Quarta-feira, 14 de Novembro de 2012

Numa era em que os analistas mais progressistas teimam em querer enterrar o ponta-de-lança, como fizeram no passado com os extremos e os criativos puros, novas versões da velha espécie teimam em desmentir a filosofia de que o falso-nove, uma invenção de sessenta anos, é o futuro. Javier Hernandez e Edin Dzeko vivem a poucos quilómetros de distância um do outro. Mas no terreno de jogo partilham a mesma habitação. E sabem como fazer dela a mais aconchegante da casa. A sua, a do golo.

 

A contratação de Robie van Persie parecia condenar Hernandez ao esquecimento. 

O mexicano viveu, há duas épocas, uma explosão prodigiosa no ataque do Manchester United, relegando o milionário Dimitar Berbatov para o esquecimento definitivo de onde nunca mais saiu. Foi o homem dos golos definitivos, especialmente quando a chama de Rooney se apagou. Mais do que uma vez.

Chicharito, diminutivo de quem ama o golo (chicharro é golo em vernáculo popular espanhol), tornou-se sinónimo de triunfos épicos naquela escola que tanto apaixona o futebol inglês. Relembrou as gestas de Fairclough, do Liverpool, de Solskjaer, do United, homens que saiam do banco para tratar por tu as redes adversárias. Ele era e ainda é o símbolo de uma nova geração de um país que está destinado a grande voos. E no entanto, nem Ferguson nem os analistas pareciam confiar nele de forma evidente para dar-lhe a titularidade absoluta do gigante de Manchester. Não era o avançado móvel tão em voga, como todos os predadores, vivia de séries positivas e negativas e no futebol actual não há margem de erro. E no entanto estava aí, a responder com golos às dúvidas dos próprios e estranhos. Este ano, a chegada de van Persie podia ter sido o seu fim. O holandês tem respondido com golos, desmarcações e movimentações que agradam a quem se apaixonou por Hidgekuti ou Rivelino reconvertidos em Messi ou Fabregas, como se o nove e meio fosse coisa do hoje e do amanhã. Não é. E os grandes goleadores não desapareceram por completo. Hernandez tornou-se no abono de família do Manchester United no último mês. 

Os golos do mexicano permitiram ao clube trepar até ao primeiro lugar da Premier League, de forma isolada, e ajudaram a garantir o apuramento directo para a próxima fase da Champions League, sem o sofrimento de outros anos e as eliminações precoces como na época passada. Com Rooney cada vez mais reconvertido a falso número 10 (ou 8, como queiram) a partir desde o meio-campo para estabelecer a ponte com o ataque, o mexicano vai aproveitando os minutos e os espaços para deixar a sua marca. Não é nem será titular na cabeça de um homem, como Ferguson, que sempre quis avançados velozes como Hughes, Cantona, Cole, Yorke, van Nistelrooy, Tevez, Rooney e van Persie. Mas cada vez mais prova que é um jogador que pode ser titular absoluto em qualquer equipa do Mundo.

 

Do outro lado da cidade, o lado azul celeste, há um homem que entende o mexicano à perfeição apesar de vir do frio dos Balcãs para o céu cinzento mancuniano. Edin Dzeko é a versão citizen de Hernandez, o goleador absoluto dos momentos desesperados, o homem que parece não ser contabilizado como primeiro opção numa linha de ataque onde os nomes próprios - Aguero, Balotelli e Tevez - correspondem a esse arquétipo moderno do avançado móvel e todo terreno. 

Dzeko pode ser mais previsível, o seu jogo mais físico e posicional, a sua influência no comportamento do colectivo menos evidente. Não desce tanto a fechar linhas, não exerce as mesmas diagonais a meio-campo mas inspira terror em qualquer defesa contrária. Por quatro vezes este ano saiu do banco nos últimos dez minutos e ajudou o City a dar a volta ao marcador e a garantir doze pontos que mantêm os campeões vivos na luta pela renovação do título histórico logrado na época passada. Um título com o seu selo, com golos importantes nas segundas partes onde Mancini perdia a fé nele mesmo e deixava tudo nas mãos de Deus, da sorte e Dzeko.

O bósnio demonstrou na Bundesliga que é um dos melhores avançados puros do Mundo. A sua transferência para Manchester fazia sentido mas encontrou-se com a fome exagerada de uma equipa que prefere contratar primeiro e pensar depois. O overbooking ofensivo, com quatro jogadores de excelência, causou danos colaterais. Dzeko foi o primeiro. Talvez tenha o melhor ratio de golos e minutos do futebol europeu, talvez seja um dos avançados mais importantes nas vitórias agónicas da sua equipa, mas acaba sempre relegado para quarta opção. Ele é o herdeiro de Nial Quinn, o homem dos golos decisivos, o goleador em quem os adeptos sabem que podem confiar quando mais ninguém salva a pátria. 

Como Hernandez, o bósnio é exemplo de uma velha raça que ajudou a fazer do futebol um espectáculo de golos. Quando a história comemora os feitos dos homens que decidem os jogos com os seus gestos implacáveis, que cheiram o sangue e o medo dos rivais, seguramente terá sempre um espaço para lembrar-se homens como Edin e Javier, goleadores puros que resistem à passagem do tempo e ás modas para demonstrar que a beleza do futebol parte também da sua pureza e simplicidade absoluta. 

 

A linguagem do golo tem muitas entoações distintas e a imensa variedade de tipos de dianteiros ajudou o jogo a crescer e a aperfeiçoar-se. Mas o nascimento - ou redescoberta - de novas posições não deve, à partida, significar a extinção de outras. Os goleadores puros serão sempre fundamentais na concepção de qualquer plantel e os êxitos recentes de Dzeko e Hernandez apenas significam que o nove saberá sempre encontrar formas de se reinventar.



publicado por Miguel Lourenço Pereira às 12:44 | link do post | comentar

10 comentários:
De Miguel Lourenço Pereira a 15 de Novembro de 2012 às 13:02
JV,

Um gosto de todos os sistemas porque consigo encontrar em cada um deles algo que apreciar e que não vejo nos outros. O falso 9 é tão antigo que me surpreende como ainda há pessoas que acreditam que é uma invenção do futebol moderno. Foi-o, do futebol do pós-guerra, ao mesmo tempo que o lateral ofensivo ou o criativo.

Acho que há espaço para equipas jogarem com um nove fixo e equipas que apostam no falso nove, porque no fundo o sistema adapta-se tão bem aos planteis como estes se podem forjar com um sistema em mente. Hernandez e Dzeko são exemplos de joadores que revolucionam um sistema com a sua capacidade individual. Não vejo nem o Utd nem o City mudarem a sua forma de jogar para que tenham mais minutos, mas a sua aportação é evidentemente significativa de que há diversas formas de chegar ao golo.

um abraço


De JV a 15 de Novembro de 2012 às 14:34
Não tinha ideia que a posição de falso 9 era assim tão antiga. Tenho apenas 21 anos, e não sou um conhecedor profundo da táctica mais remota do futebol. Pelo que segui a sua sugestão e comprei o livro Inverting The Pyramid: The History Of Football Tactics. Infelizmente ainda não tive oportunidade de o ler.

No entanto acredito que a posição desempenhada durante essa época é forçosamente diferente do que a que hoje é feita por Messi, nem que seja pela evolução natural do jogo. Por isso mesmo, o meu comentário referia-se precisamente ao contexto mais actual.

E é claro que eu também gosto de particularidades de cada um dos sistemas, mas o giro disto tudo é tentar retirar cada uma dessas particularidades e juntá-las num só sitema que esteja de acordo com os nossos gostos e que seja mais eficaz.


De Miguel Lourenço Pereira a 15 de Novembro de 2012 às 15:17
JV,

Sem dúvida, é extremamente antiga, desde o dia em que a Hungria adoptou Hidgekuti a essa posição precisamente para conseguir o que Messi logra hoje, deixar dois jogadores centrais sem referência de marcação. Se sobem para segui-lo, abrem espaços, se ficam, permitem superioridade no meio-campo. Claro que cada jogador traz algo seu à posição e quanto melhor se é, mais evidente é a sua influência e aí Messi responde como poucos. Essa adaptação, realizada por Guardiola, fecha as portas a qualquer avançado em Can Barça mas em troca dá ao argentino a possibilidade de atingir registos goleadores impossíveis para quem cresceu a jogar mais encostado a uma banda. A posição de falso nove nasce para oferecer golos aos restantes elementos do ataque. Com Messi dá-lhe mais golos a ele do que a qualquer outro. Essa metamorfose é digna de ter em consideração mas inimitável na maioria dos casos.

um abraço

PS: Boa leitura, vale bem a pena!


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Miguel Lourenço Pereira

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