No futebol os ciclos são habitualmente curtos. A metamorfose e evolução do jogo impedem que uma balança esteja desiquilibrada demasiado tempo a favor de um só clube e todos os factores externos por detrás de um projecto de sucesso começam a vir ao de cima, mais cedo que tarde. O mérito tremendo deste FC Barcelona tem sido, desde o momento da sua eruoção, a capacidade de fintar o inevitável. Agora que caminham a dez pontos do rival directo na Liga e continuam a demonstrar um cansaço fisico e mental anormal noutras épocas, os criticos começam a apertar o cerco. Mas se algum projecto desportivo contemporâneo merece o beneficio da dúvida, esse é sem dúvida o Pep Team.
De certa forma o projecto de Guardiola é vitima da euforia que ajudou a criar.
Quando leio ou ouço expressões como melhor equipa da história pergunto-me até que ponto da história do futebol conhece quem expressa verdades tão absolutas. O primeiro que devem saber é que há muitas histórias dentro da história e que sempre, de época a época, houve uma “melhor equipa de sempre”, eventualmente o lider da sua geração e que, inevitavelmente, entrou em decadência e entregou o testemunho ao próximo. Inglaterra, Escócia, Uruguai, Áustria, a Hungria, Brasil, Alemanha, Holanda, França, Argentina ou Espanha alguma vez tiveram direito a essa distinção. No universo de clubes os anos de ouro da Juventus, Schalke 04, FK Austria e do Arsenal dos anos 30 pareciam insuperáveis até aparecer o Torino dos anos 40, o Honved, Wolverampton, Dynamo Moscow, Barcelona e Real Madrid dos anos 50, Benfica, Milan, Inter, Manchester United na década seguinte, o reinado de Ajax, Bayern Munchen e Liverpool nos 70 e 80 e a erupção do projecto AC Milan de Sacchi a final dos 80. E apenas ficando-me pelos onzes europeus. É certo que desde meados dos anos 90, nunca mais voltou a surgir uma equipa tão constante como este Barça. E para os de memória curta ou jovem idade, isso parece suficiente para esquecer tudo o que existiu antes. Mal deste Mundo que vive e sobrevive no imediato. E mal também de um clube que eleva as suas vitórias ao máximo e deprime-se à primeira pedra que lhes aparece pelo caminho. O Barcelona sempre sofreu desse complexo de inferioridade, esse erro de timing que lhe impediu ganhar uma Champions durante 40 anos, que a impediu sempre de revalidar o troféu (algo que a maioria das equipas supracitadas sim logrou) e que apesar de ter tido equipas extraordinárias (a dos anos 50 pré-Di Stefano, o Dream Team de Cruyff, o projecto de van Gaal liderado por Rivaldo e o de Rijkaard por Ronaldinho) sempre foi um clube alimentado pela inconstância. Talvez por isso os primeiros sinais de descontentamento venham da própria Cidade Condal.
Os dez pontos de atraso para o Real Madrid são consideráveis tendo em conta que em 20 jogos os merengues apenas perderam 8.
Para os blaugrana já não parece importar que nos cinco jogos disputados este ano com os merengues o balanço seja de 3 vitórias e 2 empates, uma Supertaça e a final da Copa del Rey. Se é certo que tanto em Agosto como no jogo da segunda mão da Copa, o clube de José Mourinho foi francamente melhor, também é verdade que o punch blaugrana continua a desiquilibrar a balança. Mas o péssimo registo fora de casa do Barça tem marcado o destino da sua performance em liga e é nesses campos onde os titulos se ganham e se perdem.
As goleadas, o futebol-arte e a constante habilidade de surpreender já só se encontram nos duelos no Camp Nou, onde a equipa se mantém invencivel. O plantel curto começou a fazer passar a factura do cansaço, a má preparação fisica causou uma série de lesões musculares inoportunas e Leo Messi, o jogador que está por cima do próprio técnico, como já assumiu Guardiola, ao não descansar nem nos jogos a brincar – no seu afã competitivo com Ronaldo e Maradona, têm contribuido para a situação actual.
Piqué perdeu o brio que o tornou no melhor central do Mundo e este ano já passou mais jogos de “castigo” na bancada que nos últimos três anos juntos. Pedro, Iniesta, Busquets, Sanchez, Xavi, Puyol reincidem com regularidade em problemas fisicos, quase todos eles musculares. Villa e Afellay estão fora de combate para o resto do ano e os jovens Cuenca, Tello, Robert e Thiago têm sido providenciais, mas incapazes de inverter a tendência. O Barcelona é uma equipa com mais posse, mas com menos acerto, com mais passes e menos remates, com mais consciência das suas limitações – fisicas, sobretudo – e menos soluções. É um projecto que necessita uma súbita reinvenção que dificilmente chegará e que pode prenunciar um fim de ciclo. Isso não significa que o Barça tenha deixado de ser o melhor, porque no seu estilo de jogo continua a roçar constantemente a excelência. Mas é o seu modelo de jogo que começa a encontrar rivais preparados e com outras opções capazes de dar a volta ao enigma. O Liverpool de Paisley, o Milan de Sacchi ou o Ajax de Michels continuaram a ganhar nas suas versões posteriores com Fagan/Dalglish, Capello e Kovacks. Mas a magia de terem sido parte de um momento único foi-se evaporando.
O Barcelona tem jogadores, condições financeiras e, sobretudo, um timoneiro, capaz de repetir triunfos nos próximos anos com regularidade. E os seus adeptos (onde se inclui a sempre facciosa imprensa nacionalista catalã) deviam ser os primeiros em saber que este é um projecto sólido e coerente. Mas o toque de realismo que muitos temem, essa chamada à realidade que todos os projectos, tarde ou cedo recebem, pode inclusive prolongar a sua lista de grandes feitos. O Real Madrid de Di Stefano, o Benfica de Eusébio, o Liverpool de Keegan, o Milan de van Basten, todos eles perderam ligas e Champions durante o seu reinado. Mas todos mantiveram-se fieis ao seu ideário e quando todos imaginavam o seu final, souberam reaparecer. Cabe a Guardiola decidir se vai optar pelo fatalismo blaugrana ou pela matéria que define as equipas verdadeiramente grandes.