Bem diferente do bruxo que reinvindica para si os créditos da lesão de Cristiano Ronaldo, em Can Barça há um feitiço bem mais silencioso mas igualmente letal. Um soporifero, quase, que entorpece os movimentos e atrasa os cronómetros. A máquina avassaladora de pressão que foi o Pep Team 2008/2009 tornou-se numa equipa previsível e que joga, cada vez mais, na expectativa. Hoje o Barcelona tem o primeiro de três duelos chave até ao final do ano. E espera quebrar o feitiço a tempo...
Na conferência de imprensa prévia ao duelo de hoje no Camp Nou contra o Inter, o técnico do Barcelona, Josep Guardiola, pediu que lhe deixassem acreditar ser possível vencer sem Zlatan Ibrahimovic e Lionel Messi. Os dois cracks maiores da constelação blaugrana sofrem problemáticas lesões não suficientes para os excluir da convocatória mas que podem impedir a sua participação no duelo de hoje. E do próximo domingo, no mesmo recinto, frente ao rival de sempre. Que até chega como líder. Um lider inesperado.
Guardiola sabe - e Johan Cruyff defendeu-o, uma vez mais na crónica semanal que publica - que o problema deste Barcelona não são as individualidades. É o espirito colectivo. À vontade de vencer a qualquer custo que levava a equipa a pressionar do primeiro ao último segundo os rivais, sucedeu um relaxamento perigoso que levou a equipa a perder pontos por seis vezes. Três na Liga - onde é segundo a dois pontos do líder, o Real Madrid. Três na Champions, onde joga hoje o tudo por tudo. Até é verdade que o conjunto de Guardiola continua a mostrar ter um futebol acima da média e que só tem uma derrota em todo o ano desportivo. Mas depois de ter captivado o Mundo com a sua versão 08.09, agora a desilusão é maior. Ninguém vê neste Barça traços da mágica equipa da época passada. Porquê?
A principio muitos queixavam-se do erro de Guardiola em trocar Samuel Etoo por Zlatan Ibrahimovic. Outros apontavam criticas severas ao curtíssimo banco que leva a que à minima lesão o técnico fique sem opções válidas. Chegados quase ao final do primeiro terço da época, nem um nem outro caso justificam a baixa de forma dos catalães. Longe disso. Ibrahimovic até se tem revelado mais concretizador que o camaronês e o seu estilo de jogo, mais técnico e flúido, enquadra-se bem no ritmo proposto pelo técnico. O Barcelona perdeu em raça e querer mas ganhou em classe e oportunismo. Ibrahimovic tem marcado e assistido. E nunca comprometido.
Quanto à polémica do plantel, é verdade que está mais curto que no ano passado. Num elemento apenas. Guardiola perdeu Gudjonssen para o meio campo e não recebeu ninguém em troca. Na defesa Maxwell rendeu Sylvinho e Chryginski a Cáceres, que praticamente nunca foi opção. E no ataque Pedro tornou-se presença regular no lugar de Thierry Henry, lesionado a maior parte da época. Os mesmos rostos suponham o mesmo ritmo. A falta de banco é contrastada por uma clara aposta numa das melhores canteras da Europa. Jeffren, Asulin ou Dos Santos têm tido as suas oportunidades. Mais estão a caminho na mágica fábrica de La Masia.
A grande questão prende-se nos próprios jogadores. E na motivação.
O Barcelona continua a ser uma equipa plena de automatismos e joga de olhos fechados. Venceu a maioria dos jogos com tranquilidade e mesmo os pontos perdidos - talvez excepto frente ao Rubin Kazan, a sua particular besta-negra - não foram resultado de exibições inferiores. Mas sim de faltas de atenção. Um erro do meio-campo frente ao Osasuna permitiu um empate nos instantes finais. Um péssimo posicionamento defensivo em S. Mamés deu ao Athletic a oportunidade de empatar um jogo controlado. E a falta de eficácia ditou os resultados em Milão e Valencia (ambos 0-0).
Xavi continua a pautar o jogo com mestria, mas este ano os técnicos rivais sabem que a fonte da magia do Pep Team sai dos seus pés. As marcações tornam-se implacáveis. Iniesta vem de uma dificil lesão e ninguém espera que esteja na sua melhor forma até Janeiro. O mesmo se passa com Henry. E Messi arrancou o ano a anos-luz do que se viu no final da época passada, para provar que os prémios individuais continuam a ser mais uma questão de prestigio do que de qualidade de jogo. Uma conjuntura demasiado negra para uma equipa que continua a ser, apesar de tudo, das melhores da Europa.
A isso junta Guardiola certamente no seu cozinhado um problema claro de motivação. Nota-se claramente uma falta de aplicação de vários jogadores. A pressão já não é feita tão em cima. A defesa já não sai sempre com a bola controlada. Os sprints de Daniel Alves já não são tão velozes quando é preciso recuperar no terreno. E os minutos finais pautam-se mais por nervosismo do que por controlo. Essa falta de controlo tem sido o calcanhar de Aquiles culé.
Hoje diante do mestre da táctica, Guardiola terá um dos jogos mais dificeis da sua carreira. Mourinho chega confiante e em alta. O seu Inter começa a mostrar o seu melhor rosto e os italianos chegam lideres do grupo. Um empate no duelo de leste entre Kazan e Dynamo Kiev pode significar que ao Inter não perder no Camp Nou seja suficiente para garantir o apuramento. E por isso a equipa irá esperar. Irá jogar com o nervosismo de quem tem tudo a perder e nada garantido. Será uma equipa matreira e atenta. Marcará à zona e jogará com a falta de forma de elementos chave. Mas, acima de tudo, estará concrentrada. É precisamente esses niveis que tem de trabalhar Guardiola. Ele sabe que jogos assim, quase a eliminar (uma vitória do Kazan e uma derrota hoje significa o adeus à prova), ganham-se em detalhes. E é precisamente em detalhes, e não no ritmo de jogo, que está a cruz do Barcelona. Como Cruyff adiantou, se joga Messi ou Zlatan é quase irrelevante. Em condições fisicas deficientes serão mais um problema do que a solução. Baixarão os niveis de concentração e ajuda. Serão menos eficazes a defender e pouco influentes a criar jogo ofensivo. Pedro e Iniesta no ataque podem trazer a verticalidade necessária, mas será a capacidade de sofrimento da equipa - tal como sucedeu frente ao Chelsea na época passada - a ditar as diferenças.
Perder hoje o actual campeão da Europa é uma situação perfeitamente possível. E não se pode dizer que injusta. Muitos acharam o grupo demasiado simples e a realidade provou que o futebol de leste impõe, cada vez mais, respeito. Tanto Mourinho como Guardiola sabem que é provável que um dos dois fique pelo caminho. Será a experiência de um técnico habituado a testes definitivos com a ilusão de um técnico que conseguiu tudo no seu primeiro ano a sério, mas que não parece estar disposto a atirar cedo a toalha. Será um jogo cerebral. Provavelmente pouco espectacular. Definitivamente imperdível...