Não comemorou nenhum dos golos de forma especial. Limitou-se a sorrir e a apontar-se a ele próprio, a reivindicar o momento. O momento que era dele, completamente. O míssil é imagem de marca e já não são poucos os guarda-redes que são obrigados a caminhar cabisbaixos rumo ao interior da baliza para pegar na bola a escaldar enquanto que o craque português corre pela linha de fundo a celebrar. CR7 é, provavelmente, o maior fenómeno de marketing do futebol actual. Mas é também o jogador com pior imagem no Mundo.
Num país onde se preza mais o jogo duro, mas leal, do que o espectáculo que parece caber mais depressa na NBA do que num relvado desse verde tão british, Cristiano Ronaldo é odiado por quase todos. Até pelos próprios adeptos, que nunca lhe perdoarão o namoro (por concretizar) com os vikingos de Madrid. Não é um jogador simpático, não desperta muitos sorrisos. Os colegas sentem a inveja de ver e não poder acompanhar. Os rivais não sabem como anular as suas provocações em campo. E a imprensa trata-o com o despeito daqueles que um dia se atreveram a criticar o Maradona, o Cruyff, o Cantona jogadores…pelos Maradona, Cruyff ou Cantona homens.
Mas, acima de tudo, até hoje, a grande justificação daqueles que se recusam a render à evidência é apenas uma: que Cristiano Ronaldo desaparece-se nos grandes momentos, nos segundos decisivos. Ontem ele sorriu. Tinha criado o primeiro golo, tinha apontado o segundo. A caminho do final do encontro corre como um velocista (não há cansaço nas pernas quando a glória está à espreita) e conclui o que iniciara, ainda no seu meio-campo. Golpe de morte ao Arsenal.
E uma vez mais, nos momentos decisivos, aí estava, CR7.

Houve poucos jogadores na história capazes de provocar tanto ódio e desprezo como Cristiano Ronaldo. O jogador madeirense tem dois defeitos gordos que lhe podem custar a imortalidade. Já se sabe que a história se faz de opiniões, muitas vezes alheias aos factos. Grandes jogadores passaram ao limbo por atrás de si ter uma corrente de detractores suficientemente fortes. Outros são consagrados entre os “deuses”, apenas porque geram sempre simpatia, por onde quer que passem. CR7 está – e estará sempre – no primeiro grupo. Está na sua personalidade. O seu egocentrismo não tem paralelo no desporto mundial actual. Em campo nota-se em cada cavalgada. Primeiro, segundo e terceiro melhor jogador do Mundo, disse um dia. Depois negou-o. Outro traço típico em Cristiano. Quer agradar e quer criar escola, e não hesita em voltar atrás sempre que a situação se torna critica. Trocou a paixão pelo Real Madrid pela fidelidade eterna ao Manchester…até quando? Assumiu o orgulho de capitanear Portugal mas a realidade é que desde que assumiu a braçadeira tem-se portado pouco como o símbolo de um grupo e muito como o símbolo dele próprio. Do CR7.
O carácter de Cristiano deixa muito a desejar e isso nota-se. Há jogadores que o vão disfarçando com cinismo. Mas que na calada criam problemas. Ele pertence ao segundo grupo, os que assumem que são eles contra o Mundo. Como Ibrahimovic – outro maldito ou como veteranos como Steffen Effenberg, Eric Cantona, Romário, Bernd Schuster ou Paul Gascoine, génios em campo, demónios fora dele – ele preocupa-se sempre primeiro consigo e só depois chega a equipa. Aqueles livres directos demoníacos são a sua grande paixão. Porque sabe que, naquele momento, ele está sozinho. É o centro das atenções. A barreira é um detalhe, o guarda-redes, um pormenor. Ele e o público expectante e a câmara de televisão. Sinal de um génio no relvado que fora dele não tem conseguido deixar uma marca duradoura. O mundo prefere o sorriso matreiro de Messi, um espertalhão que com esse sorriso de bairro de lata argentino, parece transparecer uma humildade que realmente também não tem. Ou esse ar casto de Kaká, que desenha a régua e esquadro passes de génio. Mediaticamente vende mais CR7. Moralmente sai sempre a perder.

Voltemos ao que interessa. Ontem, em Londres, nesse palco de gladiadores, CR7 comandou a armada de Manchester do primeiro ao último segundo. Foi egoísta sempre que podia, procurou a glória em quase todos os lances. Mas comportou-se como o líder em campo. Ancorado no centro, distribuiu lances para as alas, provocando assim os três golos do Man Utd. Defendeu junto ao meio campo, especialmente após a expulsão de Flecther. E correu como nenhum outro. E marcou. E assistiu. E disse presente. Há cerca de quinze dias só o génio de Cristiano quebrou a bem montada linha defensiva do FC Porto no Dragão. E antes disso, depois do massacre de San Siro, foi ele quem deu a estocada mortal em José Mourinho. Em todas as grandes noites deste ano, Cristiano disse presente. Na final de Moscovo falhou o penalti decisivo, mas se o Man Utd lá chegou foi graças ao seu estupendo golpe de cabeça. E como não há jogadores infalíveis, é claro que houve desafios onde o craque português desapareceu. Mas quem viu o último Barca-Chelsea ainda hoje está á procura de Messi. Não o viu. Como não se tem visto Kaká por aí. Mas como desses ninguém se lembra, é CR7 que tem de brilhar todas as noites. É claro que, por Portugal, parece outro jogador. Já muito se falou no sistema de jogo e no posicionamento táctico. Mas também é verdade que um grande jogador não vive apenas e só de um planteamento táctico. Essa é uma espinha encravada. Mas, e uma vez mais, voltamos a Messi e a Kaká, esses dois craques que, pelas suas selecções ainda não lograram mais do que conseguiu CR7. E Portugal não é, desde já, o Brasil ou a Argentina.

O Manchester United está, pela primeira vez na sua história, em duas finais da Champions League consecutivas. Nem a geração dos Busby Babes, nem a equipa de Cantona, nem a geração dos Ferguson Babes conseguiram este feito. E é verdade que nunca os Red Devils perderam uma final. Mas o que está claro é que foi Cristiano Ronaldo, pelo segundo ano consecutivo, a levar a sua equipa ás costas até à final. Pode lograr repetir o título ou até pode perder. Mas desde o Valência de 2000 que nenhuma equipa repetia presença na final da Champions League.
E isso é um feito, nos dias que correm. E é-o graças ao génio no terreno de jogo de um jogador tão maldito, mas que nos momentos decisivos…está aí!