Teria sido uma das grandes injustiças da história das provas europeias (e houve algumas) se este projecto chamado "Chelski" nunca tivesse tido direito a vencer uma Champions League. Que uma geração onde militam alguns dos nomes próprios da última década tivesse visto a glória passar. Sobretudo, que um gigante como Didier Drogba, tivesse de sentar-se de novo no relvado de mãos na cara, desolado. Nove anos depois de arrancar a sua imensa inversão financeira no clube londrino, Roman Abramovich tem finalmente a sua "orelhuda". E o futebol salda assim uma dívida com um clube que tinha atrás de si já uma final e quatro semi-finais perdidas às costas desde que tudo começou.
Juan Mata remata mas Manuel Neuer, esse panzer de olhar frio, defende.
Parecia Moscovo outra vez, parecia que o destino realmente tinha dito ao Chelsea que a glória futebolística era coisa a que não poderia ambicionar. Por muito dinheiro gasto, por muitos jogadores top, por muitos técnicos carismáticos. O sofrimento era a única palavra transversal nesta história. Mas o futebol tem destas coisas. Não significa que ganhe sempre quem mereça - e por futebol jogado o Bayern Munchen pareceu ser sempre uma equipa mais solvente - nem sequer quem jogue mais bonito. Não se trata nada disso.
Da mesma forma que a Itália em 2006, foi a justiça colectiva a quem o futebol prestou homenagem no Allianz Arena. E nem um grande como Neuer podia desafiar o destino desta maneira. Depois da sua defesa inicial, a relembrar a meia-final contra o Real Madrid, os adeptos começaram a fazer contas. Nunca o Bayern tinha perdido um jogo em penaltys na Europa. Nunca o Chelsea tinha ganho um. Era assim de fácil.
Mas marcou David Luiz. Mas marcou Lampard. Mas marcou Cole. E de repente não havia Terry à vista para escorregar outra vez e pelo caminho era Petr Cech, o mesmo que tinha parado no prolongamento um penalty a Arjen Robben - o maldito - quem se tinha tornado no herói da noite. Defendeu o remate frouxo de Olic e desviou com o olhar o tiro de Bastian Schweinsteiger. Jamais esquecerei esta final pelo rosto de "Schweini", pela segunda vez derrotado numa final europeia. A ele (e a Lahm) também há uma dívida por pagar. Mas este Bayern é um projecto solvente suficiente para voltar, mais cedo que tarde, para cobrar o que é devido.
Cech tinha defendido o que ninguém contava. E no final de contas o Chelsea tinha, outra vez, a possibilidade de sagrar-se campeão da Europa com o derradeiro penalty. Anelka, na China, deve ter agradecido que a pressão fosse para outro. Mas Didier Drogba não entende dessas coisas. Ele é o grande vencedor do ano. O seu olhar define a temporada futebolistica de um clube que se apoiou nele, mais do que nunca, para atravessar o purgatório. Desprezado pela directiva, roubou a titularidade a Torres, convenceu Villas-Boas da sua utilidade, tornou-se na referência ofensiva de Di Matteo e só, contra o mundo, ajudou a derrubar a mitologia blaugrana. Na final, esse jogo que tanto tinha atravessado, foi o protagonista absoluto. Pelas bolas que cortou na defesa, pela raiva com que liderou cada ataque. Pelo golo que empatou o jogo, a três minutos do fim. Pelo penalty que cometeu, infantilmente sobre Ribery, lesionando o francês, até então o melhor do ataque bávaro. Aquele momento pertencia-lhe por direito. E se a história devia algo ao Chelsea, devia muito mais a Drogba. Neuer devia sabê-lo, apenas se mexeu, o fatalismo do momento era evidente. A taça esperava os braços do marfilhenho, a história queria-o hoje mais do que nunca e a bola rasgou as redes na imaginação de milhões de espectadores. Caiu no relvado e sorriu. Drogba corria para a posteridade!
Futebolisticamente não foi a final mais apaixonante, mas foi seguramente uma das mais intensas.
Ambas as equipas comportaram-se da mesma forma como tinham feito nas meias-finais. O Bayern quis a bola e o domínio do jogo. O Chelsea preferiu controlar o espaço e aproveitar a velocidade para fazer a diferença. Não foi um jogo de K.O., no futebol quase nunca o é. Foi um combate a pontos que acabou empatado. Apesar do recorde histórico de cantos para os bávaros a bola rondou Cech e teimou em não entrar. O jogo pelas alas, bem tapadas por Bosingwa e Kalou na direita e Cole e Bertand na esquerda, tornou-se ineficaz e Robben e Ribery foram forçados a procurar diagonais que esbarravam com o muro que derrotou o Barcelona.
Nenhum dos seus remates encontrou perigo e demasiadas vezes o excesso de pernas de jogadores azuis confundia o jogo de passes entre Gomez, Muller, Kroos e Schweinsteiger, o eixo central da ideia de Heynckhes. Tacticamente o treinador alemão não encontrou forma de furar o bloqueio e faltou talvez paciência para atrair o conjunto inglês da sua toca. Entretanto o tempo passava, os corpos perdiam forças, a cabeça clarividência e o Chelsea, matreiro como só um treinador italiano pode ser, começou a morder. A pouco e pouco os contra-golpes venenosos assustavam, faziam os alemães correr mais do que as pernas podiam e davam a sensação de um perigo maior do que seria de supor. Durante oitenta minutos a troca de golpes foi-se equilibrando. Nenhuma ideia era capaz de bater a outra e a verdade é que nenhum dos bandos parecia disposto a mudar o guião. Até que apareceu Thomas Muller.
Depois de uma época uns furos abaixo do que demonstrou em 2010, o ano da sua explosão, Muller viu-se na final num papel incómodo. A sua posição natural tem sido ocupada por Robben e Kroos e ali, com o médio recuado para cubrir a baixa de Luiz Gustavo, sentiu-se perdido. Mas o seu sentido de oportunismo é único e depois do enésimo ataque, a bola sobrou-lhe e com um golpe cheio de imaginação, bateu Cech como a um guarda-redes de andebol. Faltavam sete minutos, o Allianz Arena celebrava já o quinto titulo europeu, o argumento de um ano mágico parecia ter sido escrito em alemão.
Só que Drogba, esse monstro que deveria terminar o ano com um mais do que merecido Ballon D´Or, ainda não tinha dito a última palavra. Nem cinco minutos, tempo suficiente para Heynckhes cometer o erro de tirar ao autor do golo alemão, e o Chelsea empatava. A desilusão na cara dos germânicos dizia tudo. Um clube habituado a perder finais, incapaz de ganhar uma final a equipas ingleses, parecia ver o rosto fatídico do destino na cara do africano. E veio o prolongamento, e o penalty a Ribery e o falhanço de um Robben que se começa a fazer notar pelos falhanços nos momentos decisivos da sua vida, ele que fez parte do melhor Chelsea da história, ao lado do núcleo duro contra quem jogou hoje. Depois desse momento ficou claro que, tarde ou cedo, os ingleses sairiam vencedores. Parecia evidente que a história tinha decido fazer com eles o que se tinha esquecido com o Monchengladbach dos anos 70, o Real Madrid dos anos 80 ou o Arsenal de Wenger. Justiça.
O relógio continou a correr, os penaltis chegaram, inevitáveis, e Drogba decidiu que nove anos de espera eram demasiados.
Pode parecer curioso que o pior Chelsea desde que Abramovich chegou, em plena era Ranieri, tenha logrado o que nem Mourinho, Grant, Hiddink ou Ancelloti conseguiram. Se é certo que o Bayern não foi hoje tão eficaz como contra o Real Madrid e muito mais parecido ao que tremeu nos momentos decisivos da Bundesliga, também é verdade que o jogo dos ingleses voltou a assemelhar-se mais à herança do catenaccio do que, propriamente, à escola de futebol espectáculo que o russo tanto aprecia. Mas o magnata já tinha tentado de todas as maneiras e o troféu, de uma forma ou de outra, tinha-lhe sempre escapado. A vitória de hoje é mais sua do que ninguém, pela insistência em não deixar nunca de procurar lograr o seu objectivo. Foi o triunfo de uma geração histórica do futebol inglês, de alguns dos seus melhores jogadores, de um lider espiritual que pode muito bem ser considerado como um dos maiores (ou o maior) futebolista africano da história. E foi, mais do que isso, o triunfo de um sonho sobre qualquer ideário táctico, cultura futebolística ou projecto pessoal. Vencer a Champions League dá ao Chelsea finalmente o pedigree que lhe faltava, o primeiro clube londrino a vencer o troféu, o quinto inglês em lograr o feito. Talvez sirva para dar tranquilidade ao clube, tempo para crescer noutros moldes, uma maior aposta no jogo e na formação do que nas ânsias e o livro de cheques. Abramovich tem a palavra, a sua geração pode partir agora com a sensação do dever cumprido. E o futebol saiu do Allianz Arena mais aliviado mas com a consciência de que sempre haverá alguma divida moral por saldar.