Pode parecer paradoxal, mas são as leis do jogo. O futebol não respeita tempos e é inimigo natural da paciência e dos projectos a longo prazo. É preciso ter coragem para remar contra a corrente para poder ler as entrelinhas. O Chelsea nunca demonstrou ser um clube com visão de futuro, mas há claros sinais de que algo está a mudar na estrutura directiva do clube londrino. No entanto essa metamorfose só pode funcionar se a paciência admnistrativa se transladar ao terreno de jogo. Mas os idos de Março estão aí e as facas nunca estiveram tão afiadas...
Pode ser irónico que o duelo entre Chelsea e Napoles em Londres se disputa nas vésperas dos Idos de Março, mas é uma noite perfeitamente apropriada.
Não que Villas-Boas seja um César, mas seguramente porque todos os senadores – jogadores e directivos – do clube estão desejosos de espetar a sua adaga no cadáver já moribundo do técnico português. Ontem, aos pés do Vesúvio, Villas-Boas parecia-se mais com os restos petrificados pela lava do Vesúvio que podemos encontrar alguns kilómetros a sul na belissima Pompeia do que propriamente um treinador de futebol de topo. O técnico perdeu há muito o controlo do balneário – algo fundamental para sobreviver em Stanford Bridge – e arrisca-se a perder também a paciência de Abramovich. A exibição dos Blues foi desoladora.
Mata abriu o marcador num lance fortuito, mas nem aí parecia que o Napoles tinha perdido o absoluto controlo do jogo. O jogo pelas alas dos laterais ofensivos destroçou a estratégia de Villas-Boas – que apostou num conservador 4-2-3-1 – e o jogo de Hamsik entre Ramires e Meireles foi superlativo. Os golos sucederam-se com uma naturalidade confrangedora, podiam ter sido mais e muitas culpas ficaram por atribuir tanto a um decadente Cech como a uma defesa inadmissivel. David Luiz na Luz já tinha deixado antever que era um central com muitos pontos débeis. Em Londres a sua ineficácia tem sido ainda mais regular. O facto de AVB não ter conseguido establecer uma linha de quatro estável, entre lesões e conflictos internos com Terry e Cole, não tem ajudado. A defesa dos ingleses é o seu calcanhar de Aquiles, mas a verdade é que a incapacidade de trocar a bola e de manter uma larga possessão é cada vez mais evidente e problemática. O projecto de futuro do clube está em cheque, a destituição do portuense é questão de dias e o status quo ameaça destroçar o profundo trabalho de reestruturação interna em que o Chelsea se envolveu de corpo e alma.
Quando Abramovich começou a entender que despejar fortunas nos cofres do clube não era suficiente para transformar o Chelsea num projecto ganhador a curto, médio e longo prazo, os Blues começaram a desenhar uma estratégia para cumprir com as regras de Fair Play da UEFA sem perder a competitividade no terreno de jogo.
O histórico “double” conseguido por Ancelloti no seu primeiro ano era um sinal de que o fantasma de Mourinho parecia ter ficado para trás mas a idade do plantel assustava o mais optimista. Em dois anos a directiva decidiu soltar-se da legião montada por Mourinho e seguida por Scolari e apostar no futuro. Os contratos dos veteranos não foram renovados e as saídas multiplicaram-se. Belleti, Deco, Ballack, Carvalho e Anelka foram os primeiros. Drogba, Paulo Ferreira, Kalou, Malouda, Cole e Essien viram as suas pretensões salariais recusadas e os contratos em suspenso. Alex foi vendido ao PSG em Janeiro e em dois anos o clube apostou, sobretudo, em jogadores jovens, com elevado potencial de crescimento e uma cultura futebolistica diferente à do choque e musculo cultivada por Mourinho e Kenyon. Os espanhóis Mata e Romeu, os belgas Lukaku, De Bruyne e Courtois, o repescado Sturridge e o inglês Cahill juntaram-se a um trio lusófono composto por David Luiz, Meireles e Ramires e a um velho sonho do magnata russo, Fernando Torres. Uma verdadeira revolução que ajuda a explicar a situação actual do clube. A velha guarda local – Terry, Lampard e Cole – responsáveis pelas saidas de Mourinho e Scolari – não aceitaram a politica directiva e as opções de Villas-Boas, que os condenou regularmente ao banco de suplentes. Aqueles que viam o contrato expirar criaram um circulo de bloqueio e as novas incorporações nunca demonstram força suficiente para impor-se no balneário. O falhanço desportivo de Torres, Ramires e David Luiz não ajudou a alterar a percepção dos adeptos. Em Stanford Bridge o tempo custa dinheiro. Mais de dois terços dos habituais detentores de lugares anuais ganham mais de 60 mil libras ao ano, são pessoas a que lhes importa muito pouco o amanhã e, sobretudo quando as mudanças implicam questionar o relicário de uma geração que devolveu o clube à glória. Com esse apoio de fundo, o balneário sentiu-se forte. A direcção nunca se postulou definitivamente do lado do técnico – como seria de esperar num projecto construido a pensar nos próximos dois anos – e a posição do sósia de Mourinho, ainda respeitado nas bancadas e no balneário, foi-se debilitando de uma forma que só resultados categóricos poderiam contrariar. Os resultados transformaram-se na consequência da guerra interna e conderam o luso. Salvo que Abramovich, homem de negócios caprichoso mas homem de negócios de todas as formas, saiba ter a paciência que tantas vezes lhe faltou e que sempre significou o imenso abismo que existe entre o Chelsea e o Manchester United, para por um exemplo.
Villas-Boas chegou a Londres com uma aura de sucesso talvez precipitada, tanto pela imprensa inglesa como pelo próprio técnico portuense que saiu do casulo do Dragão ainda muito verde. No entanto parece evidente que o problema do Chelsea é muito mais profundo e problemático do que um simples erro de casting de um técnico pode supor. Os Blues têm de saber ser consequentes com a sua politica de rejuvenescimento do plantel e da mutação do sistema e modelo de jogo aplicado. Se as adagas dos conspiradores fizerem sangue nos próximos Idos de Março, o grande prejudicado acabará sempre por ser o clube que dará mais um passo em falso rumo ao futuro. Villas-Boas pode não ser a solução definitiva mas sinceramente é o número menor nesta problemática equação. A lava do Vesúvio pode ter deixado petrificado o técnico, mas é do dono russo que se espera que contenha o seu habitual vulcão auto-destructivo.