Pode explicar-se o sucesso recente do Tottenham Hotspurs pela magnifica gestão do técnico inglês Harry Redknapp. Um Manager capaz de inverter a tendência auto-destructiva dos Spurs que voltam a poder proclamar-se, legitimamente, como grandes de Inglaterra. Mas a popularidade dos homens de White Hart Lane deve-se mais à explosão de um génio que esteve a um passo de sair do clube pela porta pequena e que se tornou no símbolo mais icónico dos Spurs desde os dias de Jurgen Klinsmann.
Começou como defesa, popularizou-se como extremo e agora é um verdadeiro jogador total.
O sucesso de Gareth Bale pode ser um verdadeiro case-study de sucesso numa liga que continua a viver mais da importação do que do producto fabricado localmente. Bale esteve perto de ser um dos muitos jovens futebolistas britânicos descartados por um clube grande no momento fulcral da sua formação. Mas a sorte e o olhar clínico de Redknapp permitiram-lhe ser precisamente o oposto, o exemplo a que todos os jovens britanicos olham com esperança de emular. O triunfo de um jogador made in UK é mais importante do que se possa imaginar para a psique de um pais que sempre viveu com um imenso sentido de superioridade face ao futebol continental mas que acabou por entrar numa dinâmica regressiva quando a invasão da legião estrangeira deu à Premier League tudo aquilo que ela era incapaz de produzir apenas com o tipico futebolista insular.
Há 20 anos atrás Gareth Bale seria um de muitos. Hoje é um símbolo de uma tendência que os britanicos procuram inverter sem saber bem como. O abandono progressivo do kick and rush fez-se sobretudo com ajuda externa entre jogadores (Cantona, Ginola, Zola, Bergkamp, Gullit, Vieira, Pires, Henry…) e técnicos (Wenger, Houllier, Mourinho, Benitez) de fora. O típico futebolista local continua a ser, sobretudo, um espelho de uma mentalidade que ainda não mudou onde é verdadeiramente importante: as ruas.
O sucesso do modelo francês e espanhol não contagiou a juventude inglesa que continua a preferir a garra à classe, a força à genica, a coragem ao cinismo. Rooney representou esse espírito quando surgiu do nada, em 2003, mas desde então o futebol britânico falhou nas suas sucessivas promessas. Até chegar Bale.
O gales foi recrutado para as filas do Tottenham depois de dar nas vistas no agónico Southampton. Depois de dois anos entre a equipa júnior e as reservas em White Hart Lane o seu destino parecia ser igual ao de tantos outros, uma dispensa sem honra e uma peregrinação por clubes da League One. Uma realidade nada estranha para um clube com um plantel imenso mas sem um timoneiro. A chegada de Redknapp mudou o rosto do clube e, por arraste, o destino de Bale. A pouco e pouco o jovem gales começou a ser opçao na primeira equipa e em 2009 tornou-se titular indiscutivel como lateral esquerdo dos Spurs.
Com um estilo mais brasileiro do que tipicamente british, a forma como Bale encarou o carril esquerdo assemelhou-se sempre mais à herança canarinha de Djalma Santos e Roberto Carlos do que, propriamente, às lembranças mais icónicas dos laterais habituais da Premier. Bale sabia ocupar o espaço defensivo mas onde realmente fazia a diferença era, sobretudo, na sua acção ofensiva. Com ele como autentico ala o Tottenham tornou-se numa equipa predominantemente ofensiva, com Defoe, Pavluychenko, Modric, Lennon e Huddlestone como elementos fundamentais do equilíbrio ofensivo. Bale tinha carta branca para tornar-se no quinto homem do ataque e os seus golos e assistências revelaram-se fundamentais na extraordinária campanha dos Spurs em 2009/10 com o prémio histórico de um bilhete para a Champions League. Na época seguinte Redknapp imaginou, talvez, que os rivais saberiam que as costas de Bale seriam facilmente exploráveis e preferiu jogar pelo seguro. Abdicando de Modric no flanco esquerdo – movendo-o para trás do ponta de lança – o inglês avançou Bale como extremo e fez dele o elemento nuclear do jogo ofensivo da sua equipa. Na Europa só o Real Madrid travou, nos quartos-de-final, a espantosa campanha dos Spurs que teve consequencias domésticas, um quinto lugar que, no entanto, não deixava de ser meritório. A pesar do génio de Modric, da classe de van der Vaart e do papel central de Redknapp nenhum adepto duvidava do verdadeiro papel de estrela de Bale no projecto Spur.
2011-12 permitiu ao galês que tantos associam a Ryan Giggs, esse veterano incombustível, dar o passo que faltava. Pela primeira vez desde a década de 80 o Tottenham finalmente pode reclamar que está, de pleno direito, na luta pelo titulo que lhe escapa desde os dias de Jimmy Greaves. Bale já não é só um extremo letal, talvez um dos mais eficazes do Mundo. Agora é um verdadeiro futebolista completo, um verdadeiro joker sem posição fixa no esquema do Tottenham que tanto surge nas alas (esquerda e direita) como surge no eixo central, diante de Modric, a romper linhas. Da mesma forma que Mourinho descobriu em Di Maria um tempestuoso punhal na medular, também Redknapp fez de Bale um falso extremo imprevisível. O seu papel central trouxe ainda mais dinamismo ao jogo veloz do Tottenham e, sobretudo, reforçou o seu papel de estrela mundial de pleno direito, jogador de referencia em qualquer canto do Mundo. Para os britânicos a sua ascensão é um genuíno motivo de alegria. Apesar do talento de Whilshere, Jones, Wellbeck, Wyler, Hart, Cleverley, Adam, Henderson, Young ou Carroll, exemplos de uma Inglaterra genuinamente renovada, cabe a um gales como Bale ser o jogador insular bandeira de uma prova onde os estrangeiros começam a perder o protagonismo que tiveram até às saídas de Henry e Ronaldo e em que o futebol histórico britânico volta a ser referencia nas ruas onde a camisola de Bale vale tanto como o nome de Messi.