O Special One transforma-se em Happy One. Mourinho está contente para regressar a um clube que lhe deve muito. O sadino é consciente de que a base do sucesso recente é sua. Que os rostos com que se vai cruzar o conhecem bem. O seu carácter, o seu nível de exigência, a sua filosofia de conflito mas também a sua justiça como profissional. O balneário que encontra é radicalmente diferente daquele de 2004. O investimento realizado também. Mourinho trabalhará com o que há, essencialmente, porque se sente capaz de iniciar uma dinastia no tempo e na memória.
Em 2004, minutos antes ou depois da célebre tirado do Special One, Mourinho escreveria num papel os jogadores à sua disposição.
Havia os primeiros resquícios dos investimentos de Abramovich, os jovens que vinham do West Ham United (mas que para muitos parecem "canteranos) e todos os nomes que ele tinha pedido. Os Drogba, Robben, Cech, Tiago, Ricardo Carvalho, Paulo Ferreira e companhia. Durante os quatro anos seguintes, Mourinho moldou o presente e o futuro dos Blues.
Fê-lo buscando sempre resultados imediatos. Jogadores preparados para responder logo às suas exigências físicas, tácticas e de atitude. Guerreiros para o seu exército, homens para a refrega contra o Arsenal de Wenger, o Liverpool de Benitez e o United de Ferguson. Foi essa a filosofia que pautou a sua passagem pelo clube e que perpetuou em Milão, onde não teve problemas em entregar-se corpo e alma a uma guarda pretoriana envelhecida mas à procura de um último suspiro de glória. Ironicamente, ao mesmo tempo, os seus homens de confiança no Chelsea seguiam o mesmo caminho, com outros nomes no banco, mas mantendo essa filosofia do choque, do confronto e da batalha. Assim chegaram à final de Moscovo, meses depois da destituição do português. E assim conquistaram o ansiado troféu (para Roman, para Mourinho, para eles), na final contra o Bayern Munchen. Naquela noite encerrou-se um ciclo.
Não necessariamente da presença dos jogadores no plantel. Uns saíram outros ficaram, mas o grau de exigência baixava. Afinal, não havia nada por conquistar. Não havia nada mais porque lutar quando todo o esforço de oito anos tinha sido focalizado no santo Graal, que descansava, são e salvo, em Stamford Bridge. Inevitavelmente, como sucedeu com Villas-Boas, o seu sucessor, Di Matteo, não encontrou forma de motivar os veteranos nem teve poder para os colocar de lado. E Benitez, o homem a prazo, limitou-se a cumprir os serviços mínimos exigidos. Cabia ao seu sucessor dar inicio a uma nova era. Abramovich quis sempre que esse homem fosse Guardiola mas o catalão dá mais importância à história e à estrutura que ao dinheiro. Para isso está Mourinho, um treinador que se move sempre em terrenos onde não se sente atado na carteira e preso a uma história. Em Madrid sentiu-o bem na pele.
Mourinho chega assim a Londres com uma equipa brutalmente rejuvenescida.
No entanto, já o era o seu Real Madrid, o seu primeiro Chelsea e o seu FC Porto. A etapa final com os londrinos e em Milão vendeu a história de que o treinador português só gosta de trabalhar com veteranos, mas não é verdade. Gosta de trabalhar com jogadores feitos, táctica e mentalmente, o que é diferente. No plantel actual dos Blues, tem jovens mas que já contam com mil e uma batalhas nos pés. E apesar de contar com um plantel com evidentes desequilíbrios - e é estranho que as incursões no mercado, até ao momento, tenham sido pontuais - Mourinho sabe que há jogadores suficientes para colocar em prática a sua filosofia de jogo.
Numa liga carente de lideres emocionais, o regresso de Mourinho é um bálsamo. Em Manchester a pressão vai estar toda do lado de David Moyes e Manuel Pellegrini. Nomes novos que sucedem a idolos históricos e recentes e a quem os adeptos vão perdoar muito pouco. Wenger é eterno, ou isso parece, mas a sua fórmula está esgotada e salvo uma mudança radical de política, o Arsenal continuará a ser uma equipa limitada na sua ambição. Quanto a Tottenham, Liverpool e Everton, não há nomes, nem no banco nem em campo, nem dinheiro nas contas, para fazer sombra à elite. Só um descalabro desportivo podia permitir uma mudança consciente no circulo de poder.
O técnico português recebe assim um Chelsea nos mesmos moldes que a sua primeira participação. Um título nacional que escapa há quatro anos, mas um plantel de qualidade, um estatuto consolidado e dinheiro para gastar. As vitórias europeias recentes dão-lhe seguramente um descanso nesse capítulo e permitem-lhe comprar tempo para focar-se em recuperar a hegemonia interna que manteve entre 2004 e 2006.
Para essa batalha estão nomes antigos convocados. Cech será titular e Terry, Cole e Lampard também. São homens de confiança, que terão muitos minutos nas pernas e presença assegurada nos dias decisivos. Também estará o tipico modelo de jogador que o técnico tanto aprecia, o futebolista combativo e guerreiro. Os Ivanovic, Cahill, Obi Mikel, Essien, Ramires e Moses, serão parte coral da sua filosofia. O talento está entregue ao quarteto de luxo forjado entre a magia de Hazard, a classe de Óscar, o génio de Mata e a velocidade de De Bruyne. A estes há que juntar mais um legionário, o alemão Andrea Schurlle, e a eterna incógnita do ataque, entre Torres e Lukaku, dois jogadores cujo perfil dista bastante do que quer Mourinho. Sem Cavani, sem Lewandowski e sem Rooney, o português terá de procurar um jogador à altura da sua ideia no mercado para dar a estocada final no seu projecto. É a grande incógnita do seu novo Chelsea.
Haverá seguramente minutos para os mais jovens (o promissor Chabolah, mais do que qualquer outro), uma constante rotação de jogadores e um esqueleto fixo à volta do eixo Terry-Ivanovic-Lampard-Oscar-Hazard. Eles são o reeditar do Terry-Carvalho-Lampard-Robben-Drogba da primeira, e mais espectacular, versão do Chelsea de Mou. A partir de aí, e com as alternativas que já existem e as que se podem materializar, que Mourinho pode presumir de dispor de um plantel capaz de recuperar o trono do futebol inglês face a um United e um City em curva descendente na sua relevância de mercado e um Arsenal e Tottenham que não terminam de dar o salto. Todos os elementos estão conjugados para o regresso de Mourinho à elite britânica!