Não vai haver City. Outra vez. Não vai haver Chelsea? Seguramente. No meio de tudo isto, uma certeza. O dinheiro é um atalho para o sucesso futebolístico mas nem todos os atalhos terminam bem. A falta de solvência futebolística dos "citizens" e o desnorte de um Chelsea em renovação deixam claro que investir milhões num clube nem sempre é o único caminho para o sucesso.
Podem os adeptos do City, com os irmãos Gallager à cabeça, queixar-se de fazer parte, pelo segundo ano consecutivo, do grupo da morte.
É verdade. Mas em ambos os casos, os ingleses chegavam com o maior orçamento, o mais caro plantel e a melhor colectânea de individualidades ofensivas possíveis e imaginárias. E não serviu para nada. A equipa voltou a despedir-se da Champions antes de Janeiro.
Na época passada foi a dupla Bayern Munchen e Napoli que se sentiu e fez sentir superior. O Villareal viveu um annus horribilis - acabou despromovido - e ficou claro que o grupo da morte não o era tanto. Esta época o Ajax medirá o apuramento para a Europe League, pela segunda época consecutiva, com o City. Os ingleses não vencerem nenhum jogo e em casa conseguiram apenas três empates. Nada mais. Muito pouco. Desesperadamente, muito pouco.
A culpa não irá morrer solteira, Mancini é consciente disso mesmo. Nem a vitória na Premier League - a primeira desde 1968 do clube azul de Manchester - será suficiente para aguentar o posto para lá de Junho. Especulam-se em nomes mas vive-se numa certeza. A hora do italiano pode chegar antes, mas nunca passará do defeso. O fracasso europeu a isso condena. Mancini voltou a apostar no seu lado mais conservador. Defesa de cinco, à italiana, com dois laterais que conhecem bem a dinâmica, e confiança num gesto individual capaz de fazer a diferença num leque onde se misturam Dzeko, Aguero, Nasri, Touré e Silva e a que se juntou ainda Tevez. Só Baloteli, incompreensivelmente, continuou de fora.
O sistema foi incapaz de lidar com Di Maria e os centrais e laterais atrapalharam-se no posicionamento na linha defensiva no lance que permitiu a Benzema aparecer, entre Kompany e Maicon, para fazer o golo inaugural do jogo. Ao City valeu-lhe, sobretudo, a incapacidade do clube merengue em fazer sangue com os rivais mais débeis. O 3-5-2 passou a 4-4-2, com Kolarov a subir na ala para encarar-se com Arbeloa, e o tabuleiro reequilibrou-se. Não chegou. O Real Madrid, a quem o empate bastava mas cuja vitória era fundamental se sonhasse com a liderança do grupo da morte, controlou os acontecimentos mas não pode encontrar forma de controlar o árbitro, Rochi, incapaz de ver três faltas consecutivas sobre Cristiano Ronaldo mas hábil o suficiente para encontrar no mergulho de Aguero motivos para um penalty e uma expulsão (já o primeiro cartão de Arbeloa tinha sido um erro, a falta era de Alonso). Com o empate chegou a tensão, o medo aos merengues - Varane e Albiol entraram para os lugares de Benzema e Di Maria - mas o City foi incapaz de transformar a superioridade no terreno em superioridade futebolística. Morreu a ideia, morreu a esperança e um ano mais os milhões investidos pela família do Dubai que revolucionou o clube foram insuficientes para comprar o bilhete mais valioso do ano.
O Chelsea até cumpriu com o sonho do seu dono multimilionário, vencendo a Champions que se lhe tinha escapado tantas vezes.
Mas essa vitória, como ficou claro, pertenceu mais à vontade e garra de uam geração desesperada por justiça poética do que ao trabalho dos dois treinadores que comandaram o clube. Villas-Boas deixou os Blues à borda da eliminação nos oitavos. Di Matteo soube organizar as hostes e dar poder ao balneário para sofrerem o insofrivel no Camp Nou e acabaram por dobrar a vontade dos alemães do Bayern na sua própria casa. Mas a geração de Mourinho sentiu, com esse triunfo, que tinha cumprido a missão. Sem Drogba, com Lampard e Terry como actores cada vez mais secundários, o clube londrino entregou-se à juventude e promessa de Mata, Hazard, Marin, Moses, Sturridge, Oscar e Ramires.
Uma geração que dará, seguramente, vários títulos aos Blues.
Está composta por alguns dos melhores e futuros melhores do Mundo. Mas é também uma geração sem liderança, sem um ponta-de-lança que trate o golo por tu e sem um médio defensivo que imponha a ordem e o respeito necessário num meio-campo defensivo demasiado débil. Se o grupo do City era o da morte, o do Chelsea não o era menos porque tal como o Dortmund, também o Shaktar Donetsk tem um projecto futebolistico sério e com ambições legitimas a surpreender os mais cépticos.
Se contra os ucranianos faltou essa acutilância, contra os italianos da Juventus, renascidos para as grandes noites europeias, faltou futebol e liderança. Orfãos de tudo o que fez deles reis da Europa, o Chelsea foi uma sombra do que poderá vir a ser. E Di Matteo, o homem que cumpriu o sonho, não teve direito a reprise. Se os mineiros e os bianconeri pactuarem o previsível empate na última ronda, nem uma goleada histórica poderá salvar os londrinos, culpados dos seus próprios erros. Será a primeira vez que o campeão da Europa cai na fase de grupos, a primeira vez que é eliminado na primeira ronda desde que o Nottingham Forrest bateu, em 1979, o campeão Liverpool.
O Chelsea sabe que tem material para o futuro onde falta apenas uma ideia de futebol e uma coerência na relação entre o campo e o banco. O City vive um problema maior. Um plantel profundamente desequilibrado, uma ausência de futebol colectivo que se vale do oportunismo individual dos seus génios, é um transatlântico governado por um pescador e até a época terminar o navio poderá cruzar-se com algum outro iceberg pelo caminho que deixem o trabalho dos últimos anos pelo chão. No final, Inglaterra, o país que há quatro anos dominava de forma autoritária o futebol europeu, continua em queda livre e só Arsenal e Manchester United parecem seguir em frente. E com uma versão muito menos impressionante em relação ao seu passado recente. Terão de salvar a honra da nação enquanto os seus potentados económicos terão, uma vez mais, de decidir se querem seguir o atalho do dinheiro ou o caminho do futebol.