Se perguntarem a um argentino de 40 anos este dirá que o melhor jogador de sempre é Diego Maradona. Se encontrar-mos um veterano de mais de 60 anos este orgulhosamente preferirá Alfredo di Stefano. Agora, se tivermos a sorte de falar com alguém ainda mais velho ele não terá a minima dúvida. O homem a quem o mitico "don Alfredo" tratava de maestro foi talvez o argentino mais inimitável da história das magnificas gerações de potreros que nasceramno país das pampas. O impacto que criou na sua época de glória, antes da chegada da televisão, das cores e dos media foi único. Adolfo Pedernera foi inimitável.
Há jogadores que marcaram equipas que fizeram história. Mas só um fez parte, com o mesmo destaque, de duas igualmente épicas e históricas. Durante 20 anos Adolfo Pedernera foi a grande estrela do futebol sul-americano e para muitos um dos melhores jogadores de todos os tempos. Numa era onde ainda não havia praticamente imagens televisivas temos de nos contentar com os relatos entusiastas e as reportagens das suas inúmeras conquistas. Mas o seu curriculum e as palavras pausadas de quem o viu e sobreviveu ao tempo para contar falam por si. Com uma finta e técnica fora do vulgar, Pedernera assumiu-se como o primeiro protótipo do futebolista moderno, actuando em vários sectores do terreno com a mesma eficácia. Desde 1935, onde começou a actuar profissionalmente, até à sua retirada em 1956, Pedernera jogou e fez jogar e liderou as duas melhores equipas da época, o River Plate e o Milionarios de Bogota.
Nascido em Avellaneda, bairro operário de Buenos Aires, de familia de classe média baixa, antes dos 15 anos já era uma estrela no futebol argentino, actuando primeiro pelo Cruceros de la Plata e mais tarde pelo popular Huracan. Com 16 anos transferiu-se para o River Plate e rapidamente criou um entrosamento especial com os seus jovens colegas de equipa. Uma formação absolutamente deliciosa onde pontificavam também Juan Carlos Muñoz, José Manuel Moreno, Felix Loustau e o inimitável Angel Labruna. Juntos formaram La Maquina, o melhor conjunto da história do clube de Buenos Aires que, com esta formação, dominou por completo o futebol argentino vencendo cinco campeonatos em 10 anos (1936, 1937, 1941, 1942 e 1945), permitindo também à Argentina, do qual ele era o lider natural, vencer a Copa America em 1941 e 1945. A máxima de La Maquina era atacar. Percursor do futebol total ofensivo, o técnico da equipa, Carlos Paucelle, dizia que jogava com 1-10 tal era o espirito ofensivo do onze. A equipa vivia num constante toque à procura da baliza porque sabia que perder a bola era letal num onze quase sem elementos defensivos. Ao longo dos anos manteve uma altissima média de golos marcados e pouquissimos tentos sofridos. Pedernera era o simbolo de uma geração mas os problemas financeiros de um clube eternamente mal gerido levaram-no para o México onde jogou a contragosto durante uma época no Atlanta. Depois da viagem ao país azteca, as saudades de casa falaram mais alto e o jogador logrou desvincular-se e voltar ao seu Huracan. Também aqui Pedernera ficou pouco tempo. Em 1949 o futebol colombiano decretou guerra à FIFA e começou a coleccionar os cromos mais valiosos do futebol sul-americano. Pedernera era o ás de espadas. Assimou pelo Milionarios e tornou-se no lider da equipa que juntamente com o River Plate e o Santos melhor marcou a evolução do futebol latino até aos anos 70.
Na Colombia juntaram-se-lhe alguns dos mais fascinantes desportistas sul-americanos de então e o clube arrancou para uma época gloriosa com quatro titulos em cinco anos e ainda a primeira experiência de um Mundial de Clube em 1953. Pedernera destroçava pelo lado esquerdo, explodia pela faixa direita e pautava o jogo ao centro. Apontou centenas de golos e foi o patrão deste conjunto que ficaria imortalizado pelo sugestivo nome de Ballet Azul. Com a chegada de um então jovem Alfredo di Stefano, com que se cruzara nos últimos meses no River Plate e que se tinha tornado no seu substituto em Buenos Aires, o craque então de 33 anos encontrou o seu sucessor e tornou-se mentor do futuro avançado do Real Madrid. Mais tarde Di Stefano confessaria que nunca vira ninguém como Pedernera em campo e foi graças ao extremo que o jovem argentino conseguiu brilhar no clube colombiano e chegar ao futebol europeu. Depois de abandonar a Colombia voltou à Argentina onde ainda disputou duas épocas com o Huracan, retirando-se definitivamente com 38 anos.
Passou imediatamente aos bancos onde treinou equipas de todo o continente, incluindo a selecção colombiana - a que levou ao seu primeiro Mundial em 1962 - e Argentina, com a qual falhou o apuramento ao Mundial de 1970. Nos anos 70 terminou a sua carreira vivendo em retiro até 1995, onde com 78 anos acabaria por falecer tranquilamente na sua cidade natal. Tinha-se terminado uma era mágica da história, não só do futebol argentino mas do belo jogo de uma era onde os craques tinham auras de semi-deuses inalcançáveis para o mais comum dos mortais.