Católicos e protestantes. Pobres e ricos. Operários e patrões. Azuis e verdes. É impossível passear-se por Glasgow e não viver uma eterna dualidade que se transforme em rivalidade quando as quatro linhas ganham vida. Um duelo ancestral e que até tem nome próprio. Contam muito os vencedores e os vencidos mas conta mais o charme da tradição do maior derby do Velho Continente.
Não são grandes como um Inter-AC Milan, Liverpool-Everton, Arsenal-Tottenham ou Real-Atlético. Mas é impossível olhar para um Old Firm e duvidar que estamos diante de um duelo inesquecível. Não move milhões e habitualmente repete-se quatro vezes ao ano - na Escócia existem quatro voltas - mas deixa momentos de loucura únicas num desporto que é tudo menos racional. O primeiro Old Firm remonta ao longinquo ano de 1888 e desde então tem definido a própria essência do futebol escocês que salvo raras excepções tem órbitado à volta dos dois grandes clubes da cidade portuária, o Celtic e o Rangers. Os protestantes azuis do Rangers levam vantagem em triunfos (153), incluído o de ontem contra um equipa católica e verde (a cor e a religião vem da origem dos emigrantes irlandeses na cidade) que partia como favorita. O Celtic vive outro período de glória na sua história, depois de uma era onde o Glasgow Rangers dominava a seu belo prazer o futebol escocês. Nas últimas épocas o equilibrio tem sido maior do que nos períodos em que ambos os conjuntos conseguiam estar mais de uma década consecutiva a ganhar. Agora a rivalidade é mais dura.
Pedro Mendes, esse incompreendido maestro do meio campo do conjunto protestante, foi o arquitecto de sólida mas sofrida exibição do Rangers. Manteve sob controlo o perigoso meio-campo do Celtic que liderava a prova com autoridade. Ao contrário do Rangers que vinha de uma humilhação caseira na Champions League - caiu aos pés do Sevilla por 4-1 - e precisava de mostrar aos adeptos que a derrota europeia tinha sido apenas um acidente de percurso. E que melhor rival do que o eterno inimigo para levantar a moral? Os católicos começaram melhor e souberam impor o seu jogo nos primeiros minutos mas depois cometeram dois graves erros defensivos que destruiram as ambições do técnico Tony Mowbray. Coube a um ex dos verdes católicos, o letal Kenny Miller, a honra de abrir a contagem aos 8 minutos e ampliá-la, dez minutos depois. Em quinze minutos o jogo do Rangers destroçava o rival, irrequieto na defesa e ineficaz no ataque. O trio Novo, Mendes e Naismith exibia-se ao seu melhor nível e parecia que os protestantes tinham o jogo controlado.
Só que o Celtic renasceu das cinzas. McGedy reduziu de penalty aos 25 minutos e a partir daí a equipa atirou o Rangers às cordas durante uma larga hora massacrando a baliza do guardião uma e outra vez. A equipa azul e branca controlava a exibição mas era incapaz de criar lances de perigo enquanto que os católicos limitavam-se a desperdiçar cada uma das oportunidades que tinha. Uma sessão de tiro ao alvo onde McGregor assumia-se como o homem do jogo parando o impossível. Os adeptos do Celtic ainda se queixaram de um penalty não assinalado mas foi a fraca pontaria da linha ofensiva que custou a vitória aos ainda lideres da SPL. Uma derrota amarga e que relança a luta pelo titulo na Escócia depois dos tropeções do Rangers com três empates consecutivos. Um ponto separa agora o campeão do lider com sete jogos disputados e muitos mais a caminho. As pobres exibições de Hibernians e Dundee, únicos capazes de incomodar os históricos rivais, deixam antever que este primeiro Old Firm do ano volta a evidenciar as imensas disparidades do futebol escocês. E a lançar de novo a questão que mais tem levantado celeuma nas bancadas dos estádios das Highlands.
Nos finais do século XIX o duelo apaixonante entre os dois clubes fez história e afirmou a diferença entre o futebol escocês e britânico. Mas muitos dizem que a Premier League só teria a ganhar com a inclusão dos dois gigantes do Old Firm. Um negócio financeiramente apetecível para ambas as partes mas que divide os adeptos locais, já que estes sabem que futebolisticamente estariam condenados a lutar a meio da tabela da liga do país rival. Porque, seja em Ibrox Park ou Celtic Park, é a magia de um duelo ancestral que dá relevância e charme a 90 minutos que são muito mais do que um simples jogo de futebol.