"Não se pode ganhar nada com os miudos". O escocês Alan Hansen, estrela do Liverpool, foi o autor da polémica frase no arranque da temporada 1994. Não tinha razão. Nesse ano o campeão inglês apresentava uma média de idades surpreendentemente baixa. Criou-se um novo paradigma. Mas nesta equação o protagonista era Ferguson, não Arsene Wenger. Ao francês criou-se o mito de ser um treinador especializado em vencer com jogadores jovens e promissores mas o seu sucesso nasceu com base em futebolistas no pico da sua forma. Mezut Ozil cumpre a sua velha máxima à perfeição.
Quando chegou ao Arsenal, Wenger vinha com o rótulo de ser um treinador capaz de sacar o melhor de jogadores desconhecidos. Independentemente da idade. Em Highbury provou-o. Prolongou em meia década as quase acabadas carreiras da sua linha defensiva (Bould, Keown, Adams, Seaman) e aproveitou os últimos sopros de magia de Ian Wright e Ray Parlour para conseguir a dobradinha em 1998. Sobretudo, contou com Dennis Bergkamp no pico da sua carreira. O holandês tinha-se apresentado ao mundo uma década antes, como um jovem adolescente em quem Johan Cruyff confiava poder utilizar para render o pletórico Marco van Basten. Depois de triunfar no Ajax e de uma passagem complicada pelo Inter dos holandeses (com Jonk e Winter, sucedendo ao trio alemão Mathaus, Bremeh e Klinsmann), o jogador apaixonado pelo Tottenham Hotspurs (graças à qualidade ofensiva da geração de Ardilles e Hoddle) aterrou no campo dos gunners para mudar a história do clube.
Tinha 26 anos. Demorou duas temporadas a adaptar-se e a partir de aí transformou-se no farol ofensivo do melhor futebol praticado nas ilhas. Quando Wenger remodelou a sua equipa, apostando de novo por jogadores na casa dos 23-25 anos quase desconhecidos do grande público (Petit, Viera, Pires, Ljunberg, Edu, Wiltord e o "recuperado" Henry) o seu papel de lider espiritual foi fundamental para recuperar o título e lançar a base dos Invencibles de 2004. Essa equipa era uma soma de grandes individualidades, já consagradas, com muitos anos como gunners nas pernas. Não uma equipa de jovens promessas, como ficou associada a imagem a Wenger, talvez por ter lançado Anelka (logo vendido), recuperado um jovem Henry do exílio em Turim e depois ter apostado em Reyes, Fabregas, Walcott e Nasri, mais por necessidade do que outra coisa. Bergkamp foi sempre o seu olho direito em campo, cumprindo um papel fundamental. Por ele passava todo o jogo do Arsenal. Pautava os ritmos, desbloqueava os jogos mais complicados e dava esse perfume de classe que consumou a transformação moral do clube do "boring, boring" ao "champagne Arsenal". Desde o seu adeus o clube nunca mais voltou a ter um futebolista desse perfil. Até agora.
Ozil pode não ser, à partida, o jogador que mais necessitava o Arsenal. Mas é fundamental para o estado emocional em que vive o clube!
Giroud não tem concorrência para a posição de avançado e a defesa continua a ter demasiados buracos por preencher. No caso do avançado, o francês foi batido pela esperteza de Mourinho que simulou deixar Demba Ba fazer a curta viagem pelo Tamisa de Stamford Bridge a Ashburton Grove para cancelar o negócio no último segundo. Na defesa, Wenger já demonstrou confiar no recuperado Mertesacker ao lado de Koscielny, para o bom e para o mau. E com Viviano na baliza a fazer concorrência directa ao intermitente Sczesny, o alsaciano parece estar satisfeito. No meio-campo havia jogadores de qualidade disponíveis. Mas nenhum fora-de-serie. E Ozil é, sobretudo, um jogador estelar.
O seu preço - 50 milhões de euros, a mais cara transferência de sempre do clube, segunda maior da Premier - está de acordo com o seu talento. Actualmente, no futebol mundial, não há um jogador do seu perfil. Os seus dados estatisticos em três anos de liga espanhola não têm igual. Supera em golos e assistência a Iniesta e juntando Xavi a essa equação a diferença é mínima. Com Cristiano Ronaldo assinou a mais letal parceria da história do futebol espanhol das últimas duas décadas, forjando entre ambos 33 golos. A chegada de Modric e Isco foram reduzindo a margem de erro a um jogador que, como Bergkamp, tem tanto de genial como de irregular. Ozil pode realizar exibições para o "hall of fame" durante semanas e depois desaparecer durante um mês. Mas nos clubes top, onde há habitualmente soluções para tudo, essa realidade não é um problema sério. Em Londres será diferente. Ozil será a única estrela da companhia.
Ao seu lado Wenger poderá montar finalmente um esquema similar ao que utilizou com os Invencibles e que tem sido forçado a abandonar com o passar dos anos. Naquela que foi talvez a mais brilhante equipa da história do futebol inglês, o francês alinhava dois médios-centro (Vieira e Edu/Gilberto) no apoio a um trio de criativos que podiam ser Bergkamp, Pires, Ljunberg, Reyes e o próprio Henry, quando Wiltord jogava na frente de ataque. Mobilidade total, imprevisibilidade e um ritmo de jogo alto suportado por uma coesão defensiva notável.
Olhando para o plantel actual é fácil perceber que Cazorla, que nunca foi um médio centro, poderá sentir-se cómodo de novo na ala esquerda, com as suas diagonais, e Oxlade-Chamberlain e Walcott abrirão o campo no lado direito permitindo a Ozil bascular livremente à frente de Whilshire, Ramsey ou Arteta, no apoio directo a Giroud. Ozil terá espaço, terá colegas com quem associar-se que entendem o futebol da mesma forma que ele. E, desde o banco, Wenger encontrará o seu alter-ego no relvado.
Acusado de não saber gastar dinheiro no mercado, Wenger conseguiu o brinde do ano. Vender Ozil, seja porque motivo for, é mais um dos muitos erros de gestão de um clube como o Real Madrid que pensa primeiro no mercado e só depois no futebol. 50 milhões por Ozil, como poderiam ser por Iniesta, é um investimento destinado ao sucesso. Com um golpe de asa, o Arsenal demonstrou que está preparado para voltar à filosofia original de Wenger. A mesma que transformou para sempre a história do clube!