Não podia ser mais irónico que o titulo mais criticado e aborrecido da história do futebol espanhol tenha chegado na noite em que La Roja marcou mais golos num jogo a eliminar em quatro anos. A Itália apareceu organizada mas não soube reagir aos golos espanhóis e caiu vitima da sua própria virtude. Espanha torna-se na primeira selecção a juntar, de forma consecutiva, dois ceptros europeus e um mundial e iguala a Alemanha como a selecção com mais Euros nas vitrines. O consagrar de um ciclo que mudou o rosto do futebol.
Prandelli não queria acreditar.
Cinco minutos antes, Thiago Motta tinha sido a sua última opção. Chielinni tinha-se lesionado no inicio do jogo. Di Natale entrou para o lugar do destroçado Cassano ao intervalo. E agora Motta. Motta, o homem que tinha entrado há cinco minutos não se mexia. Ia a caminho do balneário, cabeça baixa. Com apenas dez jogadores era impossível lograr o que onze não tinham sido capazes. A final do Europeu terminou aí.
Antes tinham chegado os golos, as ocasiões, as intervenções de Casillas, um penalty que Proença não viu e a consagração definitiva (a última?) desta geração espanhola. A selecção de Xavi e companhia começou mal o jogo mas encontrou-se com um golo contra a corrente do jogo e a partir daí sentiu-se cómoda, como sempre, sabendo que a sua fortaleza está no eixo defensivo. Ironicamente, ou talvez não, foi um dos defesas, o mais explosivo, Jordi Alba, quem subiu pelo flanco para relembrar o seu passado de extremo e assim marcar o segundo golo. Ainda não tinhamos chegado aos 40 minutos. Nunca ninguém tinha recuperado numa final de um Euro de uma desvantagem de dois golos e Itália, de todas as selecções, era a mais improvável para operar essa reviravolta. Com Balotelli desactivado, Cassano desaparecido e Pirlo bem guardado, o jogo estava decidido. Espanha não jogou propriamente bem, manteve o seu habitual futebol de crochet horizontal, passe atrás de passe, procurando surpreender a defesa italiana com um que outro passe largo a rasgar. Mas não estava a funcionar. Os italianos tinham a bola e iam tentando furar a muralha defensiva espanhola. Mas foi Espanha quem marcou. Posse de bola larga, sonolenta, passe a rasgar a Fabregas que centra no último segundo, o suficiente para Silva meter a cabeça e encontrar a baliza vazia. 1-0.
Depois começou o jogo preferido dos espanhóis. Guardar a bola e defender com ela com comidade.
Itália, a única selecção em todo o torneio que marcou a Casillas, lançou-se para o ataque com uma honestidade tremenda mas o guarda-redes espanhol defendeu cada disparo, desviou cada centro e mostrou-se, uma vez mais, infalível. Pirlo tinha a bola mas não tinha o espaço e numa perda do meio-campo italiano, Xavi esperou até ver Jordi Alba passar como uma flecha pelo seu lado e isolar-se diante Buffon. 2-0.
A segunda parte foi ainda mais à espanhola, adormecida no seu jogo de troques rápidos. Sem um jogador no miolo, os italianos foram-se abaixo, fisica e psicologicamente e o jogo acabou. Espanha ficou com a bola, os italianos desistiram de a roubar e limitaram-se a defender-se de uma derrota demasiada dolorosa, demasiado injusta para uma selecção que fez um Europeu impecável. Não foi suficiente. Xavi apareceu outra vez, pela primeira vez no torneio, e Torres fechou o debate do nove com o seu segundo golo em duas finais consecutivas, algo que nunca um jogador tinha logrado. Minutos depois a conexão Chelsea, Torres-Mata, dá a Espanha a maior vitória de sempre numa final da história. Ironia das ironais, a ditadura futebolistica espanhola, terminou o torneio com uma goleada inesquecível.
O futebol espanhol conquistou o seu terceiro titulo internacional consecutivo. No meio deste ciclo só a eliminação diante dos Estados Unidos na Taça das Confederações impede aos espanhóis reclamar um pleno absoluto. Se o Euro 2008 foi o da surpresa, da afirmação de um estilo, e se o Mundial 2010 uma vitória da sorte dos últimos momentos e da labor colectiva do meio-campo, o triunfo neste Campeonato da Europa foi, sobretudo, o de um estilo que se metamorfoseou a ponto de deixar de ser reconhecidamente um modelo ofensivo - como explorou o Barcelona nestes quatro anos - para ser um planteamento cada vez mais defensivo, cuidadoso e cínico. Com a bola os espanhóis fazem o que querem e decidiram que queriam defender com ela em vez de atacar com ela. Os golos, para os espanhóis, tornaram-se numa consequência da boa defesa e não do melhor ataque. Uma revolução na mentalidade do jogo, uma revolução que precisa, urgentemente, de uma contra-revolução.
Num Europeu sem surpresas, sem novas formas de contrariar este esquema, num torneio onde as grandes selecções tentaram, quase sempre, jogar em negação, a vitória de Espanha é lógica e consequente com uma realidade táctica que parece evidente no universo futebolistico. Uma realidade de estagnação que espera por um novo estilo, um novo sistema, uma nova forma de pensar o jogo para desafiar os campeões invictos e reinantes. O próximo Mundial do Brasil será o desafio definitivo.