Em semana de jogos internacionais de selecções voltou à baila o velho e caduco (ou assim parecia) debate das nacionalizações. Dois frentes abertos, um em Espanha e outro em Inglaterra, colocaram no ponto de mira a história dos jogadores que optam por jogar por nações distintas daquelas de donde nasceram ou com as quais têm ligações familiar. No século XXI esse debate está totalmente fora de ordem na esmagadora maioria dos desportos mas o mediatismo do futebol garante que qualquer acto natural é visto ainda como uma aberração social.
Diego Costa é brasileiro. Quer jogar por Espanha. Adnan Januzaj é belga. E em Inglaterra querem que se torne parte dos Pross.
São dois casos bem diferentes mas que reabrem um debate antigo. É legitima, moral e ético que um jogador que não seja de um país possa representar a sua selecção nacional?
Ao contrário do que muitos querem fazer crer, nacionalizar jogadores não é uma moda do universo global de hoje.
A Itália de Vittorio Pozzo foi duplamente campeã do Mundo com argentinos e uruguaios no onze. Jogadores que tinham disputado a primeira final do Mundial, em 1930, e que foram transformados em italianos por oportunismo político. Eram os "oriundi". Ao mesmo tempo vários filhos da emigração, muitos dos quais nascidos ainda nos países de origem, começaram a jogar regularmente pelos seus novos países, ainda que levantando alguma polémica com os adeptos, como aconteceu em França com Kopa nos anos cinquenta. Alfredo di Stefano, que raramente esteve nos planos das selecções argentinas, disputou em 1962 o Mundial do Chile com Espanha. Na mesma equipa estava o idolo do eterno rival, Ladislao Kubala, um dos maiores jogadores húngaros da história. Mesmo assim a campanha dos espanhóis não passou à história e quando, dois anos depois, venceram o seu primeiro Europeu, o onze era composto por jogadores exclusivamente nascidos em Espanha. O mesmo não se podia dizer das potências coloniais (Portugal, França) e nem sequer dos ingleses que sempre procuraram assediar os melhores jogadores britânicos, na maior parte das vezes sem sucesso. E quando chegaram os anos oitenta, os brasileiros começaram a tomar parte na diáspora que levou vários dos seus atletas a surgirem como internacionais japoneses, de equipas do Médio Oriente, da América central e até da Europa. Donato com Espanha, Cacau com a Alemanha, Eduardo com a Croácia eram apenas alguns dos exemplos mais mediáticos. A Espanha de 2008, na segunda vez que vencerem o Europeu, arrancava para o ataque sabendo que a cobrir as costas estava o experiente brasileiro Marcos Senna. O êxito de Portugal em 2004 deveu-se, e muito, ao brasileiro Deco. Antes dele tinha havido excepções também no futebol português e depois dele veio Pepe, Liedson, Makukula e todos os filhos da comunidade guineense que fazem parte dos escalões internacionais. Olisadebe, nigeriano, jogou pela Polónia. Argentinos e uruguaios voltaram a actuar pela Itália e a diáspora deixou uma Alemanha com jogadores de ascendência turca, tunisina, polaca e checa e uma França com filhos do Império mas também de emigrantes portugueses, arménios e argelinos. No fundo a velha história de que a selecção nacional é exclusiva dos nativos de cada país há muito tempo que deixou de ser uma realidade.
E então, que fazer nestes casos?
Há, como em tudo na vida, uma moralidade no futebol que deveria ser respeitada ainda que não imposta.
O critério base da FIFA parte do principio que um jogador que nunca disputou um jogo oficial com o seu país de origem e vive há cinco anos no país de acolhimento, pode ser internacional por essa nação. Exclui os jogos amigáveis destas contas o que no caso de Diego Costa amplia a discussão. O brasileiro já foi chamado por Scolari e já jogou pelo escrete canarinho. Não renunciou a jogar pelo Brasil. Mas como a selecção está proibida de realizar encontros oficiais até ao Mundial, não há forma de prender oficialmente o jogador. Até Junho de 2014, jogue onde jogue Diego Costa, será sempre de forma temporal porque a Espanha também deixará de ter jogos oficiais a fazer quando se qualifique directamente. O jogador já manifestou vontade em jogar pela selecção espanhola, consciente do seu valor e também da falta de concorrência no ataque da Roja ao contrário do cenário que encontraria num Brasil com Hulk, Neymar, Fred, Leandro Damião, Pato e Jô. A sua escolha parece claramente oportunista (não só por já ter jogado pelo Brasil mas também porque, até há poucas semanas, era fácil encontrar Diego Costa em concentrações oficiais e nas ruas de Madrid com auriculares, indumentária e adereços evocando a bandeira brasileira) e cínica. Mas está no seu legitimo direito.
Já o caso de Adnan Januzaj é distinto.
O belga é filho de uma diáspora tremenda. Nasceu em Bruxelas e aí se criou mas a sua ascendência familiar vem dos Balcãs entre kosovares, albaneses e montenegrinos. Tem ainda uma costela turca na família. Condições suficientes para reclamar jogar com qualquer uma destas selecções. Mas Inglaterra, país onde vive actualmente, também está interessada no seu potencial. O problema é que teria de esperar que se cumprissem cinco anos de vida do jogador no país (acima dos 18 anos) o que alargaria a sua internacionalização até aos 23. Um cenário pouco plausível, deixando evidente que Januzaj provavelmente escolha a Bélgica como o país a representar. O seu caso é distinto ao de Costa. Existem laços familiares com vários países ainda que é difícil entender até que ponto chega a sua identificação. Ozil, por exemplo, manifestou sempre desejo de jogar com a Alemanha, país onde nasceu e cresceu, contra a vontade de uma família exclusivamente turca. Os irmãos Boateng jogam por nações distintas (Alemanha e Gana) porque assim o sentem. Pepe sempre manifestou sentir-se mais português do que brasileiro ao contrário de Deco e Liedson. O avançado do Atlético de Madrid, Diego Costa, é claramente (e sente-se claramente) brasileiro mas entende que o futebol é um negócio e jogar hoje com Espanha quotiza em alta. Ao contrário de Senna (já veterano e sem hipóteses de ser chamado) sabe-se cobiçado por duas potências e pode escolher entre a que quiser. É a versão mais mercantilista das nacionalizações.
É difícil definir a lógica por detrás deste processo. Pessoalmente não tenho nada contra que um jogador actue por um país onde não nasceu ou com o qual não tem nenhum laço de sangue sempre e quando sinta esse país como uma segunda pátria. Seja porque cresceu desportivamente aí, porque sente que esse é o país que o valoriza de verdade ou porque futebolisticamente está integrado nessa cultura. Não é preciso fazer provas genéticas e de ADN para entender o compromisso e a entrega que esse jogador terá com a camisola do país que elegeu como seu. Ninguém escolhe onde nasce. É-me mais difícil de aceitar cenários bem diferentes, onde a escolha é arbitrária e oportunista e onde o jogador apenas utiliza a plataforma da selecção como veículo próprio. Em Portugal tivemos casos claramente em ambos os lados da barricada, Pepe no primeiro e Liedson no segundo (Deco poderia considerar-se a meio caminho, mas a pender mais para o primeiro ponto). E ninguém se surpreenderá se a situação se venha a repetir. O que é perigoso é lançar debates demagógicos e populistas sobre nacionalismos e xenofobia quando o futebol continua a ser a melhor forma de unir os povos à volta de uma paixão em comum.