São a melhor equipa do ano. Com recursos infimos jogam de uma forma inimitável, fruto do génio absoluto do treinador mais audaz e apaixonante do futebol mundial. O Athletic Bilbao de Marcelo Bielsa é mais do que uma grande equipa num imenso estado de forma. É a prova de que é possível fazer muito com pouco, que há espaço para a garra e o toque, a análise cientifico e o recurso ao coração nos momentos de aperto. Bielsa é um caso único no futebol mundial, alguém de quem é impossível não se apaixonar perdidamente quando falamos de futebol.
Bielsa dá um passo á esquerda, cinco á direita, coloca-se de cócoras, dá meia volta e recomeça a contar.
O seu feitio de colocar ordem em qualquer momento de caos mental faz dele quase uma caricatura de um génio. Mas a realidade do "Loco" de Rosário vai muito mais longe. Se a cidade argentina tem um dos melhores jogadores do Mundo também pode orgulhar-se de ter um treinador sem igual, capaz de fazer muito com tão pouco sem nunca renunciar aos seus principios.
Quem segue o Athletic Bilbao sabe que o nome do argentino era o último que se podia associar a San Mamés, estádio onde se forjou o espirito guerreiro do futebol espanhol, noites de dureza épica, garra histórica e sob o grito "Euskadi" se defendia a bandeira com a vida. O estádio onde Javier Clemente moldou o seu 4-4-2 mais britânico e agressivo de sempre. O estádio que desconfiava do génio de Julen Guerrero e preferia a entrega de Joseba Extebarria. A catedral que se rendeu ao futebol brusco, bronco e eficaz de Caparrós. Enfim, um clube onde a forma de vencer se assemelhava mais a uma batalha ideológica do que a um exprimir todo o sumo futebolistico dos seus melhores jogadores. Mas algo mudou. O nascimento de uma geração irrepetivel na história do clube desde os anos 50 - onde o Bilbao logrou bater o Real Madrid de Di Stefano na luta pelo titulo por duas vezes - trouxe uma novamentalidade e quando o clube foi a votos José Urrutia, o ex-jogador que anunciou Bielsa como seu treinador, venceu o presidente em exercio, Fernando Mácua, responsável pela reestruturação financeira e desportiva da identidade. A vitória de Urrutia foi a porta de aberta de Bielsa e o inicio do melhor ano da história do clube basco desde 1984.
Obcecado pelo futebol e pela vida, Bielsa é único. Para ele a vida só faz sentido com uma bola nos pés.
Na preparação para o duelo em Gelsenkirchen contra o Schalke 04 viu 48 videos do conjunto alemão lembrando o Mundial de 2002 na Coreia do Sul. Então o seleccionador argentino levou consigo mais de 600 videos de todas as seleções presentes no torneio. Os jogadores não corresponderam á intensa preparação do "Loco" e a albiceleste voltou cedo para casa mas a vitória na Copa América primeiro e a sua notável prestação como seleccionador chileno voltou a devolver o nome de Bielsa á ribalta. O chileno é, provavelmente, com Louis van Gaal, o mais genial e menos reconhecido técnico do futebol mundial dos últimos 25 anos.
Em Bilbao, um clube que só contrata jogadores bascos, Marcelo não teve direito aos fundos de José Mourinho, Josep Guardiola, Roberto Mancini ou Alex Ferguson. Mas o seu onze base é provavelmente o mais intenso, apaixonante e espectacular do ano. O curto banco, espelho do pouco leque de opções que um clube que leva o simbolo de Euskadi muito a sério, impediu-o de estar actualmente mais perto da Champions League na tabela classificativa da liga. Mas na Europe League o clube basco tem sido superlativo. Depois de vencer a fase de grupos e de eliminar o Lokomotiv Moscow, o festival de futebol com que Bielsa asfixiou ao veterano Ferguson em 180 dos melhores minutos do futebol europeu despertaram a Europa para algo que Espanha já se tinha habituado a ver semana sim, semana também. Os 2-4 impostos ao Schalke 04 foram outra prova tremenda da capacidade táctica do técnico. Depois de uma primeira parte em que o jogo pertenceu aos alemães, Bielsa reordenou as peças, soltou Muniain e Susaeta, e a equipa que muitos diziam estar fisicamente morta venceu por 2-4, sentenciando praticamente um lugar nas meias-finais onde pode defrontar o Sporting CP antes da viagem a Bucareste.
Bielsa é um treinador corajoso. Chegou uma semana depois do arranque da pré-época depois de ter visto todos os jogos do Bilbao dos últimos cinco anos na sua casa em Rosário. Trazia uma lista de dispensados onde se encontravam intocáveis de Caparrós como Aitor Ocio ou Fernando Amorebieta. Mesmo assim aceitou o segundo depois de o ter convencido na pré-temporada que reunia as condições minimas que Bielsa exige aos defesas: ser os primeiros a saber manejar a bola com classe.
O seu 3-4-3, mais ousado ainda do que habitualmente utiliza Guardiola em casa, reune alguns dos mais promissores jogadores do futebol espanhol, de Iker Muniain a Marcel Susaeta passando por Oscar de Marcos, Iturraspe, Ezkiza, San José, Aurtanexe, Iraizoz ou Iraola a que se juntam os internacionais Fernando Llorente e Javi Martinez. Em oito meses de temporada poucos clubes podem dizer, com a cabeça alta, que já jogaram ao mesmo nivel que os "leones" do Louco.
Amanhã o Bilbao joga no Camp Nou. A habitual hipocrisia do Barcelona e a permissividade da Liga espanhola não permitiram ao clube basco cumprir as 48 horas de descanso estipuladas. É provável que o discipulo, Guardiola, vença sem dificuldade um onze mais débil e, sobretudo, muito mais extenuado, de um dos seus mentores, Bielsa. Mas para uma equipa que já tem bilhete na próxima final da Copa del Rey, que está perto de vencer a sua primeira prova europeia e que não está a mais de 9 pontos da Champions League com um plantel onde 14 jogadores cubrem mais de 85% do tempo de jogo a dois meses do final da temporada é histórico. Mais do que isso, é futebolisticamente único e humanamente apaixonante. Algo que só Marcelo seria capaz de fazer.