Os prémios individuais em desportos colectivos são sempre dificeis de justificar. O mediatismo de um individuo supera sempre o trabalho de um todo e o glamour de um troféu ajuda a definir o contorno de uma carreira. No caso de jogadores que jogam debaixo dos focos, surgem sempre como uma curiosa surpresa. Mas nenhum jogador, entre o trio eleito, merecia mais o troféu de jogador europeu do ano do que don Andrés, o malabarista manchego.
Iniesta não tem o perfil de vencedor de prémios.
Vende poucas camisolas, não gera uma especie de palpitação única no coração das mulheres e não inspira, precisamente, os mais novos a ser como ele. Calado, branco como nenhum outro filho do calor de Albacete, cabeça baixa, está para o futebol moderno como outros gentlemans do passado estiveram para os grandes nomes da sua era. Mas por cada Messi, estrela global em todos os sentidos, está sempre um Iniesta. E há quem arrisque, ás vezes como se fosse pecado, a dizer em voz baixa que talvez o lado humilde do espelho seja maior do que o lado mediático. No caso de Iniesta, poucos duvidam.
O médio espanhol é o herdeiro natural de Zinedine Zidane. O francês também demorou largos anos a habituar-se ao protagonismo. Em Bordeaux e Turim já exibia todo o seu talento, já vencia competições nacionais e internacionais, já liderava a sua selecção à glória suprema. Mas, de certa forma, ainda vivia longe da imagem de glamour que herdou com a camisola 5 quando Florentino Perez fez dele o seu segundo Galáctico. Se os melhores anos da sua carreira foram os passados na Juve, a memória colectiva lembra-se dele de branco ao peito, essa associação de um clube e projecto mediático ao seu ser tranquilo e longe de qualquer suspeita. Iniesta seguiu-lhe as pisadas. Começou por baixo e sofreu as duras penas de ser suplente de um Deco estelar na sua chegada ao Camp Nou. Foi encontrando, a pouco e pouco, o seu espaço no projecto de Rijkaard mas, como dizia Guardiola, o manchego estava destinado a outros voos.
Pep tinha dito a Xavi que este seria o responsável pela sua reforma, mas que Iniesta os acabaria por superar aos dois. Partindo do principio que Xavi Hernandez já não voltará a vencer um troféu individual depois de três anos a bater à porta, mediaticamente o Mundo partilha da ideia do ex-técnico blaugrana. Se o AC Milan de Sacchi viu Gullit e van Basten vencerem o Ballon D´Or, agora é o Barcelona do projecto guardilesco que tem em Messi e Iniesta duas estrelas premiadas a ouro.
Há quem diga que troféus como este pecam pela dificuldade do adepto em perceber o que realmente se premeia.
Se um ano natural concreto, se uma temporada, se uma carreira, se o talento puro e genuino ou se um evento marcante em que um jogador deixou a sua marca. O desaparecimento do FIFA Award e a posterior fusão com o Ballon D´Or da France Football trouxe ainda mais confusão porque afastou os jornalistas do papel de protagonistas, à hora de votar, e entregou aos capitães e seleccionadores do mundo o poder de decidir. É dificil de compreender a decisão porque a principal consequência, como se viu em 2010 com a ausência de Wesley Sneijder do pódio, centra-se na excessiva mediatização do prémio. Por esse mundo fora serão sempre os jogadores mais mediáticos, leia-se Messi e Ronaldo, a somar mais votos simplesmente porque são aqueles que o Mundo realmente conhece de memória. Votar em Falcao, Drogba, Xavi ou Casillas torna-se num problema quando se pode eleger, ano atrás ano, entre o argentino e o português.
Michel Platini, num gesto oportuno, daqueles que domina bem como fazia com a bola nos pés, aproveitou o vácuo deixado pela publicação francesa e juntou de novo a imprensa que o coroou como o primeiro jogador a vencer 3 Ballon D´Ors consecutivos para um novo prémio. Um prémio que relembra a ideia inicial da France Football, com a introdução de jogadores não-europeus (que impediu Pelé e Maradona de vencer uns quantos troféus), como alternativa lógica. Ainda não tem, se é que alguma vez terá, o peso mediático da Bola de Ouro, mas a ideia é louvável.
Que o vencedor de este ano seja Andrés Iniesta contribui, ainda mais, para abrir essa terceira via.
Lionel Messi é o jogador mais espectacular do Mundo. Se o talento puro fosse o único condicionante, provavelmente o argentino iria vencer ano sim, ano também. Mas Messi, dentro de toda a sua grandeza, já venceu dois prémios da France Football sem merecê-lo e não viveu em 2011/12 o seu melhor ano individual. Cristiano Ronaldo, que vive amargado na sombra do argentino, ficou duas vezes à porta da glória. Penaltys fatidicos, um falhado e outro que nem se atreveu a marcar, que ditaram o seu destino. Tivesse o Real Madrid vencido a Champions League ou Portugal eliminado Espanha e ninguém questionaria o seu triunfo. Mas a hora de Iniesta tinha de chegar.
Foi o melhor jogador espanhol do Europeu. Foi um dos melhores jogadores do Barcelona durante a época, carregando tantas vezes com a equipa às costas quando o Real Madrid fugia na tabela classificativa e contra o Chelsea o seu desaparecimento condenou os blaugrana a uma derrota inesperado. Podia tê-lo ganho em 2010. Podia tê-lo ganho em 2011. Venceu em 2012 e não há uma voz no mundo que se alce indignada.
Iniesta é o herói humilde do jogo de todos. Não tem a preparação fisica de Cristiano Ronaldo e o espirito potrero de Messi. Mas tem a magia do futebolista tranquilo. O conhecimento táctico que lhe permite ler os jogos como nenhum dos outros dois é capaz. Lidera desde o silêncio e decide jogos decisivos com a frieza dos maiores. Desde Zidane que nenhum jogador do seu perfil tinha chamado a atenção do Mundo, nesse imediatismo voraz de procurar o espectáculo pelo espectáculo, o golo pelo golo. O espanhol é filho da escola que, mais do que os artistas individuais, ajudou o mundo do futebol a crescer, a fazer-se popular, a fazer-se arte. Iniesta nasceu para triunfar. Finalmente o Mundo parece ter-se dado conta.