Pode um clube que gastou numa década mais do que qualquer outro no futebol europeu vencer o maior prémio do futebol europeu com a sua pior versão? A história do futebol está cheia de exemplos como este e no entanto parece claro que o Chelsea seguiu o caminho mais ortodoxo possível para ganhar o único prémio que realmente importa a Roman Abramovich. Depois de ter estado à porta tantas vezes, vencer no Allianz Arena significa para este Chelsea mais do que um titulo único. É, sem dúvida, a forma perfeita de fechar um ciclo que já teve momentos mais brilhantes.
Terry escorregou e falhou o que seria o titulo perfeito.
Não estava Mourinho mas a equipa tinha começado o ano com ele. Talvez sem o seu mentor algo tenha falhado naquela noite em que Abramovich queria fazer a festa na sua Moscovo. Antes tinha sido a nemésis Barcelona como a foi depois. E o Liverpool, com o golo fantasma de Luis Garcia e o penalty parado por Reina. Ou Deschamps e o seu inesperado Mónaco. Parecia sempre haver algo cósmico por detrás de cada derrapada de um clube que gastou, desde Hernan Crespo a Fernando Torres, o que nenhum outro alguma vez gastou para vencer a "orelhona".
Di Matteo não é nem Ranieri, nem Hiddink, nem Scolari, nem Villas-Boas, nem Grant, nem Ancelloti e muito menos Mourinho. Mas o Chelsea, salvo nos três anos do português, foi sempre um clube do presidente e dos jogadores e o seu triunfo será sempre o triunfo dos outros. Da velha guarda que o dinheiro do russo pagou e que Mourinho transformou num colectivo que lhe sobreviveu meia década mais do que seria de esperar. Dos Terry, Lampard, Cech, Cole e Drogba, gladiadores que nunca desistiram, mesmo quando Villas-Boas não sabia o que fazer em Napoli, num jogo onde os ingleses foram superados absolutamente pelos italianos.
A saída do técnico português entregou o balneário aos jogadores e o seu modo de auto-gestão, como tantas vezes funciona (veja-se a Alemanha de 74), foi tremendamente eficaz. A estética ficou para segundo plano, a Premier foi esquecida. Durante três meses o clube trabalhou com apenas um objectivo. De tal forma que esse desespero foi a única arma possível para derrotar o Barcelona em 180 minutos de infarto. E será a grande arma quando a equipa suba ao Allianz Arena, convencida que será a última oportunidade para fechar um ciclo de ouro.
Di Matteo é o hábil sargento e sabe que para vencer o Bayern em casa precisa pouco de futebol e muito de alma.
Ninguém espera um Chelsea diferente do que se viu contra Benfica e Barcelona. Uma equipa sem interesse em ter a bola, com uma ocupação precisa dos espaços e apostando pela velocidade do seu ataque. Drogba correrá como nunca, naquele que será provavelmente o seu último jogo de azul. Kalou e Mata serão os seus escudeiros e Torres, como na cidade condal, a arma secreta. A partir daí, atrás, desaparecem os nomes próprios e cresce a sensação do bloco de cimento colectivo que terá de viver sem Ivanovic, Terry, Meireles e Ramires, quatro jogadores fundamentais na meia-final contra os catalães.
Bosingwa, Cahill, Luiz e Cole terão a difícil missão de travar o trio de ataque maravilhoso dos bávaros. E a Lampard, Obi Mikel e, talvez, Essien, caberá destruir a tentativa do Bayern de fazer a bola respirar no meio de tantas pernas. O banco é curto, as opções diminutas e a improvisação será a única arma que Di Matteo terá para enganar a Heynckhes. Mas como tem repetido diversas vezes, a motivação será a gasolina de um clube que terminou na pior posição doméstica em dez anos e que está à beira do desmantelamento absoluto. Ninguém duvida que Malouda, Drogba, Lampard, Terry, Cech, Cole e Essien estão prestes a dizer adeus e os que vêm atrás (e o Chelsea tem dinheiro e jogadores de futuro para jogar melhor do que tem feito com esta versão gladiadora) seguramente que terão oportunidades no futuro para voltar a disputar o ceptro europeu.
Mas o clube londrino vive numa ânsia eterna que transpira na pele e na carteira do seu dono. Viver sem a Champions League é existir sem alma em Stanford Bridge e depois de uma década de futebol espantosa, há quem pense que o futebol deve algo a este clube. É a pensar nisso que o onze azul subirá ao terreno de jogo, contando que a história lhe devolva um favor que tantas vezes lhe negou. Mesmo esquecendo que eles são, talvez, o patinho feio da epopeia blue.