É curioso que o primeiro grande herói do futebol escocês tenha ficado para a posteridade como um "Lisbon Lion". Uma tarde histórica no estádio do Jamor que terminou o dominio do futebol latino na Europa e abriu uma época em que os britânicos se tornaram infaliveis. 29 anos depois, a sofrer no banco como nunca, o seu coração não resistiu a uma nova alegria histórica. E o imortal Stein sofreu o destino que um dia Shankly anunciou como o único digno para um grande Manager: morrer no banco.
Que o primeiro conjunto britânico a vencer a Taça dos Campeões Europeus tenha sido escocês é uma alegria que em Glasgow não tem preço. Jock Stein foi o grande responsável por esse feito e por isso mesmo, ainda hoje, o seu nome é reverenciado até mesmo pelos eternos rivais do Rangers. Um feito que poucos podem almejar. Mas a história tem dessas coisas. E é importante que se conte desde o principio.
O principio de Stein remonta a Burnbank, uma pequena localidade do sul da Escócia, onde nasceu em 1922 Jock Stein. Durante a guerra o jovem serviu na RAF e depois de ter sido desmobilizado, como muitos veteranos, optou por seguir uma carreira profissional como futebolista. Mas depois de muitos anos em clubes modestos, só na etapa final da carreira chegou ao clube dos seus sonhos, o Celtic de Glasgow. Em Celtic Park a comunidade irlandesa a viver em Glasgow deslumbrou-se com a qualidade de passe do médio que em cinco anos jogou 150 encontros. A maior parte deles como capitão de equipa. Em 1953 foi o responsável pelo primeiro titulo do clube em 18 anos. No final de 1956 saiu ovacionado. Voltaria, uma década depois, para completar o trabalho.
Em 1960 Stein já tinha arrancado a carreira de treinador no Dunfermline onde esteve quatro anos tranquilos. Depois de se retirar do Celtic esteve um ano como treinador das reservas, sagrando-se campeão. Até que decidiu começar a carreira por sua conta e risco. No modesto Dunfermline fez história e em 1961 venceu a primeira Taça da Escócia da história do clube, precisamente diante do Celtic. No ano seguinte a equipa disputou a Taça das Cidades com Feiras onde eliminou o Everton tendo apenas caído diante do Valencia, futuro vencedor, ao terceiro jogo. Daí saiu para o Hibernian depois de ter rejeitado um convite do Glasgow Rangers. Estava à espera da sua oportunidade no seu amado Celtic. As suas inovadoras tácticas, utilizando os alas da mesma forma que Ramsey começava a aplicar em Inglaterra, levaram o seu novo clube a uma das melhores épocas da sua história. No final do ano recebeu um convite do Celtic e não rejeitou. Estava preparado.
Ao chegar a Celtic Park a equipa vinha de 8 anos de seca de titulos. Rapidamente Stein mudou a estrutura da equipa. Promoveu vários jovens dos juniores e aplicou o seu sistema de forte rigor táctico na utilização de falsos extremos. Meses depois bateu o seu antigo clube Dunfermline na final da Taça da Escócia. Compensado estava o triunfo de 61.
No ano seguinte Stein foi implacável. Venceu a Liga Escocesa com um dos maiores avanços pontuais da história da prova impondo-se em todos os duelos directos com os principais rivais ao titulo. Na Europa defrontaram vários rivais que iam caindo a cada viagem ao Celtic Park. Nas meias-finais defrontaram o histórico Liverpool de outro intratável escocês, Bill Shankly. A equipa inglesa venceu apenas pela regra dos golos fora e no final do jogo Stein baixou ao balneário para desejar boa sorte ao compatriota. Este disse-lhe que o Celtic era a melhor equipa do Mundo. Ambos tinham razão. O Liverpool venceria a prova e o Celtic faria história no ano seguinte. Pela primeira vez na história do clube a equipa venceu um Treble. No campeonato repetiu o esmagador triunfo da época passada e a isso acrescentou a vitória na Taça da Escócia. O grande êxito acabou por chegar em Maio. A equipa foi eliminando os vários rivais na Taça dos Campeões Europeus e chegou à primeira final da sua história marcada para o Jamor. Era a primeira vez que uma equipa britânica chegava tão longe na prova. E apesar do Inter se ter adiantado de penalty nessa solarenga tarde, os jogadores do Celtic foram verdadeiros fenómenos. Fieis ao desenho táctico do seu mentor, a equipa deu a voltar ao marcador e acabou por vencer por 2-1. A imprensa coroou a sua histórica exibição como a dos "Lisbon Lions": E assim se fez história de um conjunto que só contava com jovens nascidos na comunidade irlandesa de Glasgow.
Em 1968 a equipa voltou a vencer a liga - pelo terceiro ano consecutivo - e a Taça da Liga enquanto que 1969 os levou a outro Treble histórico: Liga, Taça e Taça da Liga. Apesar de na Europa o conjunto não ter logrado repetir o nível exibido em 1967, na Escócia o Celtic era intocável. Até que chegou 1970. A equipa voltou a vencer a Liga - um histórico Tetracampeonato decidido no último dia - e a Taça da Liga e apresentou-se para a sua segunda final europeia. O rival era o praticamente desconhecido Feyennord. Mas desta feita a sorte acompanhou os holandeses e o Celtic perdeu a oportunidade de ser o primeiro conjunto do norte da Europa a lograr dois trofeus. Apesar da derrota europeia a equipa continuou uma série histórica. Nove titulos consecutivos que tornaram o conjunto católico no mais bem sucedido do futebol britânico a nivel doméstico. Apesar da velha equipa de Lisboa se ter desmoronado com o tempo, Stein continuava a mostrar-se intratável. Em 1975 salvou-se por milagre de um acidente de carro e esteve meio ano fora dos bancos. Voltou na época seguinte para conseguir a melhor pontuação lograda por uma equipa escocesa no campeonato. Em 1978, ao vencer o seu 14 titulo pelo Celtic a direcção persuadiu-o a abandonar o cargo. O técnico contava então com 56 anos e a sua saúde estava debilitada pelo acidente sofrido anos antes. O técnico aceitou contrariado e assumiu imediatamente outro cargo, o de técnico do Leeds United. Curiosamente, tal como anos antes tinha sucedido a Brian Clough, o técnico apenas ficou 45 dias em Elland Road. Insatisfeito com o nivel de profissionalismo do clube que anos antes era a inveja do mundo, decidiu voltar à sua Escócia natal e assumir um posto há muito sonhado, o de seleccionador nacional.
Ao serviço da selecção logrou a qualificação para o Mundial de Espanha de 1982 onde a equipa não passou da primeira fase, fruto de um empate no último jogo com a URSS. Quatro anos depois, a Escócia voltava a lutar pela qualificação. Num play-off contra a Austrália os escoceses lançaram-se ao ataque desde o primeiro instante e rapidamente decidiram o jogo. Mas perto do apito final a emoção apoderou-se do veterano técnico. Com a mão agarrada ao peito, Stein caiu fulminado no relvado. Um ataque cardíaco tinha levada a vida de um dos mais geniais técnicos da história do futebol. O futebol escocês entrou em luto e apesar de apurada, a Escócia nunca mais voltou à sua era de glória que bebeu com Stein ao leme da sua selecção e do seu clube mais emblemático. Isto apesar de Alex Ferguson, que poucos meses antes da morte de Stein tinha já sido nomeado por este como seu sucessor, ter levado a equipa ao Mundial.
Inovador na preparação dos encontros, Jock Stein era um técnico iminentemente ofensivo e as suas equipas sempre se pautaram por um estilo de jogo de puro ataque. Viveu longos anos sem conhecer a derrota. Um treinador verdadeiramente imortal.