Ás vezes o futebol pode ser aborrecido. Não sei quem tem a culpa. Se a Lei Bosman, se a hiper-mercantilização do beautiful game, se os próprios adeptos ou se a culpa é minha. A maioria dos jogos das grandes equipas tornaram-se meros trâmites. Quem marca mais, quando entra o primeiro, quem bate mais recordes. Tudo aquilo que o futebol nunca foi. Felizmente, todos os anos, há projectos desportivos que nos permitem sonhar com um futuro melhor. Equipas que procuram uma via alternativa para fazer-se notar. E que conseguem a sua recompensa.
Não sabemos como os campeonatos vão terminar em Maio.
O mais provável é que o cenário repetido dos mesmos protagonistas nos mesmos lugares seja a tónica. Não é dificil hoje adivinhar campeões e vice-campeões, qualificados Champions e remetidos para a Liga Europa. Os orçamentos, a aglomeração de estrelas, o imenso vazio que se criou entre o topo e a classe média fazem isso por nós. Há ligas mais aborrecidas que outras, ligas mais previsiveis que outras. Mas em todas elas há sempre alguém que quer romper com a monotonia. Em Dezembro parecem um projecto de sonho. A maioria delas, em Maio, está onde muitos imaginariam que estaria. O peso do dinheiro acaba quase sempre a falar mais alto. Quase sempre.
Por esta altura, o ano passado, só se falava da espectacular versão de futebol total do Swansea galês em terras inglesas. A luta entre os dois grandes de Manchester e o Chelsea importava muito pouco. O Arsenal, o Liverpool, o Tottenham e o Everton, os seus habituais escudeiros, continuavam na sua versão recente. Mas o Swansea era o flavour of the season. A equipa acabou por conquistar um título - a League Cup, contra um rival de uma divisão inferior e assim marcar o passaporte para a Europa - mas terminou a temporada lá bem no meio da tabela. Melhor sorte teve a Real Sociedad, o seu equivalente espanhol. Os txurri-urdins conseguiram mesmo o impensável, um lugar na Champions League com uma equipa montada à base de trocos e cantera. Hoje estão a pagar o preço da ambição mas o projecto mantém-se de pé. Ainda bem. Um pouco por toda a Europa vivemos essa relação de amor quase juvenil com Paços de Ferreira, Estoril, Eintracht Frankfurt ou Zulte Waregem. Poucos duraram até ao fim. Mas estiveram lá, a acompanhar o modesto e neutral adepto nesta sua eterna luta contra a previsibilidade. Este ano, inevitavelmente, o cenário repete-se. Só mudam os protagonistas.
Villareal. Southampton. Lille. Hellas Verona.
Quatro clubes com a sua história, os seus feitos - mais recentes ou não - e ideias desportivas que se assemelham mais ao que o adepto de futebol aprecia. São clubes sem grandes ambições históricas. Entre eles só o Verona e o Lille foram campeões nacionais. Os gialloblu no mágico ano de 1985 e o Lille há quatro temporadas em França, antes da chegada dos milhões dos sheiks qataris e dos russos de férias. Os Saints viveram a sua idade de ouro nos anos 70 e com o mítico Le Tissier tornaram-se numa equipa ideal para os românticos do futebol inglês seguirem. Hoje já não jogam no histórico The Dell e até abdicaram das suas tiras verticais por um equipamento mais neutral. E claro, o Submarino Amarelo, uma equipa que esteve a um penalty de chegar à final da Champions League na sua primeira participação e que representa tudo o que de bom ainda há no futebol espanhol, a começar pela sustentabilidade sem ajudas externas e passivos imensos.
Curiosamente, desta lista, duas equipas são recém-promovidas (Villareal e Verona) e duas vêm de épocas decepcionantes nos seus respectivos campeonatos. E, da noite para o dia, hoje são tudo aquilo que queremos para o nosso clube imaginário. Contrataram bons treinadores, organizaram um plano financeiro sustentável sem gastos loucos e sem comprometer o futuro. Pescaram no mercado óptimos jogadores a preço de custo, sem comissões exageradas pelo caminho. Montaram onzes sem estrelas mas com futebolistas comprometidos e abriram espaço no banco de suplentes a jovens promessas da sua formação. Em ligas onde mandam os milhões, pagam a tempo e horas e fazem-no sem para isso ter de abdicar em ser competitivos. Utilizam modelos de jogo ofensivos, fazem da bola a sua principal arma e são conscientes das suas limitações. Muitos sabem que a posição onde estão hoje acabará sendo ocupada por um gigante quando as contas apertarem. E sobreviverão a isso. O Villareal está no quinto lugar da liga espanhola e tem passado toda a primeira volta em lugares Champions. Com um grande treinador ao leme - Marcelino - e um melhor presidente no palco, a equipa tem jovens promessas (Perez, Pina, Mario), jogadores consagrados (Cani, Bruno) e reconvertidos do esquecimento (Giovanni dos Santos, Kalu Uche, Asenjo). E os pés no chão.
O Verona também já andou pelos lugares Champions e agora fecha a apertada luta pela Europa League. No mitico Bentegodi os golos do eterno Toni e as assistências do jovem Iturbe têm feito as delicias dos que cresceram com Elkjaer Larson e Briegel nos anos 80. Em França o Lille está, surpreendentemente, a ganhar o sprint a Lyon, Marseille e Monaco na perseguição ao PSG com um Vincent Eneyema estelar e uma medular deliciosa. E claro, os Saints de Pochetinno representam o que ainda há de bom na Premier. Excelentes movimentações no mercado, um treinador ambicioso, um público entregado e de repente a equipa da costa sul inglesa aparece nos lugares de topo da classificação. Duas derrotas dolorosas contra Arsenal e Chelsea servirão para colocar água na fervura, mas com alguns dos clubes milionários erráticos, em Southampton sabem que se há um ano para surpreender, é este.
Claro que todos sabemos como acaba o filme. Mas o futebol precisa, cada vez mais, destes projectos. Destas equipas. Deste sopro de ar fresco. Precisa sentir-se vivo nos meses em que os clubes milionários olham para tudo e para todos com desdém, preparando-se para meter o acelerador em Março, quando os títulos começam a aparecer ao virar da esquina. É aí que as diferenças dos orçamentos se fazem realmente notar. Ate lá estes projectos, estes adeptos podem sonhar. E nós com eles. Para bem do nosso jogo!