Diego na Liga. Iker na Champions. O ridículo voltou a tomar conta do Santiago Bernabeu. Durante o defesa a imprensa espanhola - que afiou as espadas e cheirou o sangue do reinado de Mourinho - transformou a Carlo Ancelloti no mais celebrado dos novos treinadores merengues. No primeiro jogo a sério levaram uma decepção. Durou pouco a resistência do italiano. Ao contrário do português, e como tinha feito no passado, Carlo cedeu e deixou-se dobrar pela importância mediática de Casillas e a imprensa de Madrid. O binómio que realmente governa o clube.
Mourinho sempre foi um mal-amado.
No dia em que se cansou das filtrações e dos comentários de Casillas, relegando-o para o banco em Málaga, o mal-amado transformou-se no odiado. Durou meio ano no cargo. A falta de resultados é o principal motivo da sua saída do Bernabeu. Uma meia-final perdida depois de um jogo em Dortmund penoso. Uma liga que desde Novembro já era impossível com um rival habituado a não perder pontos com regularidade. E uma taça transformada em troféu relevante do nada para depois ser ganha pelo maior rival em plena Castellana. A realidade foi bem diferente. Mourinho saiu de Madrid porque tinha perdido o balneário. Porque a imprensa tinha ganho o braço-de-ferro. Outra vez.
A filtração regular de noticias do balneário tinham provocado já a irritação do português que despediu do cozinheiro a Valdano todos os que considerava que estavam a minar o seu trabalho autoritário. Mas havia noticias que só podiam ter sido filtradas pelos jogadores. Procurou o culpado e ano e meio depois encontrou-o. Era Iker Casillas. E o seu grupo dentro do balneário, composto essencialmente por internacionais espanhóis e alguns jogadores estrangeiros com mais anos de casa. Jogadores que garantiam que jornais como a Marca ou o As podiam citar conversas integras e exactas nos treinos fechados à imprensa em que se tornava palpável que o ambiente distava de ser amigável. Quando os capitães pediram ao presidente para ter uma reunião sem o treinador, exigindo que ou saiam eles ou saia ele, o seu destino estava traçado. Mourinho afastou Casillas, primeiro por Adán e depois por Diego Lopez - contratado em Janeiro. Pelo meio já tinha dado reprimendas públicas a Sérgio Ramos, o outro peso-pesado do balneário com quem não tinha relação nenhuma. A lesão de Casillas facilitou as coisas a Diego Lopez. Quando o titular habitual e campeão do mundo voltou teve de suportar um mês e meio de banco. Mourinho foi inflexível. Mas Casillas sabia que as suas horas estavam contadas e que a partir de Agosto tudo seria como antes.
Então chegou Ancelloti.
A imprensa espanhola recebeu-o como o "Pacificador", o homem que ia voltar ao status quo. Trataram-no como um rei, relembrando sobretudo que um homem que tinha colocado em campo onzes escolhidos por Berlusconi e Abramovich não seria difícil de lidar por Florentino Perez - desejoso de impor mais uns galácticos ao treinador de turno, depois de três anos em que Mourinho controlou o mercado de transferências - e com os pesos pesados do balneário. Mas no primeiro jogo a sério, Casillas foi suplente. E Diego Lopez continuou a demonstrar ser um brilhante guarda-redes. Espanha parou. Então não era suposto voltar a ser tudo como antes?
A resistência de Ancelloti, louvável, foi de curta duração. Um mês para ser mais preciso.
O técnico manteve a confiança em Diego Lopez até à paragem para os compromissos internacionais. A imprensa voltou a cumprir o seu papel. Começaram a sair sondagens sobre o apoio dos adeptos a Casillas, a ameaças suas em sair do clube onde se formou para reforçar o Barcelona ou o Manchester United. Os seus jornalistas de bolso, os mesmos que trabalham diariamente com a sua companheira, cumpriram a sua missão e minaram uma vez mais a opinião pública contra o técnico e Diego Lopez. O golpe de misericórdia foi aplicado por Del Bosque. O seleccionador espanhol não convocou Lopez - como tinha sucedido na Taça das Confederações - e colocou Casillas a titular no jogo contra a Finlândia, apesar de levar três meses sem um jogo oficial nas pernas. Mesmo com Valdés numa forma irrepreensível a mensagem ficou. Casillas joga por decreto, seja onde for. Ancelloti percebeu o sinal.
O técnico italiano tinha tido um mês para perceber que arrancar o ano com três vitórias era insuficiente se a imprensa se posicionasse contra a sua gestão. Atacado pela saída polémica de Ozil, com o problema de combinar no mesmo onze Cristiano Ronaldo e Gareth Bale, juntamente com Isco, Benzema, Modric, Di Maria, Khedira, Xabi Alonso (entretanto lesionado), Illarramendi e Casemiro, o menos que precisava era de um debate diário na baliza. Ancelotti rendeu-se e declarou que Casillas era o guarda-redes para os jogos da Champions League. Uma rotação inédita nas suas opções - e na história do clube e dos principais emblemas europeus - que não é mais que um aquecimento prévio até que Casillas se torne, definitivamente, no guarda-redes titular. Lopez tem a batalha perdida e sabe-o. Mas cairá de pé enquanto a sombra do jogador preferido dos espanhóis o engole.
Casillas será o titular e tudo estará bem. Regressarão os artigos elogiosos à gestão de balneário de Ancelotti, os pesos-pesados do balneário deixarão de filtrar histórias comprometidas e Florentino Perez deixará de receber perguntas incómodas sobre um jogador que nunca quis mas que também nunca soube dominar. Casillas, como antes dele Guti e Raúl, foi acusado ao longo dos anos por vários treinadores e ex-jogadores de ser um problema no balneário do Real Madrid pelo seu excessivo peso mediático e contactos com a imprensa. Sobreviveu a Capello - que preferia Lopez - a Mourinho e prepara-se agora para sobreviver a Ancelotti. Demonstrando uma vez mais que em Madrid não manda o presidente, não manda o treinador e não mandam os adeptos. O Real continua a ser um clube governado pelos jogadores e a imprensa. E assim seguirá!