga, fruto da natureza épica da sua campanha, não tem as mesmas armas e Domingos Paciência tem poucas possibilidades de acrescentar mais ao que coloque em campo desde o inicio. Mas num duelo tão equilibrado como o que se prevê, as substituições funcionarão mais na dimensão colectiva (pela reorganização táctica na terreno) do que propriamente pelos desequilíbrios individuais que possam deixar a sua marca no marcador. Mas uma final é, inevitavelmente, uma final e todos os detalhes serão fundamentais.
O FC Porto tem, na última década, tantas finais europeias como qualquer outro. Como AC Milan, Liverpool, Barcelona e Manchester United. José Maria Pedroto talvez nunca o tivesse imaginado mas os seus dragões já são, há muito, parte da elite europeia. Dublin não é novidade. É a confirmação de um estatuto que há dez anos atrás era uma utopia.
Quando o FC Porto terminou uma longa seca de 19 anos sem títulos o jovem André Villas-Boas tinha acabado de nascer.
Ele simboliza, nos seus flamantes 33 anos, o domínio avassalador que o FC Porto impôs ao futebol português durante essas três décadas. E é também o rosto ideal para confirmar o estatuto de grande da Europa que começa a ser uma profunda inevitabilidade. Apesar de continuar a ser um clube vendedor, um clube com um passivo considerável e um clube incapaz que produzir, da sua formação, uma geração que suceda à anterior, este clube é uma referência na classe média alta das ligas europeias. Num país periférico, sem expressão na elite do futebol, os azuis e brancos são um oásis que gregos, holandeses, escoceses, belgas, ucranianos, russos, turcos e até mesmo franceses não conseguem criar. Em dez anos Dublin será a terceira final europeia do FC Porto, a quinta da sua história em 26 temporadas. Uma média só ao alcance dos grandes mitos do futebol mundial.
Triunfar em Dublin já não tem a mesma magia de Sevilla. Naquela tarde noite de asfixiante calor os azuis e brancos eram rookies, lembrando-se apenas os mais velhos da glória de Viena. O triunfo de Mourinho abriu uma nova era. Desde então, só por duas vezes os dragões falharam os Oitavos de Final da Champions League. Esta foi uma delas. E terminou em final europeia. Agora do FC Porto espera-se tudo, o favoritismo caminhou do seu lado durante todo o torneio. Na pré-eliminatória, na confortável fase de grupos e nos jogos a eliminar. Nunca o FC Porto deixou de ser o grande candidato e isso explica, em parte, a maturidade competitiva que alcançou o clube. Num ano financeiramente complicado, e com o fantasma do titulo do Benfica presente, os azuis e brancos assinaram a sua época mais completa. E na Europa ditaram lei. Por isso sentem, com legitimidade, que Dublin é só um trâmite mais. Mas enganam-se. Não só porque sabem bem – afinal não foi assim há tanto tempo – o que é chegar a uma final europeia sem o estatuto de favorito. Também devem entender que uma vitória significa, sobretudo, lograr um objectivo moral importante: o respeito do futebol europeu.
Quando arranque a próxima Champions League o FC Porto será cabeça-de-serie.
É algo que não logrou em 2004, quando vinha de triunfar em Sevilla. Espelho dos pontos acumulados nos últimos anos nas provas europeias mas também do pedigree desta equipa. Os dragões preferiram investir em lugar de vender para recuperar a hegemonia interna (o que lograram facilmente e com um registo histórico) e de surpresa encontraram-se com a cereja no topo do bolo. Falcao, Hulk, Moutinho, Varela, Guarin, Helton e companhia mostraram o seu melhor rosto nas noites europeias e a filosofia de ataque de Villas-Boas tornou os azuis e brancos no ex-líbris da prova. A equipa que todos queriam evitar. E que chegou, previsivelmente, aonde todos queriam chegar. Sem atalhos.
Se em 2003 já se antecipava uma possível final 100% portuguesa, que afinal não acabou por ser, agora os portuenses encontram-se com o seu destino. Pode enganar o rival – e os benfiquistas sabem isso melhor que ninguém – e o adepto mais distraído pode pensar que se trata de um jogo nacional sem grande importância. Longe disso, será um duelo ainda mais difícil porque supõe estar num patamar a que os dragões são novos: a elite dos favoritos. Ninguém espera um cenário distinto à vitória dos homens de Villas-Boas e esse será o seu duelo. Jogar contra si mesmos, contra a displicência que já condenou tantas equipas grandes no passado. Ao FC Porto exige-se, nada mais e nada menos, que uma superioridade que esteja de acordo com os registos logrados em toda a temporada nas três competições onde chegou até ao fim. Chegados a esse ponto, os portistas encontram-se com os níveis de exigência que estão habituados a ver reflectidos nos rivais. Talvez por isso Dublin, menos mediática que Sevilla e menos pomposa que Gelsenkirchen, seja a final mais importante do clube. Porque supõe, definitivamente, olhar a Europa de olhos nos olhos e ser recebido com honras nesse clube exclusivo europeu.
Numa prova por onde andaram os recém-consagrados campeões de Alemanha, Holanda, Rússia, Escócia e alguns dos clubes já com bilhete marcado para a prova dos milhões da próxima temporada, é um erro pensar que uma final 100% portuguesa transforma a competição numa vitória menor. Para o FC Porto, pelo menos, é uma oportunidade única de dar um salto institucional significativo. De lograr o dobro dos títulos europeus conseguidos pelo maior rival interno. De atingir números que superam os registos de Real Madrid, Inter, Chelsea, Arsenal, Bayern Munchen ou Ajax na última década futebolística. De ultrapassar, definitivamente, esse medo antigo. Se com Pedroto era a ponte D. Maria, com o FC Porto moderno era o aeroporto Sá Carneiro. Hoje por hoje, o medo é uma palavra que deixou de ter sentido. Até porque se os homens do “Zé do Boné” mataram a fome de títulos domésticos contra o Braga, os legionários de Villas-Boas querem dar esse passo rumo à glória continental contra os guerreiros bracarenses. A história, inevitavelmente, sempre se repete.
Guerreiros. Sem dúvida. A campanha europeia do histórico Sporting de Braga de Domingos Paciência foi certamente uma pequena guerra para os minhotos. Uma longa guerra que arrancou no Verão, com a suspeita de muitos, e que termina agora em Dublin onde 194 equipas queriam chegar. E nenhuma deles mereceu tanto o bilhete para terras irlandeses do que uma equipa que desafiou todas as probabilidades e no final saiu com as fichas no bolso.
Não se trata apenas da primeira final europeia de um clube pequeno como é, realmente, o Sporting de Braga.
Até na liga portuguesa, bem longe dos potentados europeus, o conjunto arsenalista era uma equipa pequena até há uma década atrás. Vivia na sombra da ascensão do seu vizinho mais próximo, o Vitória de Guimarães liderado por Pimenta Machado, e as aspirações dos adeptos locais passavam apenas por uma época sem muitos altos e baixos. Com a chegada de Manuel Cajuda, a princípios da década passada, o Braga começou o seu percurso. Depois passaram Jesualdo Ferreira, Jorge Costa e Jorge Jesus, dois técnicos que se sagrariam campeões nacionais à posteriori e um que deixou de lado uma carreira promissora. O projecto era desportivamente estável e economicamente viável. Mas, ainda assim, pequeno. Até mesmo para Portugal. Só que havia algo na pedreira bracarense que começava a mudar. Sem rivais no meio da tabela à altura, com a queda do Boavista e as habituais crises existenciais de Vitória de Guimarães e dos clubes madeirenses, o Braga foi delimitando o seu espaço. E com Domingos Pacicência começou a escrever a história.
Não terá sido mais importante o golo de Miguel Garcia do que aquele que apontou Paulo César na pré-eliminatória diante do Celtic de Glasgow. Naquele quente dia de Agosto o Braga ainda não era ninguém. Um mês depois, esmagado o poderoso Sevilla, os bracarenses eram já a equipa de moda na Europa. Foi um ano complicado e cheio de obstáculos difíceis pela frente. Celtic, Sevilla, Arsenal, Shaktar Donetsk, Partizan, Lech Poznan, Liverpool, Dynamo Kiev, Benfica...dez equipas de nível, três campeões nacionais, equipas de top das principais ligas, históricos do futebol, lembranças da Champions League. A nenhum lhes valeu os pergaminhos passados. No presente a onda de euforia de Braga podia mais. Muito mais.
Em 2003 o Boavista esteve perto de selar o seu destino com o apuramento para a final de Sevilla onde estava, também, o FC Porto. Falhou.
Na altura percebeu-se o quão difícil era a um clube português, pequeno ou grande, chegar a uma final europeia. Afinal foram três presenças na última década, uma na década de 90, quatro na de oitenta, nenhuma na de setenta e seis na de sessenta. 14 finais com sabor português. E sempre com os chamados “grandes”. O Braga rompe uma lança a favor dos outros, dos que também podem.
Sem estrelas, com essa discrição financeira que obrigou a deixar partir jogadores determinantes como Matheus em Janeiro, e com um caminho complicado, o mérito do Braga é tremendo. Mais do que um 4-3-3 ou um 4-5-1, mais do que a capacidade de Vandinho de ocupar espaços. Do pulmão de Leandro Salino. Das correrias de Silvio e Miguel Garcia. Dos golos de Meyong ou Lima. Do olhar cerebral de Hugo Viana ou da fantasia de Mossoró. Das defesas acrobáticas de Arthur ou dos cortes de última hora de Rodriguez ou Paulão. Mais do que tudo isso, o fenómeno do Braga é mais social do que desportivo. Mais moral do que táctico. Mais humano do que puramente futebolístico. É o grito de guerra de uma pequena urbe, de um clube modesto num espaço que se supõe que é exclusivo dos grandes. Grandes em nome, grandes em dinheiro. Mas também grandes em coração.
Há dez anos atrás, precisamente, a final da UEFA, como ainda se chamava, viveu uma noite louca entre um histórico como o Liverpool e um modesto como Deportivo Alavés. O Braga não vive no extremos dos vitorianos, um breve mas cintilante cometa do futebol espanhol, mas sabem bem o que é ter a desconfiança do mundo em cima de si. Desde então, todas as finais foram disputadas por clubes com um passado, com pedigree, mesmo que longínquo como o do Midlesborough ou Espanyol. Nenhuma teve um convidado tão discreto como este Braga.
Talvez por isso Dublin seja mais do que uma festa portuguesa. É uma festa de um tipo de clubes que tenta sobreviver entre os milhões, os critérios da UEFA, a corrupção, os tubarões do mercado e os naufrágios económicos. A festa de um clube que sabe qual é o seu limite mas que teima em tentar ir um pouco mais longe. Talvez por isso Dublin já seja arsenalista. Só que ainda não o sabe muito bem...
Faltavam poucos segundos para acabar. Um livre envenenado de Danny Murphy encontrou a cabeça de Geli, perdido no meio de tantos jogadores. Não é assim que costumam acabar os contos de fadas mas foi assim que chegou a fim a final europeia mais empolgado da última década. Dez anos depois o Deportivo de Alavés milita na 2º B espanhola. Não é assim que costumam acabar os contos de fadas. Mas ninguém duvida que a história dos alaveses é digna de uma fábula futebolística.
A boa noticia para os adeptos do Alavés é que o pior parece ter passado.
A equipa de Vitória, capital do País Vasco, está no pote de clubes que irá lutar pela promoção à Liga Adelante, a segunda divisão do país vizinho. Há muito tempo que os alaveses andam perdidos nessa floresta de equipas caídas em desgraça. O seu caso tem uma explicação muito simples, nefastamente comum. Um pretenso milionário ucraniano, Dimitri Pitterman, comprou o clube e desfez o projecto em fanicos. Ficou apenas a memória do futebol de elite. E daquela noite em Dortmund. A noite de um 16 de Maio. Há dez anos atrás.
Numa equipa sem estrelas, que rapidamente seria desmembrada pelo poder de atracção do dinheiro fácil, ninguém esperava uma noite assim. Os jogadores do Alavés sabiam-se outsiders e apenas queriam dar a cara, responder ao orgulho dos adeptos que os acompanharam na sua caminhada europeia. O grande momento, a grande gesta tinha ficado para trás, numa fria noite de 22 de Fevereiro. O San Siro, cheio, testemunhou como o anónimo Alavés batia por 0-2 o poderoso Internazionale, uma semana depois de aguentar um 3-3 em casa. Jordi Cruyff, ao minuto 78, abriu a contagem que Tomic fechou 10 minutos depois para desespero de Marcello Lippi, Christian Vieri e companhia.
Mané, técnico modesto e com aquele espírito guerreiro de antes quebrar que torcer que moldou a escola vasca, nunca esperou a resposta dos seus jogadores depois do grande jogo do Inter em Vitória. Esta era uma equipa onde a estrela, pelo apelido, era Jordi Cruyff. Muitos jogadores espanhóis com largos anos de futebol secundário nas pernas formavam o esqueleto do conjunto. Num 5-3-2 que apostava profundamente no contragolpe, a segurança defensiva de Karmona e Tellez era fundamental. Os dois centrais, decisivos nos lances de bola parada, formavam o esqueleto. Mas era a velocidade do romeno Contra, a qualidade de passe de Desio e o instinto goleador de Javi Moreno que chamavam à atenção. Antes daquele duelo com o Internazionale a equipa tinha eliminado dois conjuntos noruegueses (Lillestrom e Rosenborg) e nas rondas seguintes bateu o igualmente modesto Rayo Vallecano e o Kaiserlautern alemão. Dois anos depois de ser promovido à Liga espanhola, o Aláves estava numa final europeia.
Olhando para trás, é fácil perceber o milagre do conjunto basco.
O espírito de equipa, a natureza dos rivais e a clara aposta do clube na prova da UEFA, o escaparate perfeito para fazer alguns milhões no defeso, funcionou como catalisador. Mané criou um forte sentido colectivo nos jogadores que saiam a jantar juntos com as famílias todas as semanas, comiam “pintxos” tradicionais em pleno balneário e que sentiam que partilhavam tanto as agruras como os elogios. A maioria da equipa tinha subido de divisão dois anos antes, incluindo o técnico. Os poucos que chegavam de forma ao Mendizorrozza integravam-se sem problemas e no final de contas foi esse espírito que permitiu ao clube dar a cara diante do poderoso Liverpool.
A equipa de Gerard Houllier chegava à sua primeira final pós-Heysel com uma das suas mais espantosas gerações. Tinham batido com autoridade o Barcelona, FC Porto e a AS Roma. Contavam com a estrela europeia de moda, Michael Owen, mas também Robbie Fowler, Steven Gerrard, Jamie Carragher, Danny Murphy, Gary MacAllister, Dietmar Hamman e Emile Heskey. Eram favoritos e sabiam-no. Mas não esperavam uma resistência de proporções épicas. Naquela tarde noite no Westfallenstadion a vitória do Liverpool ficou ofuscada pela exibição do modesto Deportivo. Os golos de Babbel, Gerrard, MacAllister, Owen encontravam sempre resposta. Ivan Alonso, Javi Moreno e Jordi Cruyff, no minuto 89, teimavam em amargar a festa dos reds. A tensão começava a tomar conta do banco do Liverpool e os alaveses acreditavam que um milagre, um milagre futebolístico, estava prestes a tornar-se realidade. A três minutos do fim o conto de fadas acabou na cabeça de Geli, nesse desvio para as redes de Herrera e nesse desalento que dura há dez anos. O Alavés esteve perto de fazer história. Sem entender muito bem como, acabou realmente por fazê-la, à sua maneira.
Depois dessa noite épica o mundo nunca mais se esqueceu dos vitorianos. Mas a sorte abandonou o Deportivo com aquele cabeceamento. Dois anos depois o conjunto foi despromovido à 2º Divisão. Voltaria no ano seguinte mas a gestão criminal do ucraniano Pitterman levou a instituição à falência e ao calabouço da 3º Divisão. A pouco e pouco o modesto clube começa a erguer-se. Mas faça o que fizer, sempre que o nome apareça numa noticia em qualquer recanto do mundo, a única imagem que nos saltará à cabeça é a dessa noite onde o futebol foi mais futebol do que nunca e em que ficou claro que os contos de fadas às vezes não acabam como queremos. Mas nunca deixam de ser mágicos.
46 quilómetros. Um diâmetro espacial que é menor do que une muitas das grandes cidades do Mundo. O espaço que separa o estádio do Dragão do estádio Axa. O Porto de Braga. Os dois finalistas da Europe League 2011. Um feito histórico para o futebol português. Um feito histórico para uma região que tem sentido, como nenhuma outra, o desmoronar da economia comunitária. Nesses 46 quilómetros vivem os projectos, as ilusões e as esperanças. Passe o que passar eles chegaram lá. A Dublin. Cidade com pronúncia do norte...
Um salto na história. Um salto desafiante. Um salto preciso.
O golo de Custódio gelou um país habituado à ladainha dos "seis milhões", um país que não entende de diferenças de credo. Um país que, ainda hoje, se esquece que há vida para lá da capital, que há vida para lá do império imaginário. O salto de Custódio, um puto de Guimarães que se fez herói em Braga. Coisas da vida! O salto de um jogador dispensado por um grande da capital e que deixou de ser uma promessa para passar a ser mais um zé-ninguém. Assim funcionam as coisas em Portugal. Palavras que Miguel Garcia e Hugo Viana poderiam fazer suas. Os três estavam lá e testemunharam aquele salto imenso que transformou um clube regional numa potência europeia. O Sporting Clube de Braga, esse clube que parecia uma moda passageira, é o 100º finalista de uma prova da UEFA. A quarta equipa portuguesa em lograr esse feito histórico. A primeira a deixar outra equipa nacional pelo caminho. Sem contestação.
Um projecto pequeno que a imprensa lusa sempre tentou empequenecer sem entender que os partidismos nacionais na Europa perdem todo o sentido. Este Braga, uma equipa com as contas em dia, uma equipa sem dividas e fundos a que recorrer quando as coisas apertam, é um caso sério. Desde a chegada de António Salvador transformou-se num autêntico grande, feito que só o Boavista pode reclamar fora do circulo dos três clubes que têm asfixiado o futebol português. Com a desaparição momentânea dos axadrezados destas contas e o progressivo empequenecimento do Sporting, o Braga tinha a oportunidade de dar um murro na mesa. Em 2010 o titulo perdeu-se por muito pouco, em 2011 Dublin conseguiu-se por pequenos detalhes. Estavam Vandinho e Mossoró desta vez. Estavam aqueles que aprenderam a lição de como se joga este tipo de duelos. E estava, sobretudo, uma equipa com fome de desforra. Ás vezes é o que basta. Isso e um salto imparável para furar os livros de história.
Os 46 kilómetros que separam Braga da cidade do Porto são quase a mesma distância da mais longa avenida do mundo. É muito para um país pequeno e muito pouco para um Mundo tão grande. As provas da UEFA já acolheram finais entre clubes do mesmo país mas nunca com uma proximidade geográfica tão gritante. Bracarenses e portuenses são quase vizinhos e em Dublin a festa terá uma forte pronuncia nortenha. Com sotaque do Porto.
Domingos Paciência era aquele miudo de Leça que mal tinha para comer e que muitas vezes lançava na casa dos amigos porque estes sabiam que em sua casa só lhe esperava uma sopa. Esse herói das Antas tornou-se no messias da pedreira de Braga. Quando em 1994 o inglês Bobby Robson parecia ter perdido a confiança no esguio dianteiro um miúdo de 13 anos aproximou-se dele perto de sua casa e explicou-lhe como tinha de aproveitar as capacidades do internacional português. Esse miúdo, portuense de gema, que nunca passou fome nem lhe faltou nada, transformou-se no homem dos recordes e aos 33 anos no mais jovem técnico a chegar a uma final europeia. André Villas-Boas e Domingos Paciência representam dois lados bem diferentes da Invicta, da vida que pautou o norte de Portugal desde sempre. E o futebol uniu-os de tal forma que até na glória mútua acabam por ter de se reencontrar. Da mesma forma que o FC Porto se tornou um clube internacional depois do desprezo da capital que queria reduzir os azuis e brancos a "andrades" de província com uma final europeia (então perdida para a toda poderosa Juventus em 1984), também o Braga conseguiu soltar-se desses preconceitos sociais para fazer história. Celtic, Sevilla, Liverpool, Dynamo de Kiev e Benfica, todas elas equipas com títulos europeus no seu brilhante curriculum que não souberam aguentar o vendaval bracarense. Um vendaval em quem ninguém acreditou, eliminatória após eliminatória. Se ao FC Porto era reconhecido o seu favoritismo, que se foi cimentando a cada jogo e acabou numa eliminatória histórica face ao Villareal, ao Braga estava destinado o papel de patinho feio. Talvez por isso a equipa de Domingos seguiu sempre em frente, porque não teve de se preocupar em olhar para o espelho.
O Benfica, o terceiro português em discórdia, era o favorito. Antes de arrancar a Liga, antes de arrancar a Champions League e antes de arrancar a Europe League na sua fase a eliminar. Mas perdeu demasiado tempo a olhar-se reflectido num espelho enganador. Sem pernas, sem atitude, sem destreza mental, os encarnados actuaram numa semifinal europeia convencidos que estavam num duelo nacional sem grande importância. A arrogância, sempre patente no discurso do seu técnico, desencontrou-se com a realidade. Talvez se a eliminatória tivesse sido trocada e o duelo fosse com os espanhóis a equipa tivesse reagido de outra forma. Pagou o preço do pecado mortal que no futebol não perdoa, o orgulho. E assinou por baixo uma época a todos os títulos decepcionante. Não soube estar à altura da sua história, dos seus pergaminhos e do seu próprio futebol. O espelho mentiu, mas só a eles, porque havia muitos que conseguiam ver para lá da ilusão.
18 de Maio tornar-se-á num dia histórico para Portugal. Mas talvez a ausência dos representantes do centralismo asfixiante transforme uma festa europeia numa reunião de vizinhos. O impacto mediático dado, em Portugal pelo menos, será bem diferente se os rostos fossem outros. É de esperar, afinal não seria a primeira vez. Mas a Europa estará forçosamente atenta e tentará descobrir o que está no meio destes 46 quilómetros que unem mais do que separam. Do Bom Jesus de Braga vê-se o Douro? Talvez não, mas o eco da pronuncia do norte já se ouve lá longe nas areias dançantes de Dublin...
Há noites assim. Noites que convidam à épica histórica. Noites que ensinam como se sonha. As memórias recentes de noites históricas não estavam tão perdidas assim na penumbra. A contundente vitória do FC Porto frente ao Villareal não dita apenas o destino provável de uma eliminatória. Não permite apenas sonhar com uma final histórica para o futebol português. Permite entender que o jogo é mais do que um jogo, que a épica é sempre algo mais do que uma ilusão.
Quando Falcao colocou a bola num recanto de tal forma escondido ao olhar perdido de Diego Lopez, o estádio do Dragão sentiu o fim do peso de uma memória. Durante anos os adeptos azuis e brancos viveram com a mitica vitória frente á AS Lazio. Foi o inicio da era Mourinho, como se conhece, e abriu as portas do reinado europeu dos dragões. Nunca mais, nem na corrida para Gelsenkirchen, houve tanta emoção durante 90 minutos. Até hoje. Precisamente até ao golo de Cani. Um belo golo de uma grande equipa, como sempre demonstrou ser o Villareal, que estava a ser mais perigosa e mais certeira nas poucas ocasiões que o jogo permitia. Um golo que matou uma primeira parte equilibrada onde o FC Porto dominou com a bola mas em que o perigo era do celebre Submarino Amarelo espanhol. E que lembrou Claudio Lopez, esse argentino endiabrado que abriu o sonho dos adeptos da Lazio. E dos portistas também. Sem o saber.
Depois nunca mais houve luta. Cinco torpedos, cinco verdadeiros tiros ao alvo que afundaram um sólido submarino, uma equipa perfeitamente colocada no terreno de jogo mas que não teve oxigénio e cabeça para aguentar a avalanche ofensiva dos locais. Guarin e Moutinho, dois verdadeiros dínamos no miolo, permitiram estender a teia que amarrou por completo o talento de Cazorla, Valero e Bruno. E depois surgiu Falcao. Talvez o melhor ponta de lança puro do ano no futebol europeu. Talvez um dos jogadores mais determinantes do futebol actual, o colombiano destroçou com o seu timing perfeito o Villareal. Um penalti ganho e convertido de forma eximia, escondendo fantasmas recentes. Um gesto técnico primoroso, depois de mais uma lição de superioridade física de Hulk, que os espanhóis nunca souberam controlar, e dois cabeceamentos tão certeiros como o outrora mítico Jardel. Tudo noite de fantasmas antigos, tudo noite de evocações de glórias passadas. E tudo numa noite de um imenso sentido histórico. Não pelo provável apuramento mas pela dimensão da autoridade de uma equipa que há um ano apenas vivia na amargura de um fim de ciclo quase inevitável.
André Villas-Boas é, sem dúvida, o mentor desta rebelião. Deste grito de guerra.
A sua atitude ao intervalo transmitiu a tranquilidade que faltava e a motivação escondida. Se o Villareal controlou inicialmente o seu dispositivo táctico inovador - com Cristian Rodriguez mais como médio interior, abrindo a ala a Alvaro Pereira e abdicando assim do 4-3-3 habitual - com a pressão alta e asfixiante do segundo tempo não houve forma de lidar. A bola que na primeira parte circulava sem grandes pressas no segundo tempo lembrou-se de correr. E nunca mais parou. Velocidade, eficácia, garra, palavras de ordem de uma atitude que foi a base para a reviravolta.
Villas-Boas sabe do poder que a mente tem sobre os seus. Motiva-os como fazem poucos técnicos no futebol actual e o fantasma, outro, de Mourinho, é cada vez mais uma sombra distante. Quem diria.
Depois de humilhar, e o termo certo é esse, os russos do CSKA e Spartak de Moscovo, depois de bater, com esforço, sorte e eficácia o poderoso Sevilla, o Villareal parecia ser um desafio á altura. E esta equipa, ao contrário do que diz o resultado - mas também por isso - é uma grande equipa e soube estar como tal no Dragão. A táctica de Garrido funcionou e a equipa soltou-se cedo da pressão do FC Porto para explorar as falhas de marcação defensiva que a linha de quatro bem avançada deixava atrás. O golo de Cani parecia indicar tudo aquilo que se viveu á posteriori. Com o valor a dobrar do golo, o clube português sabia que precisava de mudar. E mudou. Não no esquema táctico, não nos interpretes, nem sequer na atitude. Mas na forma de olhar olhos nos olhos o rival. Hulk encarou, Falcao moveu-se, Guarin e Moutinho circularam e a bola nunca mais se sentiu cómoda nos pés dos espanhóis. Um, dois, três, quatro, cinco. Contas fáceis de fazer, contas habituais nesta corrida europeia. Contas de uma equipa que não conhece limites. Em Portugal, comprovadamente. Na Europa, inequivocamente. Independentemente do que espera os lusos no Madrigal - um clima fantástico mas que sentirá certamente a grandeza da tarefa - a épica remontada, essa lembrança de Sevilla, começa a sentir-se de forma cada vez mais intensa. Porque se os saudosos ainda se lembram dessa equipa como a cumbre da era Mourinho, o seu falso discípulo, André Villas-Boas, terá de viver com a sua própria sombra a partir de agora porque já não á volta atrás. A história, a do jogo, a que realmente conta, já tratou de guardar-lhe um lugar especial. A Europa, essa dimensão estrutural de um jogo ás vezes perdido em picardias nacionais, há muito que desconfia e agora sabe bem de que matéria se faz este renovado FC Porto.
Em Dublin, se a tendência se confirmar, a festa será portuguesa. Seja o Braga, seja o Benfica, "uma noite portuguesa, com certeza", é um facto consumado que a presença do FC Porto foi ganha a pulso, tal como há oito anos atrás. E se a Europe League não é a Champions League, porque está claro que não o é, três dos semi-finalistas têm praticamente garantido o lugar na elite europeia em 2011. Um forte aviso de que há outra face do futebol europeu para lá dos Clásicos, das polémicas e da confusão emocional em que se tornou a prova rainha da UEFA. E entre os três nenhum pode assinar uma época tão memorável como o FC Porto. Com dedo do mestre André, com a atitude de uma cultura desportiva, com um sonho que não esquece fantasmas antigos...com um conceito de épica que é o mesmo que dá sentido ás cores da História.