Portugal mostrou ao mundo como desactivar a selecção espanhola e o seu célebre tiki-taka. Mas faltou a eficácia que sempre impediu que os combinados lusos fossem mais longe. Nos 90 minutos a equipa das Quinas foi superior a uma Espanha que só despertou no prolongamento. Sem golos, decidiu-se tudo nos penaltys. Cristiano Ronaldo, entre a cobardia de falhar e a vontade de ser o herói, nem marcou. Os falhanços de João Moutinho - MVP português do torneio - e Bruno Alves condenaram uma selecção que esteve de parabéns em todos os aspectos do jogo. Menos no golo que nunca chegou.
Depois da abordagem cobarde de Laurent Blanc, surgiu Paulo Bento e mostrou que ao futebol joga-se com futebol.
Portugal foi a primeira selecção manifestamente superior com que se encontrou a Espanha de Vicente del Bosque no torneio. Uma selecção capaz de pressionar constantemente, com pulmão para aguentar o jogo posicional espanhol e, sobretudo, capaz de desactivar o tiki-taka. Não se viu na equipa do país vizinho a soltura de controlo e dominio de jogo que tem vindo a demonstrar, até ao aborrecimento, nos últimos jogos. Diversas vezes Casillas procurou o lançamento largo onde Negredo, a surpresa de Del Bosque, foi sempre timidamente ineficaz. De tal forma que o jogo que muitos pensavam que iria desenrolar-se mudou claramente quando se chegou à conclusão que a ligeira superioridade da posse de bola espanhola era inconsequente e que os lances de perigo estavam do lado português. Mas aí também ficou claro que marcar a Casillas iria ser dificil, como tem sido sempre, por uma crónica falta de pontaria que é o que decide no fundo um torneio como este.
Paulo Bento teve a coragem de ser fiel a si mesmo frente a uma equipa habituada a influir na forma de jogar do rival. A jogada saiu-lhe bem mas o plano encontrou-se com dois problemas. A ineficácia de Hugo Almeida, um jogador que nem serve como pivot ofensivo, nem tem clarividência frente à baliza. E, sobretudo, o péssimo jogo de Cristiano Ronaldo.
O capitão de Portugal voltou a falhar nos livres, voltou a falhar no mano a mano, voltou a não ser um elemento de ajuda nas coberturas defensivas, deixando demasiadas vezes Coentrão à mercê de dois e três rivais (imenso Veloso nas ajudas) e acabou o duelo que na sua mente o consagraria como Ballon D´Or borrando-se igualmente de marcar um penalty. Ronaldo podia estar no quinto lugar da lista, mas qualquer técnico sabe que os melhores marcadores devem ser sempre os primeiros, precisamente porque um erro pode deixá-los de fora da ronda. Ronaldo tinha falhado contra o Bayern Munchen (onde foi o primeiro) e decidiu esconder-se. Talvez voltasse a falhar, nunca o saberemos, mas Bruno Alves tinha escrito na cara o destino de um país.
A Espanha nunca foi uma selecção cómoda.
O jogo de transições não funcionou, a aposta em Negredo foi um falhanço do seleccionador e, sobretudo, dependia em excesso do jogo dos laterais - imenso Jordi Alba, muito seguro Arbeloa - porque pelo meio não conseguia respirar com a bola nos pés. O jogo foi tenso, intenso e dinâmico, mas demasiadas vezes num espaço de campo reduzido o que ia anulando as oportunidades de uma e outra equipa. Mesmo assim, note-se, Espanha só rematou as redes de Patricio ao minuto 68. É esse o fiel espelho de jogo da selecção campeã do Mundo e do seu tiki-taka.
Portugal aguentou-se bem, soube criar certo perigo - nunca demasiado, Casillas teve uma noite bastante tranquila - mas foi perdendo gasolina. O jogo imenso de João Moutinho, sem dúvida um dos melhores do Mundo na sua posição, e os trabalhos hercúleos de Miguel Veloso, Pepe, Coentrão, Raul Meireles e Nani mantinham a nau em boa direcção. Bento errou, apenas uma vez, quando lançou Nélson Oliveira.
O avançado do Benfica não devia ter entrado num jogo que pedia outro tipo de jogador. Nem colaborou com a pressão no meio campo, nem soube segurar a bola nem cumpriu como avançado. Com ele a equipa começou a recuar e a dar oxigénio aos espanhóis que, num gesto que exemplifica bem como Espanha abandonou o tiki-taka pelo resultadismo, tirou Xavi Hernandez, o pensador de jogo, para lançar o velocista Pedro Rodriguez. No meio desta luta asfixiante, Meireles, num contra-golpe, cometeu o erro de passar a Ronaldo em vez de procurar o remate e o capitão da equipa das Quinas falhou. Seria a sua última oportunidade no jogo, a partir daí nunca mais ninguém o viu em campo.
Chegou o prolongamento, porque a bola continuava longe das redes, e aí Espanha foi sempre muito superior. Portugal tinha mais frescura fisica mas não se notou e a circulação de bola dos espanhóis passou a ser mais rápida, mais intensa e mais dinâmica. A falta de um avançado no entanto também significava que toda essa velocidade não se traduzia em perigo real, mas sim num desgaste do miolo português por onde já andava Custódio e onde mais tarde se juntou Silvestre Varela. Muitas faltas, muita tensão e muita igualdade, num combate que, se tivesse sido de boxe, tinha de ser decidido aos pontos porque o KO nunca chegou. Acabaram os 120 minutos e vieram os penaltys, a cara de Ronaldo denunciava-o, a de Bruno Alves ainda mais. Rui Patricio (autor da defesa do jogo a um cabeceamento de Iniesta) esteve brilhante a defender o remate de Alonso mas Moutinho, imediatamente depois, desperdiçou a vantagem. A partir daí todos marcaram e chegou a vez de Ronaldo. Mas foi Bruno Alves, a bola na barra, para fora. E chegou Fabregas, a bola no poste, para dentro.
Portugal sai de um torneio onde ninguém - a começar por mim - pensava sequer que fosse possível chegar à fase a eliminar. Sem dúvida que o mérito de Paulo Bento e dos seus 16 jogadores (sete nem sequer aqueçaram) é tremendo e o terceiro lugar - pela terceira vez na história - diz tudo sobre uma selecção que jogou muito bem mas que continua a ter um problema frente à baliza contrária. A equipa espanhola será a terceira na história a chegar a três finais consecutivas mas sofreu como nunca, deixou a nú as suas debilidades e afasta-se progressivamente dessa imagem ficticia de superioridade moral que se criou nos últimos anos. Podem sagrar-se campeões europeus no próximo domingo, naturalmente, mas olhar para esta selecção e pensar nas melhores equipas da história é, no minimo, questionável.
PS: Sérgio Ramos tinha sido gozado por Manuel Neuer no twitter depois de ter falhado um penalty nas meias-finais da Champions League. Hoje marcou o melhor penalty da história do futebol espanhol. Jogadores com essa mentalidade, forjada em anos e anos de derrotas, são a estrutura desta selecção espanhola, muito mais que o seu estilo de jogo. Uma licção para o futebol português!