Há jogadores, por muito talento que tenham nos pés, que não entendem o que é o futebol. O rotinário acto de pontapear uma bola não faz de um homem futebolistica. Há códigos de conduta, emoções e atitudes que definem um futebolista da mesma forma que definiam, em tempos pretéritos, um cavaleiro. Mario Balotelli nunca será um futebolista por saber manejar muito bem uma bola de futebol. Ele encarna, como ninguém, a negação do jogo e o seu futuro será tão negro como o seu triste presente, longe da grandeza de um espectáculo que comove povos e nações.
As enésimas agressões de Mario Balotelli aos jogadores do Arsenal foram suficientes para Roberto Mancini fartar-se do jogador que lançou para a ribalta em Milão. Mas o mundo do futebol há muito que virou as costas ao temperamento e rudeza de um jogador que não sabe ser futebolista. Balotteli continua a representar o seu papel na perfeição, vendendo uma imagem que lhe conseguirá seguramente alguns fãs hardcore e muito dinheiro fora do tapete verde. Mas o futebol que alguma vez teve nas veias vai-se evaporando a uma velocidade espantosa. Até não ficar uma só gota na pele.
Depois de tornar-se persona non grata no Calcio pelos seus erros, actos e pecados, agora é a Premier que se lhe fecha, com a dureza de um golpe seco e justo, uma decisão sem apelo e que explica que no futebol inglês, por onde passaram alguns dos mais duros jogadores que há memória, há um sentimento de despeito profundo com o italiano. Desde a sua chegada ao City que o fenómeno Balotelli fez-se sentir em quase todos os lados menos no campo de jogo. A sua aportação, salvo ocasionais e sentidas excepções, nunca esteve á altura da sua performance fora. A sua faceta insurrecta com o técnico e colegas tornou-se ridicula em comparação com a agressividade gratuita com que tem brindado rivais. Sagna e Song foram apenas as últimas vitimas numa colecção de agressões e actos de indisciplina que espelham tudo aquilo que não se pode esperar de um jogador que é, a todos os efeitos, uma das estrelas do futebol mundial contemporâneo. Mancini prometeu - e o italiano também não era flor que se cheirasse - que não volta a contar com ele para o final de uma liga que Balotelli ajudou a perder. A pressão mediática está agora do lado de Cesare Prandelli. Levar um jogador como Balotelli ao próximo Europeu pode ser o maior erro cometido por um técnico italiano na história. Se a Squadra Azurra sempre se vangloriou foi de sentir o colectivo como algo muito mais profundo que o individuo. Está claro que o avançado citizen não conhece a palavra "nós" e será mais um problema do que a solução para o ataque italiano.
Balotteli perdeu o controlo sob a sua persona.
O jogador deixou de o ser no relvado, a fama deixou de fazer sentido fora dele e o dinheiro, as mulheres e as capas de jornais que criaram a sua aura de "bad boy" hoje perdem-se na rotina que dista muito da originalidade que fez dele, efectivamente, um jogador diferente. Mourinho foi o primeiro a entendê-lo, Mancini acreditou que o seu passado como jogador conflictivo podia ser um trunfo da mesma maneira que a cavalaria polaca tentou carregar os tanques alemães em Setembro de 1939. O jogador nunca saiu verdadeiramente de Itália, o icone mediático aproveitou o mercado paralelo do futebol inglês para crescer e descontrolar-se.
Quando um jogador, como qualquer profissional, se esquece do seu mister, mau assunto. Balloteli e o futebol caminham há demasiados meses em sentido oposto. Neste Manchester City o seu jogo explosivo fez mais falta que nunca quando outro "bad boy", Carlitos Tevez, decidiu embirrar e fazer beicinho. Com Touré, Silva e Nasri por detrás, estavam reunidas todas as condições para o italiano se afirmar como elemento fundamental de uma equipa que gastou demasiado dinheiro para a época que está a realizar. Mas raramente ele foi a solução aos problemas de eficácia de equipa em jogos complicados. Dzeko ou Aguero conseguiram ser mais eficazes em menos tempo de jogo que Baloteli e isso explica-se, sobretudo, porque são jogadores colectivos, capazes de potenciar o espaço e tempo precisos para que a segunda linha rompa a resistência contrária. Ao italiano falta-lhe essa inteligência de jogo que faz parte do ADN de um jogador de topo. E sobra-lhe a tentação de decidir um jogo de futebol real como um duelo de Playstation, com um sprint em linha recta usando a força do corpo em vez da destreza da mente.
Balotelli é um jogador de Playstation, não um dos que maravilham com os seus regates mas sim um jogador, comando na mão, que acredita que correndo em frente e rematando com mais força que alma se resolvem todos os problemas. A bola é um ser estranho, um objecto pontapeável e o futebol que tanto prometia nas suas botas, um primo distante.
A Tevez o City junta agora dois problemas. Livrar-se de Roberto Mancini, está claro, e colocar Balotelli longe do City of Manchester. Como se viu com o argentino, o resto do futebol europeu tem um sério desprezo pelo dinheiro gasto pelo sheik árabe que tentou revolucionar a Premier e nenhum clube está disposto a pagar pelo erro alheio. Se o City não logrou colocar Tevez será dificil que o consiga com um Balotelli que tem o Europeu como boia de salvação. Se Prandelli rasgar o historial italiano definido desde os dias de Pozzo e arriscar-se a levar na bagagem, ao lado do spaghetti e do limoncello uma bomba pronta a explodir.