Quinta-feira, 19.07.12

O grande sucesso do Barcelona na última década parte da base primordial na aposta na formação. Uma área mitificada pela construção da Masia nos anos 70 mas que só com a chegada de Louis van Gaal se tornou numa prioridade para os dirigentes do clube. Mas essa relação histórica entre a primeira equipa e a cantera parte de um principio de desconfiança histórica. O exemplo perfeito são os 65 milhões gastos nos últimos anos para recomprar o producto da formação a quem o clube não viu futuro. Piqué, Fabregas e agora Jordi Alba, nomes próprios de uma história com muitos parêntesis.

Piqué chegou em 2008 ao clube a preço de saldo. 

Alex Ferguson acreditava que a sua incapacidade no jogo aéreo era um problema e deixou-o voltar a Barcelona. O Manchester United tinha contratado o catalão quando este cumpriu 16 anos. O clube blaugrana não lhe augurava futuro e ofereceu-lhe um contrato de tostões. Aconselhado pela familia - históricos dirigentes do clube - Piqué aceitou a proposta dos Red Devils e partiu para Old Trafford. Durante quatro anos tentou entrar nas contas do técnico escocês mas sem grande sucesso, tendo sido emprestado durante uma época ao Zaragoza. Cansado de esperar por aquele que viria a ser um dos melhores centrais do Mundo, Ferguson permitiu-lhe negociar com o Barça de Guardiola. Por 5 milhões de euros.

Cesc Fabregas, amigo de formação de Piqué e de outro rapaz a quem o clube sim prestou mais atenção - um tal de Lionel Messi - também teve de encontrar espaço em Inglaterra porque na Masia pensavam que a sua adaptação às exigências do futebol profissional seria complexa. Fabregas percorreu os mesmos passos de Piqué nas camadas de formação e a custo zero marchou para Londres onde Wenger lhe prometeu protagonismo. E teve-o. Tornou-se no maestro do meio-campo do Arsenal e depois das saídas de Henry e Bergkamp, o lider espiritual do projecto gunner. Referência absoluta do jogo do Arsenal, sofreu ano atrás ano com o desejo de incorporar-se a uma equipa que, pela primeira vez, estava a fazer exactamente aquilo com que ele sonhava de pequeno. Com o seu mentor como técnico, o seu idolo de maestro e os seus colegas de formação de protagonistas, a Fabregas jogar no Barcelona era mais do que um desejo, tinha-se tornado numa necessidade. O negócio, a duras penas, concretizou-se finalmente em 2011 por 45 milhões de euros.

Esta Verão junta-se a esta dupla outro filho rejeitado da Masia. Quando era pequeno, Jordi Alba jogava de extremo e era uma das máximas referências das equipas de infantis do Barcelona. O seu protagonismo era tal que foi escolhido para protagonizar, com Louis van Gaal, o video de inauguração das obras do novo centro de treinos. Mas, de um momento para o outro, o clube desprendeu-se dele e Alba teve de deixar o seu sonho encostado num canto enquanto convencia Unay Emery, em Valencia, de que era o jogador que ele procurava. O técnico basco transformou-o em lateral ofensivo e fez dele uma das referências de futuro para o futebol espanhol. Sem Capdevilla ou Arbeloa, o seleccionador Vicente del Bosque não hesitou em entregar-lhe o flanco e Alba correspondeu com um torneio inesquecível. Pelo meio apareceu, arrependido, o Barcelona e por 14 milhões (um negócio facilitado por este ser o seu último ano de contrato com os che) o jovem lateral cumprirá o seu sonho. 

 

São três casos que exemplificam bem como o clube blaugrana sempre lidou mal com a sua própria essência.

Nos anos 70, quando chegou a Can Barça, Laureano Ruiz, o homem por detrás do espirito de rondo e da Masia - ainda por construir - queixou-se que os dirigentes do Barcelona eram os que menos acreditavam nos seus próprios jogadores. As declarações de Xavi Hernandez, revelando que o clube pensou vendê-lo por várias vezes, antes da chegada de Guardiola, dão-lhe razão.

Apesar de agora vender a aposta na formação como uma imagem quase exclusiva, o Barcelona sempre foi um clube de negócios, de mercado e muito pouco de formação. Quando Johan Cruyff, outro dos teóricos da revalorização da cantera, chegou a Barcelona, a primeira coisa que exigiu a Josep Lluis Nuñez foi a contratação de um batalhão de jogadores bascos, entre os quais Andoni Zubizarretta, Julio Salinas, Andoni Goikotchea e José Maria Bakero porque considerava que os alunos da formação blaugrana não tinham capacidade mental para aguentar a alta competição.

Durante o arranque do Dream Team apostou apenas em três jogadores da casa, Luis Milla primeiro, e depois Josep Guardiola e Albert Ferrer. No meio das estrelas compradas a peso de ouro (Romário, Koeman, Stoichkov, Laudrup) e de jogadores do norte do país, esse foi o impacto real do cruyffismo na aposta determinante pela formação do clube catalão.

Durante a década que mediu a saida de Cruyff e a chegada de Rijkaard, o clube viveu tremendos altos e baixos, financeiros e instituicionais, mas pela mão de Louis van Gaal alguém finalmente compreendeu a importância real da Masia. Quando o técnico holandês - a quem não se lhe conhece sentimentos pró-catalães - declarou que o seu sonho era ganhar uma Champions League com onze jogadores formados na Masia, a imprensa da cidade Condal riu-se, os jogadores riram-se, os directivos riram-se e Guardiola fechou os olhos e sonhou. Dez anos depois, em Londres, quase que logrou cumprir esse sonho. Com os homens a quem van Gaal deu oportunidades. Gaspart quis vender Valdés, Xavi e Puyol para pagar o investimento em Rustu, Christanval e Rochemback mas van Gaal apostou tudo neles. Também deixou depositadas esperanças em Luis Garcia, Oleguer Presas e Andrés Iniesta. Nomes resgatados de um túnel desconhecido para a maioria dos adeptos blaugrana. Rijkaard colheu os lucros imediatos, Guardiola aperfeiçoou o modelo e hoje a imprensa faz eco desse amor histórico entre as "gents" de Barcelona e os filhos da "Masia". Os casos de Piqué, Fabregas a Alba, resgatados a peso de ouro e vendidos agora como filhos pródigos que voltam a casa funcionam num espaço mediático onde a memória é escassa mas como eles há dezenas de outros jogadores que algum dia poderão voltar nas mesmas condições ao Camp Nou. 

 

Tito Vilanova, outro filho da Masia que teve de ir fora para voltar para casa com galões aos ombros, poderá este ano alinhar mais do que um onze de miudos que passaram pela fabrica de formação. Valdés, Fontás, Puyol, Piqué, Alba, Busquets, Xavi, Iniesta, Fabregas, Cuenca, Tello, Thiago, Messi e até Pedro (que chegou a Barcelona já com 17 anos). Mas lembrando os 65 milhões gastos em três jogadores fica no ar a sensação de que se não fosse por dois holandeses como van Gaal e Rijkaard, talvez a directiva de Sandro Rossell tivesse de andar a pescar Iniestas, Xavis, Puyols, Valdés e Messis por esse mundo fora. O FC Barcelona sempre foi um clube com muitos esqueletos no armário. A sua politica de formação é, paradoxalmente, o maior de todos eles e, hoje em dia, a sua melhor arma para uma politica de comunicação que consegue multiplicar fora dos relvados os triunfos logrados sob o tapete verde. 


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publicado por Miguel Lourenço Pereira às 10:49 | link do post | comentar | ver comentários (10)

Sexta-feira, 27.04.12

Coerente, surpreendente, digno, entusiasmante. O Barcelona decidiu o seu futuro com base no seu presente e fê-lo com a certeza de que acredita numa ideia, mais do que nos nomes que a guiam. Se a saída de Pep Guardiola era um segredo mal guardado, o nome do sucessor deixou até os próprios blaugranas em estado de choque. Durou pouco. Guardiola continua a manobrar o clube na sombra, o Barcelona da próxima época será fiel ao que se viu nos últimos anos e, sobretudo, o clube catalão decidiu seguir o caminho que fez do Liverpool dos anos 70 um mito da história do futebol. Agarrou-se à ideia de um "boot room" eterno que pode trazer mais alegrias do que suspiros ás bancadas do Camp Nou.

Bob Paisley é o treinador do Liverpool com mais títulos. É um dos treinadores mundiais com mais títulos. E no entanto quem se lembra dele?

Bill Shankly saiu do Liverpool demasiado cedo, muitos pensaram. Sem vencer a Taça dos Campeões, sem somar mais de quatro títulos de liga inglesa. E no entanto quem se esquece dele? 

O grande mérito de Shankly não foi vencer. Foi definir a forma como se iria ganhar. Resgatou o Liverpool das trevas, trabalhou uma ideia táctica, rodeou-se de jogadores locais e aquisições certeiras e lançou as luzes do futuro. Quando saiu tinha deixado atrás de si o trabalho feito e, sobretudo, o conceito do "Boot Room", o pequeno gabinete onde se juntava com os seus adjuntos para falar de futebol e da vida, que é o mesmo. Durante 15 anos o Liverpool sobreviveu, cresceu e um ano até chegou em segundo, como diria Paisley, sempre partindo do "Boot Room". Depois de Shankly veio Paisley, depois deste Joe Fagan e por fim Kenny Dalglish, que entrou como jogador e saiu como mentor emocional. Essa longa saga coroou os anos dourados da história de Anfield Road porque, independentemente dos grandes jogadores no terreno, partiu sempre de uma ideia de clube bem definida.

Josep Guardiola sabe mais de futebol do que a maioria das pessoas e sabe também investigar a história do jogo. Quando Johan Cruyff saiu do Barcelona, pela porta de atrás, a direcção de Josep Luis Nuñez quis romper com o cruyffismo e chamou Bobby Robson. O inglês durou um ano, ano em que só perdeu o titulo de liga, até que os directivos emendaram a mão e voltaram a apostar na escola holandesa, primeiro com van Gaal e depois com Rijkaard, com um hiato desastroso que tem mais a ver com a figura de Gaspart do que com a mentalidade por detrás do clube. Essa transição sempre foi feita com consciência de que o legado de Laureano Ruiz, Rinus Michels e Johan Cruyff faz mais sentido em Can Barça do que em qualquer outro sitio. Se houve equipa capaz de suceder ao Liverpool nessa ideia de clube, com um projecto e uma cartilha comum, essa equipa sempre foi o Barcelona. Mas o clube nunca tinha arriscado tanto como hoje. Arriscado tanto como Shankly quando se virou para os directivos com o nome do estimado Paisley como o homem da glória futura. Na altura poucos o levaram a sério, a história mostrou que o "Napoleão de Mersey" não se enganava.

 

Tito Vilanova não tem experiência como treinador de elite, como também não tinha Guardiola.

Mas quem segue o clube blaugrana sabe que por detrás destes quatro anos de sucesso há muito dedo do homem a quem Mourinho quis penetrar mais profundamente no olhar. Villanova é o responsável das jogadas de estratégia do clube, inspirando-se no basket e no futebol de sala. Foi o homem que orientou a celebre equipa juvenil da geração de 1987 quando tinham apenas 14 anos, a equipa dos Messi, Pique, Fabregas e companhia. E foi sempre o amigo e confidente a quem Guardiola recorreu. Não é um mero segundo treinador, é um dos ideologos do projecto e isso faz toda a diferença. 

Os adeptos portugueses podem lembrar-se da imagem de Vitor Pereira mas o técnico do FC Porto nunca foi o segundo de André Villas-Boas. Escolhido por Pinto da Costa para completar a equipa técnica, partilhou a da experiência mas nunca existiu essa comunhão de ideias, de modelos, de longos anos a falar de futebol que unem dois homens que são colegas e amigos desde a mais tenra infância. Não se pode entender a imagem de Guardiola sem Vilanova e o mesmo agora será válido quando Pep passe para o segundo plano.

A ideia do técnico de Santpedor tem a mesma dose de genialidade que os seus dispositivos tácticos. Imitando a Shankly, ele ergue-se como a figura de fundo do clube, o homem que controla tudo sem ter de expor-se aos momentos duros que virão. Guardiola não vai treinar outro clube porque continua, de certa forma, a treinar o Barcelona.

Na conferência de imprensa de hoje tanto ele como Sandro Rossell - o grande derrotado desta decisão, felizmente para o clube - e Andoni Zubizarreta confirmaram que Guardiola será uma voz de peso no projecto, um consultor externo. Será mais do que isso. Guardiola leva quatro anos mas o seu rosto faz parecer que são quarenta, no Camp Nou. É um homem honesto e coerente e sabe que a motivação no desporto da alta competição é dificil de conseguir. Ao dar um passo para trás mas não um adeus definitivo, o técnico consegue esse golpe de teatro que pode ter ao seu plantel em alerta máximo. Seguramente que alguns nomes irão sair, Dani Alves e David Villa antes de mais, e que outros vão ver o seu papel alterado pela idade (Puyol e Xavi) ou pelo estilo de jogo que Vilanova vai aprofundar. A chegada de Fabregas, homem que Vilanova conhece bem, promete fazer mais sentido na equipa do próximo ano. O 3-4-3 que tanto tem explorado Pep voltará a ser um 4-3-3 mais dinamico, com Fabregas, Messi e Alexis na primeira linha de fogo e Iniesta, Busquets e Thiago no apoio directo. A cantera voltará a ser a base de tudo, Vilanova já falou várias vezes sobre a admiração que nutre por muitos dos homens da equipa B como Rafinha, Sergi Robert e Grimaldo. E será mais fácil tomar decisões dificeis no balneário sem a condescendência de um Guardiola que é muito menos aguerrido, tanto para fora como para dentro, como é Vilanova. Mas quanto ao ideário táctico é fácil adivinhar que o fantasma de Guardiola aí estará, na preparação dos jogos, no estudo dos rivais. A sala de imprensa será mais bélica do que nunca - Vilanova e Mourinho têm contas a ajustar - e o balneário mais disciplinado, mas no campo pouco mudará. 

 

Guardiola logrou o que Cruyff não conseguiu. Não só em titulos mas, sobretudo, em fazer prevalecer essa ideia que remonta a 1972. O holandês saiu do clube com a intenção de deixar Charly Rexach como seu sucessor mas nunca o conseguiu. Guardiola encontrou o poder suficiente para desafiar a ideia de Rossell e impor Vilanova. Ao manter o seu melhor amigo e co-autor do majestuoso Pep Team, o técnico garante que continua a pairar sobre Barcelona. Não vai treinar outro clube e não fecha a porta a voltar ao Camp Nou pela porta grande. De certa forma cria o "Boot Room" à catalana, com o futuro garantido para os seus homens de confiança, os que partilham o mesmo ADN e a sua linguagem, um espaço onde gravitam as figuras de Juan Manuel Lillo, Lluis Carreras, Luis Enrique e Xavi Hernandez. Se a dinastia guadiolista só agora arrancou é fácil imaginar que, com este plantel e esta fortissima ideia, o Barcelona se mantenha na elite durante largos anos. Como com o Liverpool de Shankly, a ideia triunfa e os nomes vão-se sucedendo e os titulos vão chegando. Quando se abandona a ideia, como sucedeu com os Reds, o desastre é inevitável. Guardiola sabe melhor do que ninguém e tomou para si a responsabilidade de garantir que esse dia não chegue ao Camp Nou. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 17:14 | link do post | comentar | ver comentários (2)

Sábado, 07.04.12

Quando Joan Laporta sucedeu a Gaspart como presidente do FC Barcelona a situação politica do futebol europeu vivia numa encruzilhada extremamente complexa. O grupo conhecido como o G14 fazia-se sentir mais influente do que nunca junto de Leonardt Johanssen e a ameaça de uma Superliga europeia era cada vez mais real. Laporta retirou o clube blaugrana da segunda linha desse grupo, liderado por Hoeness, Perez e Galliani, e apostou todas as fichas em Michel Platini, o homem de confiança de Sepp Blatter. O futuro deu-lhe razão e desde então sempre que se vêm em problemas, o clube catalão encontra sempre um amigo!

 

Os corredores do poder na sede da UEFA em Nyon eram estreitos para os emissórios blaugranas.

O clube era visto com maus olhos pela directiva e não passava de uma formação de segundo nivel do grupo G14, fundado por Florentino Perez, Adriano Galliani e Uli Hoeness numa reunião em Milão no ano 2000. Entre AC Milan, Bayern Munchen e Real Madrid, com o fortissimo apoio de Manchester United, Olympique Lyon, FC Porto, Juventus e Arsenal pretendia-se desenhar o futuro do futebol continental.

O papel da UEFA na criação da nova Champions League tinha sido fulcral para por em prática os desejos da elite continental mas o mandato final do presidente sueco tinha deixado demasiadas pontas soltas que os dirigentes pretendiam atar com a criação de uma Superliga europeia ao estilo NBA. O projecto nunca chegou a avançar mas o peso do G14 aumentou de ano para ano e isso reflectia-se no sucesso desportivo dos seus principais integrantes. O Barcelona, em crise depois da venda de Luis Figo e da saída de Louis van Gaal, era um mero actor secundário. E isso notava-se no Camp Nou.

Em 2003 o ambicioso advogado catalão Joan Laporta apontou á sucessão de Joan Gaspart. Prometeu trazer David Beckham, acabou por trazer Ronaldinho mas o mais importante acto de gestão foi criar uma embaixada do clube na UEFA, com Gaspart de emissário, juntando a um grupo de descontentes entre personalidades influentes e clubes insatisfeitos com o rumo económico do G14 original. Uma especie de oposição que começou a fazer-se sentir no último ano de mandato de Johanssen quando o clube apoiou declaradamente o francês Michel Platini na corrida á presidência. Florentino Perez tinha saído do Real Madrid, Silvio Berlusconi estava mais preocupado com o seu papel como primeiro-ministro italiano e o apoio da FIFA e as promessas de maior equilibrio financeiro e competitivo com as pequenas e médias nações europeias deram a Platini uma vitória surpreendente.

O Barcelona tinha acertado e começou a viver uma época de esplendor europeu inigualável no seu mágico historial.

 

Em 2006 Chelsea e AC Milan sofreram na pele a influência blaugrana nos corredores de Nyon.

Os ingleses, orientados por José Mourinho, viram o defesa lateral espanhol Asier del Horno ser expulso por agressão depois de um lance onde um então promissor Leo Messi contribuiu, e muito, na decisão final do árbitro. O génio de Ronaldinho fez o resto. Na semi-final que precedeu a coroação do magnifico conjunto orientado por Frank Rikjaard aos italianos foi anulado um golo fundamental no jogo da segunda mão apontado pelo ucraniano Andrey Shevchenko. Anos mais tarde, na celebre conferência de imprensa que lhe valeu a maior suspensão na história da UEFA a um treinador de futebol, o sadino não se lembrou dos nomes de Terje Hauge e Markus Merk. Não era necessário, o historial dos anos seguintes faria destes dois episódios meras anedotas desportivas, similares ás dos sempre polémicos Mr Leaf e Mr Ellis, os árbitros que garantiram em 1962 que o Real Madrid não pisaria a sua sexta final europeia consecutiva numa meia-final histórica com o eterno rival.

O titulo europeu ganho numa final asfixiante com o melhor Arsenal europeu de sempre foi o primeiro de uma série de três em cinco anos, um feito apenas igualado por Real Madrid, Ajax, Bayern Munchen e Liverpool.

Em 2009, o primeiro ano do glorioso e fantástico Pep Team, os adeptos de futebol renderam-se ao magnifico jogo ofensivo de Xavi, Iniesta, Messi, Etoo e Henry, talvez a equipa mais atrevida e arrojada em largos anos no futebol europeu. Mas nem esse talento inegável e superlativo consegue explicar a anormal arbitragem de Tom Ovrebo, árbitro norueguês que conseguiu aguentar o resultado até ao fantástico remate de Iniesta. Pelo caminho ficaram por assinalar penaltys e expulsões. Apesar do génio desportivo, confirmado com uma grande final em Roma, a imagem desse duelo manchou a vitória mais saborosa de Guardiola. Por essa altura o G14 tinha acabado, reformando-se na ECA, e a amizade entre Laporta e Platini era conhecida, aceite e incontestada por todos os presidentes dos principais clubes europeus, como confessou há semanas um dos vice-presidentes mais influentes do clube, Alfons Godaal,

Olhando para os três anos seguintes tem sido fácil perceber porquê.

Em 2009-10 os campeões europeus em titulo defrontaram o Internazionale nas meias-finais. Depois de uma derrota por 3-1 em San Siro, no jogo da segunda volta, o árbitro Frank de Bleckerck conseguiu, como em 2006, ver uma agressão de Thiago Motta a Sergio Busquets e reduziu o conjunto neruazzuri a 10 homens com meia hora de jogo. Foi insuficiente. Não o seria no ano seguinte com Robie van Persie primeiro, expulso cirurgicamente por rematar uma bola depois do árbitro Massimo Busacca ter apitado um fora-de-jogo. Não o seria na meia-final em Madrid com o árbitro Wolfgan Stark a expulsar Pepe depois de um lance dividido com Dani Alves como não seria no jogo da segunda mão quando Gonzalo Higuain marcou para o Real Madrid, apenas para o golo ser anulado por uma falta fantasma de Cristiano Ronaldo sobre Gerard Pique, pelo amigo do costume, o belga De Bleckerck agora elegido pela FIFA para coordenar a sua exclusiva comissão arbitral num braço da organização dirigido pelo espanhol Angel Maria Villar.

A polémica arbitragem no último duelo com o AC Milan foi apenas mais um exemplo para uma longa galeria de amigos que aparecem sempre na hora H. Dois penaltys inexplicáveis, cartões cirúrgicos e um longo sorriso que relembrou aos mais atentos que este mesmo árbitro tinha estado presente no Mónaco, no jogo da Supertaça Europeia frente ao FC Porto para garantir a enésima merecida vitória do Pep Team.

No primeiro lance, Leo Messi sofre falta clarissima de desastrado Antonini mas encontra-se em fora-de-jogo (a bola ressalta no italiano depois de um passe de Xavi o que invalida imediatamente o lance). No segundo, a bola nem sequer está em jogo quando Nesta agarra Busquets sendo depois agarrado por Puyol. O regulamento arbitral obriga o árbitro a interromper o lance e mandar repetir o canto. Kuipers optou pela decisão inédita na história da Champions League de apitar penalty. Um amigo aparece sempre quando é preciso.

 

A indiscutível qualidade futebolistica deste FC Barcelona transforma ainda mais esta profunda relação entre o clube blaugrana e a UEFA numa realidade complexa de analisar e que no futuro marcará seguramente a imagem fantástica de um projecto desportivo unico. Neste periodo de cinco anos sucederam-se duas das cinco melhores equipas da história do Barça. E no entanto, ao contrário dos principais triunfos de alguns dos seus mais simbólicos rivais, a sombra da UEFA nunca se fez sentir tanto por detrás do sucesso de um projecto desportivo como tem sucedido nos últimos cinco anos. Quando a genialidade futebolistica do Barcelona, uma equipa que vence sobretudo porque é a única no panorama internacional que não condiciona o seu jogo ao rival, mantendo-se fiel ao seu ideário, custe o que custar, não chega para resolver os maiores apertos, parece sempre que do outro lado da linha está um amigo pronto a solucionar os problemas. José Mourinho foi punido pela UEFA por denunciar uma realidade que é conhecida por todos os que vivem nos corredores do futebol e que não é inédita nem exclusiva ao FC Barcelona na história do futebol. Mas pensar que a história do futebol europeu dos últimos anos se tem feito apenas com o génio táctico de Josep Guardiola, os passes de régua e esquadro de Xavi e Iniesta e as genialidades de Lionel Messi é, sobretudo, pecar de inocência. E nos corredores do beautiful game a inocência paga-se caro e há muitos clubes da elite europeia que começam a dar-se conta dessa realidade e a sonhar com um projecto antigo.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 11:25 | link do post | comentar | ver comentários (21)

Segunda-feira, 31.10.11

Quando Guardiola emerge como figura máxima da expressão artística que define hoje o seu maravilhoso Barcelona atrás de si emerge sempre a figura na sombra de Johan Cruyff. Espelho de uma relação de admiração mútua que traça directamente a ponte entre o Dream Team e o Pep Team, olvidando pelo meio aquele herói que, ainda hoje, Can Barça teima em renegar. Sem ele o futebol moderno seria bem mais pobre e talvez o duelo entre Guardiola e Mourinho hoje fosse apenas uma mera utopia.

O elogio unânime ao futebol do Pep Team parte do principio que o técnico de Santpedor foi, provavelmente, o primeiro treinador a conseguir transformar o Camp Nou no santuário do futebol internacional recorrendo, sobretudo, à célebre cantera da Masia. Em Roma e Londres, palcos das suas duplas conquistas europeias, o Barcelona de Guardiola alinhou com oito jogadores da formação. Sete, se excluirmos Pedro Rodriguez, que chegou a Barcelona já com 17 anos e a formação realizada em Las Palmas. E, no entanto, desses sete jogadores, apenas um deve a sua presença no palco principal do futebol europeu ao técnico: Sergio Busquets.

Guardiola falou várias vezes da herança de Cruyff como elemento refundador do FC Barcelona moderna. Um discurso no qual alinham os seus jogadores, directivos e a esmagadora maioria da imprensa catalã contemporânea. É um reconhecimento natural de quem sabe que deve a sua carreira ao técnico holandês e quem se tornou, de certa forma, o símbolo dessa mutação desportiva em Can Barça que foi a valorização do producto interno. Até aos anos 90 o Barcelona era um espelho fiel do que é o Real Madrid de hoje, um clube mais gastador do que formador, clube que apostava em figuras incondicionais como Cruyff, Maradona, Liniker, Schuster, Simonsen, Romário, Laudrup, Stoichkov ou Ronaldo para paliar o seu imenso défice de produção própria. A cantera de Barcelona celebrizou-se na figura esguia e célere de Guardiola, criou o mito do número 4 - do qual Xavi, Fabregas e Thiago são sucessores - mas até à chegada de Guardiola poucos lhe prestavam a devida atenção. Talvez porque interessa à sempre facciosa imprensa catalã valorizar uma figura local, um homem que, se quisesse, seria hoje president da Generalitat, em detrimento de um passado vestido de laranja. E não o laranja de sant Jordi.

 

Cruyff, o homem que refundou a cantera do Barcelona com o seu ideário de "rondo, rondo, rondo", jogou a final do Wembley de 1992 com dois jogadores formados em casa. Guardiola era um. Ferrer, o lateral direito que passou pelo Chelsea, era o outro. Durante a sua estância em Can Barça o técnico holandês especializou-se a comprar, comprar e comprar o sucesso que obteve. Chegaram da liga espanhola os bascos Zubizarreta, Bakero, Goikotxea, Nadal, Sergi e Salinas. Da nata do futebol internacional Koeman, Stoichkov, Laudrup e Romário. À base de muito dinheiro o Dream Team venceu a Champions League de 1992 - a primeira do clube - e quatro ligas consecutivas, três das quais na última jornada. Depois de três anos de derrotas aos pés da Quinta del Buitre do Real Madrid, a última verdadeira aposta na formação do clube merengue. Quando Cruyff foi despedido, em 1995, a sua filosofia de cantera ainda fazia muito pouco sentido para a directiva do clube que preferiu apostar num inglês - Bobby Robson - que trouxe ainda mais estrelas para a equipa como Ronaldo ou Vitor Baía, que se juntaram a Figo, Hagi e Popescu, nomes que Cruyff tinha contratado para renovar as suas fileiras. Seguindo essa politica o Barcelona continuou a ignorar o producto bruto e só a figura, sempre criticada, de Ivan de la Peña, surgia como um náufrago de estrelas alheias.

Foi a chegada de Louis van Gaal que mudou, definitivamente, o rosto do clube catalão.

Hoje, mais de dez anos depois do seu ambicioso discurso, a maioria dos adeptos do Barcelona continuam a preferir esquecer a sua figura quase dictatorial e o seu génio desportivo. Depois de triunfar em Barcelona (só lhe faltou vencer a Champions League), van Gaal já se reinventou na Holanda (com o seu AZ Alkmaar) e na Alemanha (com o Bayern) e mesmo assim o mundo do futebol continua a olhar por cima do ombro quando o seu nome veio à baila. Nessa apresentação em 1998 o técnico que tinha levado o Ajax à glória europeia anos antes com base na formação local defendeu que o Barcelona, devido à sua idiossincrasia, devia apostar numa equipa formada, maioritariamente, com jogadores locais. Vencer a Champions League com uma maioria de jogadores da casa era o seu objectivo numa gestão a longo prazo. Não o deixaram estar tanto tempo mas houve outros que viveram da sua politica desportiva.

 

Van Gaal foi o primeiro treinador a convencer os directivos do Barcelona a lançar, à imagem e semelhança do Ajax, uma rede de olheiros em todo o Mundo para pescar, na mais tenra idade, as grandes promessas do futebol internacional. Assim chegou, em 2001, um tal de Leo Messi desde a Argentina, algo impensável sob o modelo de gestão anterior do clube.

O técnico holandês queria aplicar a filosofia de Cruyff a outro patamar e foi com ele que realmente todas as equipas do clube, desde os infantis aos seniores, começaram a jogar no mesmo desenho táctico que permitia para o futuro formar algo mais do que números 4. O "rondo, rondo, rondo" continuou a ser o modelo de jogo vigente, mas os conceitos de pressão, de preparação física e, sobretudo, mental, que não existiam na filosofia cruyffiana, tornaram-se objecto de estudo e aprendizagem na fábrica de La Masia. Enquanto a equipa principal vencia títulos com esse misto de holandeses, estrelas internacionais e estrelas em ascensão, começavam a formar-se as condições para que os Iniesta, Fabregas, Valdés, Piqué e companhia encontrassem um Barcelona muito diferente àquele que Guardiola conheceu no final dos anos 80.

O mal amado holandês, sempre criticado pela imprensa local, foi também o responsável directo pelo sucesso actual do clube catalão quando, contra indicações da própria direcção, lançou na primeira equipa a jovens como Xavi Hernandez, Charles Puyol (na sua primeira etapa) e mais tarde a Andrés Iniesta, Victor Valdés e Fernando Navarro (hoje no Sevilla) quando voltou a Barcelona, sem grande sucesso. O seu braço direito de então, José Mourinho, foi o responsável por algumas dessas apostas, já que era o técnico responsável de orientar os jogos na Taça Catalunya, onde Xavi, Puyol e companhia deram os primeiros toques na bola como profissionais do Barça.

Quando van Gaal saiu do clube - e o projecto de Gaspart entrou em espiral destructiva - o clube equacionou vender tanto a Xavi como a Puyol. O dinheiro da transferência de Figo foi gasto em jogadores de segunda linha e a formação continuou a ficar esquecida até que outro holandês, Frank Rijkaard, herdou a herança de van Gaal (com Valdés e Iniesta à cabeça) e seguiu as suas directrizes, juntando ao quarteto da casa - que se sagrou campeão europeu em Paris - o génio de Ronaldinho. E, no entanto, sob o seu mandato - e o de Laporta - tanto Piqué como Arteta e Fabregas foram forçados a emigrar para a Premier porque o clube continuava a olhar de outro lado para o producto da casa por muito que o técnico tentasse ir lançando jovens da cantera.

 

Guardiola herdou um esquema perfeitamente montado pelo ideário táctico de Cruyff e, sobretudo, a aposta clara de van Gaal na ideia de um onze da casa. Herdou sobretudo um esqueleto formado por quatro jogadores em quem só van Gaal acreditou durante larguíssimos anos e a figura omnipresente de um Leo Messi que, talvez, sem a politica de prospecção importada pelo mal amado técnico desde Amesterdam talvez nunca tivesse jogado de blaugrana. Desde a sua chegada, em 2008, que Guardiola já fez estrear a 19 jogadores da casa, o último dos quais a grande promessa Gerard Deulofeu. E, no entanto, só um deles, Busquets, encontrou um lugar à sombra na equipa principal. Entre os restantes 18 há jogadores que abandonaram o navio, outros que continuam a preparar-se na equipa B e um trio (Fontás, Thiago e Cuenca) que é utilizado como back-up de um plantel que continua a ser quase tão gastador como nos dias de Cruyff (Villa, Alves, Ibrahimovic, Abidal, Adriano, Maxwell, Keita, Afellay, Alexis Sanchez) e que mesmo assim consegue transmitir uma ideia totalmente desfasada da realidade na opinião pública. O génio táctico de Guardiola é inequívoco mas o seu rosto de Lancelot da formação blaugrana é uma das mais gritantes falácias do futebol actual. À distância, o mesmo homem que rejuvenesceu o Ajax, revitalizou o Bayern Munchen e quebrou a hegemonia do futebol holandês com o seu AZ continua a ver a sua criação recolher os mais rasgados elogios sem que nunca o seu nome saia à tona. Mourinho, outro dos seus discípulos, outro producto dessa sua formação obsessiva - até de treinadores - está no outro lado da barricada e não tem o mais mínimo interesse em seguir a filosofia de um dos seus mentores. Talvez olhando para o que se vive em Barcelona tenha razão. Afinal, se nem Xavi nem Puyol se lembram de onde vieram, porque não acreditar neste conto de fadas?



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 08:58 | link do post | comentar | ver comentários (8)

Terça-feira, 06.09.11

Enquanto a imprensa catalã celebra o regresso às origens de Pep Guardiola, o técnico de Santpedor reafirma-se de forma definitiva como um técnico de futuro, um técnico capaz de marcar um antes e um depois na história do jogo. Para Guardiola o sistema é mais importante que o desenho e aproveitando ao máximo a geração perfeita do ADN blaugrana o seu último passo mais do que uma volta atrás é um salto em frente. Guardiola matou o ponta de lança e deu o passo em frente que muitos ousaram mas nenhum logrou conseguir.

Contra um fraquíssimo Villareal (fantasma do que foi na época passada) foi uma delicia voltar a ver o Camp Nou empolgado com um 3-4-3.

O desenho táctico que Johan Cruyff demorou quatro anos a implementar antes de poder desfrutar quatro anos mais do seu sucesso tinha já sido metamorfoseado pela rigidez táctica de Louis van Gaal antes de cair no esquecimento. Naturalmente, desde 2002 que as defesas de 3, esse ousado experimento que lançou para a ribalta Carlos Billardo a meados dos anos 80, desapareceram do mapa. O Brasil de Scolari foi, de certa forma, o canto do cisne de um desenho que era mais um 3-5-2 do que um 3-4-3 puro, cruyffiano. A herança da escola do Futebol Total (o quarto elemento do meio campo - o eterno número 4 - herdou o papel do libero michelsiano) desapareceu debaixo da capa de verticalidade ofensiva de Frank Rijkaard e, sobretudo, da tremenda eficácia dos desenhos magnificos de Guardiola.

Portanto muitos podiam pensar que o regresso ao 3-4-3 seria um sinal de que Pep, esse filho pródigo do cruyffianismo, pretendia emular o mestre não só em títulos mas também em estilo. Comparação irreal. Não só porque os títulos já foram superados mas, sobretudo, porque o estilo das equipas de Guardiola supera em todos os sentidos (eficácia, estética, rigor defensivo, conceitos de pressing e posse) a cartilha do Dream Team. Um regresso ao 3-4-3 numa equipa marcada, sobretudo, pelas baixas do sector defensivo, foi sobretudo um aproveitamento de recursos (e que recursos) que o plantel dispõe no último terço do terreno de jogo. Algo que se voltará a ver, inevitavelmente, e sobretudo nos jogos em casa. Mas que está longe de ser o desenho que mais entusiasma e que marcará a carreira de Guardiola como um técnico de excepção. Se o 3-4-3 pertence a Cruyff (e de que maneira), a Guardiola poderá analisar-se no futuro o seu papel indiscutível de pai do 4-6-0. O desenho táctico que matou o ponta-de-lança, o desenho táctico da próxima década.

 

Ninguém imaginava nos anos 50 que o extremo, o jogador da escola de Matthews, Garrincha ou Gento alguma vez pudesse desaparecer do mapa. Era a época da passagem do caduco WM ao 4-2-4 (e mais tarde ao 4-3-3) e o grande sacrificado dessa metamorfose táctica acabou por ser o herói da multidão. Sem tempo para pensar, sem espaços para arrancar em velocidade, os extremos foram forçados a abandonar a linha de fundo pelas diagonais, os centros no limite pelos passes para a entrada da área, o jogo vertical pela horizontalidade.

No Brasil e Inglaterra a metamorfose tardou, no primeiro caso pelo tempo e espaço que ainda hoje se concedem as equipas, no segundo pela teimosia histórica em inovar. Mas quando o resto da Europa começou a adaptar-se a essa mudança surgiu, progressivamente, outra extinção impensável. Talvez a Itália de 1970 já estivesse a anunciar o fim do 10. Talvez a metamorfose do Futebol Total, a colectivização do posicionamento táctico, tivesse deixado pistas suficientes para antever que duas décadas depois o artista vagabundo e solitário seria asfixiado até à exaustão, até tornar-se numa ave rara, dependendo de personagens sui generis como Juan Roman Riquelme para subsistir na mente dos mais novos.

Talvez por isso hoje muitos se escandalizem com a ideia de um futebol sem ponta de lança. Afinal é o golo a linguagem do jogo, o objectivo suprema, o santo Graal que todos buscam (uns mais que outros). Mas essa imagem histórica dos gigantes de área, dos predadores letais, começa a desvanecer-se progressivamente precisamente quando o pressing defensivo de Sacchi ensinou as equipas a encurtar o terreno de jogo até à linha do meio-campo. A mudança da lei do fora de jogo, o pressing defensivo e, sobretudo, o ritmo de jogo alto característico do final dos anos 90, começaram a dar o toque de finados para um jogador que foi, até então, exemplar único (e altamente sobrevalorizado) em qualquer equipa. Cruyff entendeu-o e começou com Romário o que hoje Guardiola logrou de forma definitiva com Messi. A diferença? O ADN blaugrana.

Guardiola não foi o primeiro técnico a tentar fazer do 4-6-0 uma realidade. Tanto Alex Ferguson como Luciano Spaletti tentaram recriar o esquema no terreno. No caso dos Red Devils o desenho parecia um vulgar 4-5-1 mas na realidade o papel de Rooney era o de falso dianteiro. O inglês recuava, puxando consigo a marcação e abria espaços para Ronaldo, Tevez, Giggs, Scholes, Hargreaves/Park/Anderson ou Carrick, explorarem. Também a Roma tentou emular o mesmo modelo com Totti de falso dianteiro, cercado por Vucinic, Perrota, Mancini e Tadei apoiados por De Rossi. Mas foram tímidas tentativas. Guardiola transformou a ideia em realidade.

 

Ajudou, é certo, o trabalho do técnico a excelente colheita de jogadores made in La Masia.

Guardiola conhece, encarna melhor dizendo, o ADN blaugrana como nenhum outro jogador. Encontrou à sua chegada veteranos de guerra com quem jogou (Xavi, Puyol), confirmações da era Rijkaard (Valdés, Iniesta) e lançou jovens que conhecia bem como Busquets, Pedro a que se juntou o repescado Piqué. Mas foi sobretudo Messi quem se transformou no jogador nuclear do primeiro Pep Team e que provocou a profunda metamorfose táctica de um 4-3-3 mais convencional (dois avançados abertos, um ponta de lança apoiados por dois interiores e um médio mais recuado) num claro 4-6-0.

Messi foi criado na Masia como um filho mais e bebeu desde cedo a filosofia local, tanto como Pique, Fabregas, Xavi ou Iniesta. A sua condição de estrangeiro é apenas circunstancial e isso nota-se cada vez que o número 10 veste a camisola da albiceleste. Ali ele é mais estrangeiro do que no seu Barça. La Pulga cresceu na Masia como extremo e foi aí que Rijkaard o posicionou, como o outro lado do espelho do genial Ronaldinho. Mas como Cruyff, Di Stefano, Pelé ou Maradona, o argentino é um jogador livre, sem posição fixa. A sua velocidade, finta, capacidade de reacção, determinação e, sobretudo, a sua capacidade de ler o jogo a uma velocidade laudrupiana transforma-o num jogador completíssimo que encaixa em qualquer desenho, em qualquer situação. Especialmente se quem o rodeia joga e pensa à mesma velocidade que ele.

Guardiola compreendeu isso de uma forma clara e depois de um ano transicional - e de uma aposta falhada em Ibrahimovic, incapaz de dar à equipa a mobilidade exigida - decidiu transferir o jogo de Messi para o miolo, reestruturando o carrossel ofensivo blaugrana. Com Messi no meio como receptor e emissor o técnico pode montar um quinteto de falsos médios, falsos avançados, capazes de manter a bola, imprimir o ritmo e encontrar os espaços necessários para controlar e dominar cada jogo.

Busquets e Keita consagram-se como os médios de controlo (muito mais do que Mascherano, mais eficaz quando joga como central adaptado). Xavi e Iniesta continuaram a ser eles próprios, interiores incisivos e letais com os seus passes a régua e esquadro e a sua fome de bola (poucas duplas na história tiveram tanta qualidade) e Pedro e Villa foram transformados em falsos extremos. Jogam colados à linha de fundo como fariam Garrincha ou Best, mas usam a sua velocidade, precisão no remate e leitura de jogo para estrangular as defesas contrárias. Eles abrem o campo para as diagonais dos interiores e fecham-no para asfixiar e cercar as defesas. Nunca jogam no ataque como figuras estáticas, nunca ficam muito longe da última linha defensiva quando defendem. No meio Messi, sem ordem que não seja a de criar o caos, um verdadeiro rebelde com causa, capaz de encontrar nos interiores, nos extremos ou nos laterais ofensivos, parceiros para dar e receber em dois, três toques rápidos, subtis e plenos de intenção. A mecanização de movimentos, depois de anos e anos de treino permitiram aos jogadores blaugranas criarem um entendimento único (por isso se entende o grande arranque de época de Fabregas e Thiago e a progressiva, mas mais lenta e individualista, adaptação de Alexis) e ao seu técnico abdicar definitivamente da figura do ponta de lança. Na filosofia de Guardiola não pode haver jogadores estáticos, incapazes de jogar em equipa. Se até Valdés é mais libero que guarda-redes como poderia haver um dianteiro que não fosse ao mesmo tempo extremo, médio e até mesmo defesa?

 

Inevitavelmente o ponta de lança continuará presente em equipas que privilegiam o jogo directo, que preferem o jogo aéreo contradizendo o velho dito de Brian Clough de relva nas nuvens. Mas à medida que o futebol se torna num jogo cada vez mais complexo, físico e intenso, o modelo blaugrana torna-se na evolução natural de algo que já a Hungria de Gustav Sebes anunciava, há mais de 50 anos. Naturalmente em Can Barça reuniram-se as condições (modelo implementado, tranquilidade institucional, classe dos jogadores, génio da equipa técnica) necessárias para aplicar o 4-6-0 com uma taxa de sucesso inquestionável. E mesmo isso não garante, como dissemos ao inicio, que perante rivais mais encerrados a aposta num modelo mais ofensivo como um 3-4-3 seja mais prática. Mas o passo dado em frente é inevitável. Na final da Champions League de Wembley o posicionamento de Messi (mas também de Pedro e Villa...os três marcadores) deixou a defesa do United desenquadrada por não saber a quem (e como) marcar. Chamam-lhe o "falso nove" mas a realidade vai mais longe. Mais do que recuar o nove o que o 4-6-0 de Pep consegue é involucrar no movimento ofensivo de concretização todo o acordeão do meio-campo, o que permite a Fabregas, Thiago, Iniesta ou Xavi estarem tão ou mais perto do golo que Villa, Pedro ou o próprio Messi. A função de atacar deixa de recair sobre um homem só para passar a ser coisa de muitos, permitindo uma constante superioridade em qualquer zona do terreno de jogo. E a história do futebol ensinou-nos que os mitos são homens mas quem faz a diferença são sempre as equipas



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Segunda-feira, 04.07.11

A novela futebolística da silly-season desta temporada chama-se Cesc Fabregas. Uma novela tão supérflua e vazia como qualquer livro ligeiro que se leva para a praia e que se lê em diagonal. Ninguém questiona o talento do capitão do Arsenal mas transformá-lo num cavalo de batalha e num conflicto mediático é algo surpreendente tendo em conta que actualmente o jogador dos gunners não tem espaço no onze de Guardiola.

Quando um jornal conhecido pela sua militância fanática como é o Sport catalão anuncia uma mutação táctica para acomodar a chegada mais do que previsível de Fabregas ao Barcelona, começa a ficar claro que o problema é mais grave do que se poderia supor. É difícil imaginar um treinador que seja tão talentoso e perspicaz como é Josep Guardiola. Pensar que o treinador da equipa mais bem sucedida do futebol mundial dos últimos 20 anos irá mudar o desenho táctico que, precisamente, levou a essa supremacia, simplesmente para acomodar a um jogador, é por si só espelho do desespero mediático em que se envolveu nesta novela a sociedade blaugrana. Imprensa e clube não sabem que fazer com um jogador que é petição expressa do homem que ninguém se atreve, nem mesmo Sandro Rossell, a contrariar.

Guardiola é hoje o presidente de facto do FC Barcelona e poucos duvidam disso mesmo. Ao contrário de Cruyff, que sempre teve de viver com a sombra de Nuñez, o técnico de Santpedor controla o seu clube do topo à base com a autoridade concedida pelo sucesso indiscutível que teve desde que regressou ao Camp Nou. Um mandato presidencial oculto mas que tem definido, positivamente, o sucesso desta estrutura desportiva da qual ele é, de certa forma, o protótipo perfeito. No meio do seu mandato oculto, Fabregas tornou-se num tema nuclear. 

O jogador saiu do Barcelona de costas voltadas com a direcção de Joan Gaspart que se recusou a oferecer os valores que pedia para renovar contrato. Tal como Gerard Pique, o seu melhor amigo, escolheu Inglaterra para continuar o seu crescimento profissional sem nunca esconder a sua devoção pelo clube de origem. Em Londres foi o exemplo perfeito de como Arsene Wenger sabe pescar e trabalhar jovens promessas e rapidamente se tornou no capitão dos gunners. Mas desde que se tornou titular, Fabregas nunca soube o que era ganhar um troféu de nível com o Arsenal. Mais do que isso, nunca se tornou no jogador diferente que tantos esperavam dele, o estilo de jogador capaz de vencer, por si só, todas as adversidades. Cesc é bom, muito bom, mas é um jogador de colectivo, como seria de esperar de alguém que seguiu o ideário blaugrana ao longo da sua vida. Nunca se destacou como uma estrela individual e nunca se viu rodeado com um colectivo que partilhasse a mesma filosofia. Porque Denilson, Diaby, Flamini, Nasri e Song não são, propriamente, violinistas de excepção. Essa sombra sobre o seu sucesso profissional criou uma certa inimizade com o próprio público do Camp Nou que não parece gostar muito da ideia do regresso do jogador a casa. Um sentimento partilhado pela directiva oficial, a de Rossell, que preferia gastar a fortuna que está sobre a mesa - 40 milhões, mais coisa menos coisa - noutras posições e noutros mercados (a saber, o mercado brasileiro onde Rossell dá cartas). Mas é aí que entra a figura de Guardiola.

 

Guardiola é o espírito vivo da Masia e quer rodear-se de todos aqueles que partilhem o seu sentimento, antes de voltar a aventurar-se em trazer algum jogador, por muito bom que seja (leia-se Ibrahimovic) que não encaixe no seu ideário. E Pep é, sobretudo, um treinador de jogadores, dos seus jogadores, daqueles que cresceram com ele como idolo. Por isso permite que Milito se mantenha no plantel (ele é o baby-sitter de Messi para todos os efeitos), por isso valoriza jogadores como Pinto e Keita, as almas do balneário de portas para dentro. E por isso sabe que gastar dinheiro num jogador estranho ao ambiente do clube é algo que não vai com a mentalidade que defende o seu grupo de trabalho.

E nesse grupo estão todos os amigos de Fabregas, os seus antigos colegas de equipa (Piqué, Messi, Valdés) e aqueles a quem já ele admirava (Xavi, Puyol,Iniesta) quando dava os seus primeiros passos na Masia. Esse fortíssimo grupo de pressão tem feito de tudo nos últimos dois anos para forçar o regresso de Fabregas a casa. Independentemente da opinião da directiva (já Laporta preferiu apostar tudo em Villa do que em Fabregas) e do público, eles querem o seu companheiro de luta ao seu lado, independentemente de questões técnico-tácticas. E financeiras claro está.

Se isso é normal entre o plantel, o estranho é que o próprio Guardiola se deixe prender num problema que pode condicionar a própria evolução da sua quarta temporada, ele que pretende emular o feito de Johan Cruyff conquistando o Tetracampeonato no próximo mês de Maio. Todos sabem dos problemas de Fabregas com Vicente Del Bosque. O seleccionador espanhol, pessoa sábia, correcta e razoável a todos os niveis, confinou-o ao banco de suplentes ao não ver espaço para um jogador das suas características num meio-campo com Xavi, Iniesta e Busquets...o mesmo que encontrará em Camp Nou. O jogador do Arsenal, que com o 4-5-1 de Aragonés teve espaço para brilhar, sabe que o jogo do Barcelona acenta em Messi e na sua posição de falso nove que precisa do jogo de extremos (Pedro e Villa) para ser eficaz. Isso implica um meio-campo de três, o tal meio-campo de três onde Del Bosque não vê espaço para Fabregas. O capitão de um dos grandes da Europa equaciona, aos 24 anos, mudar para ser suplente?

Talvez, mas se a mesma situação lhe provoca mal estar com a selecção, onde joga de tempos a tempos, imagine-se uma rotina diária. Esquecendo a estapafúrdia ideia do Sport, a aposta num 3-4-3 cruyffiano (que o próprio Guardiola já descartou várias vezes, depois de aprender de Capello as licções sobre uma boa defesa de 4) que faria pouco sentido quando se tem Dani Alves e Gerard Pique na equipa (que transformam a defesa de quatro em defesa de três e dois com classe e soltura) então ficamos presos a esse desenho de tridente e à ausência de espaço para Cesc crescer. Mais ainda, o ainda jovem jogador do Arsenal competirá também com Thiago. Pode parecer uma comparação supérflua, até porque Fabregas é uma estrela internacional e Thiago um rookie de projecção. Mas não é dificil ver no MVP do Europeu de sub-21 talento para tornar-se, talvez, no melhor jogador do Mundo na sua posição e a sua maturidade desportiva pede tempo de jogo (em jogos importantes) e espaço de manobra. A chegada de Fabregas não só custa 40 milhões e uma possível temporada no banco de suplentes, também pode significar um problema para Thiago, estrela emergente que o Barcelona deveria saber cuidar. Um negócio que entra em confronto com a mensagem de ajuste financeiro do clube e o clima de tranquilidade que Pep Guardiola tem sabido transmitir.

 

Cesc Fabregas pode - e certamente o fará - ampliar o leque de opções numa longa e difícil temporada. Mas também poderá tornar-se numa bomba relógio pronta a explodir. Xavi é ainda peça fundamental na manobra da equipa. Busquets uma rocha inamovível e Iniesta o elemento mais desequilibrante, depois de Messi. Com a chegada de Fabregas e a ascensão de Thiago o Barcelona torna-se, mais ainda, a equipa mais poderosa do mundo a meio-campo. Mas também reedita um velho problema do seu eterno rival, o Madrid Galáctico que gastou milhões para acumular figuras no eixo ofensivo para depois ter de viver com os problemas de egos e as carências noutros sectores do terreno de jogo. No meio de tudo isto nada parece mais supérfluo do que a contratação de Fabregas. 



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Sábado, 25.06.11

A preocupante situação financeira do Barcelona levou Sandro Rossell a adoptar uma postura que vai totalmente contra o ideário desportivo que a filosofia de Guardiola tem implementado, com um sucesso inquestionável, no futebol do clube. Apadrinhada por Johan Cruyff, sempre omnipresente em assuntos de estado, a ideia de abdicar de alguns dos maiores talentos da Masia para mergulhar no complexo mercado de transferências é um sério ponto de inflexão na filosofia do clube blaugrana e afasta o clube do ideário romântico que tanto sucesso tem tido junto do público mundial.

 

Bojan Krkic parece ser o primeiro. Mas seguramente não será o último.

O Barcelona, segundo Cruyff, deixou de ser "Més Que un Club" no momento em que aceitou "manchar" as camisolas blaugranas com publicidade. Depois do truque publicitário - e algo hipócrita - chamado UNICEF (que permitiu à UEFA dobrar, uma vez mais, as suas regras em prol do clube blaugrana ao permitir que o clube tenha duplo patrocinio na próxima Champions ao contrário do que está nos seus estatutos) chegaram os petrodólares da Qatar Foundation, a mesma organização que pagou o apoio de Guardiola à candidatura mundialista do país que organizará o Campeonato do Mundo de 2022. Mas o buraco financeiro deixado na era Luis Nuñez (e engordado com a gestão de Joan Laporta) é tal, que nem esse negócio das Arábias se revelou suficiente.

Juntamos a essa vicissitude as incursões pontuais do clube no mercado de transferências e o quadro complica-se.  Em quatro anos o Barcelona gastou mais de 280 milhões de euros em contratações, com alguns flops consideráveis como foi o caso de Chygrinski (30 milhões), Zlatan Ibrahimovic (40 milhões mais o passe de Samuel Etoo) ou um conjunto de jogadores que mal vestiu a camisola da equipa principal (Henrique, Keirrison, Cáceres e Hleb). Ao mesmo tempo o clube não conseguiu sacar proveito das suas vendas (Henry saiu de forma gratuita, Etoo foi oferecido, Ronaldinho idem, Ibrahimovic chegou emprestado ao Milan que tem agora de pagar 24 milhões pelo seu passe, metade do que custou, ...) e agrandou ainda mais o buraco financeiro. A aposta pessoal de Guardiola na cantera que conhecia como ninguém resultou ser um brilhante negócio para a presidência do clube. A prata da casa não só permitia ao técnico manter a competitividade e filosofia do seu projecto como garantia, ao mesmo tempo, uma imensa poupança em gastos que a médio prazo poderiam salvar as arcas do clube. Mais do que uma filosofia desportiva, apostar na Masia foi sobretudo uma brilhante jogada de gestão. Guardiola evitava ter, como tem o Real Madrid, jogadores de primeiro nivel internacional com salários principescos sentados no banco, e o clube baixava o que gastava em salários e comissões e rentabilizava as suas instalações desportivas de formação como nunca tinha logrado no passado. Mas depois de três anos de máximo sucesso desportivo e algum reequilibrio económico, Sandro Rossell quer inverter a tendência. A Masia, mais do que funcionar como apoio à primeira equipa, ameaça em transformar-se num apoio para a conta bancária do clube.

 

Cruyff deu o tiro de saída num dos seus artigos semanais no El Periodico de Catalunya.

O holandês, que está a caminho do Ajax para reorganizar o futebol base do seu clube de origem, lançou o desafio à directiva e equipa técnica. Afinal o clube conta com mais de uma dezena de jovens "canteranos" com mercado e projecção de futuro e outra dezena com uma projecção menor mas que, com o rotulo de escola Barcelona, vale mais no mercado que muitos jogadores mais bem preparados. A notável temporada do Barcelona B, terceira na Liga Adelante, deu a conhecer ao mundo o génio de Thiago, Sergi Robert, Jonathan dos Santos, Rafa, Oriol, Jonathan Soriano e companhia. Esses nomes juntavam-se aos já habituais da primeira equipa, Bojan, Jeffren e às promessas Botia, Muniesa e Miño. Um onze titular praticamente com um potencial de primeiro nível assinalável.

A maioria treinou com a equipa principal durante o ano e muitos estrearam-se mesmo ao serviço de Pep Guardiola que sabe quais são as pérolas de maior projecção da sua cantera. Mas hoje em dia os próprios jogadores da Masia olham para si com outros olhos. Inspirados pelo sucesso do clube e, sobretudo, pelo impacto de Busquets e Pedro, todos querem a sua oportunidade junto a Messi e companhia. Mas nem todos a terão. Continuar na equipa B é um desafio cada vez menos estimulante para alguns e sair um risco, para eles e para o clube. Não segundo Cruyff.

O homem que criticou o Real Madrid por vender os seus melhores canteranos com direito a opção de recompra agora aconselha precisamente isso mesmo ao clube, para equilibrar as contas e investir no mercado de transferência. Negociar o futuro de Bojan, Jeffren, Thiago, Soriano, Muniesa e companhia parecia uma utopia há uns meses. Agora começa a soar como uma inevitabilidade.

No meio desta jogada aparece a figura de Sandro Rossell. O ex-directivo da Nike, responsável pela chegada do primeiro batalhão de brasileiros durante o mandato inaugural de Laporta, quer deixar a sua influência no projecto do clube. O seu medo de que Guardiola deixe o banco do Camp Nou no final deste ano estimula-o ainda mais a tomar controlo da situação. O caso Fabregas representa o primeiro confronto directo entre direcção e técnico. Guardiola quer o capitão do Arsenal, sente-o como um dos seus e quer repetir o processo de Piqué. Mas Rossel não está disposto a pagar o que o Arsenal pede (algo que a Nike, sua antiga empresa, não veria com bons olhos porque precisa do espanhol para aumentar as suas vendas com o merchandising dos gunners) e prefere gastar o mesmo dinheiro em jovens promessas sul-americanas. Alexis Sanchez e Neymar são sonhos seus, não de Guardiola, que preferia Fabregas e Rossi (por quem o clube ofereceu uns miseros 25 milhões, mais Bojan). 

Guardiola não quer perder o seu backup, a sua cantera, mas começa a ser dificil manter a jogadores como Jeffren e Bojan contentes com o facto de serem os eternos suplentes de Messi e Villa. O próprio Thiago, talvez a maior promessa do clube em muito tempo, sabe que se chega Cesc, como quer o treinador e o plantel, o seu espaço de manobra desaparece. E o técnico de Santpedor entende a situação financeira do clube. Por isso avalou a saída de Bojan para a AS Roma, onde está o seu anterior adjunto Luis Enrique, e ao jovem dianteiro podem brevemente seguir-se muitos mais. O jovem avançado que explodiu no último ano de Rijkaard pagou o preço do seu nervosismo e da mutação táctica de Leo Messi, um génio que nunca falha e raramente perde um jogo. Depois de três anos onde actuou muito pouco, Bojan precisa de jogos para demonstrar que o mais concretizador avançado da história da Masia pode repetir o feito junto dos mais velhos. A sua venda, por 10 milhões, é o principio do fim do romantismo ideológico de Guardiola. Utilizar a sua cantera como meio de reforçar as contas do clube - como fez o R. Madrid com Negredo, Albiol, Arbeloa, Granero, Soldado, de la Red, Mata, Parejo e companhia - significa que os back-ups da primeira equipa passarão a ser jogadores de fora, sem a cultura de base da escola que tanto tem encantado o mundo.

Com uma primeira equipa de sonho é fácil perceber que - salvo a posição de defesa-esquerdo - há pouco onde se possa melhorar o actual Pep Team. Qualquer entrada será, como a de Affellay ou Keita, para servir como apoio. Enquadrar nomes consagrados como Rossi ou Cesc ou promessas do nivel de Sanchez, Neymar ou Pastore nessa politica pode dar mais do que uma séria dor de cabeça a Pep Guardiola. Ao mesmo tempo, vender o melhor que a cantera de Barcelona tem para oferecer diminuiu o prestigio moral do clube ao mesmo tempo que também permite que o ideário blaugrana encontre refúgio noutros projectos que pretendem emular a filosofia do clube da cidade Condal. A Masia tem, desde já, ordem para voar. É uma decisão que financeiramente pode funcionar a curto prazo mas que num futuro pode multiplicar os casos como o de Cesc Fabregas e acabar por ser um erro de planeamento a médio e longo prazo. Com esta jogada, Rossell demonstra também que o presidencialismo também já chegou ao Camp Nou.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 00:06 | link do post | comentar | ver comentários (14)

Segunda-feira, 30.05.11

Alex Ferguson confessou, desalentado mas cavalheiro, que a derrota na final de Wembley frente ao Barcelona significou também a maior "sova" da sua carreira desportiva. Um traço de impotência que acompanha, invariavelmente, todos os treinadores que se cruzam com os homens de Guardiola. O Barcelona rubricou em terras inglesas uma das suas exibições mais convincentes. Uma vez fiel a si próprio. O Man Utd procurou um plano alternativo para travar o rival. Como há dois, como tantas vezes com tantos rostos, foi insuficiente. Caiu na teia de aranha e morreu lentamente...

Ao minuto 10 de jogo Pep Guardiola estava nervoso.

O técnico blaugrana é assim, incapaz de tranquilizar-se durante 90 minutos. Vive o jogo com intensidade e cuida cada detalhe com mimo. E apesar de ter previsto aquele arranque, a situação deixava-o incómodo. Mas não necessariamente preocupado. Sabia o que Ferguson tinha preparado, sabia que não iria funcionar. Era uma questão de tempo. Cinco minutos depois sentou-se e respirou. A partir daí pôde desfrutar de uma noite de glória.

O arranque da final do Wembley deixou antever um Man Utd transfigurado. Foi sol de pouca dura. Ferguson viu e bebeu os duelos entre o Barcelona e o Real Madrid de José Mourinho. Percebeu como o português esteve perto de suplantar o rival e quis sacar conclusões que se enquadrassem com o seu modelo de jogo. Apostou na pressão alta e intensa da linha da frente, em lutadores com fome de bola. Colocou Wayne Rooney em cima de Sergio Busquets. Deu ordens a Chicharito para explorar a conexão Piqué-Mascherano, uma dupla com pouca rotina, e colocou Valencia e Park Ji Sung no apoio ao sector defensivo. A ideia era roubar a bola dentro do meio campo blaugrana e não deixar espaço para que os catalães fizessem a bola circular à sua vontade. Se inicialmente o plano funcionou no aspecto defensivo (só aos 12 minutos o Barcelona efectuou o primeiro disparo à baliza de van der Saar), a verdade é que Ferguson caiu no mesmo erro de Mourinho. E de tantos outros. Ao abdicar do seu próprio plano de jogo para anular o rival, o escocês fez exactamente aquilo que Guardiola queria, desatender o seu próprio modelo de jogo, ofensivo e letal. Abdicando da velocidade de Nani, da presença fisica de Berbatov (que nem um lugar teve no banco de suplentes) ou o critério com a bola de Anderson e Scholes, o técnico do Man Utd abdicou antes da luta. A partir do momento em que o Barcelona sacudiu a pressão - que nunca foi asfixiante porque, depois de recuperar a bola, os jogadores do United nunca conseguiam encadear mais de três passes consecutivos - tomou conta do jogo e ditou os ritmos a seu belo prazer. Se as pernas dos Red Devils não iriam durar o jogo todo, como era previsível, foi a mente que claudicou primeiro. 

 

O Manchester United, uma equipa autoritária, de posse de bola, de transições rápidas e, sobretudo, de ataque, tornou-se numa presa fácil quando planteou o jogo da final de Wembley em função do rival. Muitos dirão que é impossível não jogar contra o Barcelona sem pensar duas vezes em como travar Messi, Xavi, Iniesta e companhia. E no entanto, exceptuando os 410 minutos disputados entre Barcelona e Real Madrid, desportivamente um caso à parte, as equipas que realmente colocaram o Pep Team em cheque foram as que se revelaram mais fieis ao seu próprio modelo de jogo.

O Arsenal de Wenger, o Shaktar de Lucescu, o Betis de Pepe Mel, o Villareal de Garrido, o Valencia de Emery, o Hercules de Vigo...equipas que fizeram suar os blaugrana mais do que seria esperado e que deixaram a nu os seus pontos fracos. Exceptuando os alicantinos e londrinos (num dos jogos) todos acabaram derrotados. Mas fieis ao seu estilo de jogo. Em vez de focar-se tanto nos duelos com o seu eterno rival, que futebolisticamente esteve sempre uns furos por debaixo do Barcelona, Ferguson podia ter aproveitado para ver os jogos onde ficavam a nu os problemas defensivos deste Barcelona. Poderia ter revisto o duelo com o Bétis, equipa da segunda divisão que na Copa del Rey realizou talvez a melhor primeira parte de um rival blaugrana no Camp Nou esta época. Ou as muitas oportunidades perdidas pelos brasileiros do Shaktar Donetsk, aproveitando os espaços deixados atrás pelas subidas constantes de Dani Alves. Ou ainda a forma como Unay Emery encontrou de amputar as alas do ataque do Barcelona com a colocação de dois falsos laterais num modelo muito mais próximo do 3-5-2 do que do o habitual 4-2-3-1 que utiliza. E se a vitória do Hercules tem as suas particularidades (aproveitando no entanto outro problema habitual do jogo blaugrana, o jogo aéreo defensivo) já o Arsenal e Villareal limitaram-se a jogar contra a melhor equipa de toque do mundo...tocando. 

Em vez disso, Ferguson preferiu o choque. Preferiu Park e Valencia a Nani e Anderson. E o que ganhou em força, perdeu em clarividência quando a bola caía nos pés dos seus jogadores. Colocar Giggs foi uma concessão ao sentimentalismo. O galês não tinha ritmo para aguentar a movimentação dos rivais e, sobretudo, não tinha colegas com quem se associar. Javier Hernandez, de quem tanto se esperava, nada fez. Normal, não havia nunca um colega disposto a ajudá-lo a superar Piqué e Mascherano. E quanto a Rooney, apesar de tudo, o mais irreverente, salvou com um golpe de génio um jogo onde se assemelhou, em tantas coisas, a um Cristiano Ronaldo abandonado, só e desesperado perante a superioridade do rival.

 

Se o Barcelona venceu jogando ao mais alto nível foi porque se manteve fiel a si mesmo.

O conjunto de Guardiola  manteve a defesa baixa, dando carta branca a Dani Alves. O brasileiro sofreu o acosso de Park no inicio do jogo mas rapidamente começou a soltar-se e a ganhar as corridas a Evra. Com Alves solto pela direita e Pedro bem aberto pela esquerda, o Barcelona colocou em prática a sua teia de aranha, o seu esquema táctico que relembrar mais os planteamentos de basket e andebol (não é por acaso que Guardiola é um fanático da NBA e que, curiosidade, o Barcelona tenha vencido a sua oitava Champions de andebol no dia seguinte à final de Wembley). Messi como pivot, Pedro e Villa abertos, Alves e Abidal (em alguns sprints pontuais mas precisos) ainda mais abertos nas alas. Atrás do argentino o toque de Busquets, Iniesta e Xavi, prontos a descobrir os espaços. Um 3-3-1-3, com Messi como referência individual.

O argentino voltou a ser superlativo, deambulando a seu gosto pelo meio campo do rival. Ferguson, como tantos outros, não entendeu o erro de colocar em campo uma dupla de centrais de marcação individual como são Ferdinand e Vidic...quando não havia ninguém que marcar.

O golo de Messi, um disparo irrepreensível, espelha bem essa realidade. Os defesas parados, sem saber a quem marcar - Villa e Pedro estavam bem abertos nas alas e Iniesta tinha subido para dar o apoio - imutados, enquanto Messi decide se arranca para a enésima tabela (que era o que esperavam) ou dispara. Um golo que espelha bem a superioridade da ideia de Guardiola perante o conservadorismo táctico de Ferguson. Contra este Barcelona uma defesa de quatro jogadores faz pouco sentido, especialmente se um defesa não sobe (como fazia Beckenbauer e como faz, brilhantemente, Pique) para equilibrar a superioridade numérica que causa Messi no miolo. Sem esse planteamento mais corajoso, o Man Utd tornou-se presa fácil do superior futebol de toque e distribuição do Barcelona. Três golos fora da grande área, três erros de posicionamento defensivo por incapacidade de compreensão do esquema apresentado pelo rival. Uma derrota escrita nas estrelas.

 

Se o Manchester United tivesse sido igual a si próprio talvez tivesse perdido por números mais expressivos. É um risco que corre qualquer equipa que decide defrontar o Barcelona sem medo. Mas ao jogar dependendo exclusivamente do rival, o Man Utd hipotecou as hipóteses de vencer e limitou-se a tentar prolongar a agonia. O golo de Rooney não disfarça uma superioridade clara de uma equipa que só precisa de ser fiel a si mesma para vencer. O triunfo do esquema táctico de Guardiola, a evolução moderna do pensamento de Jimmy Hogan, Hugo Meisl, Gustav Sebes, Viktor Maslov, Rinus Michels, Santana, Arrigo Sacchi e Johan Cruyff, reforça o conceito de superioridade do projecto blaugrana. E como todas as grandes equipas do passado, este Barça só poderá ser superado quando surja, do nada, um projecto novo, diferente, herdeiro de outra filosofia e que, sobretudo, saiba ser fiel a si mesmo. 



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 20:39 | link do post | comentar | ver comentários (10)

Sábado, 28.05.11

O Barcelona não deu qualquer opção ao Manchester United e confirmou a sua indiscutível supremacia no actual panorama do futebol mundial. Desde os dias do AC Milan moldado por Sacchi e continuado por Capello que nenhuma equipa se mostrava tão naturalmente superior aos seus rivais directos. Numa final em que foram claramente superiores, os blaugrana conquistaram a sua quarta Champions League fieis ao seu estilo e forma.

Aos 10 minutos de jogo acabou a resistência do Manchester United.

A partir desse momento a final funcionou apenas numa direcção, a da baliza de Edwin van der Saar.O Manchester United chegou ambicioso e arrancou muito bem, com uma pressão asfixiante que surpreendia o mais céptico dos seus adeptos. Park Ji Sung, Michael Carrick e Wayne Rooneyeram o rosto dessa atitude que nunca se viu, por exemplo, na final de Roma em 2009. Foi sol de pouca dura. A partir do minuto 10 a bola ocmeçou a fluir naturalmente pelos pés de Xavi, Iniesta, Busquets, Villa, Pedro e, sobretudo, Leo Messi. E nunca mais daí saiu.

Messi foi, sobretudo hoje, um jogador absolutamente estelar. Montou a festa blaugrana e coordenou os festejos com a sua brutal naturalidade para surpreender e decidir. O seu golo, um gesto de absoluta genialidade, foi apenas o corolário de uma grande exibição individual num espantoso concerto colectivo. O argentino reforçou o seu estatuto de melhor jogador do Mundo e foi o espelho perfeito da atitude da sua equipa que, três anos depois, continua a jogar com a mesma fome de titulos do primeiro dia. Da final de Paris de 2006, onde o ciclo negativo do Barcelona se começa a inverter, só Valdés surgiu como titular. Messi e Xavi estavam ausentes por lesão,Iniesta dormia no banco, Puyol ficou no banco desta vez. Mas eles são o esqueleto da estrutura deste modelo de jogo queGuardiolasoube cultivar e desenvolver. A pouco e pouco foram chegada as inclusões da cantera (Busquets, Pedro) e as incursões ao mercado (Abidal, Mascherano, Villa, Alves) para aperfeiçoar o projecto. A ninguém surpreende a vitória de hoje. Desde 1990, quando Arrigo Sacchi se tornou no ultimo treinador a levantar por duas vezes a máxima taça europeia, ninguém o emulou. Mas nunca nenhum treinador deu tanta sensação de superioridade comoGuardiola. O catalão perdeu a hipótese de emular o italiano quando se defrontou com a teia de aranha de José Mourinho. Mas pela segunda vez frente á velha raposa que é Ferguson, o triunfo não lhe escapou. Merecidamente.

 

O Barcelona tomou controlo do jogo para não o largar.

Xavi organizou a orquestra, Iniesta eVilla procuraram os espaços e Messi deixava Vidic eFerdinand sem saber o que fazer. É impressionante como, dois anos depois, os defesas centrais do Man Utdcontinuem sem saber como lidar com o estilo de jogo do argentino. Mas é verdade. Messi foi decisivo nas suas deambulações mas o primeiro golo surgiu de Xavi, a bússola do Barcelona, e do sentido de oportunidade de Pedro, o homem das grandes noites. Era justíssimo o resultado e este podia ter sido facilmente ampliado não fosse o desacerto blaugrana. E do nada, o empate. Wayne Rooney aproveitou um roubo de bola de Valencia e combinou, primeiro com Carrick e depois com Giggs, ligeiramente adiantado, para marcar com um remate espantoso. Valdés não teve opções. Do nada o Man Utdnivelava um jogo profundamente desequilibrado. Mas em vez de funcionar como um plus de moral, o golo apenas espicaçou o Barcelona. Quando as equipas voltaram do balneário, o Manchester foi forçado a esperar cinco minutos no relvado pelos rivais. Minutos que deixaram a dúvida, o receio, os nervos tomarem conta. O Barcelona entrou reforçado pelo grito dos adeptos. E assenhoreou-se do jogo de forma definitiva.

Messi tentou, tentou e voltar a tentar. Do nada sacou um remate colocado, quando a defesa do Manchester esperava nova tabela, e celebrou como se fosse  o golo da sua vida. Sabia bem o simbolismo que lhe atribuiriam, ele que já tinha sido rei em Roma. E que voltava a sê-lo, indiscutivelmente. O Manchester ficou ainda mais nervoso, incapaz de reagir, de oferecer uma resposta digna. O castelo de cartas montado por Ferguson desfez-se e o escocês não soube reagir. O equatoriano Valencia nunca entrou no jogo, o mexicano Chicharito, que tantos queriam ver, defraudou absolutamente e Giggs, por muito talento que tenha, deu claros sinais de não aguentar o ritmo de troca de bola do carrossel rival. Mesmo as opções lançadas do banco acabaram por ser, no minimo, inconsequentes. O 3-1, resultado final, foi o espelho do encontro. Pressão alta do Barcelona, nervos da defesa do Manchester e um golpe de génio individual de Villa para culminar um brilhante trabalho colectivo. A final estava ganha, a história estava reescrita, a superioridade contrastada.

 

O triunfo inapelável do Barcelonareforça a sua condição de equipa número um do mundo. Mais para lá dos debates estéreis sobre a história passada, presente e futuro, o que está claro é que o modelo de jogo, de gestão e de pensamento do Barcelona é hoje o modelo dominador do futebol europeu. A aposta no estilo de toque, o culto da posse de bola, os destelhos individuais de um génio como Messi e a labor de gestão humana de um perfeccionista como Guardiola são os ingredientes perfeitos desta equação. Em Canaletas a noite será, merecidamente, muito longa. E a supremacia de jogo do Barcelona convida a pensar que não será a última nos próximos anos.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 22:13 | link do post | comentar | ver comentários (18)

Seria difícil que a UEFA tivesse escolhido um estádio tão apropriado para um duelo entre Manchester United e Barcelona. Se os clubes tivessem de eleger um recinto, seguramente que teria sido este. Contém mais do que retalhos importantes da história do beautiful game. Foi também o gérmen dos grandes sucessos da história de ambos clubes e surge agora renovado para o corolário de duas eras inesquecíveis para blaugranas e red devils.

 

Longe vão os dias do cavalo Willy e do público irrequieto que mal deixava espaço para os jogadores respirarem.

O segundo maior estádio da Europa (só superado pelo Camp Nou), conta com 90 mil lugares e lembranças de dias pretéritos inesquecíveis. Já não conta com o imenso espaço entre relvado e bancadas, muito anti-inglês. Nem com as históricas Twin Towers, bandeiras ao vento. Mas mesmo assim é um cenário impressionante, profundamente modernista e de proporções épicas. O imenso arco que rodeia o terreno de jogo funciona como trademark de um recinto reinaugurado em 2007 depois de quatro anos de obras, problemas de financiamento e dúvidas existenciais para um povo extremamente agarrado às suas tradições.

O velho Wembley recebeu alguns dos jogos mais impactantes da história do futebol. Desde a polémica final do Mundial de 1966 à vitória histórica da Hungria sobre a Inglaterra, a primeira em solo britânico, passando por várias finais europeias (a consagração do AC Milan de Rivera, do Manchester de Charlton, do Ajax de Cruyff, do Liverpool de Keegan e do Barcelona de Cruyff, agora no banco) que definiram eras do jogo. Isto claro sem esquecer as históricas finais da FA Cup, durante décadas o evento mais glamoroso do futebol internacional. Mais do que esses momentos singulares, Wembley era o mito de uma era passada. "Estádio do Império", como começou a ser conhecido, era o último reduto da mentalidade imperialista britânica, da grandeza da velha Londres que tanto se rendia para o futebol como para outros desportos e, mais simbolicamente ainda, para concertos e espectáculos que dariam a volta ao mundo na era da televisão. Foi o primeiro estádio de futebol transformado em pavilhão multi-usos quando as instalações ainda nem sequer permitiam sonhar com essa realidade na velha Europa.

 

Mas acima de tudo Wembley é parte da história da Champions League e das vidas de Manchester United e Barcelona.

Os ingleses jogam em casa e não é apenas um eufemismo patriótico. No velho estádio londrino viveram alguns dos seus momentos mais emblemáticos que ajudaram a definir as duas eras históricas do clube. Nos anos 60, quando Matt Busby se predispôs a recriar o seu projecto malogrado no acidente de Munique, o estádio tornou-se um simbolo do renascimento dos Bubsy Babes. Foi perante 120 mil pessoas que a equipa capitaneada por Charlton, com Kidd, Best, Stepney, Foulkes e Stiles, venceu por 4-1 o Benfica de Eusébio. Um jogo trepidante que podia ter acabado com a vitória encarnada, não fosse o falhanço de Eusébio nos minutos finais. Depois do 1-1 do tempo regulamentar, chegou a goleada histórica que deu a primeira Taça dos Campeões a um clube inglês. Seria o último troféu ganho pelo clube em muito tempo. Em 1990, já com Alex Ferguson no banco de Old Trafford há cinco temporadas, a expectativa dos adeptos era muita. Uma derrota e talvez hoje o escocês não fosse um mito vivo. Mas a equipa liderada por Robson ganhou por 1-0 o replay a final da FA Cup contra o Crystal Palace, depois do primeiro jogo ter terminado num agónico 3-3. Depois chegou a era de glória, a Taça das Taças no ano seguinte (contra o Barcelona de Cruyff, precisamente) e mais três FA Cups (4-0 contra o Chelsea em 1994, 1-0 contra o Liverpool em 1996 e 2-0 frente ao Newcastle em 1999). O estádio do império tinha-se tornado no talismã do inefável escocês.

A história de amor do Barcelona com o recinto é mais sucinta mas não menos especial. O clube blaugrana nunca tinha jogado no estádio londrino quando chegou em Maio de 1992 para defrontar a Sampdoria italiana. Era o culminar do Dream Team de Cruyff, que vinha de se sagrar bicampeão espanhol dias antes, depois da inesperada derrota do Real Madrid em Tenerife. A equipa actuou com o laranja catalão (e holandês) e deu-se bem. Sofreu a bom sofrer e só um livre directo de Ronald Koeman a sete minutos do fim decidiu a contenda. Acabava uma malapata de 40 anos dos blaugranas em finais europeias e começava o ciclo de titulos que seguira a ampliar-se em finais disputadas em grandes capitais europeias, Paris e Roma.

 

Para ambas as equipas voltar a Londres é, portanto, voltar onde tudo começou. O estádio pode ser novo (Ferguson sabe o que é ganhar aqui graças aos Charity Shields conquistados em 2007, 2008 e 2010) mas a magia é a mesma de sempre. Londres inspirará fundo e viverá mais uma noite histórica de futebol. As duas equipas mais em forma da última década olham-se olhos nos olhos e sentem o peso dos seus antepassados a empurrá-los para a frente. Passe o que passe, pelo menos uma das equipas continuará a sentir o mítico Wembley como a sua segunda casa.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 09:50 | link do post | comentar

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