No arranque do século XX Glasgow era o centro nevrálgico do universo futebolistico. Hoje, uma das cidades mais decadentes do futebol internacional. A ameaça de desaparecimento paira sobre o Glasgow Rangers, mas os sinais de depressão económica e desportiva vêm de há muito. O futuro é cada vez mais cinzento e parece cada vez mais evidente que os esforços dos grandes da cidade em forçar a sua entrada na Premier League selaram, de certa forma, o seu negro destino.
Os ingleses organizaram o futebol e os escoceses dedicaram-se a ensiná-lo.
A importância de Glasgow no virar de século era tal que no mesmo espaço urbano coexistiam os três maiores estádios do Mundo (Hampden, Ibrox e Celtic Park) e três dos maiores clubes da Europa de então (Queens Park, Rangers e Celtic). Durante as décadas seguintes o futebol escocês manteve-se como um dos bastiões fundamentais do jogo e a vitória do Celtic na final de 1967 da Taça dos Campeões marcou também a migração do sucesso desportivo da zona mediterrânica para as fronteiras a norte. A hegemonia asfixiante dos dois clubes da cidade sobre a liga escocesa consolidou o seu papel no panorama internacional, mas, por outro lado, atrasou o seu crescimento desportivo e económico numa liga que perdia, ano após ano, importância e competitividade. Quando o dinheiro começou a jorrar na Premier League a divisão entre as duas ligas tornou-se de tal forma evidente que nunca mais um clube escocês se mostrou capaz de competir com qualquer clube a sul da muralha de Adriano.
Entrar na Premier League transformou-se numa profunda obsessão para os gestores de Rangers e Celtic. Ambos os clubes viviam crises financeiras durante os anos 90 e enquanto o Celtic foi comprado por Fergus McCann que apostou sobretudo na reforma do Celtic Park e no saneamento de contas, o Glasgow Rangers de David Murray apostou sobretudo no reforço do plantel começando pela contratação do primeiro treinador estrangeiro, o holandês Dick Advocaat. Os resultados apareceram, as dividas também. Mas competir na débil SPL impedia as equipas de preparar-se a sério para os duelos europeus e habitualmente as performances dos clubes da cidade na Europa eram, como minimo, confrangedoras. A final de Sevilla de 2003 para o Celtic e a final de Manchester em 2008 para o Rangers foram oásis desportivos no meio de uma tremenda mediania. Entre 2005 e 2008 as equipas escocesas conseguiram superar a barreira dos Oitavos de Final da Champions League. Depois, como diria Luis XV, o diluvio...
Rangers e Celtic alternam-se no dominio da prova nacional mas na Europa transformaram-se em pequenos anões. Eliminados sucessivamente nas fases de pré-eliminatórias da Champions League, há três temporadas que não há um clube escocês na fase de grupos do torneio. O país caiu em três anos cinco lugares no ranking da UEFA e se os grandes de Glasgow falham, os restantes clubes nacionais (Abardeen, Dundee, Hearts, Hibernian. Motherwell) são ainda mais decepcionantes.
Desde 2000 que tanto o Celtic como o Rangers apostaram todas as cartas numa viagem a sul. Os clubes contactaram os principais dirigentes da Premier e durante algum tempo estudou-se realmente a possibilidade de que os clubes se unissem à elite do futebol inglês. Mas a proposta, se bem que financeiramente apetecivel para o duo de Glasgow, nunca convenceu os clubes ingleses e foi sendo adiada até que acabou por descartar-se definitivamente. Celtic e Rangers tinham gasto o que tinham e o que não tinham pensando na galinha dos ovos de ouro (e em muitos casos para impressionar os próprios clubes a sul) e viram-se com um sério problema nas mãos. No caso do Rangers os problemas crónicos dos anos 90, nunca resolvidos, foram agravados ao extremo e a situação transformou-se num drama.
O clube foi vendido, as dividas ficaram por pagar, uma nova venda tornou-se inevitável e pela primeira vez na história um clube escocês acolheu-se à lei concursal, o segundo caso nas ilhas britânicas depois do Portsmouth. A liga retirou 10 pontos aos Blues, então a disputar o titulo com um Celtic que se tornou em campeão antecipado, e a UEFA ameaçou negar a licença desportiva para competir na Europa na próxima época. A situação, já dramática o suficiente, piorou quando o staff técnico e o plantel recusou aceitar um corte salarial necessários para o clube pagar a divida fiscal acumulada nos anos anteriores. A genuina ameaça da falência e consequente final da entidade desportiva transformou-se quase num cenário inevitável.
Para salvar o pescoço o Rangers precisa de um milagre financeiro e de um profundo renascimento desportivo. Competir numa liga tão inconsequente como a escocesa é um drama para qualquer clube que ambiciona ser algo mais nos palcos europeus. A qualidade média do futebol escocês, no passado um dos faróis do futebol ocidental, hoje não difere muito de ligas anónimas como as dos países nórdicos ou do leste europeu. No entanto o dinheiro que o Glasgow Rangers maneja na gestão desportiva assemelha-se mais ao universo da Premier, realidades incomportáveis mesmo para o maior mago financeiro que Ibrox possa encontrar. O final do Glasgow Rangers seria o golpe de misericórdia para o futebol escocês e um sério aviso ao futebol continental que nos últimos anos foi seguindo, em muitos casos, o caminho do duo de Glasgow. Para os mais nostálgicos seria mais do que isso, a prova viva de que o futebol, na sua imensa magia, também pode morrer.