Houve muitos jogadores na história do futebol italiano a roçar a perfeição. Mas só um chegou a lograr realmente tocar o céu. Foi uma estrela numa era onde o marketing começava a criar os seus próprios mitos e marcou a magia do Calcio dos anos 80 e 90. Passou pelos três grandes de Itália e em todos deixou saudades. Il Divino só houve um. Roberto Baggio.
Houve poucos jogadores tão perfeitos como Roberto Baggio em campo.
O seu estilo de jogo era simplesmente magnético. Foi o maior exemplo do “regista” italiano, o falso ponta de lança criativo capaz de trazer magia a um estilo de jogo iminentemente táctico. Um craque entre vários que povoaram a liga italiana entre 1985 e 2000, o seu período áureo. Retirou-se em 2004 quase com 40 anos, 18 anos depois de ter começado a deslumbrar meio mundo. Com estilo, como sempre actuou.
Quando deu os primeiros pontapés na bola como futebolista profissional, naquele quente Verão de 1986 em Florença, o Calcio estava ferido de morte. As equipas tinham falhado nas provas europeias, a selecção campeã do Mundo em 1982 tinha sido derrotada sem apelo nem agravo nos Oitavos de Final do Mundial do México pela França de Platini e toda a geração de talentosos craques italianos estava a chegar ao seu fim. No meio de tanta maré negra poucos repararam naquele jovem de trato simples, ar honesto e toque genial. Durante a segunda metade dos anos 80 foi a inveja de Itália. Com a camisola viola da Fiorentina elevou á glória o pequeno clube toscano, conquistando vitórias históricas nos campos dos temidos Napoli, Inter, Juventus e AC Milan. Tinha-se estreado com 18 anos e nesse período falhou-lhe apenas um titulo. A paixão que despertava tornou-o em elemento chave da equipa italiana que ia receber o resto do Mundo no seu Mundial. Com uma selecção a anos luz daquela que oito anos antes fora campeã, Roberto Baggio tornou-se o patrão do futebol italiano, apontando golos de antologia como o que derrotou a Checoslováquia. Contra todos os prognósticos a Itália chegou até ás meias finais onde só caiu diante da Argentina de Maradona. Acabaria a prova em terceiro e agora tinha um novo ídolo para glorificar.
A Juventus não perdeu tempo e assinou o contrato histórico no Verão que se seguiu ao Mundial. Baggio era o substituto de Platini no ataque de Turim e durante cinco anos foi o santo e senha do Calcio. A Juve logrou interromper o domínio do AC Milan e em 1995 sagrou-se dez anos depois campeã de Itália. No mesmo ano ganhou a Taça e iniciou uma nova era de triunfos. Baggio, que já tinha sido fundamental na conquista da Taça UEFA de 1993, vivia então o seu melhor momento. Em 1993 venceu o Ballon D´Or, apenas o quarto italiano a lográ-lo depois de Sivori, Rivera e Paolo Rossi. Foi então que chegou o Mundial dos Estados Unidos. Depois de uma problemática fase de grupos, Baggio pegou na azurra ás costas e arrancou até à final. Eliminou praticamente sozinho Nigéria, Espanha e Bulgária para marcar presença na final de Los Angeles. Aí não logrou bater a bem organizada defesa do Brasil. Na série de penaltis foi chamado a marcar o decisivo. Nunca falhara. Falhou. O Brasil venceu e a Itália caiu em depressão. O rosto abandonado de Baggio no relvado marcou toda uma geração. Seriam precisos esperar mais doze anos para voltar a uma final de um Mundial.
Com 27 anos, Baggio decidiu que era hora de abandonar Turim. O seu delfim, Del Piero, tornou-se no seu sucessor e o “regista” mudou-se para o eterno rival, o AC Milan, em 1996. No primeiro ano liderou a armada milanesa de volta ao Scudetto mas falhou na Europa e depois de dois anos o médio passou-se para a pequena cidade de Bologna, onde muitos o deram por acabado. A época brilhante que realizou devolveu-o ao onze da azurra disputando o Mundial de 98. Nesta ocasião não falhou o penalti decisivo mas foi traído por Di Biaggio e voltou para casa mais cedo. Mas de cabeça alta. Voltou a Milão mas desta feita para vestir a camisola neroazurri do Inter mas as duas temporadas em S. Siro foram complicadas. Já passada a casa dos 30 decidiu voltar a um clube pequeno, o Brescia. Aí deu o ponto final à sua carreira, mas só após quatro anos notáveis que fizeram mesmo os tiffosi a suplicar pela sua inclusão na equipa que disputou o Euro 2004. Não o foi e nesse Verão disse adeus aos relvados.

Durante vinte anos foi o rosto mais emblemático do futebol italiano. Mais, elegido pela FIFA como um dos maiores desportistas de todos os tempos, é hoje natural olhar para trás no tempo e perceber que a magia italiana condensou-se toda em Roberto Baggio ao largo de toda a sua carreira. O espírito latino, a magia de rua, a disciplina táctica, o gosto pelo toque, a destreza técnica, o remate assassino. O jogador italiano perfeito, capaz de superar a magia de génios como Meazza. Mazolla, Riva ou Conti e o fantasma sobre o qual todos os “registas” posteriores tiveram de suportar. Seis anos depois de ter abandonado os relvados é fácil sentir saudades dos lances geniais com a imagem de marca de “Il Codino”, o eterno calciogiocattore.