O Barcelona de Josep Guardiola marcou 114 golos. Sofreu 29. Atingiu a marca de 91 pontos em 114 possíveis. Contou com o prémio Zamora e o Pichichi da prova, Valdés e Messi. E mesmo assim perdeu o que seria o seu quarto titulo consecutivo. No meio destes números que fariam histórica em qualquer edição de qualquer campeonato do mundo é possível apreciar melhor o duelo de titãs que mediu o conjunto blaugrana com o Real Madrid de José Mourinho, o campeão mais espantoso em números da história do futebol espanhol.
Ao clube de Guardiola só faltou superar o seu recorde de pontos. Tontos os outros recordes foram superados com uma claridade assustadora.
E no entanto perdeu. Perdeu antes do final, com três jogos para o final da época. Perdeu em casa, no jogo decisivo. E perdeu a liga, essencialmente, quando concedeu ao Real Madrid uma renda de dez pontos depois de uma série histórica de péssimas exibições longe do Camp Nou, estádio onde foi dono e senhor até que apareceu Cristiano Ronaldo para por calma.
Nesse Barcelona-Real Madrid decidiu-se o titulo de forma oficiosa porque o Real Madrid já tinha meia liga no bolso. Um arranque de época com alguns resultados tremidos, uma série espantosa de vitórias que acabou na habitual derrota contra o Barcelona e um Inverno com resultados sofridos mas vitoriosos. Quando o clube merengue perdeu a vantagem de dez pontos era tarde para um Barcelona que em casa foi inigualável, fora foi irreconhecível e que viveu demasiado da dependência goleadora de Leo Messi. O triunfo no Calderon, com selo de Ronaldo, selou um titulo que a partir daí ficou sentenciado e o seu golo em Barcelona apenas pôs o preto no branco final. 121 golos (14 mais que o recorde histórico), 100 pontos (um mais que o recorde do Pep Team) e alguns problemas a controlar a maioria dos jogos que acabou por vencer com goleadas que resultavam mais do génio do seu trio de goleadores do que da capacidade para asfixiar o adversário.
Nesse duelo estético o Barcelona, mais espesso que outros anos, continua a ser o preferido da maioria face ao jogo de transição rápida que Mourinho imprimou com mais eficácia ofensiva do que nunca, depois de ter provado a mesma receita em Itália e Inglaterra. Confirmou o seu quarto titulo em países distintos, lançou as bases para um projecto que tem futuro e ambiciona a palcos maiores. Do outro lado, Guardiola despediu-se num ano em que falhou os dois principais titulos e, sobretudo, mostrou-se incapaz de encontrar a solução para ultrapassar rivais que contrariaram o jogo do Barcelona com um posicionamento defensivo central e numeroso. Nesses tropeções ficou a possibilidade de igular a Cruyff e de sair de Camp Nou com mais história ás costas.
A Liga espanhola continua a viver das rendas emocionantes que geram cada duelo entre blaugranas e merengues.
Do outro lado o sofrimento do Racing Santander e Sporting Gijon, históricos do norte que seguramente darão lugar a históricos galegos, mas sobretudo o de Villareal. Se há largos anos o Celta de Vigo caiu na segunda divisão depois de ter arrancado a época na Champions League, a má preparação da época, a lesão de Rossi e a orfandade de Cazorla custou demasiado a uma equipa que no ano passado esteve nas meias-finais da Europe League e no quarto posto de liga. Um projecto de futuro com muitas interrogações presentes.
Do outro lado a euforia de um Levante espantoso, de um Malaga que subiu aos postos dourados graças à milionária inversão de um xeque árabe e à boa gestão do mal-amado Pellegrini para contrarrestar o cinzentismo de um Valencia eternamente insatisfeito com ser o primeiro dos últimos, de um Atlético de Madrid destinado outra vez a lutar pela Europe League e de Sevilla e Bilbao que terminaram o ano muito por debaixo das expectativas. Ossasuna e Mallorca terminaram o ano com a cabeça bem alta, Rayo Vallecano e Granada sofreram mais da conta e um ano mais o Zaragoza demonstrou que é um sobrevivente nato nestas maratonas ligueiras.
O ano que começou com uma greve de jogadores, que continuou com o boicote ás rádios por parte da liga e que terminou com as enésimas acusações de compra de jogos por alguns clubes termina com números que seriam provavelmente irrepetíveis se não soubessemos que para o ano voltam a medir-se duas equipas com um arsenal de estrelas impressionante, muito dinheiro para gastar e um set de rivais que não sabe como apresentar uma alternativa a este duopólio histórico.
Jogador do Ano
Cristiano Ronaldo
Perdeu o Pichichi para Leo Messi depois de um duelo de loucos que rondou a casa dos 50 golos. Mas este foi o seu ano, apesar de tudo. O ano em que mandou acalmar o Camp Nou, estádio maldito durante largas épocas, onde era acusado de nunca aparecer. Logrou-o na Supertaça, na Copa del Rey e decidiu, com um golo desenhado por Ozil, o campeonato diante do seu eterno rival. Antes tinha ganho sozinho o jogo mais importante do ano, no Calderon, e assinou durante a temporada cinco golos para a colecção de qualquer top 100 da história, do calcanhar de Vallecas à metrelhadora de Pamplona. Menos egoista, mais participativo no jogo colectivo, emergiu definitivamente como lider moral do ataque do Real Madrid. Não falhou um só jogo, raramente desapareceu de cena e decidiu-se a marcar os golos decisivos da temporada. Depois de ter sido rei em Inglaterra, Cristiano Ronaldo finalmente sagrou-se rei em Espanha.
Revelação do Ano
Isco
Manuel Pellegrini encontrou esta pérola formada na cantera do Valencia e solicitou-a expressamente para o seu projecto. Foi uma aposta a longo prazo com resultados imediatos. O jovem médio ofensivo malaguenho foi um dos grandes atractivos do "Euro-Malaga". Face à escassez de golos e magia no ataque dos andaluzes durante algumas jornadas, Isco encontrou o seu espaço e tornou-se rapidamente no parceiro ideal de Cazorla e Joaquin na linha medular do ataque do Malaga. O seu futuro na selecção espanhola é algo inevitável a curto prazo e a sua projecção não parece, de momento, conhecer limites.
Onze do Ano
Seria possível fazer um Onze do Ano só com jogadores dos dois primeiros classificados. Possível, inevitável e lógico. Mas como todos sabem de memória esse onze o curioso é descobrir uma equipa alternativa sem blaugranas e merengues. Nas redes Thibaut Courtois, guardião belga do Atlético de Madrid. Um quarteto defensivo composto por Ballesteros, capitão veteranissimo do Levante, o médio adaptado Javi Martinez do Bilbao, e os laterais Jordi Alba e Juanfran.
O meio-campo a três seria composto por Santi Cazorla, lider espiritual de um Málaga histórico. O asturiano seria acompanhado por Ander Herrera e Barkero, todo-terreno do Levante. No trio de ataque os golos de Koné, dianteiro levantino, de Radamel Falcao, herói do Calderon e de Fernando Llorente, o rei leão de Bilbao.
Treinador do Ano
Juan Ignacio Martinez
Imaginem uma equipa que há dois anos não tinha dinheiro para pagar o salário do plantel e corpo directivo e estava às portas da falência absoluta? Agora avancem no tempo e encontrem-na a disputar a Champions League. Podia ter acontecido, faltou muito pouco para o Levante ter assegurado a presença no play-off da prova rainha do futebol europeu depois de ter sofrido uma crise financeira tremenda. O homem responsável pelo renascimento do clube valenciano, Juan Ignacio Martinez, JIM na giria futebolistica espanhola, foi o grande responsável pela época tremenda de uma equipa que bateu o Real Madrid, dormiu quase todos os anos em postos Champions e pela primeira vez em 102 anos carimbou a passagem ás provas europeias.