Dezoito clubes. Quantos deles com a corda ao pescoço? Quantos deles com salários em atraso? Quantos deles com dividas incomportáveis? Quantos deles com bancadas vazias nos jogos em casa? Quantos deles com meio autocarro de apoio nos jogos fora? Quantos deles com jogadores estrangeiros de terceiro nível e um sistema de formação abandonado? Dezoito clubes. A solução que encontraram para resolver uma injustiça desportiva e um erro de legal. Mas nada que possa resolver os problemas estruturais do futebol português.
O Boavista tem as portas escancaradas para voltar á elite do futebol português.
Ironicamente, ou talvez não, no fim-de-semana que se seguiu à aprovação pela Liga de Clubes da repesca dos axadrezados, a equipa perdeu o seu duelo com o Desportivo de Chaves. Um duelo na II Divisão B, uma divisão onde o clube do Bessa nunca venceu neste seu hiato pelo futebol das divisões secundárias. Diz muito do estado actual da vida do quinto grande, do quinto campeão do futebol em Portugal. Sem a ratificação da Federação Portuguesa de Futebol e com os créditos financeiros de inscrição por pagar, ainda não é certo que o futebol português volte a contar com todos os seus campeões na sua primeira divisão. Mas o cenário nunca esteve tão perto de suceder desde que a equipa do Porto foi utilizada como bode-espiatório de um dos maiores escândalos consumados do futebol luso.
Depois de muito barulho à volta do Apito Dourado, não houve forma de provar, nos tribunais, o que as escutas posteriormente divulgadas deixaram claro à opinião pública. Para os mais precavidos, o que tinha sido divulgado nesse longo e penoso processo estava longe de ser uma novidade e como escutas posteriores comprovaram, algo exclusivo dos clubes imputados. Como o futebol português está, como sempre esteve, corrupto até à medula, a sensação de polémica soava a falso e como tal, também a suspeita de que um clube do prestigio do FC Porto podia ser realmente penalizado. Se o fizessem, tarde ou cedo, os restantes campeões seguiriam o mesmo caminho, a fruta e o café com leite eram coisa de muitos. O Boavista, no entanto, mal gerido desde que João Loureiro tomou as rendas da herança de Valentim Loureiro, foi a presa ideal para quem queria sangue. Um clube campeão com polémica, um clube onde o dinheiro entrava e desaparecia a uma velocidade assustadora, um clube com uma base de apoiantes relativamente pequena para poder gerir o mesmo tipo de revolta social que implicaria punir outro clube. O Boavista pagou o preço de estar no sitio errado à hora errada. E daí o descalabro.
O clube podia ter sido despromovido e voltado dois anos depois à elite se tivesse sido gerido com correcção. Mas não foi. A queda no precipício deixou a nu todos os problemas reais do clube que nada tinham a ver com a polémica do Apito Dourado, por muito que dirigentes e adeptos tenham tido razão quando se queixaram de tratamento especial para outras instituições. O Boavista caiu injustamente mas não se soube levantar, e afundou-se mais, por culpa exclusivamente sua.
E no entanto, a justiça assim o exige.
Depois de quase cinco anos sem o demonstrar em campo, o Boavista poderá voltar a saborear as grandes noites de futebol num dos mais belos estádios do futebol português. A aprovação de uma liga a 18 - num ano em que regressa também o Belenenses à elite - devolve o futebol português para o mesmo cenário onde estava quando o Apito Dourado surgiu nas capas dos jornais.
São dezoito equipas demasiadas para um país como Portugal, com uma liga onde a esmagadora maioria dos seus clubes são incapazes de cumprir com os mais básicos compromissos exigidos a uma instituição desportiva. Nos últimos anos vimos problemas para pagar salários em clubes ao nível de FC Porto, Sporting e Benfica. Nos últimos anos entre avisos de greve, a clubes que desapareceram do mapa e emblemas despromovidos por falhar os seus compromissos, o futebol português transformou-se numa jangada onde se morre de sede e de fome.
O caso da União Leiria na época passada foi o culminar de uma realidade que já se sentia em vésperas do Euro 2004. O desaparecimento de clubes como Salgueiros, Farense, Estrela da Amadora era algo sintomático do estado real do futebol português. As horas de agonia de históricos como o Belenenses, Vitória de Setúbal, Académica e Vitória de Guimarães tocaram o próprio esqueleto de base do desporto lusitano. A Liga Sagres transformou-se numa competição onde na mesma jornada competiam entre si jogadores que levavam meses sem cobrar o seu salário. Uma competição onde a dependência dos empréstimos e favores de fundos e empresários eram fundamentais para sobreviver. Quando as conexões extra-desportivas acabavam, os clubes tremiam, e caíam.
Os pequenos emblemas que subiam da II Liga cheios de esperança voltavam rapidamente para o ponto de partida sem nada que ganhar. Passou com Trofense, Leixões ou Feirense, apenas para citar os casos mais pontuais. Enquanto projectos como o Paços de Ferreira encontraram coerência na sua gestão desportiva e clubes como o Rio Ave se entregaram à benção de patronos poderosos, os restantes limitam-se a sobreviver. São dezasseis. Faz sentido juntar mais dois ao mesmo cenário?
Pode o futebol português ganhar algo com uma liga a dezoito?
Estarão os estádios mais cheios? Os contratos televisivos valerão mais? Haverá mais jogadores jovens portugueses de futuro nesses projectos? A competição será mais emotiva? Os clubes grandes deixaram de passar temporadas inteiras sem perder um só jogo? Será que duas equipas a mais vão significar tanto para a liga lusitana? Ou será, pelo contrário, que serão duas novas bocas para alimentar, dois novos estádios vazios, dois novos planteis repletos de jogadores sem nível e sem dinheiro nos bolsos?

Um país como Portugal - que vive, pensa e respira a pensar apenas no trio de clubes grandes que compõe o 99% do coração dos adeptos e o interesse dos media - poderia ter uma liga de oito equipas que ninguém realmente se importaria. Essa é a crua realidade. Essa hegemonia asfixiante dos grandes já matou o futebol do interior, já matou o futebol dos pequenos clubes das grandes cidades e já matou a formação do futebol português. Se uma liga a dezoito fosse a resposta para essa ditadura, então venha ela. Mas não o será. Como não o é uma liga a dezasseis, a catorze ou sequer a doze. O futebol português tem um problema muito mais sério e grave para resolver que o número de equipas da sua liga principal. Enquanto esse problema não for resolvido o resto é apenas folclore. Nada mais do que folclore.
De cpa a 9 de Abril de 2013 às 12:17
para mim, o número ideal na primeira liga são 12 clubes, disputado em 3 voltas.
CPA,
Não gosto do formato de três voltas, implica sempre que alguma equipa jogará mais vezes em casa do que fora contra o mesmo rival. Ou uma liga a 8 com quatro voltas ou uma liga a 14 com duas voltas e uma Taça da Liga renovada, com novo formato, mais rentável e o prémio de um lugar europeu que estimule a maioria das equipas a participar realmente!
De Victor Hugo a 10 de Abril de 2013 às 19:25
A Estrela Amadora faliu? Estou surpreso! E também já me preocupa a situação do Sporting, que parece estar numa crise gigante.
Acho que o que deveria ter sido feito, quando tinha tempo, era abortar este projeto de comer à mão de empresários, mas agora parece que a situação já se complicou demais.
É impressão minha ou a existência de duas copas na temporada portuguesa é totalmente desnecessária? Faz-se pela tradição?
Abraços!
Victor Hugo,
Não, a Taça da Liga foi criada há cinco anos para compensar as datas vazias de reduzir a liga a 16 equipas!
De Pedro Costa a 24 de Abril de 2013 às 22:13
Boas noites Miguel.
Já há algum tempo que não vinha a este espaço. Decidi vir hoje depois de constatar o actual poder do futebol alemão e isso ter suscitado a minha vontade de voltar a escrever sobre futebol.
Começei a ver o "histórico" dos teus posts e não pude ficar indiferente a este. Vejamos porquê:
- um campeonato com 8 equipas Miguel? Menos que o campeonato da Austria ou até que o da Letónia (cito estes apenas como maus exemplos, mas há mais) ? Mas o que leva campeonatos desses a serem exemplares ao ponto de querermos "copiar" o sue modelo?
- 8 equipas a 4 voltas como falas daria apenas 28 jornadas! O nosso campeonato com 30 jogos já é dos mais curtos da Europa, como buracos no calendário (daí eu concordar com o alargamento), e ia ficar ainda com mais furos?
- com os clubes a jogarem 4 vezes entre eles, há o sério risco de se tornar aborrecido...
- um país fornecedor de jogadores como Portugal a reduzir drasticamente a sua montra?
Já temos poucos jogadores portugueses de qualidade a brotarem, pois os grandes só lançam estrangeiros, e se não são os clubes mais pequenos a fazerem este trabalho, temo seriamente pelo futuro da selecção
Daí não concordar minimamente com este teu ponto de vista. Nós com 18 equipas tinhamos um bom futebol. Os melhores anos da selecção e dos clubes a nível europeu foi nos últimos anos do campeonato com esse formato.
Para mim a discussão deve ser outra: teremos nós capacidade para ter 2 ligas profissionais? Isso sim é que deve ser discutido...
Para acabar, queria só aqui referir um grande contra senso a que assistimos na última época: o alargamento da segunda liga!
Esta para mim é de bradar aos céus! Então vetou-se o alargamento da primeira liga, onde mesmo assim ainda vão havendo algumas receitas e consequente possibilidade de haver maior rentabilidade dos clubes, e vai-se permitir alargar a segunda liga, onde não há receitas e sobreviver é quase impossível?
Porque repara numa coisa: meteram-se 6 equipas B, que não podem subir de divisão mas podem descer.
Ora, basta uma equipa B ser despromovida e subir uma equipa da divisao abaixo para o seu lugar que está automaticamente a aumentar o número de equipas profissionais na segunda liga, ficando 5 equipas B e 17 outros clubes!
E num cenário de descerem 3 equipas B? Sobem outros 3 tantos emblemas para alargar ainda mais o número de clubes profissionais na segunda liga!
Perante a sustentabilidade e receitas que esta liga tem isto faz algum sentido? Vetaram o alargamento da primeira mas permitem o da segunda?
Não percebo sinceramente...
Um abraço Miguel
Pedro,
Quando falo de 8 equipas falo de 8 equipas sustentáveis. Em Portugal não há, actualmente, mais de 8 equipas nessas condições. Todas as outras vivem no limite do que pode ser considerado ilegal em qualquer outra identidade laboral. Salários em atrasos, dividas brutais por pagar, problemas com o fisco, etc...
É esse o estado real do nosso futebol. Uma liga a 18 não vai mudar o cenário de uma liga a 16 ou a 14 se continuarem a existir tantos clubes na mesma situação. Na Escócia um histórico como o Rangers foi despromovido mas em Portugal esse cenário é impossível.
Eu não quero copiar o modelo de ninguém, quero uma liga limpa e se me conseguirem uma liga a 18 equipas limpa, eu assino por baixo. Em relação à II Liga, estou de acordo, é uma barbaridade que só as politiquices portuguesas podem permitir.
O futebol português esteve melhor a nível de selecção quando os Boavista, Vitória, Belenenses, Setúbal, Salgueiros, Académica, Estrela e companhia apostavam na formação, não se endividavam e não enchiam os planteis de jogadores estrangeiros de parca qualidade. Foi o final dessa filosofia que provocou a decadência, não a variação de clubes. Com 16 clubes o FC Porto venceu a primeira final exclusivamente europeia da história, o Sporting foi semi-finalista vencido o ano passado e o Benfica pode ser finalista e vencedor da mesma prova este ano!
De Pedro Costa a 24 de Abril de 2013 às 23:10
Caro Miguel,
A situação financeira da maioria dos clubes é, como se sabe, deplorável. Mas creio que reduzir não ia resolver isso. As ligas com menos equipas também tem problemas financeiros graves. Basta ver o que aconteceu ao Rangers num campeonato com 12 equipas e com o Sion num campeonato com 10.
O grande problema aqui é a mentalidade dos dirigentes, e a questão dos direitos televisivos que não estão centralizados (como no resto da Europa, só em Portugal e Espanha é que não estão), mas isso é outro tema...
Acho que um campeonato com 18 é positivo por trazer mais jogos ao paupérrimo calendário desportivo que temos. E além disso, quem garante que as 2 equipas adicionais iriam ter problemas financeiros? Este ano os 2 que subiram (Estoril e Moreirense) são daqueles que mesmo assim, vão revelando alguma saúde financeira...
Quanto às prestações europeias, é verdade o que dizes. Mas também é verdade que com 18 tivemos o Porto a ganhar a Taça UEFA e a Champions(!) e o Sporting a chegar a uma final europeia, isto em 3 anos consecutivos. Para não falar que tivemos muito perto de ter também nessa altura, uma final portuguesa entre o Porto e o Boavista (que teve o azar de apanhar a melhor equipa do Celtic dos últimos 20 anos).
Ultimamente as equipas portuguesas têm estado bem na Liga Europa, mas as prestações na Champions têm decaído, e este ano não foi excepção.
Por último, referir que constato que desde que temos este modelo, os pequenos têm muito mais dificuldades a ir roubar pontos aos grandes. Antes assistiamos a mais surpresas do que agora.
O fosso é cada vez maior...
Não sei como vai ser. Se se vai alargar ou não. Eu pessoalmente concordo, mas caso não haja, espero que reformulem a Taça da Liga, pois é uma solução muito boa para suprir os buracos que ainda existem no calendário, mas não como está agora.
Um abraço para ti
Pedro,
Eu não me importaria de uma liga a 18 ou a 20, com várias cidades representadas, estádios com mais gente, jogadores portugueses jovens. Seria o cenário ideal.
Mas não vejo que isso seja possível. Também não sei se a liga a 8, 10, 12 ou 14 seja a solução. Mas a situação actual é insustentável, seja o número de equipas 8 ou 80.
As performances na Champions estão de acordo ao que é o futebol português. Na liga europa são melhores porque somos uma potência de segunda linha e das de primeira ordem, só os espanhóis apostam forte na prova. Em 2000-05, salvo a campanha do FCP, a situação era igual!
abraço
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