Ficar satisfeito com um sorteio meio ano antes de ele ganhar forma no relvado é complicado. A insatisfação é sempre um sentimento mais proclive nestes momentos. Fazem-se contas, julgam-se potenciais, especula-se com a forma alheia e cruzam-se os dedos. Portugal é um puzzle nas grandes competições. Historicamente rende mais em grupos complicados mas cada torneio é algo concreto e no Brasil a equipa das quinas voltará a confrontar-se com fantasmas do seu passado. Todos sabemos que Portugal não é candidata ao título mas, até onde pode ir esta geração?
Na cabeça de Paulo Bento provavelmente não esteja agora mesmo Ozil, Bradley ou Ayew.
O seleccionador português estará, seguramente, a pensar nos mais de 5000 kms que a sua equipa terá de fazer em duas semanas. Talvez o grande inimigo de Portugal seja, a esta altura, o destino a que foi vetado por cair num grupo que se move pelas cidades que a maioria das selecções queria evitar. Portugal não passará pelo Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo, os pontos fortes deste torneio. A equipa lusa jogará na Bahia o primeiro jogo e depois passará por dois infernos particulares, o coração da Amazónia - Manaus - e a capital brasileira, a árida Brasília. Pelo meio três viagens largas desde a base até aos recintos. Cansaço antes e depois dos jogos que pode passar factura. Não é por acaso que as equipas europeias se dão mal nos Mundiais fora do seu continente.
No Brasil Portugal terá vários rivais. O Outono tropical - húmido, asfixiante, imprevisível - será talvez o maior deles. Ao contrário de outro dos possíveis "Grupos da Morte", o B, onde os jogos serão disputados na costa sul, Portugal jogará a norte. Até aí perde uma das poucas bases de apoio a que podia acudir. As colónias de emigrantes portugueses estão nas grandes urbes. Jogar no meio do Amazonas, no coração de Goiás é jogar longe de qualquer apoio sentimental dos locais. A selecção vai ser estranha num país que viu nascer das suas entranhas. Ironias do destino.
No aspecto meramente desportivo, a sorte é um conceito difícil de julgar.
Claro que Portugal não é a França ou a Argentina - com as vantagens que isso habitualmente inclui - e não teve a oportunidade de jogar a meio gás contra rivais como Equador, Suíça, Honduras ou Irão, Nigéria e Bósnia-Herzegovina. São os grupos mais débeis do torneio e propiciaram a criação de três super-grupos. Portugal pode sentir-se parte de um deles. Afinal terá de jogar contra a grande favorita europeia - a Alemanha - a campeã da CONCACAF, os Estados Unidos, e talvez a mais organizada das selecções africanas, o Gana.
São três rivais de respeito, a níveis distintos. Da Alemanha pouco se pode dizer que não se tem visto nos últimos cinco anos. São a sombra dos espanhóis e procuram desesperadamente o momento de tornarem-se protagonistas. Contam com o melhor plantel europeu - entre Bayern e Borussia podiam montar dois onzes ultra-competitivos - têm um excelente treinador e conhecem bem as fraquezas portuguesas, que exploraram no último Europeu. Como aí será o primeiro jogo e não decidirá absolutamente nada. Há margem de manobra para um arranque tremido.
Os jogos a sério vêm depois. Contra o Gana decide-se tudo e a vitória parece ser o único resultado possível equaciando um possível triunfo dos africanos aliado a uma vitória dos germânicos na ronda inaugural. O Gana não tem as figuras individuais de costa-marfilenses e camaroneses, mas prima pela sua excelente organização táctica. Num jogo no meio do Amazonas, com um clima parecido ao que os ganeses têm na "costa do ouro", à uma da tarde, será um choque de titãs. Quando aos Estados Unidos, uma icnógnita constante nestes torneios, nunca se sabe bem o que se esperar. Não têm grandes figuras mas são uma selecção organizada - que para Portugal habitualmente é um problema - e nos últimos três torneios só por uma vez falhou a passagem à fase a eliminar. Sabem competir.
No entanto, como é normal, que se pode esperar de selecções a quem lhes espera meio ano de temporada? Muito pouco. Uma praga de lesões dificilmente faria a Alemanha uma selecção mais acessível mas Low falhou o assalto à final do último Europeu talvez porque confiou em excesso em jogadores fisicamente desgastados por uma época difícil (os do Real Madrid e do Bayern Munchen). Quanto aos africanos e norte-americanos, como vivem mais do colectivo que das individualidades, dificilmente se poderá prever como estão sem saber como a época passará factura aos seus onzes-tipos. Um raciocínio que se pode adaptar perfeitamente à realidade portuguesa, não fosse por Cristiano Ronaldo. O capitão das quinas colocou a selecção no Mundial no play-off e é a única esperança credível de Portugal para dar um salto qualitativo fundamental para não ser outra vez a equipa da fase de apuramento. O desgaste de Ronaldo durante a época - ao contrário de um Messi que chegará muito mais fresco e poupado - pode ser um handicaap difícil de gerir por Paulo Bento. Talvez o maior de todos.
Olhando para os restantes grupos, aplica-se o mesmo raciocínio. Até Maio tudo são incógnitas. É certo que entre o grupo B (Espanha, Chile e Holanda) e D (Itália, Uruguai, Inglaterra) um candidato aos quartos-de-final ficará cedo pelo caminho, e que há grupos equilibrados como o C (Costa do Marfim, Colombia e Japão), o H (Bélgica, Rússia, Coreia do Sul) e A (Brasil, Cróacia, Camarões e México) onde tudo pode suceder. Mas nada muito diferente do que se poderia esperar com tantos condicionantes inventados pela FIFA para controlar o sorteio. Isso sim, mais curioso e talvez, mais importante, do que os grupos são, sem dúvidas, os cruzamentos seguintes. Entre Brasil, Espanha e Holanda - três candidatos - pelo menos uma das equipas ficará pelo caminho nos oitavos-de-final. Portugal, se passar em segundo lugar, poderá ter de medir-se aos já conhecidos russos, à sensação Bélgica ou aos imprevisíveis sul-coreanos. E um passo mais, a argentinos primeiro e (hipoteticamente) a brasileiros/holandeses/espanhóis ou italianos/ingleses/colombianos. Ganhando o grupo ganha, portanto, outra importância porque permite desbloquear um caminho mais tranquilo até a umas hipotéticas meias-finais com o Brasil. Mas quem acredita, verdadeiramente, que poderemos lá chegar? O futebol, esse, tratará de nos contar a verdade...daqui a meio-ano!